“A Constituição se manteve durante 65 anos, foi a mais longa de nossa história constitucional” (BONAVIDES, p. 104), daí a enorme importância de se conhecer esse instrumento jurídico que fixou as bases da organização do Estado em um período tão extenso.
O texto da Lei Maior é bastante conciso, limitando-se a tratar quase que exclusivamente dos temas que são considerados realmente matéria constitucional, isto é, o que diz respeito “aos limites e atribuições respectivas dos poderes políticos e aos direitos políticos e individuais dos cidadãos.”
Classificada como semirrígida, a Constituição previa um complexo e rígido processo para alterações (emendas) das matérias propriamente constitucionais, mas fixava que o demais temas tratados na Lei Maior, isto é, os que fossem apenas formalmente constitucionais, poderiam ser alterados pelo procedimento legislativo. O que denota a importância dada aos temas materialmente constitucionais.
1. A religião
À religião é dado grande destaque no texto da Lei Maior Império. A própria outorga da Constituição se dá “EM NOME DA SANTÍSSIMA TRINDADE”.
O art. 5º prevê como oficial do Império a “Religião Cathólica Apostólica Romana”, todavia, consagra a liberdade de culto, desde que doméstico ou particular, sem identificação externa do templo.
Alguns artigos preveem que nos juramentos do Imperador e dos príncipes constará a promessa defesa da Religião Católica. Também a atribuição conferida ao Poder Executivo para nomear bispos, nos termos do art. 102, inciso II, é uma marca dessa relação entre Estado e Igreja Católica.
O princípio da liberdade de culto também está expresso no art. 6º, inciso V, que possibilita a naturalização de estrangeiros que professem outra religião e no art. 179, inciso V, que veda a perseguição por motivos religiosos; o que pode, sem dúvida, ser considerado de caráter bastante liberal para a época.
2. A organização do Estado
O art. 10 prevê a organização do Estado em quatro poderes: o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e o Moderador
Sobre o Judiciário as disposições são tímidas, ficando a regulamentação para a legislação ordinária.
Quanto ao legislativo são fixadas as regras eleitorais. O voto era censitário, podendo votar os homens livres, com mais de 25 anos, e que tivessem renda acima de cem mil réis, mesmo se analfabetos.
“Esta renda era muito pequena e a maioria da população a possuía. (...) A extensão do voto era mais ampla do que na Inglaterra, onde até 1832 uma pequena oligarquia controlava o parlamento. Era mais ampla do que na Suécia, na Noruega, na Espanha, na Holanda, na Bélgica.” (CARVALHO, p. 25).
O sistema Legislativo era bicameral, havendo uma Câmara de Deputados e um Senado, a primeira com 100 membros, eleitos para mandato fixo e o segundo com 50 membros, também eleitos, mas escolhidos em lista tríplice pelo Imperador para mandato vitalício.
As atribuições de cada uma das casas e o processo legislativo estão extensamente regulados pela Constituição.
Ao Poder Executivo, exercido pelo Imperador em conjunto com os Ministros, cabia a condução da administração pública e dos negócios do Estado, além da representação internacional. Todavia, as atribuições expressas no texto são poucas.
Por fim, o Poder Moderador é o que merece maior destaque. Objeto de diversos conflitos e discussões durante toda a vigência da Constituição de 1824. Baseado no pensamento de Benjamim Constant, que se inspirou na monarquia inglesa, o Poder Moderador brasileiro tinha natureza diversa daquela proposta pelo pensador francês.
O modelo proposto tinha como cenário uma Monarquia Parlamentarista, onde o Poder Executivo fosse controlado por um conselho de ministros, dirigido por um primeiro ministro, escolhidos pelo parlamento, sendo o poder do monarca um poder neutro, um árbitro dos outros poderes.
Todavia, no Brasil o Poder Moderador fundia-se e confundia-se com o Poder Executivo, uma vez que ambos foram atribuídos pela Constituição ao Imperador, que tinha o poder de nomear e demitir ministros, bem como de dissolver a Câmara dos Deputados quando achasse necessário.
Para a Constituição de 1824 o Poder Moderar “é a chave de todo a organização política.” Todavia, na forma como foi previsto e considerando todos os poderes que foram concentrados nas mãos do Imperador, era, na verdade, uma chave que poderia ser usada para abrir as portas dos outros poderes e exercer controle sobre eles.
“O Poder Moderador da Carta do Império é literalmente a constitucionalização do absolutismo, se é que isto fora possível.” (BONAVIDES, p. 106).
3. A declaração de direitos
O art. 179 consagra uma extensa declaração de direitos. Entre eles não estão apenas chamados direito de primeira geração, ou aqueles estritamente individuais, típicos dos Estados liberais; mas também alguns direitos sociais, chamados de segunda geração, e que só se disseminaram pelo mundo no século XX.
Entre os direitos e garantias fundamentais destacam-se o princípio da legalidade, segundo o qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei; o princípio da irretroatividade da lei, que consagra a segurança jurídica; a liberdade de expressão e de imprensa; a liberdade religiosa e de trânsito (locomoção); a inviolabilidade de domicílio e de correspondência; a proteção contra prisão arbitrária e a proibição de penas cruéis; o direito de petição aos poderes públicos; além da igualdade jurídica e tributária dos cidadãos brasileiros.
No campo econômico estão garantidos os princípios do liberalismo, expressos na consagração da propriedade privada; na livre iniciativa; e na proteção da propriedade intelectual.
Já no que tange aos direitos sociais, destacam-se o direito à educação primária, gratuita a todos; e a garantia dos socorros públicos.
4. Uma Constituição de várias faces
Se de um lado a Constituição do Império estava em consonância com a mais atualizada doutrina liberal de seu tempo, no que tange à consagração de um extenso rol de direitos e garantias fundamentais, inclusive consagrando os princípios do liberalismo econômico. De outro continuava presa a uma estrutura de poder com resquícios do Antigo Regime, uma vez que previa uma grande concentração de atribuições nas mãos do Imperador, que além do Poder Executivo, exercia o Poder Moderador, o que lhe conferia “a chave” para controlar “toda a organização política” do Império.
Não se pode ignorar também que o texto de 1824 se mostra bastante avançado, uma vez que garante alguns direitos sociais, o que só foi visto nas constituições ao redor do mundo no século XX.
Nas palavras de Paulo Bonavides e Paes de Andrade:
“A Constituição do Império foi, em suma, uma Constituição de três dimensões: a primeira voltada para o passado trazendo as graves sequelas o absolutismo; a segunda dirigida para o presente, efetivando, em parte e com êxito, no decurso de sua aplicação, o programa do Estado Liberal; e uma terceira, à primeira vista desconhecida e encoberta, pressentindo já o futuro, conforme acabamos de apontar.” (BONAVIDES, p. 111).
5. Conclusões.
Era contraditória a Lei Maior do Império. Se de um lado era bastante liberal, consagrando diversos direitos e garantias fundamentais, como a liberdade de manifestação do pensamento e de culto, aderindo ao liberalismo econômico, e até mesmo avançado na garantia de alguns direitos sociais. De outro previa a concentração de poderes nas mãos do Imperador, que acumulava o Poder Executivo e o Poder Moderador; esse último tido como a “chave de toda a organização política”, atribuindo ao monarca a livre escolha dos ministérios e o poder de dissolver a Câmara dos Deputados, num viés claramente absolutista e conservador.
O alcance do texto constitucional é incomparável, pois equaliza, num único instrumento legal, valores liberais e conservadores, os primeiros vindos da Revolução Francesa e os últimos da Santa Aliança e do absolutismo.
Fruto de seu tempo, a Constituição do Império é resultado da influência do pensamento liberal e da tradição absolutista portuguesa; bem como das forças políticas que se relacionaram no seu processo construção. Nasceu da disputa entre o “partido português” e o “partido brasileiro”, entre conservadores e liberais, mas principalmente da força pessoal exercida pelo Imperador.
Sobre essa disputa, afirma Raymundo Faoro que “a Assembleia Constituinte não conseguiu estruturar a ordem política de modo a conciliar, organicamente, o imperador ao País.” (FAORO Apud BONAVIDES, p. 100). O impasse foi resolvido por D. Pedro I, em seu próprio favor, com a dissolução da Assembleia Constituinte e a outorga da Carta de 25 de março de 1824.
Sem dúvida, da “Constituição Política do Império do Brazil” podemos extrair muito do que foi e do que pretendia ser a jovem nação brasileira em seus primeiros passos como um Estado independente.
6. Fontes
BONAVIDES, Paulo e ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 6ª Ed. Brasília : OAB Editora, 2004.
CARVALHO, José Murilo de. A Monarquia Brasileira. Rio de Janeiro : Ao Livro Técnico, 1993.
HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito Constitucional. Belo Horizonte : Del Rey, 1995.
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das, e MACHADO, Humberto Fernandes. O Império do Brasil. Rio de Janeiro : Nova Fronteira. 1999.
SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Positivo. 15ª Ed. São Paulo : Malheiros, 1998.
WOLKMER, Antônio Carlos. História do Direito no Brasil. 2ª Ed. Rio de Janeiro : Forense, 2002.
Constituição Política do Império do Brazil de 1824. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao24.htm
Procurador Federal; Subprocurador da Procuradoria Federal no Estado de Minas Gerais; Especialista em Direito Processual pela PUC/MG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REZENDE, Marcus Vinícius Drumond. A Constituição Política do Império do "Brazil": breve análise da estrutura, das características e dos principais temas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 fev 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38248/a-constituicao-politica-do-imperio-do-quot-brazil-quot-breve-analise-da-estrutura-das-caracteristicas-e-dos-principais-temas. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Precisa estar logado para fazer comentários.