1. Introdução
O direito processual civil brasileiro vem passando por sensíveis e necessárias mudanças, a fim de se buscar maior racionalidade na tramitação das ações judiciais e garantir a observância, dentre outros, do princípio da razoável duração do processo, insculpido no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição da República de 1988.
Nesse sentido, tem-se atribuído relevante papel ao sistema dos precedentes judiciais, de modo a evitar a tramitação de processos e o conhecimento de recursos contrários à jurisprudência pacificada dos tribunais superiores.
A edição da lei nº 12.844/2013 demonstra a consolidação desse sistema dos precedentes judiciais, na medida em que ampliou as hipóteses de autorização para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional não contestar, não interpor recurso e desistir daquele que tenha sido interposto.
2. Desenvolvimento
Há algum tempo a sociedade brasileira clama por melhorias no ritmo de tramitação de processos no Poder Judiciário, no intuito de garantir a efetiva prestação da tutela jurisdicional e a observância, dentre outros, do princípio constitucional da razoável duração do processo.
Dentre as medidas adotadas, pode-se citar o art. 543-B e art. 543-C, do Código de Processo Civil, a seguir transcritos:
Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.
§ 1º Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.
§ 2º Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.
§ 3º Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.
§ 4o Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.
§ 5º O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral.
Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo.
§ 1o Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça.
§ 2o Não adotada a providência descrita no § 1o deste artigo, o relator no Superior Tribunal de Justiça, ao identificar que sobre a controvérsia já existe jurisprudência dominante ou que a matéria já está afeta ao colegiado, poderá determinar a suspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida.
§ 3o O relator poderá solicitar informações, a serem prestadas no prazo de quinze dias, aos tribunais federais ou estaduais a respeito da controvérsia.
§ 4o O relator, conforme dispuser o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça e considerando a relevância da matéria, poderá admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia.
§ 5o Recebidas as informações e, se for o caso, após cumprido o disposto no § 4o deste artigo, terá vista o Ministério Público pelo prazo de quinze dias.
§ 6o Transcorrido o prazo para o Ministério Público e remetida cópia do relatório aos demais Ministros, o processo será incluído em pauta na seção ou na Corte Especial, devendo ser julgado com preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.
§ 7o Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobrestados na origem:
I - terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou
II - serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça.
§ 8o Na hipótese prevista no inciso II do § 7o deste artigo, mantida a decisão divergente pelo tribunal de origem, far-se-á o exame de admissibilidade do recurso especial.
§ 9o O Superior Tribunal de Justiça e os tribunais de segunda instância regulamentarão, no âmbito de suas competências, os procedimentos relativos ao processamento e julgamento do recurso especial nos casos previstos neste artigo.
Outra importante medida foi a previsão da existência de repercussão geral como requisito para o conhecimento de recurso extraordinário, conforme o art. 102, §3º, da Constituição da República, c/c art. 543-A, do Código de Processo Civil.
De fato, o sistema de precedentes judiciais tem importante papel na garantia da efetiva prestação jurisdicional, até mesmo porque justiça tardia não é justiça, conforme já pontuava Ruy Barbosa, em Discurso na Faculdade de Direito de São Paulo, em 1920.
Nessa linha de raciocínio, o Congresso Nacional tem se sensibilizado para dotar o Poder Judiciário de medidas aptas a garantir a observância do princípio constitucional da razoável duração do processo.
Nesse contexto, foi editada a lei nº 12.844, de 19 de julho de 2013, que promoveu alteração na lei nº 10.522/2002.
O art. 19, da lei nº 10.522/2002, passou a vigorar com a seguinte redação:
Art. 19. Fica a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional autorizada a não contestar, a não interpor recurso ou a desistir do que tenha sido interposto, desde que inexista outro fundamento relevante, na hipótese de a decisão versar sobre: (Redação dada pela Lei nº 11.033, de 2004)
I - matérias de que trata o art. 18;
II - matérias que, em virtude de jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal Superior do Trabalho e do Tribunal Superior Eleitoral, sejam objeto de ato declaratório do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, aprovado pelo Ministro de Estado da Fazenda; (Redação dada pela Lei nº 12.844, de 2013)
III - (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.788, de 2013)
IV - matérias decididas de modo desfavorável à Fazenda Nacional pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de julgamento realizado nos termos do art. 543-B da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil; (Incluído pela Lei nº 12.844, de 2013)
V - matérias decididas de modo desfavorável à Fazenda Nacional pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de julgamento realizado nos termos dos art. 543-C da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, com exceção daquelas que ainda possam ser objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal. (Incluído pela Lei nº 12.844, de 2013)
§ 1o Nas matérias de que trata este artigo, o Procurador da Fazenda Nacional que atuar no feito deverá, expressamente: (Redação dada pela Lei nº 12.844, de 2013)
I - reconhecer a procedência do pedido, quando citado para apresentar resposta, inclusive em embargos à execução fiscal e exceções de pré-executividade, hipóteses em que não haverá condenação em honorários; ou (Incluído pela Lei nº 12.844, de 2013)
II - manifestar o seu desinteresse em recorrer, quando intimado da decisão judicial. (Incluído pela Lei nº 12.844, de 2013)
§ 2o A sentença, ocorrendo a hipótese do § 1o, não se subordinará ao duplo grau de jurisdição obrigatório.
§ 3o Encontrando-se o processo no Tribunal, poderá o relator da remessa negar-lhe seguimento, desde que, intimado o Procurador da Fazenda Nacional, haja manifestação de desinteresse.
§ 4o A Secretaria da Receita Federal do Brasil não constituirá os créditos tributários relativos às matérias de que tratam os incisos II, IV e V do caput, após manifestação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional nos casos dos incisos IV e V do caput. (Redação dada pela Lei nº 12.844, de 2013)
§ 5o As unidades da Secretaria da Receita Federal do Brasil deverão reproduzir, em suas decisões sobre as matérias a que se refere o caput, o entendimento adotado nas decisões definitivas de mérito, que versem sobre essas matérias, após manifestação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional nos casos dos incisos IV e V do caput. (Redação dada pela Lei nº 12.844, de 2013)
§ 6o - (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.788, de 2013)
§ 7o Na hipótese de créditos tributários já constituídos, a autoridade lançadora deverá rever de ofício o lançamento, para efeito de alterar total ou parcialmente o crédito tributário, conforme o caso, após manifestação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional nos casos dos incisos IV e V do caput. (Incluído pela Lei nº 12.844, de 2013)
A lei nº 12.844/2013 alterou a redação do art. 19, inc. II, da lei nº 10.522/2002, para contemplar, além do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal Superior do Trabalho e o Tribunal Superior Eleitoral, a fim de que as respectivas jurisprudências pacificadas também sejam aptas à edição de ato declaratório da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, aprovado pelo Ministro da Fazenda, com o intuito de autorizar os membros da Procuradoria da Fazenda Nacional a não contestar nem recorrer naquelas demandas judiciais.
Por outro lado, a novel lei tratou de autorizar a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a não contestar, a não interpor recurso ou a desistir do que tenha sido interposto, desde que inexista outro fundamento relevante em matérias decididas de modo desfavorável à Fazenda Nacional pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de julgamento realizado nos termos do art. 543-B, do CPC, e em matérias decididas de modo desfavorável à Fazenda Nacional pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de julgamento realizado nos termos do art. 543-C, do CPC, com exceção daquelas que ainda possam ser objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal.
Tal previsão é de grande relevância para evitar a procrastinação de demandas nas quais os Tribunais Superiores possuem entendimento consolidado em decisões proferidas sob o rito dos recursos repetitivos, o que reafirma a importância do sistema dos precedentes judiciais.
A lei nº 12.844/2013 trouxe importante espécie de sanção premial ao prever que quando o membro da Procuradoria da Fazenda Nacional reconhecer a procedência do pedido quando a Fazenda Nacional for citada, não haverá condenação em honorários sucumbenciais, inclusive em sede de embargos à execução e exceções de pré-executividade, conforme art. 19, §1o, inciso I, da lei nº 10.522/2002.
O parágrafo 2o do referido dispositivo ainda afastou a subordinação da decisão judicial na hipótese do art. 19, §1º, da lei nº 10.522/2002, ao duplo grau de jurisdição obrigatório, o que, de fato, não se justifica, sob pena de contrariar a própria ratio legis.
A novel legislação ainda ampliou a possibilidade de a Secretaria da Receita Federal do Brasil não constituir os créditos tributários, contemplando, além das matérias de que trata o art. 19, inciso II, da lei nº 10.522/2002, aquelas decididas de modo desfavorável à Fazenda Nacional pelo STF e STJ, em sede de julgamento realizado nos termos do art. 543-B e art. 543-C, do CPC, respectivamente, nesses casos após manifestação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
Outrossim, se se tratar de créditos tributários já constituídos, a autoridade lançadora deverá, no exercício da autotutela, rever de ofício o lançamento, alterando total ou parcialmente o crédito tributário, conforme o caso, após manifestação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional nos casos do art. 19, incisos IV e V, da lei nº 10.522/2002.
Por certo, a alteração legal não atenderia aos anseios da sociedade se não houvesse a possibilidade de a própria Secretaria da Receita Federal do Brasil deixar de constituir créditos tributários que, sabidamente, não terão sua exigência reconhecida pelo Poder Judiciário, em razão de entendimentos pacificados no âmbito dos Tribunais Superiores.
A despeito das alterações promovidas pela lei nº 12.844/2013, não se pode desconsiderar a possibilidade de aplicação das técnicas do distinguishing – que permite o afastamento do precedente jurisprudencial em razão de uma circunstância fundamental que o distingue da situação fática anterior[1] – e do overruling – que propõe a superação de determinado entendimento jurisprudencial anteriormente firmado em razão de novas bases jurídicas aptas a embasar a mudança de posicionamento nos Tribunais.
Contudo, conquanto o art. 19, caput, da lei nº 10.522/2002, disponha como uma espécie de autorização, há de se entender que, excetuadas as hipóteses do parágrafo anterior, o aludido dispositivo trata de verdadeiro dever funcional do membro da Procuradoria da Fazenda Nacional, pelo menos quanto aos incisos IV e V, até mesmo porque o próprio §1º é expresso ao prever que o Procurador da Fazenda Nacional que atuar no feito deverá reconhecer expressamente a procedência do pedido ou manifestar o respectivo desinteresse em recorrer.
3. Conclusão
O sistema dos precedentes jurisprudenciais tem se consolidado a cada dia no ordenamento jurídico brasileiro. O legislador tem demonstrado preocupação com o ritmo de tramitação dos processos judiciais, com o intuito de conferir efetiva aplicação do princípio da razoável duração do processo, previsto no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição da República de 1988.
Nesse sentido, foi editada a lei nº 12.844/2013 que, alterando a lei nº 10.522/2002, ampliou as hipóteses de autorização para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional não contestar, não interpor recurso e desistir daquele que tenha sido interposto, conforme explicitado acima.
De fato, muito ainda há de ser feito para que se garanta a efetividade na prestação da tutela jurisdicional e a razoável duração do processo.
Contudo, a novel legislação afigura-se como importante medida para a consolidação do sistema dos precedentes jurisprudenciais e, por conseguinte, para garantir um processo judicial mais célere e que atenda aos anseios da sociedade.
4. Referências bibliográficas
- DIDIER JR. Fredie. CUNHA. Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 3. Salvador: Editora Juspodivm, 2013.
- MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro. 29ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
- NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 3ª edição. São Paulo: Editora Método, 2011.
- NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 6ª edição. Editora Malheiros, 2012.
Procurador Federal. Especialista em Direito Processual Civil.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Gustavo D' Assunção. A evolução do sistema dos precedentes judiciais à luz da lei nº 12.844/2013 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 fev 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38280/a-evolucao-do-sistema-dos-precedentes-judiciais-a-luz-da-lei-no-12-844-2013. Acesso em: 23 dez 2024.
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