RESUMO: A aplicação do princípio ou máxima da proporcionalidade como instrumento para resolver conflitos aparentes entre princípios e a aplicação no caso concreto pelo STF no julgamento da ADPF 101/DF.
PALAVRAS-CHAVES: Direitos Fundamentais. Máxima da Proporcionalidade. Ponderação.
ABSTRACT: The application of the principle or maxim of proportionality as a tool to resolve apparent conflicts between principles and application in this case by the Supreme Court's judgment ADPF 101/DF.
KEYWORDS: Fundamental Rights. Maximum of Proportionality. Deliberation.
Sumário: 1.Introdução. 2. O Princípio da Proporcionalidade. 2.1 Definição e Origem Histórica. 2.2 A Máxima da Proporcionalidade- instrumento para sopesamento. 3. A Máxima da Proporcionalidade à luz do STF: ADPF 101/DF 4.Conclusão.5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem o escopo de analisar a aplicabilidade da máxima da proporcionalidade e sua aplicação em aparente conflito de princípios, segundo os mais recentes julgados do STF.
Isso porque tem se entendido que é possível o sopesamento (análise dos pesos) quando mais de um princípio puder ser aplicado a determinado caso concreto, de forma colidente.
Muito já se escreveu sobre o princípio da proporcionalidade, mas o que se pretende demostrar com o presente ensaio é em quais casos seria possível a aplicação da máxima da proporcionalidade como instrumento para definir o principio prevalente no caso concreto e como posiciona-se o Supremo Tribunal Federal em tais casos.
Antes de adentrar nessa análise específica, entretanto, faz-se necessário contextualizar em que sentido estar-se-á a falar do principio da proporcionalidade.
2. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.
2.1 Definição e origem histórica.
Definir o princípio da proporcionalidade não é tarefa das mais simples, mormente por não ser um conceito unívoco. Etimologicamente está ligado à ideia de proporção, justa medida, adequação, proibição de excesso.
Tal postulado teve origem com a defesa dos Direitos Humanos e com o surgimento do Estado de Direito. Surgiu inicialmente no âmbito do direito administrativo, relacionado ao Poder de Polícia da Administração. Willis Santiago Guerra filho[1] esclarece que foi Friederich Wilhelmm, em 1791, na conferência proferida diante do Rei da Prússia, quem propôs como princípio fundamental do Direito Público que o Estado só esteja autorizado a limitar a liberdade dos indivíduos na medida em que for necessário, para que se mantenha a liberdade e segurança de todos.
No mesmo sentido, Chade Rezek Neto[2] afirma que o princípio da proporcionalidade, em seu início, tratava apenas da limitação do poder executivo, considerado como uma medida para as restrições administrativas da liberdade individual.
Já no âmbito do Direito constitucional, o princípio da proporcionalidade somente surgiu com o aparecimento do Estado Moderno, com destaque para a Magna Carta da Inglaterra, de 1215. Foi na Alemanha, entretanto, que tal postulado ganhou força constitucional, com o fim da 2ª guerra Mundial.
É comum confundir-se tal princípio com o da a razoabilidade, havendo até quem defenda a existência de fungibilidade entre eles, como parece ser o caso do Supremo Tribunal Federal, que usa os dois termos indiscriminadamente. Virgilio Afonso da Silva[3], em artigo sobre o tema, brilhantemente esclarece as desigualdades entre tais princípios, ressaltando as diferenças quanto à origem e estrutura:
A regra da proporcionalidade é uma regra de interpretação e aplicação do direito - no que diz respeito ao objeto do presente estudo, de interpretação e aplicação dos direitos fundamentais -, empregada especialmente nos casos em que um ato estatal, destinado a promover a realização de um direito fundamental ou de um interesse coletivo, implica a restrição de outro ou outros direitos fundamentais. O objetivo da aplicação da regra da proporcionalidade, como o próprio nome indica, é fazer com que nenhuma restrição a direitos fundamentais tome dimensões desproporcionais. É, para usar uma expressão consagrada, uma restrição às restrições. Para alcançar esse objetivo, o ato estatal deve passar pelos exames da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Esses três exames são, por isso, considerados como sub-regras da regra da proporcionalidade.
Desse modo, enquanto a proporcionalidade tem ligação estreita com o Direito Constitucional e decorre da natureza pricipiológica dos direitos fundamentais, a razoabilidade esta está mais ligada ao Direito Administrativo.
No ordenamento jurídico brasileiro o princípio da proporcionalidade não consta expressamente da constituição Federal, somente tendo sido mencionado na Lei do Processo Administrativo Federal, qual seja a Lei 9784/99.[4] É pacifico entre os doutrinadores, entretanto, que o dito postulado pertence de maneira implícita ao Direito Pátrio e decorre do Principio do Devido Processo Legal. Nesse sentido, afirma Gilmar Ferreira Mendes, em artigo publicado [5], na Revista Diálogo Jurídico:
[...]
Portanto, o Supremo Tribunal Federal considerou que, ainda que fosse legítimo o estabelecimento de restrição ao direito dos partidos políticos de participar do processo eleitoral, a adoção de critério relacionado com fatos passados para limitar a atuação futura desses partidos parecia manifestamente inadequada e, por conseguinte, desarrazoada.
Essa decisão parece consolidar o desenvolvimento do princípio da proporcionalidade como postulado constitucional autônomo que tem a sua sede material na disposição constitucional sobre o devido processo legal (art. 5o, inciso LIV).( grifei)
2.2 A máxima da proporcionalidade.
Dentre as acepções de proporcionalidade, aqui será utilizada aquela defendida por Robert Alexy, em sua obra Teoria dos Direitos fundamentais[6], ou seja, a máxima da proporcionalidade como instrumento de sopesamento de princípios.
No presente artigo não se faz possível adentrar em todas as nuances da Teoria desenvolvida por Alexy. Há, entretanto, de se demostrar as bases teóricas em que ela se fundamenta. Nesse ponto relevante dizer que Alexy vê os direitos fundamentais como princípios e estes como mandamentos de otimização, o que os diferencia das regras jurídicas.
Assim, enquanto as regras ou são válidas ou inválidas e, nesse caso, devem ser retiradas do ordenamento, valendo a regra do tudo ou nada, os princípios devem ser sopesados, com base nos fundamentos fáticos e jurídicos, em cada caso concreto.
Segundo Gilmar Ferreira Mendes,[7] Ronald Dworkin defende que a diferença entre regras e princípios é de natureza lógica e decorre dos respectivos modos de aplicação:
Com efeito, em razão de sua estrutura normativo-material - se A deve ser B- as regras são aplicadas à maneira de proposições disjuntivas, isto é, se ocorrerem os fatos descritos na sua hipótese de incidência e se elas forem normas válidas, de acordo com as regras de conhecimento do sistema a que pertencem, as suas prescrições incidirão necessariamente sobre esses fatos, regulando-os na exata medida do que estatuírem e afastando-como inválidas- outras regras que, eventualmente, possam concorrer ou entrar em conflito com elas.
...
Daí se dizer que na aplicação aos casos ocorrentes, as regras-disjuntivamente- valem ou não valem, incidem ou não incidem, umas afastando os anulando as outras, sempre que para uma mesma situação de fato existam consequências jurídicas antinômicas ou reciprocamente excludentes, uma solução que é logica só nas aparências e não revela o intricado jogo consigo mesmo que, em qualquer instancia, o aplicador do direito é obrigado a disputar ate descobrir e/ou eleger as normas que levará em conta para decidir as causas ou controvérsias submetidas ‘a sua apreciação.
Ainda segundo Alexy[8], princípios são sempre razões prima facie e regras são, se não houver o estabelecimento de alguma exceção, razões definitivas. Ele esclarece[9]:
Princípios são mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas e fáticas. A máxima da proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, a exigência de sopesamento, decorre da relativização em face das possibilidades jurídicas. Quando uma norma de direito fundamental com caráter de princípio colide com um principio antagônico, a possibilidade jurídica para a realização dessa norma depende do principio antagônico. Para se chegar a uma decisão é necessário um sopesamento nos termos da lei de colisão. Visto que a aplicação de princípios validos- caso sejam aplicáveis- é obrigatória, e visto que para essa aplicação, nos casos de colisão, é necessário um sopesamento, o caráter principiológico das normas de direito fundamental implica a necessidade de um sopesamento quando elas colidem com princípios antagônicos, isso significa, por sua vez, que a máxima da proporcionalidade é dedutível do caráter principiológico das normas de direito fundamental.
Diante de um conflito aparente entre regras, o hermeneuta deve valer-se dos critérios cronológico, hierárquico e da especialidade, de modo a eliminar a aparente colidência.
De outro lado, a colisão entre princípios há de ser resolvida com a aplicação da máxima da proporcionalidade. Isso porque princípios são normas que determinam que algo seja realizado na maior medida possível[10], dentre as possiblidades fáticas e jurídicas, após o sopesamento. Ambos os princípios permanecem no ordenamento jurídico, devendo-se apenas ser escolhida a interpretação que lhes dê maior efetividade. Robert Alexy critica a terminologia princípio da proporcionalidade, chamando atenção para o fato de que esse instituto não é um princípio propriamente dito, mas uma máxima (ou regra).
O princípio da proporcionalidade possui três subprincípios ou máximas parciais, quais sejam: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Ingo Wolfgang Sarlet[11] foi criterioso ao distingui-los de forma didática:
O princípio da proporcionalidade costuma ser desdobrado em três elementos(subcritérios ou subprincípios constitutivos, como prefere Gomes Canotilho): a) a adequação ou conformidade, no sentido de um controle da viabilidade( isto é, da idoneidade técnica) de que seja em princípio possível alcançar o fim almejado por aquele(s) determinado(s) meio, muito embora, para alguns, para que seja atendido o critério, bastaria que o poder público( mediante ação restritiva) cumpra com o dever de fomentar o fim almejado; b) da necessidade, em outras palavras, a opção pelo meio restritivo menos gravoso para o direito objeto de restrição, exame que envolve duas etapas de investigação: o exame da igualdade de adequação dos meios(a fim de verificar se os meios alternativos promovem igualmente o fim) e, em segundo lugar, o exame do meio menos restritivo( com vista a verificar se os meios alternativos restringem em menor medida os direitos fundamentais afetados);c) proporcionalidade em sentido estrito( que exige a manutenção de um equilíbrio( proporção e, portanto de uma análise comparativa) entre os meios utilizados e os fins colimados, no sentido do que para muitos tem sido também chamado de razoabilidade ou justa medida, já que mesmo uma medida adequada e necessária poderá ser desproporcional.( grifei).
Sobre a adequação e a necessidade, Alexy[12] esclarece que as máximas da adequação e da necessidade expressam a exigência, contida na própria definição de princípio, de uma máxima realização em relação às possiblidades fáticas. Ou seja, com a máxima da adequação busca-se excluir meios inadequados e, com a máxima da necessidade escolhe-se o meio menos gravoso, aquele que intervenha de modo menos intenso do princípio[13].
Já a proporcionalidade em sentido estrito é idêntica à lei de sopesamento: Quanto maior for o grau de não-satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior terá que ser a importância da satisfação do outro.[14]
Dada uma colisão entre direitos fundamentais, o intérprete deverá utilizar o princípio da proporcionalidade para tentar harmonizar os bens, os valores e os interesses envolvidos no caso concreto. Diante das possibilidades fáticas e jurídicas existentes no caso concreto, deverá se buscar uma relação de precedência condicionada, e não absoluta. Assim, os interesses conflitantes, que aparentemente têm o mesmo nível, terão pesos diferentes no caso concreto.
Vale dizer, ainda, que falar do princípio da proporcionalidade é falar, também, de restrições aos direitos fundamentais. Com efeito, o postulado da proporcionalidade é ao mesmo tempo critério de ponderação para resolver conflitos aparentes entre princípios, bem assim limite à restringibilidade de direito fundamental. Aplica-se, portanto, tanto ao Poder Legislativo, quanto ao Poder Judiciário.
3. A MÁXIMA DA PROPORCIONALIDADE À LUZ DO STF: ADPF 101/DF
Para o presente estudo, dada sua brevidade, faz-se necessário e escolher de julgados importantes sobre o tema, de modo a tornar clara a posição do STF, se é que isso se faz possível. Para tanto, optou-se por esmiuçar a ADPF nº 101, Rel. Min. Cármen Lúcia ( Plenário, DJE de 4-6-2012), cuja acórdão foi assim ementado:
EMENTA: ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL: ADEQUAÇÃO. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. ARTS. 170, 196 E 225 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. CONSTITUCIONALIDADE DE ATOS NORMATIVOS PROIBITIVOS DA IMPORTAÇÃO DE PNEUS USADOS. RECICLAGEM DE PNEUS USADOS: AUSÊNCIA DE ELIMINAÇÃO TOTAL DE SEUS EFEITOS NOCIVOS À SAÚDE E AO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA SAÚDE E DO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. COISA JULGADA COM CONTEÚDO EXECUTADO OU EXAURIDO: IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO. DECISÕES JUDICIAIS COM CONTEÚDO INDETERMINADO NO TEMPO: PROIBIÇÃO DE NOVOS EFEITOS A PARTIR DO JULGAMENTO. ARGUIÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE
1. Adequação da arguição pela correta indicação de preceitos fundamentais atingidos, a saber, o direito à saúde, direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (arts. 196 e 225 da Constituição Brasileira) e a busca de desenvolvimento econômico sustentável: princípios constitucionais da livre iniciativa e da liberdade de comércio interpretados e aplicados em harmonia com o do desenvolvimento social saudável.
Multiplicidade de ações judiciais, nos diversos graus de jurisdição, nas quais se têm interpretações e decisões divergentes sobre a matéria: situação de insegurança jurídica acrescida da ausência de outro meio processual hábil para solucionar a polêmica pendente: observância do princípio da subsidiariedade. Cabimento da presente ação.
2. Arguição de descumprimento dos preceitos fundamentais constitucionalmente estabelecidos: decisões judiciais nacionais permitindo a importação de pneus usados de Países que não compõem o Mercosul: objeto de contencioso na Organização Mundial do Comércio – OMC, a partir de 20.6.2005, pela Solicitação de Consulta da União Europeia ao Brasil.
3. Crescente aumento da frota de veículos no mundo a acarretar também aumento de pneus novos e, consequentemente, necessidade de sua substituição em decorrência do seu desgaste. Necessidade de destinação ecologicamente correta dos pneus usados para submissão dos procedimentos às normas constitucionais e legais vigentes. Ausência de eliminação total dos efeitos nocivos da destinação dos pneus usados, com malefícios ao meio ambiente: demonstração pelos dados.
4. Princípios constitucionais (art. 225) a) do desenvolvimento sustentável e b) da equidade e responsabilidade intergeracional. Meio ambiente ecologicamente equilibrado: preservação para a geração atual e para as gerações futuras. Desenvolvimento sustentável: crescimento econômico com garantia paralela e superiormente respeitada da saúde da população, cujos direitos devem ser observados em face das necessidades atuais e daquelas previsíveis e a serem prevenidas para garantia e respeito às gerações futuras. Atendimento ao princípio da precaução, acolhido constitucionalmente, harmonizado com os demais princípios da ordem social e econômica.
5. Direito à saúde: o depósito de pneus ao ar livre, inexorável com a falta de utilização dos pneus inservíveis, fomentado pela importação é fator de disseminação de doenças tropicais. Legitimidade e razoabilidade da atuação estatal preventiva, prudente e precavida, na adoção de políticas públicas que evitem causas do aumento de doenças graves ou contagiosas. Direito à saúde: bem não patrimonial, cuja tutela se impõe de forma inibitória, preventiva, impedindo-se atos de importação de pneus usados, idêntico procedimento adotado pelos Estados desenvolvidos, que deles se livram.
6. Recurso Extraordinário n. 202.313, Relator o Ministro Carlos Velloso, Plenário, DJ 19.12.1996, e Recurso Extraordinário n. 203.954, Relator o Ministro Ilmar Galvão, Plenário, DJ 7.2.1997: Portarias emitidas pelo Departamento de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – Decex harmonizadas com o princípio da legalidade; fundamento direto no art. 237 da Constituição da República.
7. Autorização para importação de remoldados provenientes de Estados integrantes do Mercosul limitados ao produto final, pneu, e não às carcaças: determinação do Tribunal ad hoc, à qual teve de se submeter o Brasil em decorrência dos acordos firmados pelo bloco econômico: ausência de tratamento discriminatório nas relações comerciais firmadas pelo Brasil.
8. Demonstração de que: a) os elementos que compõem os pneus, dando-lhe durabilidade, é responsável pela demora na sua decomposição quando descartado em aterros; b) a dificuldade de seu armazenamento impele a sua queima, o que libera substâncias tóxicas e cancerígenas no ar; c) quando compactados inteiros, os pneus tendem a voltar à sua forma original e retornam à superfície, ocupando espaços que são escassos e de grande valia, em especial nas grandes cidades; d) pneus inservíveis e descartados a céu aberto são criadouros de insetos e outros transmissores de doenças; e) o alto índice calorífico dos pneus, interessante para as indústrias cimenteiras, quando queimados a céu aberto se tornam focos de incêndio difíceis de extinguir, podendo durar dias, meses e até anos; f) o Brasil produz pneus usados em quantitativo suficiente para abastecer as fábricas de remoldagem de pneus, do que decorre não faltar matéria-prima a impedir a atividade econômica. Ponderação dos princípios constitucionais: demonstração de que a importação de pneus usados ou remoldados afronta os preceitos constitucionais de saúde e do meio ambiente ecologicamente equilibrado (arts. 170, inc. I e VI e seu parágrafo único, 196 e 225 da Constituição do Brasil).
9. Decisões judiciais com trânsito em julgado, cujo conteúdo já tenha sido executado e exaurido o seu objeto não são desfeitas: efeitos acabados. Efeitos cessados de decisões judiciais pretéritas, com indeterminação temporal quanto à autorização concedida para importação de pneus: proibição a partir deste julgamento por submissão ao que decidido nesta arguição.
10. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental julgada parcialmente procedente.
Tratou-se de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ajuizado pelo Presidente da República, sob o argumento de que numerosas decisões de juízes federais das Seções Judiciárias do Ceará, do Espírito Santo, de Minas Gerais, do Paraná, do Rio de Janeiro e de São Paulo, bem como dos Tribunais Regionais Federais da 2ª, 3ª, 4ª e 5ª Região estariam descumprindo os preceitos fundamentais constantes, essencialmente, dos arts. 196 e 225 da Constituição da República, que tratam da saúde e do meio ambiente, ao garantir aos autores das ações a importação de pneus usados e remoldados.
Utilizando-se da máxima da proporcionalidade, foi feita uma ponderação entre os princípios constitucionais da livre iniciativa e da liberdade de comércio, em cotejo com o princípio do direito a um meio-ambiente equilibrado, tendo sido dada primazia aos preceitos constitucionais de saúde e do meio ambiente ecologicamente equilibrado (arts. 170, I e VI e seu parágrafo único, 196 e 225 da CB).
Para tanto, determinou o STF a realização de audiência pública, nos termos do § 1º do art. 6º da Lei n. 9.882/99, ocasião em que especialistas manifestaram-se sobre ambos os argumentos, permitindo ao Tribunal decidir com esteio científico.
Em suas razoes de decidir a relatora Carmen Lucia ressaltou que o exercício da livre iniciativa e da liberdade de comércio, há de se dar em harmonia com o desenvolvimento social saudável, conforme excerto abaixo, extraído do inteiro teor do julgado:
“Ordenar os interesses decorrentes da proibição ou da autorização da importação de pneus usados há de se dar em perfeita consonância com os princípios constitucionais adotados. E, advirta-se, na presente Arguição, há de se atentar a que a questão posta há de ser solucionada como é próprio do Direito, vale dizer, pela racional aplicação das normas vigentes, sem espaço para emocionalismo, menos ainda demagogia no trato do tema. E não se pretenda seja essa questão simples, pois, de um lado, empresas defendem o direito – que, segundo elas, seria o da liberdade de iniciativa - de se utilizarem daquele resíduo para os seus desempenhos, do que advém, inclusive emprego para muitas pessoas, e, de outro, há os princípios constitucionais fundamentais da proteção à saúde e da defesa do meio ambiente saudável em respeito até mesmo às gerações futuras.
[...]
Assim, apesar da complexidade dos interesses e dos direitos envolvidos, a ponderação dos princípios constitucionais demonstra que a importação de pneus usados ou remoldados afronta os preceitos constitucionais da saúde e do meio ambiente ecologicamente equilibrado e, especificamente, os princípios que se expressam nos arts. 170, inc. I e VI e seu parágrafo único, 196 e 225, da Constituição do Brasil.”.
A relatora Ministra CÁRMEN LÚCIA deu procedência parcial ao pedido, entendendo serem constitucionalmente válidos os atos que obstam a importação de pneus usados. Disso resultou a máxima efetividade constitucional, com utilização de interpretação constitucional que permitiu a concordância prática e a eficácia integradora do texto da Constituição.
Ponderou, ainda, que o Brasil produz pneus usados em quantitativo suficiente para abastecer as fábricas de remoldagem de pneus, do que decorre não faltar matéria-prima a impedir a atividade econômica, ao contrário do que alegam as empresas que pretendiam a importação.
4. CONCLUSÃO.
Diante de tudo que foi dito, é possível concluir que em um Estado Democrático de Direito brasileiro não há lugar para a supremacia de um princípio constitucional, devendo ser analisado caso a caso a prevalência de um sobre o outro, com a utilização da máxima da proporcionalidade.
Assim decidiu o Supremo Tribunal Federal ao julgar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 101/DF, em que havia um aparente conflito entre o direito a um meio ambiente sadio e equilibrado e o direito ao livre comércio de bens e mercadorias.
Decidiu o STF pela prevalência do direito de todos a um meio ambiente sadio, livre das substancias poluentes derivadas dos pneus.
5. REFERÊNCIAS.
Livros:
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, tradução Virgílio Afonso da Silva da 5ª Edição alemã, 2ª ed. 2ª tiragem, Malheiros, SP.
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria processual da constituição. São Paulo: Celso Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 2000.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional/Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 4ª ed. Ver e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, 11ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
REZEK NETO, Chade. O Princípio da proporcionalidade no Estado Democrático de Direito. São Pulo: LEMOS e CRUZ, 2004.
Artigos:
MENDES, Gilmar. O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: novas leituras. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, v. 1, nº. 5, agosto, 2001. Disponível em:
<http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 07 de fevereiro de 2014
SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais (São Paulo. Impresso), v. 798, p. 23-50, 2002.
[1]GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria Processual da Constituição. São Paulo: Celso Bastos, 2000, p.75.
[2] REZEK NETO, Chade. O Princípio da proporcionalidade no Estado Democrático de Direito. São Pulo: LEMOS e CRUZ, 2004, p. 17.
[3] SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais (São Paulo. Impresso), v. 798, p. 25, 2002.
[4] Art. 2o .A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
[5] FERREIRA MENDES, Gilmar. O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: novas leituras, Revista Diálogo Jurídico, Ano I – Vol. I – N º. 5 – agosto de 2001 – Salvador – Bahia – Brasil.
[6] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, tradução Virgílio Afonso da Silva da 5ª Edição alemã, 2ª ed. 2ª tiragem. São Paulo, Malheiros, 2012.
[7] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional/Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 4ª ed. Ver e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p 53.
[8]Robert Aley. Ob Cit. P.106
[9]Robert Alexy. Ob.Cit. p.117
[10]Robert Alexy Ob. Cit. P.588
[11] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, 11ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012,p. 407.
[12] Robert Alexy. Ob Cit. p. 588
[13] Ob. Cit. p. 590.
[14] Ob. Cit. P 593.
Procuradora Federal lotada na Procuradoria Seccional Federal em Campinas/SP. Especialista em Direito Público pela Universidade de Brasília. Mestranda em Direito pela UNIMEP-SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FARACHE, Rafaela da Fonseca Lima Rocha. A máxima da proporcionalidade à luz do entendimento do STF na ADPF 101/DF Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 fev 2014, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38290/a-maxima-da-proporcionalidade-a-luz-do-entendimento-do-stf-na-adpf-101-df. Acesso em: 23 dez 2024.
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