Resumo: este trabalho visa mostrar a importância do principio da reserva do possível na concretização dos direitos sociais, demonstrando que sua utilização é necessária quando os recursos do Estado não são suficientes. Contudo, sua utilização não será indiscriminada, possuindo outros princípios como limite a exemplo do princípio do mínimo existencial e o da proibição do retrocesso.
Os direitos sociais foram uma conquista do povo frente ao autoritarismo do Estado que por muito tempo desrespeitou seus direitos básicos. O povo lutou e conseguiu o direito de obter prestações positivas do Estado como forma de igualar materialmente as pessoas. Com a conquista de vários direitos sociais, o Estado ficou impossibilitado de arcar financeiramente com todos eles e, para solucionar este tipo de problema, surgiu o principio da reserva do possível. Contudo, buscando evitar que o Estado se utilizasse desenfreadamente do princípio da reserva do possível para justificar a ausência de prestação de serviços, outros dois passaram a ser utilizados: o princípio da proibição de retrocesso e princípio do mínimo existencial.
O constitucionalismo foi o movimento responsável pelo surgimento dos direitos fundamentais como instrumento de limitação dos poderes estatais.
Existe bastante divergência quanto ao momento exato do surgimento desse movimento, contudo, para a doutrina tradicional, o constitucionalismo surgiu com o advento da Magna Charta Libertatum, de 1215, assinada pelo rei João Sem Terra na Inglaterra.
Com o passar do tempo, esses direitos foram tomando uma proporção cada vez maior, dividindo-se em gerações posteriormente. No inicio, os direitos fundamentais garantiam um “não fazer” do Estado, uma abstenção, obrigando o Estado a respeitar direitos básicos do cidadão como a vida, a propriedade, liberdade de religião, dentre outros. Esses eram os direitos fundamentais de primeira geração que correspondiam aos direitos civis e políticos do povo.
Os direitos de 2ª geração vieram para consagrar um “fazer” do Estado. Revelam os direitos fundamentais culturais, sociais e econômicos. Constituem as liberdades positivas de observância obrigatória de um Estado Social de Direito. São considerados os direitos fundamentais dos menos favorecidos, servindo para garantir uma igualdade material entre as pessoas.
O surgimento dessa nova geração de direitos fundamentais se deu pela necessidade de uma participação ativa do Estado com a finalidade de garantir a igualdade social, exigindo a população que o Estado prestasse serviços voltados à educação, lazer, saúde, alimentação, transporte, etc. Não bastava para o povo que o Estado garantisse liberdade a todos – primeira geração dos direitos fundamentais -, se o Estado não proporcionasse as condições básicas para exercê-la – segunda geração dos direitos fundamentais.
Por último, os direitos fundamentais de 3ª geração correspondem aos direitos transindividuais, ou seja, direitos que pertencem a várias pessoas como o direito a um meio ambiente saudável, por exemplo.
Cabe ressaltar, que os direitos fundamentais se caracterizam por serem históricos, isto é, se acumulam com o passar do tempo, não podendo ser subtraídos. Apenas somam-se mais direitos ao rol já existente.
Os direitos sociais, foco do presente trabalho, assim como os demais direitos, exigem disponibilidade financeira para sua concretização. O Estado precisa ter uma reserva financeira muito vasta para conseguir prestá-los com excelência. Desse fato surgiram alguns problemas sociais: de um lado a população exigia direitos assegurados constitucionalmente e, de outro, o Estado não possuía recursos financeiros suficientes para garantir a população todos esses direitos. Foi com base nesse problema que passou a ser utilizado o princípio da Reserva do Possível. Este princípio tornou-se um limitador da responsabilidade estatal na prestação de direitos de segunda geração. O Estado tem a obrigação de prestar os direitos sociais consagrados constitucionalmente, porém de acordo com suas possibilidades financeiras.
O primeiro relato da utilização do principio da reserva do possível ocorreu em um tribunal alemão que julgava uma ação impetrada por estudantes os quais não foram aceitos na universidade por causa do número limitado de vagas ofertadas pelo Estado. A corte alemã decidiu que, mesmo a legislação nacional garantindo a todos o direito de escolha da profissão, bem como a opção pelo centro de formação, estes direitos estariam limitados às possibilidades financeiras do Estado na sua prestação. Por outras palavras: a prestação positiva estaria limitada a razoabilidade da exigência. Depois dessa decisão alemã, o principio da reserva do possível se expandiu mundo afora, sendo assimilado por vários países inclusive pelo Brasil.
Essa teoria tem como consequência o reconhecimento de que os direitos sociais devem ser efetivados sim pelo Poder Público, mas na medida exata em que isso for possível. Se o Estado não possui condições financeiras para arcar com determinada prestação social, não há o que ser exigido. Segundo o professor Marcelo Alexandrino
Por causa dessa limitação da responsabilidade do Estado nas prestações de direitos fundamentais que o princípio da reserva do possível proporcionou, percebeu-se que sua finalidade havia sido deturpada. Ele passou a ser utilizado de forma a justificar a má prestação dos serviços públicos. Os governantes passaram a alegar ausência de recursos financeiros para se eximirem de suas obrigações constitucionais, quando na verdade recursos existiam. Baseado nesse desvio de finalidade do instituto, estudiosos do direito começaram a tentar limitar a aplicação da reserva do possível. Ressalte-se que o princípio da reserva do possível não pode servir para encobertar a falta de interesse do público na efetivação dos direitos sociais. Para sua alegação, é necessário que o Estado prove a efetiva impossibilidade financeira de sua concretização. Além disso, o principio da reserva do possível é limitado por outros dois princípios: princípio da proibição de retrocesso e do mínimo existencial.
O principio da proibição de retrocesso, também conhecido como effet cliquet, tem por objetivo a proteção dos direitos constitucionais já concretizados pelo legislador, impedindo que o Estado retroceda na sua concessão, retirando direitos já concedidos ao seu povo. Especificamente em relação aos direitos sociais, significa que o Poder Público não poderá retroceder em relação aos direitos já assegurados.
Questão interessante quanto à utilização do principio da proibição do retrocesso refere-se a sua aplicação inclusive ao legislador constituinte derivado e não apenas ao legislador infraconstitucional. Dessa forma, afrontaria o principio da proibição de retrocesso qualquer tipo de emenda constitucional que suprima direitos garantidos constitucionalmente e que já são efetivamente prestados pelo Estado.
Outro principio importante para limitar o principio da reserva do possível é o do mínimo existencial. Segundo esta teoria, o Estado é obrigado a garantir, independentemente de alegações de falta de recursos financeiros, os direitos mínimos básicos de que uma pessoa necessita. Mínimo existencial significa direitos essenciais, imprescindíveis aos seres humanos. O mínimo existencial deve ser visto como o alicerce da vida humana. São aqueles direitos que não necessitam estar escritos em uma constituição para que sejam considerados básicos a sobrevivência dos seres humanos. Visa proteger condições mínimas para uma existência digna como trabalho, salário, alimentação, vestimenta, etc. O mínimo existencial acaba por corresponder aos direitos sociais, direitos esses que exigem uma prestação positiva, um fazer do Estado. O Estado pode alegar limitações financeiras em relação a alguns direitos sociais, mas deve garantir os direitos básicos para assegurar a dignidade da pessoal humana, direito universal garantido a todos.
Por todo o exposto, pode-se concluir que, ao longo da história, está havendo um reconhecimento cada vez maior de direitos fundamentais, principalmente os de segunda geração que requerem uma prestação positiva do Estado. As constituições vêm, cada vez mais, assegurando direitos essenciais ao seu povo deixando de lado os resquícios dos Estados absolutistas, constituindo uma grande vitória para as pessoas de um modo geral. Contudo, deve-se entender que o Estado necessita de recursos financeiros para arcar com todas essas prestações sociais. Quanto mais recursos financeiros tiver o Estado, uma maior quantidade de direitos serão prestados e de forma mais eficaz. O que se deve entender é que o Estado muitas vezes não possui arrecadação suficiente para garantir todos os direitos sociais presentes em uma constituição. É sob esse prisma que se encontra a aplicação do princípio da reserva do possível. Principio este que vem sendo utilizado como meio de suavizar a responsabilidade do Estado na garantia de direitos fundamentais. Direitos constitucionalmente assegurados devem ser sim prestados pelo Estado, mas na medida do financeiramente possível, na medida do razoável. Ocorre que, sob o argumento de falta de recursos financeiros, o Estado não pode deixar de prestar serviços que já foram implementados dentro da sociedade sob pena de ferir o principio da proibição de retrocesso e, muito menos, deixar de prestar direitos mínimos necessários para uma vida com dignidade, pois nesse caso, estaria ferindo o principio do mínimo existencial. O Estado de forma razoável deve sopesar a prestação de serviços públicos e não negligenciar em sua implementação.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRITO, Raquel Nascimento de. Os direitos sociais e suas limitações: principio da reserva do possível e mínimo existencial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 fev 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38294/os-direitos-sociais-e-suas-limitacoes-principio-da-reserva-do-possivel-e-minimo-existencial. Acesso em: 23 dez 2024.
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