Resumo: Trata-se de uma breve análise sobre a conciliação nos juizados especiais, ressaltando a presença da autocomposição como seu princípio norteador nas leis nº 9.099/95 e 10.259/01 e o procedimento previsto para as sessões de conciliação. Também é dada atenção aos problemas que ainda dificultam a ampliação do número de acordos, sobretudo nos Juizados Especiais Federais.
Palavras-chave: Juizados especiais; conciliação; transação.
I. Introdução
Entre os princípios que informam os Juizados Especiais está a autocomposição, portanto, as formas que visam à composição entre as partes são muito bem quistas, sendo que a conciliação é merecedora de destaque.
Como prevê o art. 2º da Lei dos Juizados Especiais (9.099/95), “o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação”. Disposição semelhante também existe no art. 2º, parágrafo único, da Lei dos Juizados Especiais Federais (10.259/01), determinando a observação “[d]os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.
A conciliação é uma das várias alternativas buscadas pelo Estado a fim de conferir maior eficiência à atividade jurisdicional diante de uma demanda crescente pela atuação do Judiciário. Diante disso, este trabalho busca apresentar como deve ocorrer a conciliação, bem como as dificuldades ainda existentes.
II. A Conciliação
Por conciliação entende-se o método heterocompositivo de solução de conflitos em que um terceiro participa ativamente a fim de auxiliar os interessados na solução da lide. O seu objetivo principal é promover a pacificação dos conflitos, uma vez que as próprias partes encontram, de forma consciente, a melhor solução para o litígio, de acordo com a possibilidade de cada uma.
Esse terceiro pode ser o denominado “conciliador”, o qual está expressamente previsto na legislação dos Juizados Especiais, um juiz leigo ou o próprio juiz togado. Conforme o art. 22 da Lei nº 9.099, “a conciliação será conduzida pelo Juiz togado ou leigo ou por conciliador sob sua orientação”.
A Lei nº 12.153/2009 traz em seu art. 16 uma breve explicação sobre as funções do conciliador:
Art. 16. Cabe ao conciliador, sob a supervisão do juiz, conduzir a audiência de conciliação.
§ 1o Poderá o conciliador, para fins de encaminhamento da composição amigável, ouvir as partes e testemunhas sobre os contornos fáticos da controvérsia.
Os atos processuais no procedimento dos Juizados Especiais se iniciam com o Pedido oral (atermação) ou escrito, em seguida há a citação do réu, advindo então a sessão de conciliação. Se o litígio persistir haverá então a audiência de instrução e julgamento, com a oitiva das partes, produção de provas e sentença.
Percebe-se então que a sessão de conciliação ocorre logo no início do processo exatamente para fazer jus aos princípios da celeridade e da autocomposição, e pôr fim, assim, ao litígio antes da audiência de instrução e julgamento.
Do registro do pedido, independentemente de distribuição e autuação, a Secretaria do Juizado designará a sessão de conciliação, que deverá ser realizada no prazo de 15 dias. Caso compareçam inicialmente ambas as partes, será instaurada desde logo a sessão de conciliação, dispensados o registro prévio de pedido e a citação, trazendo ainda mais celeridade ao processo (arts. 16 e 17 da lei 9.099/95).
É válido pontuar que, diferentemente do processo ordinário em que as pessoas jurídicas de direito público têm prazo em dobro para recorrer e em quádruplo para contestar, nos Juizados Especiais Federais não há prazo diferenciado para a prática de qualquer ato processual. Deve, porém, a citação para a audiência de conciliação ser efetuado com antecedência mínima de trinta dias, conforme dispõe o art. 9º da Lei dos Juizados Especiais Federais.
É previsto na legislação que, no início da sessão, será esclarecido às partes presentes as vantagens da conciliação e os riscos e as consequências do litígio. Se for obtida a conciliação, esta será reduzida a escrito e homologada pelo Juiz togado, mediante sentença com eficácia de título executivo. Não é cabível recurso nesse caso. Caso não haja acordo entre as partes, elas poderão optar, segundo o artigo 24 da Lei nº 9.099/95, de comum acordo, pelo juízo arbitral.
Caso o procedimento de arbitragem não interesse às partes proceder-se-á imediatamente à audiência de instrução e julgamento.
Nos Juizados Especiais Criminais a audiência preliminar de conciliação ocorre antes mesmo do oferecimento da denúncia. Tal audiência constitui uma possibilidade para que o agente venha a se conciliar com a vítima, fazendo com que problemas corriqueiros, que não necessitam da tutela penal, venham a ser resolvidos pelas próprias partes.
A audiência preliminar de conciliação também é o momento correto para que seja oferecida ao réu a transação penal, medida de caráter despenalizador que constitui um verdadeiro benefício/direito subjetivo dos agentes que se adéquam às exigências legais.
“A conciliação é positiva, democrática, pacificadora e faz justiça, também por sua feição psicológica de excluir um problema da vida cotidiana do homem comum, aliviando o volume de questões entregues ao julgamento singular.”[1]
III. Dificuldades enfrentadas
A conciliação tem seus benefícios, isso é inegável, mas é preciso apontar também que há algumas questões críticas em torno dela. Essa forma de autocomposição costuma ter maior êxito nas causas em que ambas as partes são pessoas físicas, quando há uma pessoa jurídica envolvida não é incomum que os advogados dessas empresas (principalmente as de grande porte) sejam orientados a não realizar acordos. Outras vezes, quando chegam a fazer alguma proposta ela é irrisória e desinteressante para o autor, sobretudo naqueles processos em que há a presença do advogado, o qual deverá receber seus honorários.
A própria Procuradoria da União e o INSS estão inclusos nesse tipo de proponente. O art. 10, parágrafo único, da Lei nº 10.259 autoriza os representantes judiciais da União, autarquias, fundações e empresas públicas federais a realizarem a conciliação, no entanto, os acordos nos JEFs não são tão frequentes quanto poderiam ser.
Em que pese o discurso favorável à conciliação dos órgãos dirigentes da Procuradoria da União e do INSS, temos que, no dia-a-dia, os Procuradores têm, sistematicamente, oferecido acordos em percentual de apenas 80%, sob alegação de que a parte está sendo favorecida pela rápida resolução da demanda e que o órgão estatal estaria abrindo mão do direito de recorrer.[2]
Ou seja, os representantes da União se valem da morosidade do sistema como justificativa para fazer propostas na sessão de conciliação bem abaixo do que iriam pagar se o processo fosse até o fim.
Além disso, embora a lei expressamente autorize a conciliação, a verdade é que os procuradores da União, suas autarquias, fundações e empresas púbicas federais não se sentem seguros para efetivá-la, sendo tal “receio” normalmente associado à ideia equivocada de que o “princípio da indisponibilidade do interesse público” impediria a conciliação[3]. No entanto, deve-se ponderar que, em demandas em que há grande probabilidade de procedência do pedido, uma condenação judicial poderia trazer mais prejuízos para o erário devido à existência de condenações acessórias (juros de mora, honorários).
Outro receio é a possibilidade de fraude que induziria um acordo com prejuízo para o Poder Público. Essa tradição tem dificultado que a conciliação seja situação corriqueira nos Juizados Especiais em casos que envolvem pessoas de direito público.
Percebe-se então, que a presença da sessão de conciliação logo no início dos atos procedimentais, que visava trazer maior celeridade ao processo e reduzir o número de casos que chegam à audiência de instrução e julgamento, não tem sido tão efetiva como se pretendia em causas que envolvem pessoas jurídicas de direito público.
Decorre disso que o número de conciliações nos Juizados Especiais Cíveis é sempre maior que nos Juizados Especiais Federais, em que uma das partes é necessariamente uma pessoa jurídica de direito público. Em pesquisa realizada pelo IPEA em 2012, sobre os 10 anos dos JEFs constatou-se que as sentenças homologatórias de acordo de conciliação somam apenas 14,9% do total[4].
IV. Conclusão
Apesar dos problemas apresentados, o Conselho Nacional de Justiça tem incentivado a conciliação, até como uma forma de desafogar o judiciário. Conclui-se então, que apesar das dificuldades existentes, a presença da sessão de conciliação nos Juizados Especiais tem se revelado uma boa opção para as partes ante a morosidade do judiciário.
Bibliografia
BOCHENEK, Antônio César; NASCIMENTO, Márcio Augusto. Juizados Especiais Federais Cíveis. E-book. Porto Alegre: direitos dos autores, 2011.
FARIA, Roberto Gil Leal. Por que são efetivados poucos acordos nos Juizados Especiais Federais ?. Revista do SJRJ, Vol. 16, nº 24 (2009). Disponível em http://www4.jfrj.jus.br/seer/index.php/revista_sjrj/article/view/54. Acesso em 08 de fev. de 2014.
IPEA. Acesso à Justiça Federal: dez anos de juizados especiais. Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2012.
PLANALTO. Lei nº 9.099 de 1995. Disponível em planalto.gov.br. Acesso em 08 de fev. de 2014.
PLANALTO. Lei nº 10.259 de 2001. Disponível em planalto.gov.br. Acesso em 08 de fev. de 2014.
PLANALTO. Lei nº 12.153 de 2009. Disponível em planalto.gov.br. Acesso em 08 de fev. de 2014.
[1] RUSSO JUNIOR apud BOCHENEK e NASCIMENTO. 2012, p. 123.
[2] BOCHENEK e NASCIMENTO. 2012, p. 125.
[3] FARIA, Roberto Gil Leal. 2009, p. 95.
[4] IPEA. 2012, p. 135.
Bacharelanda em Direito pela Universidade de Brasília e aluna de iniciação científica do ProIC/DPP/UnB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Luana Helena Alves dos Anjos. Conciliação nos Juizados Especiais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 fev 2014, 06:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38301/conciliacao-nos-juizados-especiais. Acesso em: 23 dez 2024.
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