Busca-se, no presente estudo, traçar orientações acerca das hipóteses de suspeição de membros integrantes de banca examinadoras de concursos públicos, com o intuito de preservar, sobretudo, a isonomia na seleção dos candidatos. Considerando os princípios constitucionais que devem pautar a atuação administrativa e, também, a dificuldade em se definir, faticamente, a caracterização das hipóteses de “amizade íntima ou inimizade notória”, ante a subjetividade que envolve seus conceitos, apresenta-se interessante buscar nos Tribunais Pátrios experiências concretas que direcionam ao real alcance das situações de suspeição que o legislador tentou delimitar.
De logo, menciona-se que as hipóteses de suspeição, ao contrário do impedimento, derivam de situações subjetivas, conforme estatui a Lei 9.784/99 em seu art. 20: “Pode ser arguida a suspeição de autoridade ou servidor que tenha amizade íntima ou inimizade notória com algum dos interessados ou com os respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau”.
A exigência legal de não possuir amizade íntima ou inimizade notória não significa que devam ser desconhecidos, mas que não tenham um vínculo muito forte de amizade ou inimizade. A amizade/inimizade não pode retirar do examinador a isenção do julgar. A inimizade deve ser notória e a amizade íntima pressupõe relacionamento além dos limites laborais, como visitas familiares, lazer conjunto e ligação afetiva de companheirismo e preocupação pessoal. Desse modo, a simples relação de coleguismo, decorrente de contato profissional cotidiano, não configuraria a vinculação prevista como caso de suspeição.
O Mestre José dos Santos Carvalho Filho[1] ao dispor sobre amizade íntima e inimizade ensina que:
“(...) Normalmente, consideramos como amizade íntima aquela que é notoriamente conhecida por todos ou por grande número de pessoas, em virtude de permanente contato, de freqüência conjunta aos lugares e, enfim, de aproximação recíproca entre duas pessoas com ostensividade social. Fora daí, não há razão para suspeitar da autoridade. Fatos como eventual almoço conjunto, ou encontro em cerimônia, ou trabalho em locais próximos, não caracterizam por si amizade íntima (...).
(...) A notoriedade que qualifica a inimizade é aquela que estampa uma divergência por todos conhecida, podendo ser notada de forma clara e por todas as pessoas que conhecem os inimigos. Cuide-se, pois, de inimizade que tem repercussão social. (...). Mal-entendidos, divergências eventuais, posições técnicas diversas, antipatia natural, nada disso se incluirá como fundamento de suspeição. Para esta, é necessário que haja reconhecido abismo ou profundo ódio entre os indivíduos, de modo a considerar-se suspeita a atuação da autoridade.”
Verifica-se que a relação de amizade íntima ou inimizade notória estende aos respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau dos interessados. Entende-se por parentes e afins, as relações constituídas por vínculo natural (consanguíneo) ou pelo casamento e outras relações sociais (por afinidade).
O parentesco natural pode ocorrer em linha reta, quando as pessoas estão umas para com as outras na relação de ascendentes (pais, avós etc.) e descendentes (filhos, netos etc.), ou em linha colateral, quando as pessoas provêm de um só tronco, sem descenderem uma da outra (irmãos, sobrinhos, tios).
O parentesco por afinidade ou afim é o que une uma pessoa aos parentes de seu cônjuge ou companheiro, essa relação deriva exclusivamente de disposição legal, sem relação de sangue. Na relação de afinidade, o cônjuge está inserido na mesma posição na família de seu consorte e contam-se os graus da mesma forma. Desse modo, a afinidade ocorre tanto na linha reta, como na linha colateral. Assim, o sogro e a sogra são afins em primeiro grau, os cunhados são afins em segundo grau etc. O parentesco na linha colateral se limita aos irmãos do cônjuge ou companheiro.
Para melhor elucidação sobre o tema, transcrevemos alguns casos práticos analisados pelos Tribunais Regionais Federais:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MEDIDA CAUTELAR INCIDENTAL. CONCURSO PÚBLICO. SUSPEIÇÃO DE MEMBRO DE COMISSÃO EXAMINADORA. INIMIZADE COM CANDIDATO. SUSPENSÃO DO CERTAME. AGRAVO IMPROVIDO.
(...)
4. Os princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade impõem a total isenção e imparcialidade dos membros das comissões examinadoras de concursos, a fim de proporcionar a todos os candidatos a efetiva igualdade de acesso aos cargos públicos.
5. Devem ser afastados de tais comissões examinadoras os membros que possuam amizade íntima ou inimizade manifesta com qualquer candidato, em face da fundada suspeição de parcialidade (aplicação analógica do art. 20 da Lei nº 9.784/99).
6. Declarações firmadas por três professores, três funcionários e três alunos da UFMG, apesar de ostentarem pequeno valor probatório (art. 368, parágrafo único, CPC), servem para indicar inimizade entre candidato e membro de banca examinadora, ao menos em juízo de cognição sumária.
(...)
(AG 2004.01.00.051799-9/MG, Rel. Juiz Federal Marcelo Velasco Nascimento Albernaz (conv), TRF1, Quinta Turma, DJ de 13/10/2005, p.82)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. DELEGADO DE POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DO AMAPÁ. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEMBRO DE BANCA EXAMINADORA QUE MINISTROU AULAS EM CURSO PREPARATÓRIO. POSSÍVEL OFENSA AO PRINCÍPIO DA MORALIDADE. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO. 1. Os princípios que norteiam a administração pública estabelecem parâmetros éticos e programáticos que devem conduzir a atuação do administrador em sua atuação. 2. Não se afigura razoável admitir que professor universitário que ministrou aulas em curso preparatório para o certame, ainda que apresente declaração de que as aulas foram ministradas para candidatos ao cargo de agente de polícia do mesmo concurso, funcione como examinador de prova oral para o cargo de delegado como examinador. 3. A atuação como instrutor compromete a imparcialidade do examinador em razão do possível conhecimento pessoal travado com candidatos alunos, situação que pode render ensejo a dúvidas, situação contrária às exigências impostas pelo princípio da moralidade que exige a atuação proba e ética da Administração, afastando preferências ou suspeitas sobre seus agentes. 4. Anulação da prova oral do certame para que outra seja realizada sem a participação do examinador que deu aulas em curso preparatório para concursos. 5. Antecipação da tutela recursal confirmada. 6. Agravo de instrumento parcialmente provido.
(AG 0031996-41.2006.4.01.0000 / AP, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, TRF1, QUINTA TURMA, DJ p.118 de 07/12/2006)
DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONCURSO PÚBLICO. VÍCIO DE IMPEDIMENTO DO EXAMINADOR. INVALIDADE. PRINCÍPIOS DA IMPESSOALIDADE, DA MORALIDADE E DA IGUALDADE DE COMPETIÇÃO ENTRE OS CANDIDATOS. 1. Trata-se, na origem, de ação civil pública ajuizada pelo MPF em face, unicamente, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), por meio da qual o Parquet objetiva a anulação do concurso público com a realização de outro para o provimento do cargo público de professor de 3º Grau do Quadro Permanente, área de Educação Física, sub-área Movimento Corporal Humano e Saúde Coletiva, ao argumento central de que o candidato classificado e aprovado em 1º lugar teria escrito, em co-autoria com um dos examinadores, um artigo acadêmico mencionado no conteúdo programático do certame, comprometendo-se, assim, os princípios administrativos da impessoalidade, da moralidade e da igualdade de competição. A sentença julgou procedente o pedido. Contra tal sentença, houve a interposição de 4(quatro) apelações, sendo uma da UFES e as outras 3(três) dos candidatos classificados e aprovados nas 3(três) primeiras vagas, estando todos estes na qualidade de terceiros prejudicados. Destarte, a controvérsia cinge-se em saber: (i) se, no pólo passivo, configura-se a hipótese de litisconsórcio passivo unitário e necessário entre a UFES e os candidatos classificados e aprovados no concurso público, aferindo-se, por conseguinte, se o caso reclama a nulidade de todo o feito a partir da citação conforme art. 47 do CPC; e (ii) se a existência de vinculação entre um candidato e um membro da Banca Examinadora de concurso público, decorrente da co-autoria de artigo acadêmico mencionado na referência bibliográfica, acarretaria o vício de impedimento daquele. 2. A hipótese é de litisconsórcio passivo unitário e necessário entre a UFES e os demais candidatos aprovados e classificados. A relação jurídica ora em análise é única e indivisível entre todos os que são impactados pelo concurso público em análise, ou seja, tanto a UFES, como também todos os demais candidatos. Por consequencia, em razão da unitariedade e da incindibilidade da presente relação jurídica, a tutela jurisdicional a ser prestada pelo Estado há de ser uniforme e idêntica a todos os seus participantes. Não há como o concurso público ser válido só para a UFES e não para o ser para os candidatos, sendo que, ao contrário, a decisão há de ser única, uniforme e idêntica, tanto para a UFES, como também para todos os que participaram da seleção pública: ou há o vício de impedimento de um dos examinadores para todos ou não há o vício de impedimento, igualmente, para todos. Aplicação do art. 47 do CPC. (...) 5. A presença de uma das indicações bibliográficas do conteúdo programático ter sido de autoria do candidato aprovado em 1º lugar, inclusive com a vinculação deste candidato com um dos examinadores, compromete a igualdade de competição entre tal candidato e todos os demais candidatos do concurso público. É certo que o candidato autor do artigo acadêmico, em parceria com um dos examinadores, está em posição de vantagem e de privilégio sobre todos os demais candidatos, eis que saberá, ao responder eventuais perguntas sobre tal ponto, quais são os tópicos relevantes daquele tema, quais são os itens a serem destacados, quais são as palavras-chave, qual é o posicionamento do examinador a respeito daquele assunto e, fora, que o candidato também será muito mais veloz na elaboração da resposta por estar, previamente, inteirado sobre aquele assunto que é de sua própria autoria. 6. Não poderia, jamais, compor a Banca Examinadora o professor voltado à preparação acadêmica de candidatos a concursos públicos, justamente, porque tal docente acabaria por estar maculado com um vício de impedimento diante da eventual possibilidade de privilégios a seus respectivos alunos quando da elaboração das provas. Ora, pensar em sentido contrário seria, em verdade, admitir o risco de comprometimento da característica de maior relevo nos concursos públicos: o sistema meritório de aprovação. Aplica-se, por analogia, o art. 20 da Resolução n.º 75 do CNJ, bem como o artigo 4º da Resolução n.º 40 do CNMP, os quais, ao regulamentarem os concursos públicos para ingresso nas respectivas carreiras de Magistrado e de Promotor de Justiça, assentaram, por vício de impedimento, a vedação de participação de quaisquer professores que, de alguma maneira (forma ou informal), lecionem em cursos que preparem os seus alunos para a competição nos certames público. 7. Por fim, diante da constatação de que o vício de impedimento macula tão-somente a participação do candidato aprovado em 1º lugar e não os demais candidatos, bem como diante da ampliação do objeto litigioso do feito com a inserção dos novos pedidos exarados nos recursos dos terceiros prejudicados, acolhe-se a pretensão recursal destes últimos para decretar a nulidade, apenas, do ato de nomeação do candidato aprovado em 1º lugar, mantendo-se a validade do concurso público para todos os demais candidatos.
(APELREEX 2010.50.01.006737-2 / AP, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA, TRF2, SEXTA TURMA, DJ p.270/271 de 31/07/2012)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. VÍCIO DE IMPEDIMENTO DO EXAMINADOR. ANULAÇÃO DO CERTAME. PRINCÍPIOS DA IMPESSOALIDADE, DA MORALIDADE E DA IGUALDADE DE COMPETIÇÃO ENTRE OS CANDIDATOS. VALIDADE DO CONCURSO COM RELAÇÃO AOS DEMAIS CANDIDATOS. I. Compulsando os autos, verifica-se que o concurso público realizado pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro- UNIRIO buscava, dentre outras, o provimento de uma vaga para o cargo de Professor Assistente do Departamento de Turismo e Patrimônio do Centro de Ciências Humanas, nível 1, disciplina Turismo (operacionalização), consoante Edital nº 123/2010. II. Ao longo da realização do concurso, ocorreram irregularidades, já que constatada estreita relação entre a segunda colocada no certame e um membro da banca examinadora, o que pode ser detectado a partir de várias elementos probatórios, dentre eles, o fato de terem elaborado em parceria o artigo acadêmico. III. Verificada a ilegalidade do ato que constituiu a banca examinadora, foi decretada pelo Reitor na UNIRIO a anulação do concurso, com fundamento no exercício da autotutela administrativa e no principio da legalidade. (AG 2012.02.01.008936-4 / Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL REIS FRIEDE, TRF2, SÉTIMA TURMA, DJ p.199/200 de 01/10/2012)
Assim, o processo seletivo realizado por meio de concurso público visa garantir a todos os candidatos do certame as mesmas condições de ingresso no serviço público. Tais garantias devem ser observadas por todos os participantes, sejam aqueles responsáveis pela elaboração, correção e avaliação das provas, sejam pelos próprios candidatos.
As hipóteses de suspeição, em decorrência do alto grau de subjetividade que envolve os conceitos de amizade íntima e notória inimizade, devem ser analisadas caso a caso, de acordo com o conjunto probatório produzido e levando-se em consideração as orientações jurisprudenciais acerca do tema.
Por fim, cabe ressaltar que as condutas consideradas irregulares podem ainda ensejar aos servidores as penas de demissão ou suspensão, quando restar comprovado o valimento do cargo para proveito próprio ou de outrem, atividade incompatível com o exercício do cargo ou função e deslealdade às instituições, de acordo com a Lei nº 8.112/90.
[1] José dos Santos Carvalho Filho, “Processo Administrativo Federal”, pgs. 138 e 139, Editora Lumen Juris, 2ª edição, 2005.
Procurador Federal. Procurador-Chefe da Procuradoria Federal junto à Universidade Federal do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FONSECA, Marcelo Morais. A suspeição dos membros de banca examinadora de concurso público, no entendimento dos Tribunais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 fev 2014, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38380/a-suspeicao-dos-membros-de-banca-examinadora-de-concurso-publico-no-entendimento-dos-tribunais. Acesso em: 23 dez 2024.
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