Resumo: O presente artigo busca analisar a cláusula contratual comumente inserta nos contratos de adesão de compromisso de compra e venda de imóvel na planta que preveem a responsabilidade do promitente comprador pelo pagamento das cotas condominiais assim que autorizada a moradia pelos órgãos públicos de controle, ainda que ainda não esteja autorizada pela construtora a imissão na posse da unidade residencial do promitente-comprador em razão da não quitação do saldo devedor. Busca-se, assim, perscrutar a validade da cláusula à luz das disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil, tendo também como parâmetro a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Palavras-chave: Promessa de compra e venda. Imóvel. Contrato de adesão. Cotas condominiais. Imissão na posse.
SUMÁRIO: Introdução 1. Da promessa de compra e venda de imóvel – 1.1 Natureza do contrato – 1.2 Relação de consumo / contrato de adesão – 2. Exigências de encargos condominiais antes da imissão na posse – 2.1 O dever de arcar com as despesas condominiais – 2.2 A clausula contratual que prevê o pagamento das despesas condominiais independente da imissão na posse – 2.3 Prática abusiva / nulidade da cláusula – 3. Conclusão – 4. Bibliografia.
INTRODUCAO
Com a ascensão do mercado imobiliário registrada nos últimos anos, naturalmente aumentou, em número e variedade, os conflitos entre construtoras e consumidores, mormente diante dos abusos comumente perpetrados pelos fornecedores do produto imobiliário residencial.
A (genericamente) chamada “casa própria” sempre foi um dos maiores sonhos de consumo de qualquer individuo, casal ou família, sendo este um dos principais fatores pelos quais nem sempre o consumidor deixa-se guiar pela razão na hora de escolher a construtora e o empreendimento e, principalmente, no momento de analisar as cláusulas contratuais que deverão reger a avença, informações essas essenciais, sobretudo para o imóvel comprado ainda na planta. Vale ressaltar que tais contratos em sua maioria são de adesão, de modo que a negociação das cláusulas contratuais torna-se, se não inviabilizada, ao menos deveras restringida.
Dentre as práticas abusivas comumente adotadas pelas construtoras, destaca-se uma que, embora onere demasiada e injustamente o consumidor, nem sempre é devidamente questionada, mormente diante da controversa premissa da previsão contratual e da consequente obediência ao princípio “pacta sunt servanda”: a cobrança de encargos condominiais antes de liberada a imissão na posse ao promitente-comprador.
O presente artigo visa, portanto, analisar a legitimidade jurídica da cláusula contratual nesse sentido, à luz das disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
A investigação é relevante para servir de subsidio de consulta para o amplo universo de consumidores desse tipo de produto tão indispensável à realização pessoal e, porque não dizer, à própria dignidade. Contribui-se para que grupo de consumidores atente para a abusividade da prática em questão, exigindo o cumprimento dos seus direitos com maior segurança jurídica.
1. DA PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMOVEL
1.1 Natureza do Contrato.
Inicialmente, é preciso pontuar que a avença proposta se enquadra no conceito de contrato de compra e venda, que, de acordo como o Art. 481 do Código Civil, dá-se quando um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa e o outro a pagar-lhe certo preço em dinheiro. É contrato bilateral, oneroso e, em regra, comutativo.
Entretanto, no caso ora em exame, analisa-se a situação peculiar do contratante que adquire o imóvel ainda na planta (portanto, apenas um projeto), amoldando-se a avença a um pré-contrato (contrato preliminar) ou, mais precisamente, a uma promessa de compra e venda. Sobre o contrato preliminar, rezam os arts. 462 e 463 do Código Civil:
Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado.
Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive.
Cabe ainda o registro de que, segundo o código, a promessa de compra e venda, quando registrada, transforma o direito obrigacional de venda em direito real, nos moldes do Art. 1.417, dando ensejo inclusive à adjudicação do bem (Art. 1.418):
Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.
Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.
Acrescente-se que a jurisprudência foi mais além, conferindo ao promitente comprador o direito à adjudicação compulsória do imóvel independentemente de registro (Súmula n. 239 do STJ).
1.2 Relação de consumo / contrato de adesão.
Dado as características do negócio jurídico em apreço, pode-se concluir facilmente pela configuração de uma relação de consumo, na conformidade do Art. 2º e 3º do CDC, na medida em que se tem de um lado da relação contratual o promitente comprador - pessoa que adquire o produto como destinatário final (consumidor) - e do outro o promitente vendedor - pessoa que aliena o produto de consumo mediante remuneração (fornecedor). Dessarte, uma vez caracterizada a relação de consumo, tem-se a regência contratual dessa promessa de compra e venda pelas disposições insertas no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990).
Significa dizer, portanto, que por participar de uma relação negocial diante da qual se encontra previsivelmente vulnerável[1], o promitente comprador do imóvel passa a contar com uma série de regras e princípios protetivos da sua peculiar condição, sobressaindo: o dever do fornecedor quanto à informação adequada e clara sobre o produto (art. 6º, III), o imprescindível equilíbrio nas prestações sinalagmáticas (art. 4º, III), a necessidade de interpretar o contrato favoravelmente ao consumidor (Art. 47), o cultivo da boa-fé objetiva de ambas as partes antes, durante e após a finalização da avença (Art. 4º, III e 51, IV), dentre outras disposições salutares à harmonia nas relações de consumo.
Sabe-se também que na sociedade de consumo em massa a celeridade da contratação pressupõe, para o atendimento de seus objetivos, um contrato já pronto, aplicável a todo o universo de interessados na contratação, permitindo, assim, uma verdadeira estandardização das cláusulas contratuais relativas a cada modalidade de avença consumerista. Essa contratação em bloco, a qual se convencionou chamar de contratos de adesão, é uma realidade tão presente nos dias atuais que mereceu expressa definição no CDC, segundo o qual “contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”.
Conforme leciona Claúdia Lima Marques[2], a predisposição de cláusulas e o fechamento de contratos de adesão “tornaram-se inerentes à sociedade industrializada”, e já são a “maneira normal de concluir contratos” em diversos quadrantes da vida social, notadamente aqueles em que “há superioridade econômica ou técnica entre os contratantes, seja com seus fornecedores, seja com seus assalariados”. A autora define, assim, o contrato de adesão:
é aquele cujas cláusulas são preestabelecidas unilateralmente pelo parceiro contratual economicamente mais forte (fornecedor), ne variatur, isto é, sem que o outro parceiro (consumidor) possa discutir ou modificar substancialmente o conteúdo do contrato escrito. [...] Oferecido ao público em modelo uniforme, geralmente impresso, faltando apenas preencher os dados referentes à identificação do consumidor-contratante, do objeto e do preço (...) limita-se o consumidor a aceitar em bloco as cláusulas[3].
Analisando a praxe comercial do mercado imobiliário residencial, sobretudo a praticada pelas grandes construtoras, pode-se constatar que o contrato de compra e venda de imóvel praticado é mesmo de adesão, haja vista que, quando muito, se oportuniza alguma margem de negociação em relação ao preço contratado, muito raramente se admitindo a inclusão ou exclusão de alguma clausula contratual. Dessarte, o contrato em apreço é merecedor de especial proteção jurídica, porquanto além de caracterizar uma relação de consumo, como visto, tem ainda natureza adesiva.
2. EXIGENCIAS DE ENCARGOS CONDOMINIAIS ANTES DA IMISSAO NA POSSE.
2.1 – O dever de arcar com as despesas condominiais.
Sobre as despesas condominiais no imóvel residencial urbano, imprescindível inicialmente analisar quem seria o responsável pelas mesmas, de acordo com o que dispõe o Código Civil no capítulo XII, referente ao condomínio edilício, verbis:
Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.
(...)
Art. 1.332. Institui-se o condomínio edilício por ato entre vivos ou testamento, registrado no Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato, além do disposto em lei especial:
I - a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas uma das outras e das partes comuns;
II - a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns;
III - o fim a que as unidades se destinam.
(...)
Art. 1.334. Além das cláusulas referidas no art. 1.332 e das que os interessados houverem por bem estipular, a convenção determinará:
I - a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio;
II - sua forma de administração;
III - a competência das assembléias, forma de sua convocação e quorum exigido para as deliberações;
IV - as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores;
V - o regimento interno.
§ 2o São equiparados aos proprietários, para os fins deste artigo, salvo disposição em contrário, os promitentes compradores e os cessionários de direitos relativos às unidades autônomas.
Art. 1.335. São direitos do condômino:
I - usar, fruir e livremente dispor das suas unidades;
II - usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores;
III - votar nas deliberações da assembléia e delas participar, estando quite.
Art. 1.336. São deveres do condômino:
I - contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção;
(...)
§ 1o O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito. (destaques do expositor)
Como se observa, as despesas condominiais, destinadas a atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio, desde que regularmente previstas na convenção de condomínio, constituem um dever do condômino, sujeitando-o, em caso de inadimplência, a juros e correção monetária. Outrossim, equipara-se ao proprietário, para efeito de pagamento da cota condominial, os promitentes compradores, justamente a figura aqui tratada.
Em contrapartida, o Art. 1.335, I apresenta como direito do condômino usar, fruir e dispor da sua unidade – o que parece demonstrar que, para que lhe seja imputável as despesas condominiais, deve ser assegurada a posse do imóvel.
2.2 A clausula contratual que prevê o pagamento das despesas condominiais independente da imissão na posse.
Na promessa de compra e venda de imóvel para fins residenciais, é bastante comum a cláusula contratual que preceitua só permitir-se a imissão na posse do imóvel, mediante a entrega das chaves, se o comprador, alternativamente a) quitar o preço ou b) assinar e registrar no cartório o contrato de compra e venda com financiamento ou com pacto de alienação fiduciária. De outra senda, por vezes na mesma cláusula, as construtoras fazem constar ser de responsabilidade do comprador todos os encargos do imóvel a partir da disponibilização da moradia pela construtora – entendida essa disponibilização como a obtenção do “habite-se” junto à Prefeitura.
O grande problema, entretanto, é que nem sempre o promitente comprador de imóvel residencial consegue quitar o saldo devedor junto à construtora já quando da obtenção do habite-se e dos demais documentos a cargo das construtoras indispensáveis ao início da moradia pelos adquirentes. Outrossim, a obtenção de financiamento junto aos bancos e demais instituições financeiras, principalmente no setor publico – cada vez mais buscado pelos consumidores devido aos juros mais módicos -, é constantemente alvo de perniciosa burocracia (juntada de documentos, consultas, quitação de ITBI, assinaturas de vários setores, etc), o que acaba gerando a seguinte situação: o consumidor além de arcar com juros e correção monetária incidentes sobre o saldo devedor até a finalizar a quitação/financiamento, fica sem a posse do imóvel, e ainda assim tem que arcar com as despesas condominiais.
Ou seja, obriga-se o promitente-comprador a cumprir com o dever de arcar com as cotas condominiais antes de se lhe assegurar a contrapartida decorrente, qual seja a imissão na posse do imóvel.
2.3 Prática abusiva / Nulidade da cláusula.
Como se observa, a situação chega ate mesmo a ser contraditória: embora não se permita a posse do imóvel, são cobradas todas as despesas condominiais do promitente comprador.
O contra-argumento comumente utilizado pelas construtoras é o de que haveria previsão contratual nesse sentido, resultando imperiosa a aplicação do “pacta sunt servanda[4]”, princípio clássico do direito civil segundo o qual o contrato faz lei entre os contratantes.
Ocorre que esse principio é merecedor de afinado temperamento no direito privado moderno. Consoante lecionam Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona[5] o princípio da força obrigatória, manifestado especialmente na imodificabilidade ou intangibilidade dos termos do contrato, tornou-se um instrumento de opressão econômica, que no decorrer do século XX acentuou as desigualdades sociais, facilitando a opressão do fraco pelo forte. Assim, em época como a atual, em que os contratos paritários cedem lugar aos contratos de adesão, o “pacta sunt servanda” é temperada por mecanismos jurídicos de regulação do equilíbrio contratual.
Deve, assim, o principio e exame harmonizar-se com os demais regentes da relação de consumo, notadamente o da boa-fé objetiva e do necessário equilíbrio das relações consumeristas. Com efeito, o principio da boa-fé-objetiva, também albergado no CDC, orienta no sentido da transparência, cooperação, respeito e lealdade nas relações contratuais regidas pelo código, estando relacionado com os deveres anexos ou laterais da conduta, que são ínsitos a qualquer negocio jurídico, não havendo sequer a necessidade de previsão no instrumento negocial. Segundo Flávio Tartuce, a quebra dos deveres anexos gera a violação positiva do contrato[6].
Dessa feita, não parece harmonizar-se com a boa-fé objetiva a contraditória exigência ora em analise. Outrossim, além de ir de encontro às regras do condomínio edilício, como visto acima, fácil observar que a obrigação torna ainda mais desequilibrada a relação contratual ao instituir vantagem excessiva ao vendedor – pratica essa coibida expressamente pelo Art. 39, V do CDC. Ademais, ao restringir os direitos inerentes à natureza do contrato, de modo excessivo, desproporcional e injusto, a clausula contratual pode ser taxada de nula, na conformidade do Art. 51, IV do Código:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(...)
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
(...)
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
Com efeito, ao menos ao se imputar as despesas condominiais ao promitente comprador, deveria se ter por natural a permissão de sua entrada no imóvel, sob pena de se lhe negar um direito inerente a natureza do contrato, onerando-o excessivamente.
Dessarte, ao que parece, a única maneira de compatibilizá-la seria interpretar a cláusula contratual favoravelmente ao consumidor, de modo a considerar que, das duas uma: ou se defere a imissão do promitente comprador na posse do imóvel, ainda que não quitado ou finalizado o registro no cartório do financiamento/alienação fiduciária, e assim se cobra de maneira justa as cotas condominiais, ou se nega a imissão mas também assume a construtora a responsabilidade pelo pagamento das taxas, na qualidade de (ainda) proprietária do bem.
Este, inclusive, parece ser o posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, consoante se observa do seguinte julgado emanado da corte:
RECURSO ESPECIAL - DESPESAS CONDOMINAIS - TRANSFERÊNCIA DA POSSE EM VIRTUDE DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA NÃO REGISTRADO - PROMISSÁRIO-COMPRADOR - IMISSÃO NA POSSE, COM O PLENO CONHECIMENTO DO CONDOMÍNIO - LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM - REGISTRO - DESINFLUÊNCIA - RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
I - A teor da jurisprudência desta a. Corte, a responsabilidade pelas despesas de condomínio, ante a existência de promessa de compra e venda, pode recair tanto sobre o promissário-comprador quanto sobre o promitente-vendedor, a depender das circunstâncias do caso concreto (ut EREsp nº 136.389/MG, Relator o Senhor Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 13/9/99);
II - Esclareça-se, entretanto, que, com tal assertiva, não se está a afirmar que a legitimação passiva ad causam da ação que objetiva o adimplemento das despesas condominiais ficará, em qualquer hipótese, ao alvedrio do autor da ação, que poderá optar, aleatoriamente, pelo promitente-vendedor ou pelo compromissário-comprador, tal como entenderam as Instâncias ordinárias. Na verdade, revela-se necessário aferir com quem, efetivamente, restou estabelecida a relação jurídica material;
III - Como é de sabença, as despesas condominiais, assim compreendidas como obrigações propter rem, são de responsabilidade, em princípio, daquele que detém a qualidade de proprietário do bem, ou, ainda, de titular de um dos aspectos da propriedade, tais como a posse, o gozo ou a fruição;
IV - Não há, assim, qualquer relevância, para o efeito de se definir a responsabilidade pelas despesas condominiais, se o contrato de promessa de compra e venda foi ou não registrado, pois, conforme assinalado, não é aquele que figura, no registro, como proprietário, que, necessariamente, responderá por tais encargos;
V - Para a correta definição do responsável pelos encargos condominiais, em caso de contrato de promessa de compra e venda, deve-se aferir, pontualmente, se houve efetiva imissão na posse por parte promissário-comprador (ainda que em caráter precário) e se o condomínio teve ou não o pleno conhecimento desta. Presentes tais circunstâncias, a responsabilidade pelas despesas condominiais deve ficar a cargo do promissário-comprador, no período em que tiver exercido a posse do bem imóvel;
VI- Recurso Especial provido[7]. (destaques do expositor)
Como se advertiu no julgado colacionado, para perfeita harmonia de todas as partes envolvidas direta ou indiretamente na questão, faz-se ainda relevante que o condomínio, por intermédio do sindico ou administrador eleito, seja regularmente notificado acerca da imissão na posse pelo promitente comprador.
Advirta-se, por ultimo, que acaso não sejam devidamente quitadas pela construtora as despesas condominiais subsistentes ate a imissão da posse, o adquirente pode vir a ser responsabilizado futuramente pelas mesmas, tendo em vista o caráter propter rem[8] da obrigação em exame. Também nesse sentido ressoa a jurisprudência do STJ:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA DE COTAS CONDOMINIAIS. LEGITIMIDADE PASSIVA. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. IMPROVIMENTO.
1.- A jurisprudência desta Corte orienta que o adquirente do imóvel responde pelas cotas condominiais em atraso, ainda que anteriores à sua alienação, se o negócio é do conhecimento do condomínio. De outro lado, entende ainda que os promitentes vendedores também podem ser responsabilizados pelo pagamento dos débitos perante o condomínio, diante das peculiaridades do caso, em face do caráter propter rem da obrigação.
2.- Dessa forma, consolidou-se que "a responsabilidade pelas despesas de condomínio pode recair tanto sobre o promitente vendedor quanto sobre o promissário comprador, dependendo das circunstâncias do caso concreto" (EREsp 138.389/MG, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA , DJ 13.09.99).
3.- Agravo Regimental improvido[9].
3. CONCLUSAO
Conclusivamente, pode-se dizer que a cláusula comumente inserida nos contratos de adesão de promessa de compra e venda de imóvel na planta que prevê o pagamento dos encargos condominiais pelo promitente comprador mesmo que ainda não esteja imitido na posse do bem deve ser taxada de nula, em virtude do seu caráter abusivo.
Caso não seja peremptória nesse sentido, deve ser interpretada favoravelmente ao consumidor, temperando-se os princípios que regem as relações contratuais albergadas pelo CDC, de modo que, ou a construtora arca com essas despesas e assim se considera justa a negativa de imissão na posse do imóvel não quitado nem financiado, ou as imputa ao promitente comprador, autorizando-o, no entanto, a imitir-se na posse do imóvel.
Essa parece ser a solução mais justa e consentânea com as disposições do código civil e do CDC sobre o tema, contando ainda com o endosso da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
4. BIBLIOGRAFIA.
BRAGA NETO, Felipe Peixoto. Manual de Direito do Consumidor.Salvador: juspodvm, 2012.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2002.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume IV: contratos, tomo 1: teoria geral. 2. ed. rev., atual., e reform. São Paulo: Saraiva, 2006.
RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
TARTUCE, Flavio. Manual de Direito Civil. São Paulo: Método, 2013.
WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro. Obrigações e Contratos. 12ª Edição. Ed. Revista dos Tribunais. São Paulo, 1998.
[1] Para Felipe Peixoto Braga Neto, “a vulnerabilidade do consumidor fundamenta o sistema de consumo. ‘E em razão dela que foi editado o CDC, que busca fazer retornar o equilíbrio a essa relação frequentemente desigual entre consumidor e fornecedor”. (BRAGA NETO, Felipe Peixoto. Manual de Direito do Consumidor. Salvador: juspodvm, 2012, p. 49)
[2] MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2002. p. 52
[3] MARQUES, Op. Cit. p. 58
[4] Na visão de RIZZARDO a concepção filosófica da teoria clássica do brocardo pacta sunt servanda, consagrava que as convenções legalmente formadas constituem lei para aqueles que as celebram. Assim, conforme a regra consolidada no direito canônico é irredutível o acordo de vontades, portanto, os contratos devem ser cumpridos pela mesma razão que a lei deve ser obedecida. (RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 24)
[5] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume IV: contratos, tomo 1: teoria geral. 2. ed. rev., atual., e reform. São Paulo: Saraiva, 2006.p. 38-39
[6] [6] TARTUCE, Flavio. Manual de Direito Civil. São Paulo: Método, 2013, p. 550.
[7] RESP 1.079.177/MG. Relator: Ministro MASSAMI UYEDA. DJ 02/06/2011. Pub. DJe 17/06/2011 REVJMG vol. 197 p. 413
[8] Segundo clássica definição de Arnoldo Wald, “as obrigações reais, ou propter rem, passam a pesar sobre quem se torne titular da coisa. Logo, sabendo-se quem é o titular, sabe-se quem é o devedor” (WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro. Obrigações e Contratos. 12ª Edição. Ed. Revista dos Tribunais. São Paulo, 1998, p. 22)
[9] STJ - AgRg no AREsp 77075 / SP. Relator: Ministro SIDNEI BENETI (1137), T3 - TERCEIRA TURMA, DJ 17/04/2012, pub DJe 04/05/2012
Procurador Federal, membro da Advocacia-Geral da Uniao. Pos-graduado em Direito Publico pela Anhanguera/UNIDERP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAZ, Samuel Mota de Aquino. A responsabilidade pelas despesas condominiais antes da imissao na posse do imóvel comprado na planta Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 fev 2014, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38402/a-responsabilidade-pelas-despesas-condominiais-antes-da-imissao-na-posse-do-imovel-comprado-na-planta. Acesso em: 24 nov 2024.
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