Repercussão social
O terror psicológico no trabalho é conhecido na Europa como mobbing e no Brasil como assédio moral. Mobbing "provém do verbo inglês to mob, que significa assediar, atacar, agredir" (GUEDES, Terror psicológico no trabalho, 2a ed. São Paulo: LTr, 2004, p. 32). Neste estudo, utilizar-se-ão os termos como equivalentes.
Nos últimos vinte anos, a discussão sobre mobbing evoluiu muito, em especial pela constatação do aumento da prática. Márcia GUEDES (op. cit., p. 23) traz o exemplo do “ostracismo” imputado ao empregado reintegrado por força judicial:
“Nossa experiência, comprovada pela pesquisa, demonstra que o confinamento do empregado, após uma decisão judicial de reintegração no emprego, é uma prática comum em pequenas e grandes empresas em vários países, e tanto no âmbito privado quanto no serviço público.”
Fenômeno semelhante foi recentemente noticiado no Japão: várias empresas, não querendo demitir seus empregados, alocam-nos em ambientes isolados (as “salas da expulsão”) sem lhes distribuir tarefas (CALEIRO, João Pedro. Dificuldade em demitir gera "salas da expulsão" no Japão. Disponível em: http://exame.abril.com.br/economia/noticias/dificuldade-em-demitir-gera-salas-da-expulsao-no-japao).
Estudos[1] sobre o assédio moral ganharam fôlego a partir de 1984 (GUEDES, op. cit., p. 25). Também é notória a obra de Marie-France Hirigoyen, como atesta Rodrigo Dias da FONSECA (Assédio moral: breves notas. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1328, 19 fev. 2007. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/9512): “mencione-se o lançamento em 1999 do livro Le Harcèlement moral: la violence perverse au quotidien, de Marie-France Hirigoyen, que vendeu, apenas na França, mais de 100.000 (cem mil) cópias, sendo traduzido para diversas línguas, inclusive o português, havendo a obra sido lançada no Brasil”.
A ênfase no "psicoterror" fez surgir a Vitimologia como ciência e disciplina autônoma. Na Itália, criou-se a PRIMA, associação contra o mobbing e o estresse psicossocial. No Brasil, o assédio moral vem sendo cada vez mais divulgado pela imprensa e discutido em artigos técnicos e jurídicos.
Conceito
A necessidade de definir e delimitar o assédio moral se mostra em razão do cuidado em evitar que o empregador tente se escusar de sua responsabilização argumentando a vagueza do conceito e uma eventual inaplicabilidade imediata.
Para Márcia GUEDES (op. cit., p. 32) assédio moral “significa todos aqueles atos comissivos ou omissivos, atitudes, gestos e comportamentos do patrão, da direção da empresa, de gerente, chefe, superior hierárquico ou dos colegas, que traduzem uma atitude de contínua e ostensiva perseguição que possa acarretar danos relevantes às condições físicas, psíquicas, morais e existenciais da vítima".
No mesmo sentido, Sergio GAMONAL e Pamela PRADO (apud PEDUZZI, Maria Cristina Irigoyen. Assédio Moral. Rev. TST, Brasília, vol. 73, nº 2, abr/jun 2007,p. 25-45) definem o assédio moral como sendo o “processo constituído por um conjunto de ações ou omissões, no âmbito das relações de trabalho públicas e privadas, em virtude do qual um ou mais sujeitos assediadores criam um ambiente laboral hostil e intimidatório em relação a um ou mais assediados, afetando gravemente sua dignidade pessoal e causando danos à saúde dos afetados com vistas a obter distintos fins de tipo persecutório.”
Gustavo Filipe Barbosa GARCIA (Curso de Direito do Trabalho. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 181) traz que assédio moral “se caracteriza por uma conduta reiterada, de violência psicológica, desestabilizando e rejudicando o equilíbrio psíquico e emocional do empregado (...), deteriorando o meio ambiente de trabalho, podendo resultar em enfermidade graves como a depressão”.
Maria Cristina Irigoyen PEDUZZI (Assédio Moral. Rev. TST, Brasília, vol. 73, nº 2, abr/jun 2007, p. 25-45) é precisa tanto ao conceituar o assédio moral, quanto ao estabelecer os requisitos para sua caracterização:
“O assédio moral diz respeito a um tipo específico de dano ao patrimônio moral. É uma a) violência pessoal; b) necessariamente moral e psicológica; c) multilateral (pode ser horizontal: entre colegas de mesma hierarquia; vertical descendente: do superior hierárquico ao seu subordinado; ou mesmo vertical ascendente: que parte do grupo subordinado e se dirige ao seu superior direto); d) individual ou coletivamente sentida.
Encontra, na doutrina internacional, expressões sinônimas: “mobbing”, “harcèlement”, “bullying”, ‘harassment”, “whistleblowers”, “bossing”. Em português, também, terror psicológico.
Tem caráter interdisciplinar: envolve as áreas da psicologia, medicina, medicina do trabalho, administração de empresas e outras afins.
O assédio moral se configura pela insistência impertinente, com propostas, perguntas ou pretensões indevidas. Resulta de um conjunto de atos, não perceptíveis pelo lesado como importantes em um primeiro momento, mas que, na seqüência, unidos, destinam-se a expor a vítima a situações incômodas, humilhantes e constrangedoras. Identifica-se na ocorrência de comportamentos comissivos ou omissivos que humilham, constrangem e desestabilizam o trabalhador, afetam a auto-estima e a própria segurança psicológica, causando estresse ou outras enfermidades.”
Dois aspectos caracterizam o mobbing: a regularidade dos ataques (violência sistemática e duradoura) e a determinação de afetar emocionalmente a vítima para que se afaste do trabalho (GUEDES, op. cit., p. 35).
Assim, o assédio moral é a conduta ou omissão abusiva e reiterada de natureza psicológica com finalidade de exclusão do trabalhador, que fere sua dignidade e pode trazer dano a sua integridade física e psíquica e, ainda, degradar o meio ambiente de trabalho como um todo.
Cabe um aparte nesse conceito, haja vista ser juridicamente possível defender a configuração do assédio moral a partir de apenas uma conduta, ou melhor, de um ato, desde que suficientemente grave. Tal entendimento é construído por analogia (CLT, art. 8º) ao tratamento dado à dispensa por justa causa (CLT, arts. 482 e 483). Entretanto, esse não é o entendimento predominante, como se verifica da seguinte ementa de julgado do TST:
“RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. ASSÉDIO MORAL. 1 – A hipótese de assédio moral, em princípio, não fica configurada em decorrência de um ato isolado da empregadora, mas, sim, quando há atos reiterados e abusivos, uma atitude de contínua e ostensiva perseguição, um processo discriminatório de situações humilhantes e constrangedoras. O assédio moral, em tese, pressupõe repetição sistemática, intencionalidade, direcionalidade, temporalidade e degradação deliberada das condições de trabalho. 2 – No caso concreto, o TRT decidiu que não houve a prova de um conjunto de atos ilícitos da empregadora, e não há como se chegar a conclusão contrária nesta esfera recursal, nos termos da Súmula nº 126 do TST. 3 – Recurso de revista de que não se conhece. INTERVALO INTRAJORNADA. É devido o pagamento da hora integral, a título de intervalo intrajornada, ainda que a não concessão seja parcial (OJ nº 307 da SBDI-1 do TST). Recurso de revista a que se dá provimento, quanto ao tema.” (TST, RR 512300-85.2004.5.09.0012, Relatora: Ministra Kátia Magalhães Arruda, publicação DEJT 27/10/2010)
Rodrigo Dias da FONSECA (op. cit.) reafirma a necessidade de repetição da conduta, e explica que um ato isolado, apesar de não ser considerado assédio moral, pode acarretar dano moral passível de reparação:
“O assédio moral requer, para sua caracterização, que o ato abusivo seja reiteradamente cometido. A repetição sistemática da conduta condenável está intrinsecamente ligada ao dolo, daquela extraindo-se este.
Essa freqüência dos ataques desferidos ao empregado, no ambiente de trabalho, é importante porque um ato isolado, ainda que doloso, não nos parece que possa causar assédio moral. Expliquemos melhor, sob pena de sermos incompreendidos nesse relevante ponto.
Não se refuta que um único ato possa causar dor moral à vítima de seu cometimento. Não é disso que se trata aqui, todavia. O ato único, isolado, que causa constrangimento, ofensa à honra e auto-estima, deve ser classificado dentro de um gênero mais amplo, do dano moral.
A particularidade do assédio moral reside justamente na repetição da conduta dolosa. Do contrário, não se reconheceria o assédio moral como categoria jurídica autônoma. E esta autonomia, isto é, a presença de elementos próprios, distintivos e definidores do instituto, aqui, se revela exatamente através da imprescindível reiteração da conduta.”
O assédio moral pode se configurar antes do contrato de trabalho, na entrevista para seleção de pessoal. Toma-se por base, analogamente, a Lei n. 9.029/95, que proíbe a prática de atos discriminatórios na fase pré-contratual (“Art. 1º. Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego ...”). Ademais, a boa-fé objetiva, como mecanismo de controle do abuso de direito (CC, art. 187) incidente em todos os ramos jurídicos, obriga os proponentes a respeitarem entre si a dignidade e os direitos personalíssimos dela decorrentes.
Práticas abusivas
Os direitos fundamentais são os direitos humanos incorporados ao ordenamento de um País e que protegem ou promovem situações subjetivas das mais varias espécies, sempre ligadas à dignidade humana. O assédio moral viola vários direitos fundamentais constitucionais do trabalhador/indivíduo: a própria dignidade (CF, art. 1º, III), a vedação de tratamento degradante (art. 5º, III), a inviolabilidade da honra (art. 5º, X) e o valor social do trabalho (art. 1º, IV).
A teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais nasceu na Alemanha (Drittwirkung der Grundrechte) e se espalhou pelo mundo (GUEDES, op. cit., p. 124). Reconhece a existência de regras e princípios que, de tão importantes, vinculam até mesmo os particulares em suas relações intersubjetivas. Deu impulso a outra tendência que segue com força: a constitucionalização do direito privado.
A relação de trabalho, apesar de submetida a diversas normas estatais de observância obrigatória, é em sua essência uma relação privada, fundada na autonomia da vontade, ao menos no que diz respeito ao oferecimento e aceitação do vínculo. Ocorre que, no contexto de assédio moral, mitiga-se o princípio da autonomia privada da vontade na relação de trabalho ao se impor ao empregador a abstenção de condutas prejudiciais à saúde do empregado.
Dessa forma, considerando a eficácia imediata dos direitos fundamentais da dignidade, honra e valor social do trabalho na relação entre empregador e empregado, justifica-se a proibição de condutas caracterizadoras de assédio moral.
Quanto aos métodos usados para as diversas formas de assédio moral, o rol dos já identificados é grande: recusar a se comunicar com a vítima, desqualificá-la, destruir sua autoestima, isolá-la dos colegas, colocá-la em situações vexatórias ou constrangedoras (GUEDES, op. cit., p. 50-54). Mais exemplos não faltam: humilhação, supervisão excessiva, críticas infundadas, prazos exíguos, empobrecimento e/ou diminuição das tarefas, sonegação de informações, exposição pública de deficiências, apelidos, xingamentos, desvalorização de resultados, ameaças de transferência ou demissão, isolamento.
Haja vista as inúmeras formas de manifestação do assédio, cabe ao Judiciário analisar o caso concreto para identificar sua ocorrência, como se vê na seguinte ementa de julgado que reconheceu a prática pelo empregador da exposição do empregado a vexame e constrangimento:
“ASSÉDIO MORAL. CONFIGURADO. Deve ser reconhecido o assédio moral quando a prova produzida nos autos confirma que a reclamada, ao impor ao reclamante a utilização de bottons coloridos indicadores do alcance de meta de vendas, bem assim a participação em competição de Paint Ball, submeteu o empregado a vexame, humilhação e constrangimento, ultrapassou os limites do poder diretivo que lhe é assegurado.” (Processo 0139600-61.2008.5.05.0464 RO ac. nº 014543/2010, Relatora Desembargadora DALILA ANDRADE, Lojas Insinuante Ltda, 2ª. TURMA, DJ 18/05/2010).
Modalidades
Como lido antes na citação da Ministra Peduzzi, o assédio moral pode ser de três tipos: vertical, horizontal ou ascendente. Há, também, o assédio moral institucional ou organizacional.
O mobbing vertical descendente é o mais comum. A violência é praticada de cima para baixo, ou seja, de um superior hierárquico (empregador, gerente ou preposto) contra um subordinado. O empregado tem condição vulnerável em face do empregador. De fato, a relação laboral é desequilibrada, pois o empregado, em regra, depende economicamente do salário para sua sobrevivência e a de sua família e o medo de perder o emprego o faz tentar suportar ao máximo a agressão.
Por sua vez, há assédio moral vertical ascendente quando a agressão parte de baixo para cima. É o mais raro, porém tão cruel quanto os demais. A violência procede dos subordinados (em especial de um grupo) contra o superior, e "geralmente ocorre quando um colega é promovido sem a consulta dos demais, ou quando a promoção implica um cargo de chefia cujas funções os subordinados supõem que o promovido não possui méritos para desempenhar" (GUEDES, op. cit., p. 41).
Quando a perseguição é levada a cabo pelos colegas de trabalho, de forma individual ou coletiva, o mobbing é chamado horizontal. Pode ser motivado por razões políticas ou religiosas, intolerância étnica e de opção sexual, inveja, preconceito, ou um simples ser ou comportar-se de modo diferente dos colegas.
O assédio moral organizacional ou institucional se caracteriza pela política empresarial pautada em metas. É a conhecida “gestão por estresse” ou straining. A empresa visa ao aumento do lucro independentemente do bem-estar dos empregados. Tal modalidade de assédio pode alcançar todo o grupo de empregados ou apenas setores específicos.
Segundo Adriana CALVO (Assédio moral institucional. Disponível em: http://www.calvo.pro.br/media/file/arquivos/adriana_calvo_verbete_institucional.pdf), são propostos os seguintes requisitos para configuração de assédio moral institucional:
“1) ofensa ao direito fundamental à saúde no ambiente de trabalho – não é necessária a prova do dano psíquico coletivo, mas este pode ser facilmente identificado por psicólogos e psiquiatras como síndrome loco-neurótica (SLN) ou síndrome do assédio moral institucional:
2) atos inseridos dentro da política institucional da empresa – os atos de ofensa à dignidade humana dos trabalhadores são inseridos na política institucional da empresa por meio de diversos modelos de gestão: administração por estresse, administração por injúria, bossing, straining, dentre outros.
3) presença do caráter despersonalizado do assédio – os atos não serão dirigidos a pessoas ou grupo específicos, mas sim à coletividade dos trabalhadores de um setor da empresa ou de toda a empresa. Portanto, não há presença de alvos específicos, embora determináveis e;
4) o agressor é a empresa – o agressor é a própria pessoa jurídica (acionistas) que por meio de seus administradores (conselheiros e diretores) se utiliza de uma política de gestão desumana para atingir objetivos, em geral de fins econômicos, não sendo necessária a prova da intenção dolosa na prática do ato, uma vez que faz parte de uma estratégia de administração da empresa”
Os Tribunais do Trabalho já vêm reconhecendo o straining como forma de assédio moral, valendo a transcrição da seguinte ementa:
“STRAINING. CONFIGURADO. Derivado do termo inglês strain, que significa tencionar, peneirar, coar, puxar, esticar, straining é a tensão decorrente do estresse forçado pelo excesso de trabalho. Diferentemente do assédio moral, cuja vítima é individualizada, isolada do convívio dos demais colegas, e forçada à inatividade moralmente demolidora, no straining a vítima é um grupo de trabalhadores de um determinado setor ou repartição, que é obrigado a trabalhar exaustivamente, produzir e obter resultados, sob grave pressão psicológica e ameaça de sofrer castigos humilhantes, e ser despedido do emprego. Os trabalhadores são vítimas de uma estratégia cruel que tem por objetivo levá-los a acreditar que trabalhando à exaustão teriam seus empregos
garantidos, o que não é verdade. Acontece que essa estratégia, assentada na pressão psicológica para o cumprimento de metas de produtividade cada vez mais rigorosas, aliada à exploração intensiva do trabalho vivo, combinada com as constantes ameaças da perda do emprego, implica em violação do direito fundamental ao trabalho saudável, e revela a face perversa da gestão por estresse, conhecida por straining. Restou configurada a prática de assédio moral organizacional, na modalidade straining.” (TRT 8ª Região, RO 00037-2008-008-08-00-0, relator Sulamir Palmeira Monassa de Almeida, publicação DOJT8 em 29/07/2008)
Alcance dos danos
Afirma Márcia Guedes que, nos países de origem latina, a vítima preferida é a mulher. Nos demais países, tanto homens quanto mulheres são assediados em igual proporção, mas um fator considerável é a idade (GUEDES, op. cit., p. 71). Uma possível consequência do assédio moral não reprimido é o desenvolvimento, na vítima, de uma desordem pós-traumática por estresse (PTSD, em inglês), distúrbio extremo que deve ser evitado pela identificação do mobbing no estágio inicial e pela sua repressão imediata (GUEDES, op. cit., p. 50).
Não só a vítima individualmente considerada sofre os perversos efeitos do mobbing: o meio ambiente do trabalho e a atividade empresarial também são prejudicados.
O direito ao meio ambiente preservado e saudável é direito fundamental de 3ª dimensão, porque de caráter difuso, ou seja, transindividual, indivisível e de indeterminabilidade subjetiva. Nossa CF trata do meio ambiente no art. 225. O meio ambiente do trabalho é uma de suas espécies, na forma do inciso VIII do art. 200 da CF.
O art. 7, “e”, do Protocolo de São Salvador (1998) traz expressamente o dever dos Estados de garantir em suas legislações a segurança e a higiene no trabalho. Dispõe o art. 4º da Convenção 155 da OIT que os Estados devem formular política nacional com a finalidade de reduzir os riscos ambientais no trabalho.
No plano interno, conforme o inciso XXII do art. 7º da CF, a elaboração de normas de preservação do meio ambiente do trabalho, com redução dos riscos, é obrigação do Poder Público, e sua observância é dever dos empregadores e direito dos empregados. Na verdade, o empregador deve cumprir as normas e exigir e fiscalizar seu cumprimento pelos empregados (CLT, art. 157), ao passo que os empregados têm a obrigação de cumprir as instruções do empregador (CLT, art. 158).
Todas as modalidades de assédio moral (vertical, horizontal e institucional) têm por consequência abalar as relações intersubjetivas dos atores laborais (empregador, gerentes, prepostos, trabalhadores, terceirizados, estagiários etc), na medida em que promovem sentimentos de desconfiança e de apreensão naqueles que, apesar de não diretamente envolvidos na situação, convivem no espaço de trabalho.
Não bastasse a repercussão do assédio moral sobre a vítima e sobre o meio ambiente laboral, sua incidência traz prejuízo inclusive à produção empresarial, pois um empregado afastado por doença significa diminuição da força de trabalho:
“De modo geral, verifica-se, a nível do grupo, uma redução na capacidade produtiva e na eficácia; acentuada crítica aos empregadores; elevada taxa de absenteísmo por doenças, tendência do grupo de fazer tempestades em copo d’água, transformando pequenos problemas em gigantescos conflitos; a busca de bodes expiatórios, para mascarar os reais problemas e culpados.” (GUEDES, op. cit., p. 114)
Ressalte-se que o afastamento do empregado acometido de doença é um direito subjetivo seu, e o empregador não teria mesmo como impedi-lo. O que aqui se destaca é a falta de visão empresarial do empregador, pois, ao agir contra o empregado, torna-se o próprio e único culpado por seu prejuízo econômico.
Consequências jurídicas
Configurado o assédio moral, as decorrências jurídicas são várias.
Do ponto de vista trabalhista, o empregado que sofre assédio vertical descendente e assédio institucional pode considerar o vínculo rompido por justa causa do empregador, tipificada nas alíneas “a”, “b”, “e” ou “g” do art. 483 da CLT.
A justa causa também se verifica na hipótese de assédio horizontal, pois o empregador falhou no seu dever legal de garantir o meio ambiente de trabalho saudável (CLT, art. 157).
No assédio ascendente, o empregador agredido pelos subordinados pode enquadrar a conduta nas alíneas “b”, “h” ou “k” do art. 482 da CLT, dispensando os agressores por justa causa.
Sob o aspecto civil, o assédio moral acarreta dano moral. O dano moral é o dano não patrimonial à dignidade e à personalidade. É reconhecido expressamente na CF, art. 5º, V e X. Consoante o art. 186 do CC, o dano, ainda que exclusivamente moral, é consequência de um ato ilícito, e ao ofensor cabe o dever de repará-lo, como dispõe o art. 927 do mesmo instrumento. A compensação pecuniária é a forma de reparação própria do dano moral, haja vista a impossibilidade de restituição das coisas ao estado anterior.
Confira-se o reconhecimento pelo TST da ocorrência de danos morais em caso de assédio moral:
“EMENTA (...) VI - ATO ILÍCITO. DANO. CONFIGURAÇÃO. ASSÉDIO MORAL. PRÁTICA DISCRIMINATÓRIA. ISONOMIA. VIOLAÇAO AO PRINCIPIO. INDENIZAÇÃO. A Constituição Federal assegura a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assim como o direito à indenização pelo dano moral decorrente de sua violação (CF, art. 5º, X). Daí decorre que incumbe ao empregador respeitar a consciência do trabalhador, zelando pela sua saúde mental e liberdade de trabalho, sua intimidade e vida privada, sua honra e imagem, abstendo-se de práticas que importem exposição do empregado a situações humilhantes, constrangedoras, ridículas, degradantes, vexatórias, discriminatórias, tendentes a incutir na psique do trabalhador idéia de fracasso decorrente de uma suposta incapacidade profissional, por um lado. Por outro, o direito à indenização, por ato ilícito, supõe a comprovação do dano, o nexo de causalidade e a culpa. Evidenciado o dano (assédio moral) ao empregado, transtornos psicológicos depressivos, decorrentes de tratamento desigual, dispensado pelo superior hierárquico, combinado com estresse, ante a sujeição à sobrecarga de trabalho, - o nexo de causalidade -, com intensa pressão da chefia e ameaça de demissão, a culpa, inarredável o direito de indenizar. Convicção que se robustece quando se atenta para o fato de que as pressões do superior hierárquico sobre o autor davam-se, de forma mais ríspida, que sobre os demais empregados, circunstância que revela o tratamento desigual, prática evidenciadora de afronta ao princípio da igualdade, e ressalta ainda mais a culpa do empregador. Aquele que viola direito e causa dano a outrem é obrigado a repará-lo (artigos 186, 187 e 927 do Código Civil Brasileiro). Não viola os artigos 186 e 927 do CCB acórdão regional que, em semelhantes circunstâncias, reconhece ao empregado o direito à indenização, por assédio moral. Não conhecido. (...)” (TST, RR 31300-93.2005.5.17.0005, publicação DEJT 17/12/2010)
No caso de assédio pré-contratual, ao candidato ao emprego abusado moralmente também é devida indenização por dano moral, que também deve ser processada na Justiça do Trabalho, pois a redação atual do art. 114 da Constituição, conferida pela EC n. 45/04, confere à Justiça do Trabalho competência para ações de indenização decorrentes da relação de trabalho, e a fase pré-contratual está incluída nessa relação.
No campo previdenciário, eventual agravo à saúde do trabalhador decorrente de assédio moral deve ser considerado doença do trabalho (mesopatia), na forma do inciso II do art. 20 da Lei n. 8.213/91. Com efeito, a doença desencadeada pela prática do assédio não é própria de um serviço específico, estando, sim, ligada à condição especial a que a vítima foi condicionada.
Rodrigo Dias da FONSECA (op. cit.) vasculha com precisão o regramento previdenciário para concluir pela existência de doenças do trabalho decorrentes de assédio moral:
“A Lei n. 8.213/91, em seu art. 20, I e II, equipara ao acidente do trabalho a doença profissional ("produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social") e a doença do trabalho ("adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente", também constante da relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social).
O Regulamento da Previdência Social (Decreto n. 3.048/99), Anexo II, Lista B, elenca os "Transtornos mentais e do comportamento relacionados com o trabalho". Ali, arrolam-se as doenças e seus respectivos agentes etiológicos ou fatores de risco de natureza ocupacional. Dentre estes, são enumerados as doenças de "reações ao stress grave e transtornos de adaptação" e "estado de stress pós-traumático", causadas pelos agentes: "outras dificuldades físicas e mentais relacionadas com o trabalho" e "Circunstância relativa às condições de trabalho" (Item VIII).
Mais adiante, o regulamento prevê como doença "Sensação de Estar Acabado (‘Síndrome de Burn-Out’, ‘Síndrome do Esgotamento Profissional’), decorrente de "ritmo de trabalho penoso" e "outras dificuldades físicas e mentais relacionadas com o trabalho" (item XII).
Portanto, é oficialmente reconhecida, para efeitos previdenciários, a existência de doenças profissionais e do trabalho originadas do assédio moral.”
Processualmente, o agredido pode propor ação individual perante a Justiça do Trabalho, sendo também legitimado para tanto o sindicato respectivo. Havendo mais de uma vítima, a legitimidade para a propositura de ação coletiva ou de ação civil pública é conferida às entidades do art. 82 do CDC e do art. 5º da Lei n. 7.347/85, respectivamente.
O Ministério Público do Trabalho é instituição essencial à “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (CF, art. 127, caput) dos trabalhadores. A atuação do MPT na repressão ao mobbing pode ser decisiva, efetivada por meio dos instrumentos administrativos (termos de ajuste de conduta) e processuais (ações coletivas e ações civis públicas) a que tem acesso. Antes de propor ação civil pública, o membro do Parquet poderá instaurar inquérito civil (art. 1º da Res. CNMP n. 23/2007) e procedimento preparatório de inquérito (§ 4º do art. 2º da Res. CNMP n. 23/2007), em âmbito administrativo, com o fim de apurar os fatos com mais profundidade. A tomada de termo de ajustamento de conduta (TAC), com força de título executivo extrajudicial, é prevista no § 6º do art. 5º da Lei n. 7.347/85.
Aproveita-se aqui a objetividade com que Rodrigo Dias da FONSECA (op. cit.) aponta a legitimidade do MPT para atuar nos casos de assédio moral, haja vista a degradação do meio ambiente de trabalho:
“Ora, se a prática de atos que configuram o assédio moral no local de trabalho provoca danos à saúde dos empregados; se doenças profissionais, na forma da lei, são desenvolvidas a partir dessa nefasta ação contínua; e se há evidente prejuízo ao meio ambiente de trabalho, então o Ministério Público do Trabalho detém legitimidade para atuar com fito de exigir a observância das normas de segurança e medicina do trabalho, bem como de prevenir, afastar ou minimizar os riscos à saúde e integridade psíquica e física dos trabalhadores, velando pela proteção dos direitos constitucionais (Lei Complementar 75/93, art. 6º, inciso VII, alínea a) e pelo cumprimento das normas referentes ao meio ambiente de trabalho (LC 75/93, art. 6º, inciso VII, alínea d e inciso XIV, alínea g).
Essa atuação se fará na forma prevista nos mesmos artigos: mediante ação civil pública e ação civil coletiva.”
A intervenção dos sindicatos das categorias profissional e econômica também é de grande importância. Sob o aspecto social, com a vantagem da capilaridade territorial, cabe realizarem campanhas de conscientização dos membros de suas categorias, orientando-se os empregadores quanto à ilicitude da prática e os empregados quanto a seu direito subjetivo de ver cessada a violação e reparado o dano moral. Sob o ponto de vista jurídico-processual, o sindicato tem ampla representação (CF, art. 8º, III) e pode propor ações individuais e ações coletivas para a tutela dos interesses da categoria.
Por fim, é fundamental lembrar que a repressão não exclui a prevenção. Ao contrário, tem-se que a melhor forma de eliminar o assédio moral no trabalho é a prevenção, realizável por mudanças nas condições de trabalho, no comportamento da direção da empresa, no padrão de moralidade do setor, e na condição social de cada indivíduo (GUEDES, op. cit., p. 161-166).
BIBLIOGRAFIA:
CALEIRO, João Pedro. Dificuldade em demitir gera "salas da expulsão" no Japão. Disponível em: http://exame.abril.com.br/economia/noticias/dificuldade-em-demitir-gera-salas-da-expulsao-no-japao
CALVO, Adriana. Assédio moral institucional. Disponível em: http://www.calvo.pro.br/media/file/arquivos/adriana_calvo_verbete_institucional.pdf
FONSECA, Rodrigo Dias da. Assédio moral: breves notas. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1328, 19 fev. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/9512>
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. 2a ed. São Paulo: LTr, 2004.
PEDUZZI, Maria Cristina Irigoyen. Assédio Moral. Rev. TST, Brasília, vol. 73, nº 2, abr/jun 2007,p. 25-45.
[1] Sobre estes estudos veja-se HEINZ LEYMANN, La persécution au travail, Éditions du Seuil, Paris, 1996, pp. 8 ss.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Rodrigo Bezerra. Aspectos gerais do assédio moral Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 fev 2014, 06:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38478/aspectos-gerais-do-assedio-moral. Acesso em: 30 set 2024.
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