Palavras-chave: Reforma Constitucional. Emenda Constitucional. Legitimados. Possibilidades deliberativas. Iniciativa popular.
1 Introdução
As emendas constitucionais, na perspectiva da teoria do poder constituinte, objetivam criar ou modificar, total ou parcialmente, disposições criadas pelo poder constituinte originário que, no momento da elaboração da norma constitucional, dispõe-se de um poder ilimitado. A atividade de elaborar as emendas constitucionais, por conseguinte, advém do poder constituinte derivado, que, nessa atribuição, caracteriza-se como reformador e submete-se a uma série de limitações procedimentais e materiais.
O caput art. 60 da CRFB/88 elenca as limitações procedimentais e, o seu parágrafo 4º, elenca as objeções matérias em relação à propositura de emenda constitucional. Entretanto, pretende-se com o presente artigo indagar a ausência da iniciativa popular no rol de legitimados elencados no aludido artigo e enfatizar o argumento de que, em prol dos fundamentos e objetivos da CRFB/88, tal possibilidade não recebe vedação material expressa e inauguraria um expoente constitucional condizente com o Estado Democrático de Direito.
2. Reforma constitucional por meio de emenda
As festejadas emendas constitucionais apresentam-se, em tese, sob a perspectiva de alcance intermediário, haja vista que se devem observar os limites estipulados constitucionalmente para a criação ou modificação de normas constitucionais. Diferencia-se, dessa forma, de um alcance maximalista, defendido por autores como Manoel Gonçalves Ferreira Filho em que o poder reformador poderia alterar irrestritamente a Constituição Federal, inclusive no que tange ao seu núcleo, e de um alcance minimalista, em que seria basicamente inviável a propositura de emendas constitucionais.
O tema da reforma constitucional por meio das emendas é tratado pelo art. 60 da CRFB/88 que estabelece em seu escopo limitações formais no que tange aos legitimados para a sua iniciativa, bem como ao quórum deliberativo e, em seu parágrafo 4º, estabelece as limitações materiais. Esta última destaca-se por sua fundamental importância em relação à proteção das clausulas pétreas das quais se destacam os direitos e garantias individuais, sem os quais não seria possível lograr com o objetivo de uma sociedade livre e justa.
Constata-se, pois, a previsão normativa de emenda por iniciativa privada e, simultaneamente, concorrente. Nesse sentido, depreende-se do artigo 60 da CRFB/88:
“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.
§ 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.
§ 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
§ 3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
§ 5º - A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa”. ( BRASIL,1988)
Nota-se, portanto, o rol taxativo de legitimados constantes nas alíneas I, II e III do aludido artigo, sendo qualquer proposta de emenda constitucional elaborada por outra pessoa se não o presidente da república; 1/3, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; ou então mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, com manifestação da maioria relativa dos seus membros, será considerada uma proposta eivada de vício material, sendo substancialmente considerada inconstitucional.
Nesse ínterim, não seria possível, então, a proposta de uma emenda constitucional por iniciativa popular. O principal argumento que corrobora com tal constatação é o de que primeiro inobserva-se previsão constitucional para tanto, e segundo, que o anseio popular estaria resguardado por seus representantes eleitos democraticamente por meio do voto direto, secreto, universal e periódico. Ademais, a iniciativa popular, no cenário constitucional atual, somente poderá ser exercida não com relação às emendas constitucionais, mas sim no que concerne à apresentação de iniciativas de Leis complementares e ordinárias à Câmara dos Deputados, consoante o disposto no art. 61, parágrafo 2º da CRFB/88.
3. Iniciativa popular: entraves em sua efetiva participação no cenário legislativo
Conquanto o argumento de que a iniciativa popular subsiste e está representada no cenário legislativo brasileiro, esta se caracteriza como dificultosa e, até mesmo incoerente em basicamente dois aspectos: primeiro no que condiz no grau de dificuldade para a sua concretização e segundo pela incompatibilidade em se permitir a propositura à Câmara dos Deputados de projetos de Lei complementar ou ordinária sem admitir-se, nesta perspectiva, a apresentação de ao menos propostas de emendas constitucionais atinentes ao interesse público.
Em consonância com o art. 61 da CRFB/88, a iniciativa popular poderá ser exercida com a apresentação à Câmara dos Deputados de propostas de Lei com, no mínimo, subscrição de um por cento do eleitorado nacional e, se não bastasse, distribuído por pelo menos cinco estados com não menos de três décimos dos eleitores de cada deles. Ora, tais condições para a efetivação da vontade da iniciativa popular a torna extremamente dificultosa, haja vista que o Brasil possui 140.394.103 cidadãos aptos a elegerem seus representantes. A subordinação de tal participação à quantidade de subscritos em conformidade com os parâmetros eleitorais demostra, de certa forma, que o poder constituinte alude à iniciativa popular como uma mera formalidade democrática mas não vislumbra seu efetivo exercício.
Ademais, tal entrave poderia ser dirimido se fossem empreendidas maiores discussões em relação à inserção da iniciativa popular no rol de legitimados para a propositura de emendas constitucionais, fato que culminaria, caso proposto, a alteração dos parâmetros para a propositura dos aludidos projetos de Lei na Câmara dos Deputados.
Ainda que prospere no entendimento jurídico doutrinário e jurisprudencial a impossibilidade de inserir a iniciativa popular para propor emendas constitucionais, ao se analisar axiológica e literalmente o texto constitucional, percebe-se a plausibilidade de tal inserção. Em relação aos limites materiais da reforma por emenda, a iniciativa popular não se enquadra na violação de nenhuma das clausulas pétreas protegidas como núcleo fundamental constitucional haja vista que não fere a forma federativa de estado, nem a separação de poderes, e tampouco o voto direto, secreto, universal e periódico e os direitos e garantias individuais, mas pelo contrario, corrobora e fortalece os mesmos uma vez que se aproxima dos objetivos e elementos subsidiadores do Estado Democrático de Direito.
As garantias fundamentais do indivíduo, principalmente no que concerne aos seus direitos políticos aproximar-se-iam, na hipótese de se conceber a iniciativa popular para a propositura de emendas constitucionais, de uma democracia deliberativa, que mais se aproxima do leque garantista e democrático característico da CRFB/88.
Nesse sentido, em prol de uma democracia também participativa, que seja calcada no debate dos assuntos de interesse público, a cientista política Lígia Helena Hahn Luchmann aduz:
“A democracia deliberativa constitui-se como um modelo ou processo de deliberação política caracterizado por um conjunto de pressupostos teórico-normativos que incorporam a participação da sociedade civil na regulação da vida coletiva. Trata-se de um conceito que está fundamentalmente ancorado na ideia de que a legitimidade das decisões e ações políticas deriva da deliberação pública de coletividades de cidadãos livres e iguais. Constitui-se, portanto, em uma alternativa crítica às teorias "realistas" da democracia que, a exemplo do "elitismo democrático", enfatizam o caráter privado e instrumental da política”
Por essas e outras razões, revela-se imprescindível recuperar os debates acerca da inserção da participação popular na esfera legislativa de modo que os cidadãos não contribuam somente com o voto, mas também da elaboração das Leis e alterações constitucionais necessárias para sanar diversas mazelas presentes na Administração Pública e no cotidiano dos indivíduos.
4. Conclusão
Destarte o estudo da reforma constitucional na esfera do processo legislativo e em relação às emendas constitucionais carece de maiores discussões acerca da viabilidade de inserir, no rol de legitimados para a propositura das mesmas, a iniciativa popular, uma vez que esta pode, por disposição constitucional, intentar a propositura de Leis perante a Câmara dos Deputados, ainda que de maneira dificultosa, mas se vê inerte no que tange às disposições constitucionais que não compõe o núcleo normativo das cláusulas pétreas.
A inserção da iniciativa popular entre os legitimados do caput do art. 60 da CRFB/88 inauguraria um novo modelo de democracia, calcada ainda na democracia representativa, mas com a dialética e debates atinentes à democracia deliberativa, de modo a compor um cenário intermediário, que torna ainda mais concreto os princípios fundantes do Estado Democrático de Direito, incorporado pela atual constituição brasileira com o respeito aos direitos humanos e do cidadão, em que se encontra até então a utópica plena participação democrática.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
BRASIL. Estatísticas TSE- Quantitativo Eleitorado 2012. Disponível em http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleicoes-2012. Acessado em 10 de dezembro de 2013.
LUCHMANN. Ligia Helena Hahn. Possibilidades e limites da democracia deliberativa: A experiência do orçamento partipativo de Porto Alegre. São Paulo: Universidade Estadual de São Paulo Disponívelemhttp://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000246426&fd=y. Acessado em 10 de dezembro de 2013.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 38. ed., rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 5. ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva; Brasília: Instituto Brasiliense de Direito Público, 2010.
Advogada. Pós- graduanda em Direito Público pela PUC Minas. Graduada em Direito pela PUC Minas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, Ana Luisa de Oliveira. Reforma Constitucional no Direito Brasileiro: considerações acerca da possibilidade de inserção da iniciativa popular na propositura de emendas constitucionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 fev 2014, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38517/reforma-constitucional-no-direito-brasileiro-consideracoes-acerca-da-possibilidade-de-insercao-da-iniciativa-popular-na-propositura-de-emendas-constitucionais. Acesso em: 23 dez 2024.
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