Resumo: Modernamente, a sociedade busca a edificação de uma sociedade que institucionalize juridicamente e politicamente os reais interesses da coletividade. Por tal razão, Supremo Tribunal Federal tem decidido favoravelmente ao controle judicial de políticas públicas, no que concerne aos direitos fundamentais constitucionais, quando há omissão estatal ou prestação deficiente. Questões de políticas públicas podem ser levadas a análise do Poder Judiciário, e este tomando uma atitude ativista decide pela efetividade do direito fundamental, constitucionalmente garantido, afastando a violação do postulado da Separação de Poderes, já que o dever de promoção e proteção dos direitos fundamentais é de todos os órgãos e poderes Estatais.
Palavras-chave: 1. Políticas Públicas. 2. Separação de Poderes.
Abstrat: Nowadays, the society seeks to build a society that legally and politically institutionalize the real interests of the collectivity. For this reason, the Supreme Court has decided in favor of the judicial control of public policies, as respects fundamental constitutional rights when there is state failure or poor performance. Public policy issues can be taken to analyze the Judiciary, and this taking an activist attitude decides the effectiveness of the fundamental right constitutionally guaranteed, removing the assumption violation of Separation of Powers, since the duty to promote and protect fundamental rights is of all State organs and powers
Keywords: 1. Public Policy. 2. Separation of Powers.
Sumário: Introdução. 1. Do Princípio da Separação dos Poderes; 2. Origem e Objetivos; 3. As funções Estatais; 4. O princípio da Separação dos Poderes e a atuação jurisdicional. 4.1 Do Ativismo Judicial; Conclusão. Referências.
Introdução: O fenômeno da judicialização surgiu traduzindo profundas e significativas mudanças na atuação e na responsabilidade do Poder Judiciário, obrigando-o a assumir uma postura mais politizada e ativa, de verdadeiro garantidor de direitos fundamentais, já constitucionalmente assegurados.
Neste trabalho analisaremos a viabilidade desta intervenção judicial em face do Postulado da Separação dos Poderes, que, em princípio, determina ser de competência dos Poderes Legislativo e Executivo a definição e implementação de políticas públicas, mas que pode ser mitigado em face da necessidade social, no contexto do Estado Democrático de Direito.
1 Do Princípio da Separação dos Poderes[i]
Na esteira das críticas erguidas acerca da legitimidade da atuação do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas encontra-se, primordialmente, o princípio da Separação dos Poderes, que, por vezes, é apresentado como limitador ao controle jurisdicional das Políticas Públicas, em razão da independência dos Poderes do Estado.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em seu artigo 16, introduziu ao direito o postulado da Separação dos Poderes determinando que “A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.” Em respeito a esta afirmação universal, nossa Carta Magna de 1988 alçou este postulado a categoria de princípio constitucional, protegido como cláusula pétrea (CF artigo 2º, c/c artigo 60, §4º, inciso III).
2 Origem e Objetivos
A partir da teoria clássica das formas de governo de Aristóteles exposta em A Política, bem como das ideias de Jonh Locke descritas no Segundo tratado do governo civil, o filósofo Montesquieu, em sua obra Do Espírito das Leis, por meio de uma exposição sistemática e organizada, tratou acerca do papel do direito na política, com ênfase no confronto institucionalizado entre liberdade e poder, fornecendo os fundamentos para o desenvolvimento do postulado da Separação dos Poderes.
Historicamente, este postulado foi edificado como oposição aos regimes monárquicos absolutos, objetivando evitar a concentração de poderes perante um só titular, seja ele o rei, o clero ou mesmo os magistrados e, desta forma, controlar o exercício arbitrário do poder.
Dentro do contexto da formação dos Estados de Direito Constitucionais, em especial do Estado Liberal, este princípio tencionou extirpar com o abuso de poder proveniente dos governos tirânico, garantindo, primordialmente, a liberdade individual. Esta primeira função foi evidenciada na obra Do Espírito das Leis de Montesquieu (1997, p. 202).
Quando se reúne na mesma pessoa, ou no mesmo corpo de magistratura, o Poder Legislativo e o Poder Executivo, não existe liberdade; porque pode-se temer que o próprio monarca, ou o próprio senado, faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente.
Também não existe liberdade, se o poder de julgar não estiver separado do Poder Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário: pois o juiz seria legislador. Se estivesse unida ao Poder Executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor.
Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo de principais, ou de nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas, e o de julgar os crimes ou as pendências entre os particulares.
Diante deste contexto histórico, o princípio da Separação de Poderes terminou por ser solidificado como uma ideia interligada a supremacia do Parlamento e da lei, na qual o Poder Judiciário está distante da política, concepção que foi importada para os países de tradição romano-germânica, como o nosso.
Contudo, modernamente, perante o Estado Democrático de Direito o princípio da Separação de Poderes foi revitalizado, a fim de concretizar um governo democrático, fundado no equilíbrio entre as forças políticas, perante um mecanismo de controles recíprocos, o sistema de freios e contrapesos.
A partir deste novo contexto político-social, este postulado propôs-se a garantir a efetividade dos direitos fundamentais. E, nesta função torna-se primordial a atuação independente do Poder Judiciário, conforme nos esclarece Felipe de Melo (2013, p. 103) para quem esse Poder “assume a função de julgar com independência os litígios que envolvem a sociedade e o Estado (e também no interior da própria sociedade), resguardando os direitos fundamentais das investidas ilícitas dos demais poderes (e atores privados).”. Em virtude deste importante papel do Poder Judiciário de proteção dos direitos fundamentais, justificou-se a intervenção judicial nas políticas públicas.
Outro respeitável objetivo do princípio da Separação de Poderes funda-se na racionalização das atividades públicas, já que destacadas e diferenciadas, as funções estatais serão exercidas com maior eficiência, ou seja, a especialização permite um aprimoramento no desempenho técnico das tarefas públicas.
Conforme conceitua Felipe de Melo (2013, p. 102) trata-se da “decomposição do poder político em múltiplos órgãos estatais, titularizados por diferentes pessoas”. Ou seja, as funções de criação de normas abstratas, sua aplicação e o julgamento dos casos concretos devem ser exercidos por titulares diferentes, evitando-se o arbítrio decorrente de uma tirania minoritária, resguardando-se os direitos fundamentais e permitindo um melhor desempenho técnico das funções estatais.
A importância deste princípio centra-se em sua natureza instrumental, fundamental para organização do Estado, concernente à divisão equilibrada do poder para melhor administração das tarefas do Estado.
3 As funções Estatais.
As funções/poderes exercidas pelo Estado são a administrativa, legislativa, jurisdicional e de governo. A função legislativa estaria afeta a elaboração legislativa pelos representantes do povo, por meio de comandos gerais e abstratos aplicáveis a todos os cidadãos de uma determinada sociedade. E as funções jurisdicional e administrativa estariam relacionadas à aplicação dessa legislação ao caso concreto. Já a função de governo traduz as competências estatais relacionadas às ações políticas.
Essas funções são exercidas pelos diversos Poderes Estatais de forma típica, em virtude da forma tripartida de divisão de funções e do postulado constitucional da Separação de Poderes, e de forma atípica em razão do sistema de freios e contrapesos (cheks and balances), gerando a possibilidade do Poder Judiciário além de julgar (função típica), também administrar seus órgãos e serviços internos (função atípica) ou do Poder Executivo além de administrar e gerenciar (função típica), interferir na atividade legislativa por meio do veto e da sanção (função atípica). Esse sistema permite um controle mútuo de um Poder sobre o outro, impedindo que um se sobreponha sobre o outro. Ou seja, entre os Poderes devem existir colaboração e fiscalização, culminando com harmonia e equilíbrio.
Contudo, na escolha e implementação de políticas públicas e mesmo na condução do Estado, em uma visão puramente jurídico-formalista, os Poderes Executivo e Legislativo se sobressaem como Poderes legítimos, dada suas funções típicas. Isto porque, o processo político democrático possibilita que a tomada de decisões sobre os direitos e deveres dos indivíduos seja efetivada com a participação da sociedade, com igualdade de condições, além de permitir que os diversos grupos sociais dialoguem sobre a agenda institucional, o que dificilmente ocorrerá no processo judicial.
Pelo sufrágio universal as pessoas são representadas nos órgãos políticos, que determinarão as políticas públicas a serem implementadas na sociedade. Estas decisões serão voltadas a coletividade e não a solução de um conflito individual, resguardando-se o direito coletivo a participação igualitária nas decisões políticas. Portanto, o instrumento primário de decisões políticas é o processo político e não o judicial. Assim, em princípio, na tomada de decisões acerca das políticas públicas o processo político deve ser preferencial ao processo judicial. Contudo, na prática, o processo político não corresponde ao modelo idealizado acima, apresentando diversos desvios oriundos da ausência da participação popular e da corrupção.
No sentido da impossibilidade do Poder Judiciário assumir integralmente o papel de concretizador dos direitos constitucionais Felipe de Melo (2013, pg. 212) aborda críticas e vantagens na atuação judicial sobre as políticas públicas:
(i) teoricamente, ele é incapaz de fazer apreciações macroestruturais, cabendo-lhe apenas realizar a chamada “microjustiça”; (ii) seu acesso é mais formalista e dificultoso; (iii) é muito mais caro e complexo incrementá-lo em tamanho; (iv) não está sujeito à responsabilidade político-eleitoral. Em contrapartida, são vantagens do Poder Judiciário: (i) ampliar as demandas individuais, permitindo o debate público em ocasiões em que ele se encontra obstruído, ou quando o indivíduo é, por si só, incapaz de mobilizá-lo; (ii) servir de instância racional de debates; e (iii) a blindagem institucional permite que o Poder judiciário possa tomar decisões contramajoritárias com segurança.
Modernamente, as atividades exercidas pelos Poderes Estatais se interpenetram, fazendo com que o princípio da Separação dos Poderes não seja considerado de forma absoluta, restando funções preferenciais e não exclusivas. Impõe-se assim, uma visão flexibilizadora dos dogmas construídos em torno deste princípio.
4 O princípio da Separação dos Poderes e a atuação jurisdicional.
O exercício de direitos, em especial os fundamentais, não pode sofrer qualquer tipo de limitação, ainda que para tanto seja necessário mitigar o postulado da separação de poderes. Segundo Paulo Bonavides (2010, p. 78):
Ontem, a separação de Poderes se movia no campo da organização e distribuição de competências, enquanto seu fim era precisamente o de limitar o poder do Estado; hoje, ela se move no âmbito dos direitos fundamentais e os abalos ao princípio partem de obstáculos levantados à concretização desses direitos, mas também da controvérsia de legitimidade acerca de quem dirime em derradeira instância as eventuais colisões de princípios da Constituição. Na equação dos poderes que se repartem como órgãos da soberania do Estado nas condições impostas pelas variações conceituais derivadas da nova teoria axiológica dos direitos fundamentais, resta apontar esse fenômeno de transferência e transformação política: a tendência do Poder Judiciário para subir de autoridade e prestígio, enquanto o Poder Legislativo se apresenta em declínio de força e competência.
Não obstante a necessidade de respeito à Separação dos Poderes, a realidade atual exige um Poder Judiciário muito mais envolvido e participativo, capaz de solucionar lides das mais variadas amplitudes, inclusive com questões intrinsecamente políticas, que modernamente são trazidas ao deslinde do Judiciário.
O princípio constitucional do amplo acesso à justiça, preconizado no artigo 5º, inciso XXXV de nossa Carta Magna, contribuiu para o fortalecimento da participação do Poder Judiciário sobre as questões políticas. Por intermédio desse instituto, veda-se a criação de obstáculos ao acesso à tutela jurisdicional, bem como orienta o Judiciário a proferir uma decisão terminativa do conflito.
Nesse quadro, a figura do magistrado passa de mero aplicador das leis a co-autor do próprio direito. Os juízes se veem impelidos a participar da criação do direito, porque a própria Constituição os obriga a conceder a tutela jurisdicional e, assim, resolver a lide. Não lhes é facultado no moderno direito constitucional declinar do comprometimento de realizar o direito.
É senão o próprio sistema democrático de direito, adotado no Brasil, que permite a expansão da atuação do Judiciário sobre os poderes e políticas do Legislativo e do Executivo. E o fundamento de tal atuação é, em última análise, o primado da Supremacia da Constituição, justificada pela imperiosa necessidade de preservação de dados direitos, tais como os fundamentais, cabendo à Corte Constitucional sua guarda e respeitabilidade.
Essa participação mais ativa do Judiciário não invade a seara do Legislativo – que continua a ter por função típica a criação das leis – mas permite resguardar as instituições democráticas e os princípios constitucionais.
Não há que se falar em inovação legislativa por parte do Judiciário. Deve-se, sim, discorrer sobre a interpretação criativa da lei, que ao ser aplicada deve respeitar primordialmente o basilar princípio da Separação dos Poderes.
Nesse sentido, (MENDES; COELHO; BRANCO, 2002, apud VERBICARO, 2010. p. 03):
A criatividade judicial, ao invés de ser um defeito, do qual há de se livrar o aplicador do direito, constitui uma qualidade essencial, que o intérprete deve desenvolver racionalmente. A interpretação criadora é uma atividade legítima, que o juiz desempenha naturalmente no curso do processo de aplicação do direito, e não um procedimento espúrio, que deva ser coibido porque supostamente situado à margem da lei.
A essa possibilidade de o Judiciário resolver questões antes adstritas ao outros poderes chamou-se Judicialização, que demonstra mesmo a democratização social. Com essa releitura do Princípio da Separação dos Poderes surgem questionamentos acerca do papel do Judiciário frente ao princípio democrático.
Teria legitimidade o Poder Judiciário para sobrepor sua decisão àquela tomada pelo Presidente da República que foi escolhido pelo povo pelo voto? Estar-se-ia diante de uma crise de legitimidade, dado que o Judiciário não possui representatividade popular?
Alexander Bickel apud Luís Roberto Barroso (2008, p. 8) identificou essa situação na teoria constitucional chamada “dificuldade contramajoritária”. Como poderia um órgão não eletivo sobrepujar sua decisão a um eleito democraticamente?
O autor responde aduzindo duas teses; a primeira de cunho normativo e a segunda de cunho filosófico, in verbis:
O fundamento normativo decorre, singelamente, do fato de que a Constituição brasileira atribui expressamente esse poder ao Judiciário e, especialmente, ao Supremo Tribunal Federal. A maior parte dos Estados democráticos reserva uma parcela de poder político para ser exercida por agentes públicos que não são recrutados pela via eleitoral, e cuja atuação é de natureza predominantemente técnica e imparcial. De acordo com o conhecimento tradicional, magistrados não têm vontade política própria. Ao aplicarem a Constituição e as leis, estão concretizando decisões que foram tomadas pelo constituinte ou pelo legislador, isto é, pelos representantes do povo. Essa afirmação, que reverencia a lógica da separação de Poderes, deve ser aceita com temperamentos, tendo em vista que juízes e tribunais não desempenham uma atividade puramente mecânica. Na medida em que lhes cabe atribuir sentido a expressões vagas, fluidas e indeterminadas, como dignidade da pessoa humana, direito de privacidade ou boa-fé objetiva, tornam-se, em muitas situações, co-participantes do processo de criação do Direito.
A justificação filosófica para a jurisdição constitucional e para a atuação do Judiciário na vida institucional é um pouco mais sofisticada, mas ainda assim fácil de compreender. O Estado constitucional democrático, como o nome sugere, é produto de duas ideias que se acoplaram, mas não se confundem. Constitucionalismo significa poder limitado e respeito aos direitos fundamentais. O Estado de direito como expressão da razão. Já democracia significa soberania popular, governo do povo. O poder fundado na vontade da maioria. Entre democracia e constitucionalismo, entre vontade e razão, entre direitos fundamentais e governo da maioria, podem surgir situações de tensão e de conflitos aparentes.
Assim, uma Constituição deve ter dois grandes aspectos; o primeiro como meio de determinação das regras do jogo democrático, estabelecendo a alternância do poder, a participação política e o governo da maioria. O segundo é a garantia de proteção aos valores e direitos fundamentais e constitucionais, mesmo que contrariando o desejo circunstancial dos governantes do momento.
Portanto, cabe ao interprete final da Constituição, o Supremo Tribunal Federal, resguardar a aplicação das regras do jogo democrático e, proteger e assegurar os direitos fundamentais.
Por fim, não se pode negar que a jurisdição constitucional é primeiramente uma garantia da própria democracia. Certo que a ampliação do papel do Judiciário não pode sobrepor-se, evidentemente, à importância política que a própria Constituição tem, nem tampouco sobrepor-se totalmente às atividades do Legislativo. Por essa razão, o Poder Judiciário deve reverência às deliberações do Poder Legislativo. Na lição de Barroso (2008, p. 10), “com exceção do que seja essencial para preservar a democracia e os direitos fundamentais, em relação a tudo mais os protagonistas da vida política devem ser os que têm votos”.
Então, no novo contexto global cabe, indiscutivelmente, a interferência judicial para assegurar a efetividade dos direitos constitucionalmente garantidos, mas tal ingerência deve ser vista com reservas, para que não se perpetue a ditadura da toga, para que cidadãos não se vejam reféns nem do uso indevido e errado das verbas públicas – pelo Executivo e Legislativo, nem das decisões descabidas e desarrazoadas do Judiciário.
4.1 Do Ativismo Judicial
A partir do paradigma do Estado Democrático de Direito, a Constituição tornou-se o elo entre a política e o direito, definindo em seu bojo a fundamentação jurídica e política da sociedade, consignando as bases do direito (os direitos fundamentais), da política (da organização política) e articulando Direito e política, em uma relação funcional de complementariedade.
Nesse novo cenário de jurisdição constitucional, com uma maior participação da sociedade no processo político, o postulado da Separação de Poderes ganhou novos contornos, a partir de sua relativização, permitindo a ampliação dos institutos relacionados à maior participação do Judiciário na tomada de decisões políticas, em especial do ativismo judicial.
Há que se ressaltar contudo, que o objetivo deste estudo não é analisar os meandros do ativismo judicial. Entretanto, atualmente, não se pode ignorar sua importância e presença no cenário jurídico que nos envolve, o que nos obriga a levantar o tema tão entrelaçado com assunto proposto.
A constituição de 1988 foi um marco divisor de períodos: antes um pensamento restritivo; a chamada auto-contenção judicial, pelo que “o Judiciário procura reduzir sua interferência nas ações de outros poderes” (2008, p. 6); depois, pode-se verificar um Judiciário mais ativo, com participação ampliada. Nas palavras de Barroso:
A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas.
Assim, o ativismo judicial conforme leciona Coelho (2010, p. 20):
[...] aquilo que se chama, criticamente, de ativismo judicial – no Brasil, como alhures –, não configura nenhum extravasamento de juízes e tribunais no exercício das suas atribuições, antes traduz a indispensável e assumida participação da magistratura na tarefa de construir o direito de mãos dadas com o legislador, acelerando-lhe os passos, quando necessário, porque assim o exige um mundo que se tornou complexo e rápido demais para reger-se por fórmulas ultrapassadas.
Desta feita, ao Poder Judiciário brasileiro tem sido conferida maior abrangência no papel de garantidor dos direitos fundamentais, demonstrada por uma clara tendência ativista da Suprema Corte. Questões de grande repercussão política ou social estão sendo decididas pelo Poder Judiciário, como exemplo, temos a manifestação do Supremo Tribunal Federal (ADIN 3.150) concernente a pesquisa de células-tronco embrionárias; a decisão sobre a questão do nepotismo (ADC 12); a questão da demarcação de terras indígenas na região conhecida como Rapousa/Terra do sol, a distribuição de medicamentos e de obrigatoriedade de fornecimento de tratamentos terapêuticos, dentre outros.
Importa destacar que essa interferência do Poder Judiciário na atuação dos Poderes Executivo e Legislativo nada mais é do que uma resposta à sociedade, que enfrenta um grave problema institucional, em verdade um sério desvio na estrutura e harmonização dos três poderes.
O Ativismo Judicial é reflexo da ineficiência dos Poderes Executivo e Legislativo, por vezes até mesmo da sua inércia. Indiscutível que cabe ao Poder Legislativo por meio da criação do ordenamento jurídico conceder a eficácia – instituída constitucionalmente – aos direitos fundamentais. E, cabe ao executivo transformar em realidade esse cenário descrito nas leis editadas pelo Legislativo, por suas políticas públicas. Ocorre que no mundo real isso não se visualiza.
A implementação dos direitos assegurados constitucionalmente é dever do Estado, e, portanto, compete a todos os Poderes Estatais.
Neste novo contexto global, se expandiu a participação do Poder Judiciário na solução dos problemas de relevância social, cultural, política e econômica, fenômeno que ainda perdura na atualidade.
Conclusões
No contexto do Estado democrático de Direito se expandiu a participação do Poder Judiciário na solução dos problemas de relevância social, cultural, política e econômica, fenômeno que ainda perdura na atualidade.
É senão o próprio sistema democrático de direito, adotado no Brasil, que permite a expansão da atuação do Judiciário sobre os poderes e políticas do Legislativo e do Executivo. E o fundamento de tal atuação é, em última análise, o primado da Supremacia da Constituição, justificada pela imperiosa necessidade de preservação de dados direitos, tais como os fundamentais, cabendo à Corte Constitucional sua guarda e respeitabilidade.
Verifica-se no ordenamento jurídico brasileiro uma clara tendência ativista. Questões de grande repercussão política ou social estão sendo decididas pelo Poder Judiciário, como exemplo, temos a manifestação do Supremo Tribunal Federal (ADIN 3.150) concernente a pesquisa de células-tronco embrionárias; a decisão sobre a questão do nepotismo (ADC 12); a questão da demarcação de terras indígenas na região conhecida como Rapousa/Terra do sol, a distribuição de medicamentos e de obrigatoriedade de fornecimento de tratamentos terapêuticos, dentre outros.
Contudo, essa ingerência judicial efetivada para assegurar a efetividade dos direitos constitucionalmente garantidos, deve ser vista com reservas, para que não se perpetue a ditadura da toga, para que cidadãos não se vejam reféns nem do uso indevido e errado das verbas públicas – pelo Executivo e Legislativo, nem das decisões descabidas e desarrazoadas do Judiciário.
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[i] Utilizamos esta expressão em virtude de sua ampla aceitação em nosso sistema jurídico, em que pese o poder político ser uno e indivisível, havendo tão somente a repartição das funções Estatais.
Procuradora Federal desde 03/03/2008, atualmente lotada na Procuradoria Federal Especializada do INCRA; Ex. Procuradora do Estado do Pará; Ex. Defensora Pública do Estado do Pará e Ex. Advogada do Banco do Estado do Pará.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AVILA, Kellen Cristina de Andrade. O princípio da separação de poderes e as políticas públicas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 mar 2014, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38543/o-principio-da-separacao-de-poderes-e-as-politicas-publicas. Acesso em: 23 dez 2024.
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