Resumo: É inafastável a orientação segunda a qual o texto constitucional deve ser analisado de maneira conjunta, ou seja, todos os mandados existentes em uma constituição são dignos de respeito. Assim, os comandos que determinam a elaboração de um complemento normativo para efetivar direitos fundamentais também assegurados constitucionalmente, ou seja, aqueles veiculados mediante normas de eficácia limitada, gozam de imperatividade cuja inércia em efetivá-los deságua na omissão inconstitucional, reflexo do fenômeno da “síndrome da inefetividade das normas constitucionais.
Palavra chave: eficácia limitada, inefetividade, omissão, inconstitucional.
1 Introdução
A rigidez de uma Constituição, caracterizada por um processo mais árduo de elaboração de suas normas, traz como consectário o atributo da supremacia, consistente na premissa de que toda norma existente dentro do ordenamento deve guardar a mais fiel correlação com a norma fundamental, qual seja, a Constituição.
De fato, há no texto constitucional normas que carregam no seu cunho um grau maior de efetividade em detrimento de outras. Todavia, o simples fato se encontrarem no corpo da Norma Maior já é suficiente para carregar-lhes de supremacia, devendo, em ambos os exemplos, serem fielmente observados. Não há exceção, todas as normas constitucionais são dotadas de eficácia, de imperatividade, não se tratando de meros conselhos, avisos, indicadores. Assim, tanto os comandos comissivos quanto os omissivos vinculam os sujeitos para os quais se dirigem.
Desse norte, percebe-se que a norma constitucional, igual as demais leis, é dotada de imperatividade, ou seja, é vinculante. Contudo, carrega em sua essência uma peculiaridade, um plus, a supremacia, servindo de sustentáculo e de limite para todas as demais normas infraconstitucionais do ordenamento. Nesse sentido, dispõe:
Enfim, todas as normas jurídicas caracterizam-se por serem imperativas. Todavia, na hipótese particular das normas constitucionais, a imperatividade assume uma feição particular, qual seja, a supremacia em face às demais normas do sistema jurídico. Assim, a Constituição, além de imperativa como toda norma jurídica, é particularmente suprema, ostentando posição de proeminência em relação às demais normas, que a ela deverão se conformar, seja quanto ao modo de sua elaboração (conformação formal), seja quanto a matéria de que trata (conformação material) (CUNHA JÚNIOR, 2010, p. 106).
O fato de a Constituição se encontrar-se no topo do escalonamento da ordem jurídica traz, a reboque, a consagração do princípio da compatibilidade vertical das normas do ordenamento jurídico. Dessa feita, diante da supremacia constitucional, assevera-se que seria a Constituição a norma que serve de fundamento de validade para todas as demais normas do ordenamento jurídico, na medida em que passa a ser a base do próprio Estado.
Nesta toada, pode-se afirmar que todo ato normativo dos poderes públicos só serão considerados válidos e, consequentemente, constitucionais, se forem compatíveis formal e materialmente com a norma matriz. Levando-se em conta a prática brasileira, são consideradas não recepcionadas as normas infraconstitucionais anteriores à Constituição, que sejam com ela materialmente contrastante, bem como nulas as que lhes sejam posteriores.
Debruçando-se sobre o assunto, assevera:
Da conjugação destas duas características – superlegalidade formal e superlegalidade material da Constituição – deriva o principio fundamental da constitucionalidade dos atos normativos, que encerra a idéia de que as normas jurídicas só estarão conformes com a Constituição quando não violarem o sistema formal, constitucionalmente estabelecido, da produção desses atos, e quando não contrariarem, positivos ou negativamente, os parâmetros materiais plasmados nas regras ou princípios constitucionais (CANOTILHO, 1997 apud CUNHA JÚNIOR, 2010, p.107).
A supremacia da Constituição deve ser protegida não somente por ser uma constituição, mas por revelar em seu texto preceitos que representam os mais básicos e fundamentais valores de um povo, conquistados a severas lutas. Trata-se de uma expressão da democracia, na medida em que expressa a correspondência entre os pilares escolhidos pela sociedade através de seus representantes e aquilo que é consagrado e mantido na norma fundamental.
Desse norte, conclui-se que a norma constitucional deve ser vivenciada na medida exata de sua intangibilidade, nem acrescentando nem suprimindo e, todas as formas de violação, seja ele comissiva ou omissiva, serão combatidas através do controle de constitucionalidade.
2 Campo de Incidência da Inefetividade das Normas Constitucionais
É de fundamental importância a compreensão dos feitos produzidos pelas normas constitucionais, na perspectiva da concretização dos seus preceitos, evitando, a partir de tal conhecimento, equívocos terminológicos capazes de comprometer o correto entendimento do tema em epígrafe. Assim, passa-se a fazer uma breve distinção no plano normativo da existência, vigência, validade, eficácia e efetividade.
Entende-se por existente, a norma que observa fielmente o plano de competência na sua criação, ou seja, é aquela elaborada pela autoridade competente para criá-la. No contexto jurídico normativo, a existência da norma é denominada de vigência. Assim, a norma em vigor é aquela que existe, até que seja revogada por outra norma.
A validade da norma deve ser compreendida como a correlação entre a norma inferior e a norma superior, ou seja, aquela que é o seu fundamento de validade. Uma norma é valida quando observa criteriosamente o procedimento e os limites de conteúdo estabelecidos por aquela que lhe dá sustentáculo. Nada mais é do que a correspondência necessária entre a Constituição e as normas infraconstitucionais.
A eficácia, por sua vez, consiste no atributo da norma que lhe confere aptidão para produzir os efeitos que lhes são peculiares. É a aptidão para ser aplicada nos casos concretos para os quais foi criada. Parte da doutrina denomina esta espécie de eficácia como eficácia jurídica.
Por fim, passa-se a compreender o significado jurídico do termo efetividade que, para alguns, denomina-se eficácia social, consistindo na produção concreta dos efeitos normativos. Pode-se dizer que a efetividade da norma está ligada a sua função social, ou seja, cumpre a sua finalidade.
Diante do exposto, passa-se a analisar a classificação das normas constitucional de acordo com o grau de eficácia, utilizando-se da classificação elaborada por José Afonso da Silva, pioneiro no assunto, retocando com classificações de renomados autores, tal como a Professora Maria Helena Diniz e o professor e vice- presidente Michel Temer, entre outros, com o intuito de enriquecer o estudo.
As normas de eficácia plena gozam de aplicabilidade direta, imediata e integral, isto é, não dependem de legislação posterior para lhe conferir operatividade. Estão, desde a sua entrada em vigor, aptas a incidirem sobre matéria que lhes constitui o objeto, eis que são dotadas de normatividade suficiente para atuar. Diante de tal situação, são também conhecidas como normas autoaplicáveis, autoexecutáveis ou bastantes em si.
Corroborando com o entendimento:
As normas de eficácia plena incidem diretamente sobre os interesses a que constituinte quis dar expressão normativa. São de aplicabilidade imediata, porque dotadas de todos os meios e elementos necessários à sua executoriedade. No dizer clássico, são auto-aplicáveis. As condições gerais para essa aplicabilidade são a existência apenas do aparato jurisdicional, o que significa: aplicam-se só pelo fato de serem normas jurídicas(...) (SILVA, 2008, p. 101-102).
São normas consideradas completas, aptas para incidir, assim, são dotadas de aplicabilidade integral, de maneira que ao legislador infraconstitucional é vedado restringir o seu alcance de modo a desvirtuar a sua essência.
A segunda categoria é a denominada de eficácia contida, também conhecida como normas de eficácia redutível ou restringível. Consagram-se pelo fato de serem detentoras de aplicabilidade imediata e direta, independendo de integração legislativa ulterior, contudo, possivelmente não integral.
O professor e doutrinador Michel Temer, com propriedade, prefere a denominação de norma de eficácia redutível, na medida em que ela nasce com aplicabilidade integral, porém passível de posterior restrição por outra norma.
Observa-se, que as normas de eficácia restringível gozam de eficácia positiva e negativa, e quando nascem, se analisados os seus atributos normativos, são idênticas às normas de eficácia plena, contudo, não dispõem de integralidade permanente.
Convém ainda destacar, na esteira de José Afonso da Silva (2011), que as normas de eficácia contida podem ter sua aplicabilidade reduzida por conceitos propriamente indeterminados, a exemplo de “ordem pública”, “necessidade ou utilidade pública”, “segurança nacional”, “relevância” etc. Desaguando na constatação de que as restrições às normas em estudo podem ocorrer não só em virtude do exercício legislativo, mas também pela própria imprecisão dos conceitos.
Algumas normas, por sua vez, nascem deficientes quanto a sua normatividade, só produzindo os seus efeitos, em plenitude, após serem efetivamente complementadas por atos jurídicos ulteriores. Conferindo-as os efeitos constitucionalmente pretendidos pelo legislador constituinte, possuindo apenas uma eficácia limitada, reduzida.
A partir dessa reflexão, pode-se dizer que:
São norma que, ao revés, dependem da intervenção legislativa para incidirem, porque o constituinte, por qualquer motivo, não lhe emprestou normatividade suficiente para isso. Isto é, embora estejam irradiando os efeitos jurídicos inibidores ou impeditivos de disposições em contrário, têm aplicabilidade mediata, porque as normas assim categorizadas reclamam uma lei futura que regulamente seus limites. Em face disso, são consideradas de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida. (CUNHA JÚNIOR, 2010, p. 168).
Esta categoria, contudo, subdivide-se em normas constitucionais de principio institutivo ou organizativo e normas constitucionais de principio programático.
As normas constitucionais de princípio institutivo ou organizativo correspondem a esquemas gerais de estruturação de órgãos, entidades ou instituições previstas constitucionalmente, carecedoras de legislação futura que os estruture definitivamente.
O caráter limitado repousa justamente no fato de as normas constitucionais darem apenas contornos gerais, competindo ao legislador ordinário concretizar o que foi iniciado, logrando-lhes funcionamento. São exemplos dessas normas o art. 18, § 2º; o art. 33; o art. 91, § 2º; o art. 113, etc.
As normas de princípio institutivo podem ser impositivas ou facultativas. As primeiras impõem, peremptoriamente, ao legislador ordinário, a emissão de uma norma integrativa. Já as segundas conferem apenas a possibilidade de instituição ou regulação das situações cogitadas, sem, contudo, obrigá-los. Na última hipótese, em virtude da discricionariedade conferida ao legislador, a omissão não pode ser alvo de declaração de inconstitucionalidade (NOVELINO, 2010).
Já quanto às normas constitucionais de princípio programático, destaca-se que:
Normas constitucionais através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhe os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado. (SILVA, 1999 apud CUNHA JÚNIOR, 2010, p. 170)
Nessa toada, as normas programáticas correspondem a compromissos firmados entre as forças políticas estatais, veiculados nas Constituições dos Estados contemporâneos, que consagram esquemas genéricos, diretrizes e programas através de normas de conteúdo econômico-social, consubstanciadas em prestações positivas do Estado.
No mesmo sentido, observa-se:
Em determinados casos, em vez de regular diretamente e imediatamente um interesse, o legislador constituinte opta por traçar apenas princípios indicativos dos fins e objetivos do Estado. Tais princípios se distinguem dos anteriores por seu fins e conteúdos, impondo aos órgãos do Estado uma finalidade a ser cumprida (obrigação de resultado), sem, no entanto, apontar os meios a serem adotados (NOVELINO, 2010, p. 128).
Assim, verifica-se que as normas programáticas não regulam diretamente os fins perseguidos por elas, mas apenas limita-se a traçar metas a serem imprimidas pelo poder público, como forma de o Estado implementar as reivindicações populares de justiça social, tais como, melhor distribuição de riquezas, proteção dos trabalhadores, saúde, educação, assistência e previdência social, proteção a família, etc.
Como se observa, a aplicabilidade plena da norma de princípio programático reclama uma normatividade futura a cargo do legislador ordinário, que, uma vez realizada, integrando-lhe a eficácia, permite à norma, concretamente, executar os fins sinalizados inicialmente pelo legislador constituinte.
3 Consequências da inefetividade das normas
É da indissociável ideia de supremacia e unidade da Constituição que ocorre o desprezível fenômeno da inefetividade das normas constitucionais, pois por ser ela a norma fundamental, deve ser encarada sob um aspecto uno, ou seja, um corpo comum, composta de diversas normas de conteúdos e finalidades variadas, porém todas elas carregadas de normatividade e merecedoras de igual respeito.
É nesse contexto, que se explica a inconstitucionalidade por omissão, visto que todos os comandos constitucionais devem ser irrefutavelmente guardados, podendo se vislumbrar uma violação aos preceitos ali expostos, não só quando se pratica uma conduta comissiva (inconstitucionalidade por ação), mas também quando se deixa de agir, ficando inerte a uma norma mandamental (inconstitucionalidade por omissão).
Assim, a omissão inconstitucional incide sobre as normas ditas de eficácia limitada, que, conforme, exaustivamente conceituadas e explicadas, anteriormente, no presente trabalho, necessitam de uma complementação legislativa. Trata-se de uma característica das Constituições Dirigentes, recheada de normas abertas voltadas a promover o bem-estar social.
Pegando gancho nas cristalinas palavras de Cunha Júnior (2010), seria a inconstitucionalidade por omissão uma espécie de sanção jurídico-constitucional imposta às autoridades políticas, diante do seu silêncio transgressor, com a lídima finalidade de se evitar o indesejável fenômeno da erosão da força normativa da Constituição Dirigente.
Jorge Miranda (1977) apud Cunha Júnior (2010), por sua vez, chama a atenção para o fato de a omissão inconstitucional não ser uma circunstância comum apenas à função legislativa, absolutamente, o festejado autor português, assevera que o referido fenômeno pode ser aferido em face de qualquer das Funções. Dessa premissa, conclui-se que pode haver inconstitucionalidade por omissão de ato legislativo, omissão de atos políticos e de governo, omissão quanto à revisão ou reformas constitucional e omissões de mediadas administrativas.
A análise da omissão, está intimamente liga ao fator tempo. Ora, uma conduta é omissiva, quando não for verificado determinado comportamento dentro de um período previamente estabelecido, ou quando o destempo o torna excessivamente oneroso ou inútil aos interesses que se espera proteger.
Quando o prazo de implementação da conduta já vem expressamente contemplado no corpo constitucional, é esse que servirá de parâmetro para a verificação da omissão, não ocasionando maiores transtornos. Todavia, quando se vislumbra o silêncio constitucional, a constatação mostra-se um tanto quanto complexa, pois demanda um verdadeiro juízo de ponderação de todas as circunstâncias que influenciam na concretização do comando.
Entretanto, quando esse prazo não é fixado, como ocorre na maioria das vezes, é necessária uma cuidadosa e ponderada avaliação sobre o tempo decorrido, levando em conta a razoabilidade conformada pela realidade social e histórico-concreta do mundo, no qual opera o Direito. Desse modo, sopesadas todas as circunstâncias envolvidas com a situação concreta, se dessumir que a medida reclamada, ao longo do tempo escoado, não só podia como devia ter sido produzida, em razão de sua importância e indispensabilidade para dar operatividade prática às normas constitucionais, restará ocorrida e caracterizada a inconstitucionalidade por omissão.
Nesse diapasão, observa-se que as duas situações tomam contornos totalmente distintos, que fazendo uma simbólica comparação com os conceitos de “princípios” e “regras”, dados por Alexy, chega-se a seguinte conclusão: no caso de prazo estabelecido, seria uma “regra”, devendo ser analisado na medida exata. Enquanto que no segundo caso, sem prazo fixado, deve ser moldado sob uma perspectiva principiológica, valendo-se da razoabilidade, aquilatada casuisticamente.
4 Conclusão
Em arremate, a unidade e a supremacia constitucional consectariamente determinam a fiel e estrita observância aos comandos ali estabelecidos. Assim, toda forma de atuação omissiva contrária à orientação da Constituição, causadora do fenômeno da inefetividade das normas constitucionais, deve ser extirpada, sob pena de ferir de forma velada a supremacia e a força normativa da Constituição.
Assim, uma vez verificada os desprezíveis fenômenos constitucionais objetos do presente estudo, mister se faz o manuseio das ações de combate às omissões inconstitucionais, ou seja, a Ação direta de inconstitucionalidade por omissão, através de um controle concentrado, ou pela via do mandado de injunção, instrumento de controle difuso de constitucionalidade.
Referências bibliográfica:
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CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. Salvador: Jus Podivm, 2010.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires, BRANCO, Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2011.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 4 ed. São Paulo: Método, 2010.
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34 ed. SãoPaulo: Malheiros, 2011.
Procurador Federal. Ex-Defensor Público do Estado do Acre. Pós-graduado em Direito Constitucional
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Orlando Luiz De Melo. A Constituição Brasileira e a Síndrome da Inefetividade das Normas Constitucionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 mar 2014, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38553/a-constituio-brasileira-e-a-sndrome-da-inefetividade-das-normas-constitucionais. Acesso em: 23 dez 2024.
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