Resumo: A mudança do paradigma constitucional com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 introduziu o Brasil em um novo contexto jurídico, de primazia dos direitos fundamentais, da democracia, dos direitos sociais, da dignidade da pessoa humana, que não se coaduna com o contexto ainda muito civilista e arcaico albergado pelo processo civil brasileiro. O novo CPC certamente aperfeiçoará e tornará o processo instrumento mais eficiente para a atividade jurisdicional.
Palavras-chave: 1. Projeto do Novo Código de Processo Civil.
Abstrat: The change of the constitutional paradigm with the entry into force of the Constitution of 1988 in Brazil introduced a new legal context, the primacy of fundamental rights, democracy, social rights, the dignity of the human person, which is not consistent with the context still very archaic tort and hosted by the Brazilian civil procedure. The new CPC certainly optimize and make the process more efficient instrument for judicial activity.
Keywords: 1. new CPC
Sumário: Introdução. 1. O Projeto do Novo Código de Processo Civil (PLS 166/2010); 2. Princípios; 3. Poderes do Juiz; 4. Conciliação; Conclusão. Referências.
Introdução
O Projeto do Novo Código de Processo Civil (PLS 166/2010) foi construído a partir de postulados constitucionais, residindo na adoção da teoria do direito processual constitucional sua principal inovação. Consolida-se a teoria segundo a qual as regras de direito processual devem estar necessariamente fundamentadas nas normas constitucionais. Trata-se de um código com uma nova ideologia, no sentido de sintonizar as regras legais com os princípios constitucionais, aproximando o direito constitucional com o infraconstitucional, a partir da adoção da hermenêutica neoconstitucional. Este trabalho busca esclarecer algumas das inovações trazidas por este projeto ao nosso sistema jurídico processual.
1. O Projeto do Novo Código de Processo Civil (PLS 166/2010).
No texto de Marcos Paulo Passoni –“Breve Abordagem sobre alguns princípios constantes no Projeto do Novo Código de Processo Civil” destaca-se a abordagem constitucional que foi introduzida no Projeto, numa busca por uma ciência processual mais alinhada com o sistema jurídico principiológico. Para tanto é citado o processualista José Roberto dos Santos Bedaque, para quem “(…) o legislador ordinário deve adequar o sistema processual aos postulados estabelecidos em sede constitucional”.
A partir desta compreensão constitucional das normas processuais teremos uma tutela jurisdicional mais prática, útil e adequada ao que a sociedade reclama. E, sob este enfoque foi elaborado o Projeto do novo Código de Processo Civil, coordenado pelo Ministro Luiz Fux, com relatoria da Profa. Teresa Arruda Alvim Wambier.
Destaca ainda o doutrinador Marcos Paulo Passoni, acertadamente, a importância da construção deste novo sistema normativo processual como uma unidade, em substituição ao Código de Processo Civil vigente, que em razão das inúmeras alterações sofridas no tempo tornou-se uma “colcha de retalhos”. Este texto aponta duas grandes razões, quais sejam, a defasagem do sistema processual atual e o enfoque constitucional do novo projeto, para a aprovação de um novo Código de Processo Civil.
Vejamos algumas das principais inovações introduzidas pelo Projeto do NCPC.
2. Princípios.
Na Parte Geral do Projeto do Novo Código de Processo Civil (NCPC), no Título Primeiro do Livro I (art. 1 ao art. 12) constam princípios e garantias fundamentais do processo, indicando a busca pela utilização do direito processual civil como mecanismo de realização dos direitos fundamentais.
Ressalte-se, contudo que, inúmeros destes princípios, agora expressos e organizados em um só livro no Projeto do NCPC, já se encontravam no corpo do Código de Processo Civil vigente (CPC/1973), espalhados em diversos dispositivos, alguns inclusive sem denominação idêntica à apresentada no Projeto do NCPC, tal como ocorre com o princípio da dignidade da pessoa humana, agora expressamente posto no Projeto do NCPC.
São destacados ainda no Projeto do NCPC os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, em clara transposição do texto constitucional, confirmando a busca por um Código de Processo Civil Constitucional. O princípio do acesso à justiça e do contraditório, expressos em nossa Carta Magna também foram alocados no Projeto do NCPC.
Até mesmo princípios não expressos constitucionalmente, mas claramente vigentes, foram nominados no Projeto do NCPC, tal como o princípio da razoabilidade, em um respeitável avanço normativo.
Há ainda a abordagem no Projeto do NCPC de princípios não tratados pelo CPC/1973 de forma expressa, tal como o ocorrido com o princípio da cooperação. Através deste postulado se estabelece dever tanto das partes como de seus procuradores de zelar pelo bom andamento processual, seja positivamente, através do auxílio ao juiz nas questões fáticas e jurídicas, seja negativamente, na impossibilidade de atuação pelas partes de forma protelatória. Trata-se de um princípio baseado na boa fé e lealdade processual, portanto, em que pese não existir de forma nominada no CPC/1973 seus fundamentos já eram amplamente utilizados processualmente.
Verifica-se assim, que os princípios tratados pelo Projeto do NCPC já estavam incorporados ao nosso ordenamento jurídico. Contudo, a adoção da teoria do direito processual constitucional pelo NCPC, com a alocação de princípios constitucionais expressamente em um só Título no NCPC constitui uma inovação jurídica louvável.
Busca-se um processo justo, focado nos princípios constitucionais, em especial na implementação do postulado da dignidade da pessoa humana, através de um amplo acesso à justiça, mas com respeito ao contraditório participativo, através da cooperação das partes e com gestão do juiz. Entretanto, este processo apenas será útil e adequado à sociedade se for efetivado com razoável duração. E, é exatamente a celeridade processual uma das metas do Projeto do NCPC. Este princípio constitucional foi destacado expressamente no Projeto do NCPC, além de ser norteador de diversas mudanças processuais, tais como a diminuição de alguns prazos processuais e a simplificação de procedimentos.
Busca-se a realização de uma tutela jurisdicional adequada, célere e eficiente, em consonância com o Estado Democrático de Direitos, sendo rechaçada a morosidade processual causada por incontáveis recursos ou por um procedimento inadequado e burocrático.
Nesta tutela processual constitucional reside a principal inovação do Projeto do NCPC, que avança em direção à concretização dos direitos fundamentais em nosso ordenamento jurídico.
3. Poderes do Juiz.
No artigo “Poderes do Juiz no Novo CPC” a magistrada Trícia Cabral evidencia que poderá ocorrer uma ampliação dos poderes do Juiz no novo CPC, mas esta modificação processual está em consonância com o desenvolvimento do direito processual no Brasil e no mundo, em benefício dos jurisdicionados.
Inicialmente, ela nos mostra que ocorreu uma evolução jurídica no sentido do aumento dos poderes dos magistrados no processo, tidos pelo atual Estado Democrático de Direito como representantes do Estado. Nesta nova perspectiva processual o juiz deve atuar de forma ativa na solução dos conflitos sociais, a fim de decidir de forma justa e tempestiva.
Dentro desse contexto, o projeto do novo CPC procura tornar o juiz um gerenciador do processo, capaz de impulsioná-lo para que este seja célere e efetivo, atendendo aos anseios da sociedade. Busca-se solucionar o problema da morosidade da justiça e da justiça das decisões e, por conseqüência, trazer satisfação aos jurisdicionados.
No capítulo do projeto do novo CPC que trata dos poderes, dos deveres e da responsabilidade do juiz evidenciava-se essa mudança processual, com a possibilidade de modificação pelo magistrado dos procedimentos judiciais, de acordo com a situação fática apresentada, com a dilação dos prazos processuais e alteração da ordem de produção dos meios de prova. Destaque-se contudo, que a possibilidade da modulação dos procedimentos pelo magistrado de acordo com a caso concreto foi retirada do projeto do novo CPC, em virtude do medo de abusos e arbítrios. Assim, o principal mecanismo de gerenciamento processual pelo juiz foi abortado, diminuindo os poderes dos magistrados e sua possibilidade de gerenciar o processo.
Na defesa da ampliação dos poderes do juiz no processo a magistrada Trícia Cabral nos traz importante reflexão, vejamos:
“O fato e? que na?o se pode fazer do direito processual um espac?o de disputas de poder entre sujeitos do processo, uma vez que as te?cnicas processuais na?o se prestam, aprioristicamente, a enaltecer a parte ou o juiz, mas sim para fortalecer as finalidades inerentes ao direito processual. Assim, seria um racioci?nio mesquinho e ultrapassado tentar fazer do processo uma competic?a?o entre os referidos sujeitos processuais. A tende?ncia atual e? de converge?ncia de objetivos e de resultados, e na?o o contra?rio. Desse modo, apequenar o processo com conflitos aparentes e fantasiosos na?o se mostra de todo producente, eis que, repito, na?o e? uma briga real. Na pra?tica, os jui?zes na?o disputam espac?o com as partes e vice-versa, apesar de poderem existir posic?o?es juri?dicas divergentes. Tambe?m na?o se observa uma rotina de jui?zes abusando de seus atos e nem as partes ou advogados sendo diminui?dos em suas condutas processuais.
Por isso e? que esse receio quanto a? possibilidade de maior flexibilizac?a?o dos atos do juiz na?o se sustenta. Primeiro porque na?o ha? que se falar em discricionariedade dos atos do juiz, sempre estara?o vinculados aos preceitos normativos. Segundo porque a variac?a?o procedimental e? sempre em favor do jurisdicionado e na?o do magistrado. Terceiro porque qualquer adaptac?a?o dos preceitos legais requer o necessa?rio dia?logo e cooperac?a?o das partes. Quarto porque quanto mais poderes sa?o atribui?dos ao juiz, mais sujeito a responsabilizac?a?o pelos seus atos ele estara?, seja por sua conduta abusiva, seja por sua conduta omissiva, a?s vezes ate? mesmo administrativo – das posturas abusivas do juiz. E quinto, porque a rigidez processual na?o e? garantia de passividade do juiz, podendo, por vezes, representar um efetivo descompromisso com as finalidades do processo e com os objetos das partes.”
4. Conciliação.
No Novo Código de Processo Civil – CPC projetado (PLS 166/10) os mecanismos autocompositivos de resolução de conflitos ganham destaque, a partir de uma ampliação da adoção do modelo consensual, com a utilização de instrumentos compositivos em qualquer momento processual e por todos os atores processuais. A grande inovação legislativa neste assunto refere-se à sistematização dos instrumentos conciliatórios.
O novo CPC enaltece a autocomposição dos conflitos, estimulando sua adoção em nossa prática jurídica, com o enfrentamento do tema em diversos dispositivos.
Magistrados, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, no novo CPC projetado, devem estimular a utilização da mediação e conciliação, inclusive no curso do processo judicial. No projeto o mediador e o conciliador são alçados ao status de auxiliares da justiça. O incentivo a conciliação reaparece no novo CPC projetado ao se determinar que todos os tribunais deverão criar centros judiciários de solução de conflitos e cidadania, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação, além de desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição. Transfere-se assim, aos tribunais a função de criar setores destinados à conciliação e a mediação.
Acertadamente, o novo CPC projetado diferencia a conciliação da mediação, esclarecendo que o conciliador atuará preferencialmente os casos em que não tiver havido vínculo anterior entre as partes e poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedado que se valha de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.
Já o mediador, “atuará preferencialmente nos casos em que tiver havido vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si mesmos, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.”
Ressalte-se ainda que, o novo CPC projetado promoveu o uso da conciliação no bojo do processo administrativo, com a criação de câmaras de conciliação e mediação, dispositivo inovador que exemplifica o estímulo do projeto do NCPC à utilização dos mecanismos conciliatórios.
Outra inovação legislativa refere-se à introdução de dispositivo concernente aos princípios da mediação, dentre os quais se destaca o de sigilo, fundamental para o estímulo do uso da mediação. A confidencialidade estende-se a todas as informações produzidas ao longo do procedimento, cujo teor não poderá ser utilizado para fim diverso daquele previsto por expressa deliberação das partes. Ao se assegurar o sigilo das informações na hipótese de não ser alcançado um acordo, preserva-se os envolvidos na autocomposição, assim como todo o teor revelado nela, estimula-se dessa forma, a utilização deste meio consensual.
No modelo consensual as próprias partes buscam a solução de seu conflito, através do dialogo, alcançando uma decisão favorável, eficaz e aceita por todos os envolvidos. Quando se efetiva o processo, dentro de um contexto social de participação coletiva para a chegada a uma conclusão, esta se torna inevitavelmente mais respeitada pela sociedade, posto que a decisão será consequência de uma discussão amparada em argumentos/fundamentos dentro da esfera social, oriunda de um procedimento argumentativo/cooperativo de busca da verdade, colocando todos os atores processuais em pé de igualdade e interagindo para o encontro da melhor solução. Nesse sentido o sistema consensual torna-se um instrumento de aplicação prática da teoria do agir comunicativo de Habermas, aplicada ao direito.
O projeto do NCPC trata da mediação e conciliação judicial. Contudo, teria inovado ainda mais com a sistematização também das formas consensuais extrajudiciais, regulando, por exemplo, acerca da conciliação pós-judicial, permitindo a conciliação mesmo após a decisão judicial transitada em julgado, pratica que já vem sendo adotada, ainda que sem regulamentação legal.
Assim, o projeto do NCPC inaugura no campo consensual, introduzindo modernização processual, e, por conseguinte, implementando uma possibilidade de celeridade na resolução do litígio.
Conclusões
O atual CPC, datado de 1973 e, pois, com 40 anos de vigência, não obstante as inúmeras alterações nele realizadas ao longo desses anos, já não mais se coaduna plenamente com os preceitos constitucionais insertos na Carta Magna de 1988.
Conforme salientam Marcos Paulo Passoni e Fabio Guedes Garcia da Silveira “a legislação processual vigente (CPC/1973 – Código Buzaid) já está prestes a atingir 40 anos de existência e, merecidamente, precisa ser aposentada, uma vez que já cumpriu seu papel histórico, político, social e jurídico para o país e tornou-se, verdade seja dita, uma ‘colcha de retalhos’”.
O novo CPC certamente aperfeiçoará e tornará o processo instrumento mais eficiente para a atividade jurisdicional.
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Procuradora Federal desde 03/03/2008, atualmente lotada na Procuradoria Federal Especializada do INCRA; Ex. Procuradora do Estado do Pará; Ex. Defensora Pública do Estado do Pará e Ex. Advogada do Banco do Estado do Pará.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AVILA, Kellen Cristina de Andrade. Inovações constantes no projeto do novo Código de Processo Civil (PLS 166/2010); Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 mar 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38574/inovacoes-constantes-no-projeto-do-novo-codigo-de-processo-civil-pls-166-2010. Acesso em: 23 dez 2024.
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