RESUMO: O presente texto pretende analisar, a argumentação jurídica na construção do processo decisório, uma vez que tal fenômeno jurídico se baseia na concepção de justiça de uma sociedade, bem como dos fatos e dados intrínsecos ao caso concreto. Dessa forma, sob a luz do conceito de justiça aristotélico e diante a perspectiva hermenêutica gademeriana, almeja-se elucidar algumas ponderações inerentes à argumentação jurídica, que repercute nas decisões judiciais e na elaboração do ordenamento jurídico norteador de um Estado, que visa buscar a justiça para dirimir os conflitos dos indivíduos.
PALAVRAS CHAVE: Justiça. Argumentação jurídica. Hermenêutica jurídica. Giro Linguístico.
1. INTRODUÇÃO
A Justiça é um hábito que realiza o bem, que se dirige ao outro (alteridade), e que não se caracteriza nem pela falta nem pelo excesso. À luz de sua já conhecida conceituação de virtude como mediania, Aristóteles define a justiça como sendo o meio-termo entre a injustiça pelo excesso, ou ser injusto, e a injustiça pela falta, ou sofrer injustiça. Nesse particular reside uma diferença entre a caracterização da justiça e as demais virtudes, porquanto os termos extremos do ponto médio, nesse caso, são os mesmos vícios, isto é, recebem a mesma denominação (injustiça e injustiça). Tal discrepância foi objeto de críticas de alguns pensadores, como Hans Kelsen, para quem essa ruptura metodológica na obra do estagirita representa já a flagrante impossibilidade de se definir o justo com que se deparou o filosófo; Aristóteles não apresenta um conceito de justiça, apenas argumenta tautologicamente a partir do conceito de injustiça, que não é apresentado.
Diante da almejada busca por um processo decisório justo, sob a ótica hermeneuta gademeriana, a resolução de litígios consiste em algo muito mais amplo do que uma mera subsunção do fato à norma , uma adequação logica entre o fato particular e a norma, operação logica que parte do particular para o geral. Por detrás do discurso formal de aplicação do direito, se esconde uma complexa gama de valores, de experiências de vida, de ideologias e de visões politicas que determinam diretamente a decisão a ser tomada no caso concreto. O raciocínio jurídico que, na superfície, aparenta partir das premissas normativas e, por intermédio de sua concatenação com os dados do caso, alcançar a decisão processa-se, em verdade, a maneira inversa. A decisão desvela-se tomada desde o princípio consubstanciando o raciocínio ulterior mera busca de justificativas para aquilo que já se acha definido.
2. A JUSTIÇA EM ARISTÓTELES
A justiça divide-se, em Aristóteles, em Justiça Geral e Justiça Particular. A Justiça Geral abrange a lei natural, que para Aristóteles é mutável; mantém uma relação de coordenação para com as leis da polis e não uma relação de subordinação, ou seja, não é seu fundamento de validade. Encontra sua sustentação na universalidade, na busca pelo bem comum, finalidade das leis. Nesse sentido, aquele que observa as leis pode ser chamado de justo, conquanto Aristóteles venha a fazer algumas ressalvas a esse respeito.
Já a Justiça Particular é aquela aplicada entre os particulares, ou entre esses e a polis. Encontra fundamento na igualdade; representa uma proporção, a qual pode ocorrer entre entes iguais, ou entre diferentes. Da natureza dessa proporção, resultam diferentes espécies de justiça que se consubstancia no justo particular distributivo e no corretivo.
O justo particular distributivo: abarca a relação entre a polis e seus membros. Guia-se pela igualdade geométrica, sendo a proporção fixada com base naquilo que é devido a cada um. Orienta-se pela lógica do mérito e da proporção. Diferentemente, o justo particular corretivo: age nas relações entre particulares, entre iguais. Rege-se pela igualdade aritmética, buscando sempre restabelecer o status quo ante. Divide-se em voluntário, quando a relação à qual é aplicada foi querida por ambas as partes, e involuntário, quando derivou de lesão a interesses de uma parte perpetrada por outra.
A noção de equidade igualmente demonstra-se de primordial relevância para Aristóteles em que toda lei é universal, mas não é possível fazer uma afirmação universal que seja correta em relação a certos casos particulares. Por conseguinte, quando a lei estabelece uma lei geral e surge um caso que não é abarcado por essa regra, então é correto (visto que o legislador falhou e errou por excesso de simplicidade), corrigir a omissão, dizendo o que o próprio legislador teria dito se estivesse presente, e que teria incluído na lei se tivesse previsto o caso em pauta (ARISTOTELES, 2009). Por isso o equitativo é justo e superior a uma espécie de justiça, embora não seja superior à justiça absoluta, e sim ao erro decorrente do caráter absoluto da disposição legal. Desse modo, a natureza do equitativo é uma correção da lei quando esta é deficiente em razão da sua universalidade. Com efeito, quando uma situação é indefinida, a regra também é indefinida, tal qual ocorre com a régua de chumbo usada pelos construtores de Lesbos para ajustar as molduras; a régua adapta-se à forma da pedra e não é rígida, da mesma forma como o decreto se adapta aos fatos.
Partindo da perspectiva aristotélica de justiça, passa-se, pois, a analisar o processo decisório judicial à luz da perspectiva hermenêutica de Gademer, em que, atentando para a necessária e inevitável imersão histórico linguística da compreensão, fixa como premente a reabilitação dos preconceitos, dos quais o intérprete não pode se desgarrar, ainda que o deseje, pois consubstanciam condições sine qua non de todo o entendimento possível. Nessa medida, a tarefa da hermenêutica consiste, precisamente, não em se despir das pre -compreensões que imantam o interpretar, mas sim e à fala, colocando-as a prova em uma relação dialogal, com as pré-compreensões evocadas pelo outro que se busca compreender. (GADEMER, 2009) Dai decorre a importante distinção entre preconceitos legítimos e ilegítimos sendo que estes últimos são aqueles que não se sujeitam ao crivo da critica discursiva. A compreensão é, portanto, a culminância da incessante fusão de horizontes operada no cerne do universo compartilhado da linguagem, um interminável velamento e desvelamento na história.
3 AMBITOS DOS ARGUMENTOS JURÍDICOS
As argumentações jurídicas se produzem em três âmbitos diferentes: o da produção ou estabelecimento de normas jurídicas – argumentação que acontece na fase pré-legislativa; o da aplicação das normas jurídicas – atividade levada a cabo por juízes, relativas aos fatos ou ao direito; o da dogmática jurídica – processos de argumentação jurídica.
Nesse sentido, importância da dogmática jurídica esta em suas funções de interpretação complexa, na qual distinguem-se nas funções de fornecer critérios para a produção do Direito nas diversas instâncias em que ele ocorre; para a aplicação do Direito; vem como na ordenação e sistematização um setor do ordenamento jurídico.
Esses processos são bastante diferentes dos efetuados pelos órgãos aplicadores, uma vez que se trata de oferecer a esses órgãos critérios –argumentos – para facilitar a tomada de uma decisão jurídica, que consiste na aplicação de uma norma a um caso concreto. A diferença consiste, assim no fato de que enquanto os órgãos aplicadores têm de resolver casos concretos a dogmática do Direito se ocupa dos casos abstratos. Cumpre lembrar, no entanto, que essa diferença não pode ser feita de modo taxativo pois muitas vezes o praticante precisa recorrer à dogmática (pelo menos nos casos difíceis), ao mesmo tempo em que a dogmática muitas vezes se apoia em casos concretos.
O contexto da descoberta de uma teoria consiste em descobrir ou enunciar uma teoria na qual, segundo a opinião geral, não é suscetível análise de tipo lógico ou seja, como se gera e se desenvolve o conhecimento científico. O contexto de justificação de uma teoria, por outro lado, consiste em justificar ou validar a teoria, isto é, em confronta-la com os fatos a fim de mostrar sua validade, exigindo uma tarefa de tipo lógico.
A razão explicativa diz respeito aos fatos, às crenças nas quais o juiz se embasa para tomar suas decisões. A razão justificadora, por sua vez, relaciona-se às decisões do juiz embasada numa determinada interpretação do texto legal.
Pode-se estabelecer uma diferença entre disciplinas que trabalham no contexto da descoberta e outras que trabalham no contexto da justificação. As disciplinas que trabalham no contexto da justificação são aquelas que estudam sob que condições se pode considerar justificado um argumento. Uma justificação formal diz respeito à correção formal do mesmo, ao passo que uma justificação material ocorre quando se pode considerar um determinado argumento, em determinado campo, como sendo correto.
Uma teoria padrão da argumentação jurídica se situa na perspectiva da justificação material que informa uma lógica material ou formal. A teoria padrão da argumentação jurídica tratam, portanto, de teorias que pretendem mostrar como as decisões jurídicas se justificam de fato e também como elas deveriam ser justificadas. Tais teorias partem do fato de que as decisões jurídicas podem e devem ser justificadas e, nesse sentido, se opõem ao determinismo metodológico.
4 A INSUFICIÊNCIA DA LÓGICA FORMAL DEDUTIVA
A lógica dedutiva parte de uma premissa geral a fim de se alcançar uma conclusão particular. Trata-se de uma lógica limitada, ao passo que não se vincula à realidade da argumentação jurídica, mas apenas uma consequência lógica das premissas estabelecidas para sua inferência. O argumento pode ser considerado valido, uma vez inferido de premissas lógicas. Contudo, quando se utiliza a lógica dedutiva, o argumento válido não se vincula, necessariamente com a verdade dos fatos, podendo ser um argumento incorreto, como se vislumbra no presente caso. (COELHO, 2006)
Um argumento correto não necessariamente será um argumento válido. O argumento válido é aquele que decorre de termos lógicos e sua conclusão é necessariamente inferida das premissas. Ele não necessariamente será correto, ou seja, terá conformidade com a realidade e verdade factual, uma vez que se infere a conclusão de premissas e não de fatos. É, o que acontece, por exemplo, com o argumento dedutivo, em que a conclusão extraída das premissas pode ou não ter vinculação com a realidade, posto que se parte de uma premissa geral para se alcançar uma conclusão particular, Já no argumento Indutivo, parte-se do particular para o geral, sendo o contrário da dedução, em que se procura uma lei geral para esses casos particulares, em consonância, assim, com a realidade.
Por conseguinte, o silogismo judicial serve de esquema para o silogismo prático ou normativo. No estabelecimento de premissas o arbítrio judicial desempenha um papel fundamental. Mas isso não significa que o silogismo judicial não permite reconstruir satisfatoriamente o processo de argumentação jurídica, porque as premissas de que se parte podem precisar ser justificadas, e porque a argumentação jurídica é entimemática. Um argumento entimematico pode ser sempre proposto de forma dedutiva, mas isso supõe acrescentar premissas às explicitamente formuladas, o que significa reconstruir, não reproduzir, um processo argumentativo. Uma decisão contém, ainda, uma distinção entre um enunciado normativo e um enunciado performativo. Este último implica o ato linguístico da condenação, no qual a decisão esta fazendo a passagem do plano do discurso para o plano da ação, isto é uma passagem que recai fora da competência da lógica.
5 CONCLUSÃO
As leis caracterizam-se por serem gerais, e visam a atender uma enormidade de casos possíveis, é lógico que, em si mesmas, elas são injustas, pois não carregam a especificidade do contexto de aplicação. No processo de resolução do caso concreto, o intérprete deve ajustar a norma jurídica à particularidade da relação de que se trate, utilizando-se para tanto da equidade. Equidade é, portanto, a aplicação da lei ao caso; a lei deve se ajustar à concretude da situação fática como uma régua de lesbos, que a tudo se amolda. Percebe-se aí uma linha de pensamento que é retomada na contemporaneidade pela filosofia jurídica pós-positivista, que rechaça a mera subsunção como procedimento fundamental de aplicação do direito. A nova hermenêutica outra coisa não faz senão extrair do texto legal a norma que mais se amolde ao caso concreto e à realidade contextual de aplicação, tudo isso através de um claro juízo de equidade, de um exercício de prudência (phronesis). Os princípios da proporcionalidade (proibição do excesso e vedação da proteção insuficiente; adequação e necessidade) e da razoabilidade (se os ganhos compensam as perdas), são o exemplo mais claro de exercício da equidade aristotélica no processo hermenêutico, a qual assume especial relevo ante a nova realidade principiológica. Isso porque os princípios são normas generalíssimas, dotadas de baixa densidade normativa, e portanto mais injustas por si mesmas, em uma análise aristotélica. Logo, para a aplicação de normas de tal natureza, mais necessário ainda o emprego da equidade, de modo a evitar a materialização do brocardo latino “summa jus, summa injuria”.
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 2.ed. Editora Universidade de Brasília. 1985.
COELHO, Fábio Ulhôa. Roteiro de Lógica Jurídica. , São Paulo: Max Limonad, 1996.
GADEMER, Hans- George. Hermenêutica em retrospectiva. Trad. Marcos Antônio. Casanova. Petrópolis. Editora Vozes: 2009.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 5. ed. Ver. E atual. São Paulo: Saraiva; Brasília: Instituto Brasiliense de Direito Público, 2010.
MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 15º ed. São Paulo: Alas, 2004.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. 427 p.
Advogada. Pós- graduanda em Direito Público pela PUC Minas. Graduada em Direito pela PUC Minas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, Ana Luisa de Oliveira. A Argumentação Jurídica: breve análise do processo decisório em uma perspectiva hermenêutica inserida no conceito aristotélico de justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 mar 2014, 08:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38584/a-argumentacao-juridica-breve-analise-do-processo-decisorio-em-uma-perspectiva-hermeneutica-inserida-no-conceito-aristotelico-de-justica. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Precisa estar logado para fazer comentários.