RESUMO: O tribunal do júri é uma instituição prevista na Constituição Federal de 1988 destinada a julgar os crimes dolosos contra a vida. Sua regulamentação está contida no Código de Processo Penal. Esse tribunal não possui composição fixa, pois a lei prevê que a sua formação deverá ocorrer após o ajuizamento da ação penal competente, obedecidos, ainda, certos critérios de rotatividade dos jurados. A Lei 11.689, de 10 de junho de 2008 promoveu significativas alterações no procedimento do tribunal do júri. De modo geral, as modificações realizadas tiveram o propósito de simplificar o procedimento judicial e atender ao princípio constitucional da razoável duração do processo, bem como ao anseio popular pelo efetivo julgamento dos crimes que são apresentados ao Poder Judiciário.
PALAVRAS-CHAVE. Tribunal do Júri. Lei 11.689, de 10 de junho de 2008. Código de Processo Penal. Alterações.
INTRODUÇÃO
Pretende-se com este trabalho abordar algumas das principais alterações implementadas pela Lei nº 11.689, de 10 de junho de 2008 no âmbito do tribunal do júri. Não há a intenção, portanto, de apontar todas as modificações providas pelo texto legal mencionado.
De forma objetiva e pontual, serão indicadas as alterações mais relevantes implementadas, que acabaram por culminar em um avanço processual, já que possibilitaram um trâmite mais eficiente do processo judicial, sem prejuízo para o devido processo legal e para o princípio da presunção de inocência do acusado até o trânsito em julgado da decisão condenatória.
APONTAMENTO DAS ALTERAÇÕES
O tribunal do júri possui assento constitucional, conforme se depreende do inciso XXXVIII do artigo 5º da Lei Maior. O dispositivo constitucional assegura, no particular: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
Trata-se, portanto, de direito individual reconhecido a todos, de serem julgados, nos crimes dolosos contra a vida, por seus pares, por pessoas que compõem a sociedade da qual faz parte o réu.
No entanto, conforme bem aponta a doutrina, essa regra de competência não é absoluta. Isso porque, sempre que a própria Constituição Federal instituir uma competência especial por prerrogativa de função, haverá o afastamento da norma geral atinente à competência do júri (LENZA, p. 3.166, 2013).
A prerrogativa de foro possui uma finalidade nobre, normalmente desconhecida pelos cidadãos comuns, que estão alheios à noção acerca da natureza jurídica do instituto. A sua razão de ser está ligada, justamente, ao direito da sociedade de que o julgamento do agente político seja imparcial.
Sabe-se que as autoridades políticas possuem, de regra, influência social considerável nos locais em que atuam ou onde foram eleitas. Diante disso, permitir, nesses casos, que a competência jurisdicional seja determinada pelo local da infração ou pelo domicílio do réu poderia comprometer o julgamento imparcial da denúncia ou queixa.
Por essa razão, criou-se o foro por prerrogativa de função, de modo a garantir a proteção da sociedade por meio de um julgamento justo e imparcial. E, estando essa prerrogativa contida na Constituição Federal, como visto, ela deverá prevalecer sobre a competência do júri (aplicação do princípio da especialidade).
Por outro lado, segundo entende o Supremo Tribunal Federal, o foro por prerrogativa de função instituído apenas na Constituição do Estado não deverá prevalecer sobre a previsão constitucional do júri: “Súmula nº 721. A competência constitucional do tribunal do júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela constituição estadual”.
A organização do tribunal do júri é regulada pelo Código de Processo Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941). Com o advento da Lei n.º 11.689/2008, foram inseridas no texto legal significativas alterações no que toca à instrução preliminar, à pronúncia, aos jurados, bem como à quesitação, relativos à instituição do júri, conforme passaremos a ver.
De início, registramos que, no júri, as votações são sigilosas, segundo a própria dicção constitucional. No entanto, a doutrina, desde há muito, apontava que, se a decisão fosse unânime, ao se anunciar esse resultado, o sigilo ficaria comprometido, uma vez que se saberia que todos os jurados votaram em determinada direção. Ou seja, embora não revelado o voto individual de cada jurado, o resultado pela unanimidade, no final das contas, acabaria por entregar que todos (sete jurados no total) votaram para absolver ou para condenar.
Agora, o artigo 483, § 1º, do CPP dispõe que a resposta negativa, de mais de três jurados, aos quesitos referentes à materialidade do fato e autoria ou participação, encerra a votação e implica a absolvição do acusado. Vê-se, com isso, uma tentativa do legislador de preservar o sigilo do júri, que poderia ficar comprometido, caso a votação fosse unânime, conforme dito.
Antes da Lei 11.689/2008, a idade mínima para ser jurado era de 21 anos; agora, a idade mínina é de 18 anos. Essa mudança contribui para que os jovens possam também julgar seus pares. A restrição não tinha o menor cabimento. Afinal, o maior de 18 anos é penalmente imputável, segundo prevê a própria constituição (artigo 228), o que implica dizer que, a partir dessa idade, o jovem possui a capacidade para discernir o que é ilegal, e, portanto, tem plenas condições de julgar pela condenação ou não de um sujeito acusado por um crime contra a vida.
Também surge como inovação a previsão de que o exercício efetivo da função de jurado dará direito à preferência, em igualdade de condições, nas licitações públicas e no provimento, mediante concurso, de cargo ou função pública, bem como nos casos de promoção funcional ou remoção voluntária (artigo 440 do CPP).
Trata-se de uma forma objetiva de beneficiar aqueles que prestaram a nobre função de participar do tribunal do júri. É sabido que o serviço do júri é obrigatório e que a recusa injustificada a esse serviço acarretará multa no valor de 1 (um) a 10 (dez) salários mínimos, a critério do juiz, de acordo com a condição econômica do jurado (artigo 436 do CPP). Sabe-se também que o serviço, muitas vezes, é cansativo e desgastante, pois pode durar dias, e que os jurados devem permanecer incomunicáveis durante todo o julgamento (a partir do juramento). Diante de todas essas condições, a alteração ora promovida foi muito bem recebida por aqueles que atuam como jurados.
Nova mudança diz respeito ao conteúdo do novo artigo 438 do CPP. Nos termos da redação anterior do Código, a recusa ao serviço do júri, motivada por convicção religiosa, filosófica ou política, importava na perda dos direitos políticos (artigo 435, revogado). Com a nova lei, o Código define que “a recusa ao serviço do júri fundada em convicção religiosa, filosófica ou política importará no dever de prestar serviço alternativo, sob pena de suspensão dos direitos políticos, enquanto não prestar o serviço imposto.” A novel redação, certamente, ao contrário da anterior, observa o direito individual de liberdade de convicção religiosa, filosófica e política, que possui estatura constitucional e deve ser respeitado pelo Estado (artigo 5º, VIII, da Constituição Federal).
Conforme observa Bivar, a Lei nº 11.689/2008 trouxe também alteração na nomenclatura das fases do júri. Atualmente, o procedimento do júri é composto de três fases: 1ª) “Acusação e Instrução Preliminar” (artigos 406 até 421 do CPP), antigo sumário de culpa; 2ª) “Preparação do Processo para Julgamento em Plenário” (artigos 422 até 431 do CPP); e 3ª) “Julgamento em Plenário” (artigos 433 e seguintes do CPP).
Com as novas fases inseridas pela lei em comento, foram suprimidas as fases do libelo e da contrariedade ao libelo. Não existe mais também a fase da leitura de documento, sendo substituída pelo relatório sucinto. O intuito das alterações é claro no sentido de dar maior celeridade na tramitação processual, sem prejuízo para o devido processo legal e seus consectários, como o contraditório e a ampla defesa, direitos individuais consagrados na Constituição Federal (artigo 5º, LIV e LV).
A Lei nº 11.689/2008, ainda, ampliou as causas de absolvição sumária anteriormente previstas. Hoje, as causas de absolvição sumária são as seguintes: provada a inexistência do fato; provado não ser o agente autor ou partícipe do fato; o fato não constituir infração penal; demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão de crime (artigo 415 do CPP). Nesses casos, a decisão possuirá natureza jurídica de sentença absolutória.
É cabível aqui uma observação relevante. Entendia-se, antes, que a impronúncia fazia coisa julgada material. Com isso, não se poderia mais discutir o cometimento daquele suposto crime pelo réu em nenhum outro processo. Atualmente, a jurisprudência vem entendendo que a decisão de impronúncia faz apenas coisa julgada formal, o que equivale a dizer que, surgindo no futuro prova nova, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa contra o mesmo réu.
Nesse sentido, o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios:
HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE HOMÍCIDIO. IMPRONÚNCIA PRÉVIA. PROVAS NOVAS. NOVO DEPOIMENTO E EXAME GRAFOSCÓPICO. RECEBIMENTO DE NOVA DENÚNCIA. POSSIBILIDADE. JUÍZO DE MERA PROBABILIDADE. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. O juízo exarado na decisão de impronúncia é de mera probabilidade, não obstando outro oferecimento de denúncia nos casos onde novas provas possam ensejar um novo juízo precário de autoria e de materialidade do delito. 2. O habeas corpus é remédio restrito às hipóteses de ilegalidade evidente, incontroversa e relativa à matéria de direito, o que exige prova pré-constituída das alegações, ônus que recai sobre a Defesa. 3. Ordem denegada. (Acórdão n.709713, 20130020169527HBC, Relator: GILBERTO PEREIRA DE OLIVEIRA, 1ª Turma Criminal, Data de Julgamento: 05/09/2013, Publicado no DJE: 16/09/2013. Pág.: 185)
Por essa razão, o entendimento prevalecente é de que a decisão de impronúncia possui natureza jurídica de decisão interlocutória mista terminativa.
As mudanças não param por aqui. Quanto às alegações finais, essas passaram a ser orais. Admite-se sua substituição por memoriais, no prazo de 5 dias, quando a causa for complexa ou o número de acusados for excessivo, por aplicação do artigo 403, § 3º, do CPP.
Antes do advento da Lei 11.689/2008, era proibida a juntada de documento novo na fase de alegações finas, agora não mais, já que essa vedação foi revogada (antigo artigo 406 § 2º do CPP).
Outra novidade traz o artigo 427, §2º, do CPP, no sentido de que, sendo relevantes os motivos alegados no pedido de desaforamento pelo MP, o relator poderá determinar, fundamentadamente, a suspensão do julgamento pelo júri. Antes não havia previsão de efeito suspensivo para o desaforamento.
Ainda, com o novo diploma normativo, o assistente de acusação passou a ter legitimidade para requerer o desaforamento. Por sua vez, a configuração da demora no julgamento apta a ensejar o desaforamento, agora, se dá depois de transcorridos seis meses do trânsito em julgado da pronúncia, e não mais depois de um ano do recebimento do libelo, conforme previsto anteriormente.
Outrossim, passou-se a admitir o julgamento à revelia no júri, quer se trate de infração afiançável, quer se trate de infração inafiançável, já que a intimação do acusado pode ser feita por edital (artigo 420, parágrafo único, do CPP), sem qualquer restrição dessa natureza. Antes, entendia-se que apenas se o crime fosse afiançável é que poderia ocorrer o julgamento à revelia (antigos artigos 414 e 415 do CPC).
Impende anotar que a jurisprudência tem entendido pela aplicação imediata da norma acerca da intimação por edital nos crimes inafiançáveis, inclusive nos feitos já iniciados e eventualmente suspensos pela crise de instância (já que se trata de norma de direito processual). Nesses casos, deve o juiz retomar o processo e intimar o acusado por edital, dando seguimento ao feito. Caso não compareça, um defensor deve ser constituído ou nomeado.
Nesse sentido, o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça:
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. CRIME PRATICADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI N.º 11.689/08. RÉU FORAGIDO. INTIMAÇÃO POR EDITAL. JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. POSSIBILIDADE. ART. 420 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. TEMPUS REGIT ACTUM. NORMA DE NATUREZA PROCESSUAL. APLICAÇÃO IMEDIATA. PRECEDENTES. 1. O art. 420, parágrafo único, do Código de Processo Penal, na redação atribuída pela Lei n.º 11.689, de 09 de junho de 2008, estabelece que "será intimado por edital o acusado solto que não for encontrado." 2. À luz do princípio do tempus regit actum, as normas processuais penais têm aplicação imediata e devem ser aplicadas ainda que o crime tenha ocorrido em data anterior à sua vigência. Precedentes. 3. Ordem denegada. (HABEAS CORPUS 2010/0045830-5. Relatora: Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA; julgamento: 03/05/2012; publicação: DJe 10/05/2012)
Por fim, o artigo 474, § 3º, do CPP passou a regulamentar o uso de algemas, estabelecendo que “não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou a garantia da integridade física dos presentes”.
Vale lembrar que, acerca desse tema, o Supremo Tribunal Federal editou a seguinte súmula vinculante:
Súmula Vinculante de nº 11. Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do estado.
CONCLUSÃO
Essas são algumas das diversas alterações implementadas pela Lei nº 11.689, de 10 de junho de 2008 no âmbito do procedimento do tribunal do júri.
Uma análise teleológica dessas modificações nos permite concluir que o legislador, ao editar a referida norma, se inspirou, sobretudo, nos princípios da razoável duração do processo, eficiência, simplicidade (e seus consectários: instrumentalidade, oralidade e informalismo), bem como da segurança jurídica (de maneira a favorecer uma resposta judicial à demanda social pelo efetivo julgamento dos crimes praticados).
NOTAS
(1) Bivar, Luiz Carlos. Resumo esquemático Direito Processual Penal, 4º edição, p. 298.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS
BIVAR, Luiz Carlos. Resumo esquemático Direito Processual Penal. 4ª edição. Brasília-DF: Vestcon, 2009.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 3/3/2014.
BRASIL. Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal Brasileiro). Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm>. Acesso em 3/3/2014.
BRASIL. Lei nº 11.689 de 9 de junho de 2008. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/l11689.htm>. Acesso em 3/3/2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HABEAS CORPUS nº 2010/0045830-5. Relatora: Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma; julgamento: 03/05/2012; publicação: DJe 10/05/2012. Disponível em < http://www.stj.jus.br/SCON/>. Acesso em 3/3/2014.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 11. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudencia
SumulaVinculante>. Acesso em 3/3/2014.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Acórdão n.709713, Processo nº 20130020169527HBC, Relator: Gilberto Pereira de Oliveira, 1ª Turma Criminal; Data de Julgamento: 05/09/2013; Publicado no DJE: 16/09/2013. Pág.: 185. Disponível em <http://pesquisajuris.tjdft.jus.br/IndexadorAcordaos-web/sistj>. Acesso em 3/3/2014.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 17ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2013.
Analista Judiciário - Área Judiciária do Tribunal Superior do Trabalho - TST. Formação: Bacharel em Direito pelo Instituto Superior de Brasília - IESB. Especialista em Direito Público (Pós-graduação lato sensu - Instituto Processus).<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROSA, Mateus Ferreira. Tribunal do Júri: apontamentos acerca de algumas das alterações implementadas pela Lei nº 11.689, de 10 de junho de 2008 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 mar 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38622/tribunal-do-juri-apontamentos-acerca-de-algumas-das-alteracoes-implementadas-pela-lei-no-11-689-de-10-de-junho-de-2008. Acesso em: 23 dez 2024.
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