Introdução
A súmula foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pelo Ministro Victor Nunes Leal, autor da proposta que foi acolhida e incluída no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal em 1963, sendo posteriormente inserida na legislação, conforme art. 476 e seguintes do Código de Processo Civil de 1973.
O Ministro Victor Nunes Leal atestou na época que a inclusão da súmula aconteceu por motivos exclusivamente pragmáticos, como “método de trabalho”, diante do acúmulo de processos e em face da constatação de que nem o Supremo Tribunal conhecia a sua própria jurisprudência.
Em 13 de dezembro de 1963 na sessão plenária foram aprovadas as primeiras 370 súmulas do STF. Primordialmente, elas tinham um caráter persuasivo, com o intuito de orientar o julgador a respeito do posicionamento da alta corte de Justiça do país.
Desta forma, a súmula de jurisprudência, prevista no Código de Processo de 1973, não tem um caráter obrigatório por parte dos juízes, bem como nem mesmo em relação às súmulas editadas pelos próprios tribunais a que estão vinculados.
1. Conceito e Natureza Jurídica da Súmula
Inicialmente é preciso esclarecer o significado da palavra súmula. Ela vem do latim summula e significa sumário, resumo.
Maria Helena Diniz, em seu Dicionário Jurídico, apresenta o seguinte significado de súmula:
Conjunto de teses jurídicas reveladoras da jurisprudência predominante no tribunal, traduzida em forma de verbetes sintéticos numerados; resumo de decisão judicial colegiada; ementa reveladora da orientação jurisprudencial de um tribunal para casos análogos; ementa de sentenças ou acórdão; tradução de orientação da jurisprudência predominante do tribunal; norma consuetudinária que uniformiza a jurisprudência, constituindo fonte do direito, atuando como norma aplicável aos casos que caírem sob sua égide, enquanto não houver norma que os regule ou uma modificação na orientação jurisprudencial, já que é suscetível de revisão; enunciado que resume uma tendência sobre determinada matéria, decidida contínua e reiteradamente pelo tribunal, constitui uma forma de expressão jurídica, por dar certeza a determinada maneira de decidir; condensação de, no mínimo três acórdãos do mesmo tribunal, adotando. Igual interpretação de preceito jurídico em tese, sem efeito obrigatório, mas apenas persuasivo, publicado com numeração em repertórios oficiais do órgão.[1]
No tocante as súmulas, dispõe o regimento interno do supremo tribunal Federal:
Art. 102. A jurisprudência assentada pelo tribunal será compendiada na súmula do Supremo Tribunal Federal. § 1º A inclusão de enunciados na súmula, bem como a sua alteração ou cancelamento, será deliberada em plenário, por maior ia absoluta. § 2º Os verbetes cancelados ou alterados guardarão a respectiva numeração com a nota correspondente, tomando novos números os que forem modificados. § 3º Os adendos e emendas à súmula, datados e numerados em séries separadas e sucessivas, serão publicadas três vezes consecutivas no Diário da Justiça. § 4º A citação da súmula, pelo número correspondente, dispensará, perante o Tribunal, a referência a outros julgados no mesmo sentido.
Art. 103. Qualquer dos Ministros pode propor a revisão da jurisprudência assentada em matéria constitucional e da compendiada na súmula, procedendo-s e a o sobrestamento do feito, se necessário.[2]
Portanto, as súmulas de jurisprudência decorrem de teses jurídicas que estão solidificadas em várias decisões jurisprudências, das quais se retira um enunciado, ou seja, uma espécie de orientação de julgamento para casos semelhantes já decididos, servindo de referencial não obrigatório a toda comunidade jurídica.
A súmula, como “método de trabalho”, tornou a atividade do STF mais dinâmica, dispensando a repetição de fundamentos no julgamento de numerosos processos com casos idênticos a assoberbar sua pauta, liberando-o para novos debates importantes. A súmula também se apresenta como método de divulgação oficial da jurisprudência do STF, de consulta, e manuseio, permitindo se saber qual o posicionamento atual dominante sobre as questões compendiadas na Súmula.
Essa iniciativa do STF, como método de trabalho e divulgação influenciou a criação de súmulas no âmbito da Justiça Federal, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e, posteriormente, dos Tribunais de Justiça. Abrangendo hoje todos os órgãos colegiados, inclusive formados por juízes de 1ª instância, como são as Turmas Recursais dos Juizados Especiais.
Desta forma, além da súmula propiciar maior estabilidade à jurisprudência, facilita o trabalho dos advogados e do tribunal, simplificando o julgamento, pois a mesma oferece parâmetros a serem trilhados.
Ademais, sabe-se que a súmula faz parte das fontes de direito, estando posicionada entre a lei e a jurisprudência, haja vista não ser obrigatória, possuindo um status quo maior que a jurisprudência, porém é entendida como inferior à lei porque não advêm de um poder emanado do povo, ou seja, via processo eleitoral, sendo derivada diretamente da atuação do Poder Judiciário.
Quanto ao poder das Súmulas no ordenamento jurídico brasileiro, este é bem delimitado por Ferraz Jr. quando utiliza a expressão “validade no sentido fático”, não bastando, portanto, apenas estrita vigência para tal validade. Ele afirma que:
As súmulas obrigam não porque estão previstas expressamente pelo sistema normativo, mas porque representam o modo pelo qual certos casos são, via de regra, julgados pelo Tribunal Superior, assinalando, assim, certa uniformidade na atividade dos órgãos aplicadores do Direito. As normas de validade fática são, pois, aquelas que expressam esta atividade do aparelho sancionador do Estado.[3]
Impende ressaltar ainda os casos em que os tribunais podem editar as súmulas: a) quando há reconhecida divergência sobre o posicionamento de matéria de direito entre turmas ou seções do mesmo tribunal. Esta é a chamada súmula decorrente de procedimento de uniformização de jurisprudência; b) Quando pacífico entendimento sobre determinada matéria pelo tribunal. Esta é a súmula decorrente de entendimento uniformizado.
Por fim, há de se falar também na súmula vinculante, instituída pela Emenda Constitucional nº 45/2004, privativa do Supremo Tribunal Federal, a qual será aprofundada nos próximos capítulos.
2. Classificação das Súmulas
No ordenamento jurídico brasileiro podemos falar da súmula persuasiva, a súmula vinculante e a súmula impeditiva de recurso.
Quanto à súmula persuasiva mister faz esclarecer que a mesma não tem caráter vinculante, mas em virtude da retórica jurídica tem grande influência para os operadores de direito. Estas súmulas eram as que operavam antes da Emenda Constitucional nº 45/2004 e consistiam em precioso instrumento de trabalho, pois podiam ser invocadas pelo advogado com o intuito de persuadir, sem, no entanto, vincular nem mesmo os juizes de primeira instância.
A Lei nº 11.276/06 instituiu a súmula impeditiva de recursos prevendo que não mais caberá recurso contra a decisão de juiz que estiver em conformidade com matéria sumulada no Superior Tribunal de Justiça ou no Supremo Tribunal Federal.
Importante esclarecer que o juiz de primeiro grau poderá estar, ou não, de acordo com essa súmula do STJ ou do STF. Se ele optar por aplicar a súmula, a parte não pode mais recorrer.
Já a súmula vinculante é o enunciado sufragado pelos Tribunais que tem o condão de obrigar e submeter decisões provenientes de juízos inferiores. Além disso, ela só existe para questões constitucionais, ou seja, só o STF pode editá-las.
Ademais, após a publicação da súmula vinculante, a administração pública, direta e indireta, bem como o poder judiciário fica vinculado à mesma.
Maria Helena Diniz conceitua bem o que seria súmula de efeito vinculante: “aquela que, emitida por Tribunais Superiores, depois de reiteradas decisões uniformes sobre um mesmo assunto, torna obrigatório seu cumprimento pelos demais órgãos do Poder Judiciário” [4]
Através das súmulas vinculantes, pode-se alcançar uma maior segurança jurídica, evitando decisões contraditórias a respeito do mesmo assunto.
Didaticamente, interessante citar a classificação das súmulas do mestre Lenio Streck:
No primeiro grupo, podem ser encontradas as Súmulas que dizem exatamente o que diz a lei, aqui denominadas de Súmulas tautológicas; no segundo estão as mais numerosas, ou seja, as que são, verdadeiramente, uma forma de interpretar a lei, denominadas, aqui intra legem; em terceiro, estão as Súmulas que denomino de extra legem, que têm a função precípua de limitar as possibilidades de admissão dos recursos dirigidos aos Tribunais Superiores. E, por último, encontramos as Súmulas contra legem e/ou inconstitucionais, que criam Direito novo, à revelia das leis e da Constituição.[5]
3. Considerações finais e exemplos de casos decididos de acordo com súmulas no ordenamento jurídico brasileiro
Atualmente, no ordenamento jurídico brasileiro, existem milhões de casos semelhantes, os quais são submetidos freqüentemente a apreciação do Poder Judiciário, assoberbando o mesmo. Tal fato acarreta uma morosidade intensa.
É nesse diapasão que surge a chamada Súmula Vinculante, esta inserida através da Emenda Constitucional nº 45 de 08 de dezembro de 2004, visando, portanto, a maior celeridade processual.
Porém, como se sabe a jurisprudência com fonte do direito já é utilizada para decidir casos análogos da mesma forma. Assim, evitando decisões conflitantes sobre uma mesma matéria ou objeto.
A súmula veio justamente para proporcionar que casos semelhantes, apreciados pelos tribunais superiores, tenham uma só decisão para todos.
A guisa de exemplo, foram colacionadas decisões do Egrégio Superior Tribunal de Justiça que se utilizaram de Súmulas:
Ex. 1:
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. CORREÇÃO MONETÁRIA. DIFERENÇAS. MULTA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. ABUSO NÃO CONFIGURADO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. EXEGESE E ALCANCE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 741 DO CPC. INAPLICABILIDADE ÀS SENTENÇAS SOBRE CORREÇÃO MONETÁRIA DO FGTS. HONORÁRIOS. ART. 29-C DA LEI 8.036/90, COM REDAÇÃO DADA PELA MEDIDA PROVISÓRIA 2.164-40/01. AÇÕES AJUIZADAS APÓS 27.07.2001. APLICABILIDADE.
1. A falta de prequestionamento da questão federal impede o conhecimento do recurso especial (Súmulas 282 e 356 do STF). (...)
10. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido.
(REsp 826494 / SP; RECURSO ESPECIAL: 2006/0051952-5; Relator: Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI; Órgão Julgador: T1 - PRIMEIRA TURMA; Data do Julgamento: 20/06/2006; Data da Publicação/Fonte: DJ 30.06.2006, p. 186)[6]
(grifos nosso)
Ex. 2:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ART. 535 DO CPC. OMISSÃO. ARGÜIÇÃO GENÉRICA. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. TRANSFERÊNCIA. CURSO SUPERIOR DECISÃO DO STF NA ADIN 3324-7. FORÇA VINCULANTE. ART. 28 DA LEI Nº 9.868/99. MATÉRIA EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL.
1. Não se conhece do recurso especial pela alegada violação ao artigo 535 do CPC nos casos em que a argüição é genérica, por incidir a Súmula 284/STF, assim redigida: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia".
2. O tema acerca do alcance do efeito vinculante de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade (ADin 3324-7, Rel. Ministro Marco Aurélio, DJU de 16.12.04), escapa do âmbito de apreciação do recurso especial, por revelar matéria de cunho essencialmente constitucional.
3. "Se as razões do recurso especial se fundam em princípios constitucionais, o Superior Tribunal de Justiça, órgão ao qual incumbe uniformizar a aplicação da legislação federal infraconstitucional, não poderá conhecer da irresignação" (REsp 191.375/RS, Rel. Min. Franciulli Netto, DJU de 24.06.02).
4. Recurso especial não conhecido.
(REsp 843832 / DF; RECURSO ESPECIAL 2006/0094020-2; Relator(a): Ministro CASTRO MEIRA; Órgão Julgador: T2 - SEGUNDA TURMA; Data do Julgamento: 21/09/2006; Data da Publicação/Fonte: DJ 02.10.2006, p. 252)[7]
(grifos nosso)
Resta claro, com os exemplos supracitados, portanto, que as súmulas estão de fato inseridas no ordenamento jurídico brasileiro, desempenhando um papel essencial na resolução de conflitos análogos já decididos reiteradas vezes pelos tribunais.
Referências
DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. 9ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1998. v. 1 e 4.
FERRAZ JR, Tércio Sampaio. A Ciência do Direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1998.
Jurisprudências. Disponível em: <www.stj.gov.br>. Acesso em: 15.11.2006.
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em 28.10.2006
STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no Direito Brasileiro, Eficácia, Poder e Função, A Ilegitimidade Constitucional do Efeito Vinculante. Livraria do advogado. Porto Alegre: 1998.
[1] DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. 9 ed. Rio de Janeiro: ed. Saraiva, 1999. p.1127.
[2] Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em 28.10.2006.
[3] FERRAZ JR, Tércio Sampaio. A ciência do Direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1998. p. 59.
[4] DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. 9ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1998. p. 335
[5] STRECK, Lenio Luiz. Súmula no direito Brasileiro. Eficácia, Poder e Função. Porto Alegre: ed. Livraria do Advogado, p. 168.
[6] <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=s%FAmula+vinculante&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=6>. Acesso em: 15/11/06
[7] <http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=s%FAmula+vinculante&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2>. Acesso em: 15/11/06
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HOLANDA, Livia Patriota de. A ideia de Direito Sumulado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 mar 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38653/a-ideia-de-direito-sumulado. Acesso em: 30 set 2024.
Por: Wellington Santos de Almeida
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: Odelino Oliveira Fonseca
Por: JULIANA REZENDE LINS DE ALBUQUERQUE
Precisa estar logado para fazer comentários.