1. O princípio do juiz natural e a Súmula.
O princípio do juiz natura está previsto no art. 5º, XXXVII e LIII da Constituição Federal:
Art. 5º
(...)
XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção
(...)
LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente.
A imparcialidade do judiciário e a segurança do povo são garantias indispensáveis do principio do juiz natural contra o arbítrio do Estado.
De acordo com Alexandre de Moraes:
O referido princípio deve ser interpretado em sua plenitude, de forma a proibir-se, não só a criação de tribunais ou juízos de exceção, mas também de respeito absoluto às regras objetivas de determinação de competência.[1]
Tal princípio é tido como um dos argumentos invocados pelos opositores a adoção da súmula vinculante, pois os mesmos atestam que uma vez aplicada à súmula de caráter vinculativo, os juizes dos órgãos inferiores simplesmente teriam suas atividades usurpadas, haja vista que estes passariam a ser mero aplicadores do enunciado da súmula.
Ora, resta claro que o que o princípio constitucional em questão proíbe a criação de tribunais de juízos ou tribunais de exceção, isto quer dizer que as partes devem ser julgadas obrigatoriamente por juizes ou órgãos jurisdicionais competentes para tanto.
Desta forma, não há que se falar em nenhum momento na violação do princípio do juiz natural com a introdução das súmulas vinculantes no ordenamento jurídico brasileiro, pois as partes do processo terão livre acesso ao chamado juiz natural, ou seja, aquele competente para apreciar sua causa.
A única ressalva a ser feita pelos juizes é a de verificar se no caso em exame é preciso aplicar a chamada súmula vinculante, não julgando, portanto, contrário a esta.
2. O princípio do Livre Convencimento do Juiz e a Súmula.
O Principio do Livre Convencimento Motivado do Juiz trata da liberdade que o juiz possui para resolver determinado litígio da forma que lhe pareça mais adequada, ou seja, conforme seu convencimento, todavia dentro dos limites legais.
Afirmam os ferrenhos opositores da súmula vinculante que o princípio em tela resta maculado, pois os juizes de 1ª instância não poderão mais decidir “livremente”, tendo, portanto, que decidir conforme o enunciado sumular.
José Renato Nalini afirma a respeito da matéria em tela que:
O livre convencimento do juiz possibilita a cada juiz interpretar à sua feição intelectual o preceito da Carta Magna. Não está adstrito a orientação sumular ou a posições dominantes. Daí a riqueza do trabalho mental do juiz, formulador de alternativas que corporificam a extração de conteúdos não escancarados da norma, porém nela abrangidos quando se faz inserir no literal foco de calibragem constitucional. [2]
Imperioso esclarecer que em nenhum momento a súmula vinculante viola a atuação independente do juiz, afinal este continuará julgando livremente as demandas, somente nos casos que versem sobre matéria já sumulada e com efeito vinculante, o mesmo será obrigado a aplicá-la.
Assim, a liberdade conferida ao magistrado é reduzida em favor de outros direitos fundamentais também relevantes, como por exemplo: celeridade processual, segurança jurídica e igualdade.
Alexandre de Moraes explica sobre essa relatividade dos direitos fundamentais dizendo que:
Quando houver conflito entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o interprete deve utilizar-se do principio da concordância prática ou da harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição de princípios), sempre em busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com suas finalidades precípuas.[3]
Em complemento com o acima exposto, Antonio Álvares da Silva afirma que:
Seria incongruente colocar a liberdade do juiz acima de tudo, inclusive da utilidade prática desta liberdade, que existe para servir a sociedade e não para constituir meio de dominação e arbítrio. Como já disse Pontes de Miranda, “a verdadeira liberdade repugna o irrefletido”[4]
3. O princípio da separação dos poderes e a Súmula.
A Constituição Federal no seu art. 60, §4º, III, previu o chamado principio da separação dos poderes, com a finalidade precípua de evitar o arbítrio e desrespeito aos direitos fundamentais.
Ademais, sabe-se que conforme art. 2º da Carta Magna os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário são independentes e harmônicos. Todavia, Alexandre de Moraes explica que:
Apesar de independentes, os poderes de Estado devem atuar de maneira harmônica, privilegiando a cooperação e a lealdade institucional e as práticas de guerrilhas institucionais, que acabam minando a coesão governamental e a confiança popular na condução dos negócios públicos pelos agentes políticos. Para tanto, a Constituição Federal consagra um complexo mecanismo de controles recíprocos entre os três poderes, de forma que, ao mesmo tempo, um Poder controle os demais e por eles seja controlado. Esse mecanismo denomina-se teoria dos freios e contrapesos.[5]
Além das funções típicas já conhecidas, onde cabe ao Legislativo, legislar; ao Executivo, administrar, governar; e ao Judiciário, julgar, a Constituição permite se falar nas funções atípicas, ou seja, secundárias a esses poderes, aquelas que não são atribuídas preponderantemente.
O § 2º do Art. 103-A da Carta Magna estatui que: “Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.”
Desta forma, podemos concluir que a súmula vinculante em nenhum momento obsta a atividade legislativa, haja vista que para haver uma preservação da competência do Poder Legislativo, o instituto da súmula não pode ser limitação material para o procedimento de elaboração das normas jurídicas pelo Congresso Nacional.
Isto quer dizer que, pode-se editar lei posterior tratando de matéria sumulada com efeito vinculante, sendo possível a revogação desta, no caso de tal lei regulamentar de forma diferente o conteúdo da súmula.
Retira-se, portanto, a idéia de que a súmula está num patamar superior a lei. Em suma: a súmula não revoga lei, muito menos, realiza-se contra legis, o que acontece é uma obrigatoriedade quanto a interpretação da súmula de forma igual ao Supremo Tribunal Federal.
Assim, no caso do Poder Judiciário complementar a atividade legislativa do próprio poder Legislativo sem qualquer prejuízo para seu funcionamento, não há de se falar em violação do princípio da Separação dos Poderes.
Considerações finais acerca da celeridade processual e a Súmula.
A celeridade processual indubitavelmente traduz o topo dos motivos para os que defendem a adoção da súmula com efeito vinculante no ordenamento jurídico brasileiro.
O princípio em tela está previsto no rol dos direito fundamentais, ou seja, no art. 5º, LXXVIII: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Como se observa no artigo supra transcrito, o legislador se preocupou com a questão da demora dos provimentos jurisdicionais e administrativos.
Diante do quadro caótico que se encontra o Poder Judiciário, a súmula vinculante pode vir a ser a solução da morosidade do Judiciário. Tal lentidão acontece em virtude dos milhares processos que estão na Suprema Corte esperando para serem julgados.
Atrelada a essa celeridade estão o principio da igualdade e o da segurança jurídica, ou seja, com a adoção da súmula vinculante haverá uma uniformização das decisões, onde causas idênticas receberam a mesma prestação jurisdicional, evitando-se a chamada “loteria jurídica”, onde em situações iguais, têm-se decisões divergentes, acarretando uma incerteza social e a conseqüente provocação do Poder Judiciário para o ingresso de milhões de ações iguais.
Sob esse ângulo, manifesta-se Teresa Arruda Alvim Wambier:
O principio da isonomia se constitui na idéia de que todos são iguais perante a lei, o que significa que a lei deve tratar a todos de modo uniforme e que correlatamente as decisões dos tribunais não podem aplicar a mesma lei de forma diferente a casos absolutamente idênticos, num momento histórico.[6]
Em suma, o desafogamento do judiciário é o principal motivo para implementação da Súmula Vinculante.
ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. A Função da Súmula Vinculante do STF em Face da Teoria Geral do Direito. RePro, n.40.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2006.
______. Direito Constitucional. 15ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2004.
______. Direitos Humanos Fundamentais. 4ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2002.
NALINI, José Renato. O Juiz e o Acesso à Justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.
SILVA, Antonio Álvares. As Súmulas de Efeito Vinculante e a Completude do Ordenamento Jurídico. São Paulo: LTr, 2004.
[1] MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 15ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A. 2004
[2] NALINI, José Renato. O Juiz e o Acesso à Justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p.29.
[3] MORAES, Alexandre de. Direitos Humando Fundamentais. 4ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2002. p. 47.
[4] SILVA, Antonio Álvares. As Súmulas de Efeito Vinculante e a Completude do Ordenamento Jurídico. São Paulo: LTr, 2004, p. 89
[5] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Atlas S.A. 2006, p. 137/138.
[6] ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. A função da súmula vinculante do STF em Face da Teoria Geral do Direito, RePro, n.40.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HOLANDA, Livia Patriota de. Princípios Constitucionais versus Súmula Vinculante Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 mar 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38732/principios-constitucionais-versus-sumula-vinculante. Acesso em: 30 set 2024.
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