RESUMO: O presente artigo tem por fim a análise da Curatela como instituto do direito civil que teve suas disposições alteradas com a publicação do novo Código Civil de 2002. De igual forma, por meio das características e modalidades de curatela, pretende-se delinear as linhas estruturais do instituto civil, fazendo-se a diferenciação com outros institutos assemelhados, como a tutela. Em razão de sua importância no direito privado, especialmente no ramo do direito de família, a Curatela tem se mostrado como instrumento jurídico essencial na salvaguarda dos menores desprotegidos.
INTRODUÇÃO
A interdição é considerada como a última possibilidade a ser executada, ou seja, é a exceção ao estado normal das coisas, uma vez que se trata de solução drástica de restrição individual, os quais privam o indivíduo de exercer seus direitos e as liberdades que a lei prescreve para cada um daqueles que atingem a capacidade plena.
Diversos diplomas civis comparados diferem, de maneira clara, a capacidade laborativa com a capacidade civil de exprimir a sua vontade, com o objetivo de manter o indivíduo na prática de alguns atos civis, bem como sem lhe privar a liberdade de viver e conviver socialmente.
A curatela é a medida tomada após o procedimento de interdição, que visa ao amparo e proteção do interditando, para que a sua segurança enquanto pessoa bem como a segurança de seus bens e patrimônio possa estar resguardada. Tal medida, que antes não passava de um instituto civil destinado à proteção dos bens do curatelado, hoje se mostra necessário a fim de se concretizar o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.
Portanto, a curatela, conforme está disposta em nosso Código Civil, é direito daqueles que assim estão inclusos dentre a suas causa, garantindo o Código uma proteção especial.
O presente trabalho tem em vista apresentar conceitos, definições e indagações sobre o tema da curatela, visando apresentar os dispositivos que o Código Civil de 2002 trouxe para o tema, bem como esclarecer pontos que aparentam supostas incoerências.
Ademais, detalhadamente este trabalho apresentará cada um dos incisos constantes nas causas de curatela, assim como, sumariamente, introduzirá o leitor ao processo de interdição, requisito necessário para que um indivíduo possa ser posto em curatela.
1. PRESSUPOSTOS E CONCEITO
A curatela, instituto do direito civil, com origem no direito romano, nas normas que tratavam sobre a incapacidade, encontra seu pressuposto existencial na própria incapacidade humana. Já o pressuposto jurídico reside na existência de uma decisão judicial que considerará alguém inapto para os atos da vida civil, necessitando, portanto, de assistência.
A Constituição Federal de 1988 estabelece como um dos fundamentos a dignidade da pessoa humana.[1] Embora tenha nascido com um caráter eminentemente patrimonialista, já que a curatela visava apenas proteger os bens do incapaz, com o advento da Constituição garantista e com o objetivo de se praticar a consecução dos direitos fundamentais que estão estampados na Carta Magna, atualmente o instituto da curatela não se restringe a salva-guarda dos bens, mas também da pessoa como indivíduo que merece proteção.
Ademais, há um claro interesse público por trás do tema aqui mencionado, visto que a proteção do incapaz é medida que deve ser promovida e ter a assistência do Estado.
Desta forma, curatela refere-se ao poder dado a alguém que tenha capacidade plena, ou seja, capacidade de fato e de direito, para reger e administrar os bens de alguém que, embora maior, não possui a capacidade para fazê-lo.
Nas clássicas palavras de Pontes de Miranda[2], curatela tem por conceito:
O cargo conferido por lei a alguém, para reger a pessoa e os bens, ou somente os bens, de indivíduos menores, ou maiores, que por si não o podem fazer, devido a perturbações mentais, surdo-mudez, prodigalidade, ausência, ou por ainda não ter nascido.
Já Clóvis Beviláqua[3] entende a curatela como “o encargo público conferido por lei a alguém, para dirigir a pessoa e administrar os bens dos maiores que por si não possam fazê-lo”.
Nota-se que diante do conceito dos ilustres autores acima apontados, a curatela tem como característica, via de regra, se aplicar aos indivíduos maiores, visto que as hipóteses de cabimento instituídas pelo Código Civil de 1916 aplicam-se, preferencialmente, aos indivíduos que deveriam ter sua capacidade de fato, mas não o tem.
Com a chegada da maioridade civil é presumido que todo indivíduo poderá reger sua pessoa, assim como, administrar seus bens. Todavia, existem pessoas que por alguma deficiência mental ou enfermidade, não se encontram aptas a cuidar de seus próprios interesses, tendo em vista o fator da falta de discernimento. Acabam por sujeitarem-se à curatela, como uma medida de amparo e proteção.[4]
Ressalta-se que as hipóteses de incidência da curatela são as mesmas atinentes aos absolutamente e relativamente incapazes de exercer a vida civil. Nesse contexto, a curatela tem como característica o seu caráter assistencial.
Por ter o caráter assistencial, a curatela por muitas vezes pode ser confundida com a tutela. Ademais, dizem os doutrinadores que as disposições de Tutela constantes no Código Civil de 2002 se aplicam, em parte, ao instituto da Curatela, dando razão para a semelhança entre os dois institutos civis.
Entretanto, são dois institutos diferentes e que possuem hipóteses de cabimento diferentes. Em esclarecedoras palavras, Carlos Roberto Gonçalves ensina sobre as diferenças de ambos os temas:
Podem ser apontadas as seguintes diferenças: a) a tutela é destinada a menores de 18 anos de idade, enquanto a curatela é deferida, em regra, a maiores; b) a tutela pode ser testamentária, com nomeação do tutor pelos pais; a curatela é sempre deferida pelo juiz; c) a tutela abrange a pessoa e os bens do menor (audtoritas e gestio), enquanto a curatela pode compreender somente a administração dos bens do incapaz, como no caso dos p´rodigos; d) os poderes do curador são mais restritos do que os do tutor.
Sendo assim, a curatela difere-se por ser a proteção à pessoa e aos bens, ou somente os bens do maior, em regra[5], acometido por enfermidade, prodigalidade ou que se encontre ausente.
2. CARACTERÍSTICAS DA CURATELA
Dentre as características da curatela, existe uma que tem caráter primordial e fundamental quando se trata sobre o tema: o interesse público. O Estado tem por obrigação proteger o incapaz e os seus interesses, passando a alguém a responsabilidade para exercer os atos da vida civil em nome do curatelado.
Tanto assim é, que na prática se visualiza que a pessoa determinada pelo juiz para exercer os poderes da curatela recai sobre pessoa no qual o incapaz possui certa intimidade e confiança, geralmente será um parente consangüíneo.
Esta característica é denominada pela doutrina brasileira de caráter publicista da curatela, visto que o Estado deve zelar pelos interesses dos incapazes.
A curatela possui a característica da assistência, uma vez que os seus fins são destinados a se fazer cumprir as regras do Código Civil atinentes à capacidade. Caio Mário da Silva Pereira[6] explica:
O instituto da curatela completa, no Código Civil, o sistema assistencial dos que não podem, por si mesmos, reger sua pessoa e administrar seus bens. O primeiro é o poder familiar atribuído aos pais, sob cuja proteção ficam adstritos os filhos menores. O segundo é a tutela, sob a qual são postos os filhos menores que se tornaram órfãos ou cujos pais desapareceram ou decaíram do poder parental. Surge em terceiro lugar a curatela, como encargo atribuído a alguém, para reger a pessoa e administrar os bens de maiores incapazes, que não possam fazê-lo por si mesmo, com exceção do nascituro e dos maiores de 16 e menores de 18 anos.
Há também o caráter supletivo da curatela, que consiste na supressão da incapacidade do curatelado, ou seja, é cabível nos casos em que a incapacidade não possa ser suprida pelo poder dos pais ou pela tutela.
A curatela tem como outra característica a temporariedade, uma vez que tal instituto só deve perdurar enquanto houver necessidade, já que tal medida é conduta excepcional nos ditames da capacidade civil. Desta forma, desaparecendo os efeitos e motivos que justificaram a interdição por meio da curatela, desaparecerá a incapacidade e conseqüentemente a assistência por meio de curatela deverá ser revogada.
Por fim, a certeza da incapacidade somente pode ser decretada por meio de procedimento judicial, o qual se conhece atualmente por interdição, o qual é disciplinado no Código de Processo Civil.
3. MODALIDADES DE CURATELA
O Código Civil de 2002 estabelece as pessoas sujeitas à curatela:
Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:
I - aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil;
II - aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade;
III - os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos;
IV - os excepcionais sem completo desenvolvimento mental;
V - os pródigos.
O artigo acima transcrito trata das hipóteses em que o código elenca as situações dos maiores incapazes que se encontram sujeitos à curatela. Em verdade, não se trata de espécies enunciadas pelo código, e sim, grupo de pessoas que possuem uma mesma característica específica, que podem sofrer o processo de interdição e passarem a ser interditadas. Assim, não é a curatela que assume características diferentes, mas as pessoas que são dividas em grupos com características próprias.
Ademais, nos art. 1.779 e 1.780, o Código Civil elenca mais dois sujeitos que se encontram inseridos na cláusula da curatela:
Art. 1.779. Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar.
Parágrafo único. Se a mulher estiver interdita, seu curador será o do nascituro.
Art. 1.780. A requerimento do enfermo ou portador de deficiência física, ou, na impossibilidade de fazê-lo, de qualquer das pessoas a que se refere o art. 1.768, dar-se-lhe-á curador para cuidar de todos ou alguns de seus negócios ou bens.
Os aludidos artigos dispõem acerca da curatela do nascituro, bem como a curatela de pessoas que se encontram enfermas ou que são portadores de deficiência. Essas condições decorrem da incapacidade absoluta ou relativa, que é o pressuposto fático para a decretação de interdição total. Os poderes do curador estarão adstritos aos termos da interdição, o qual estabelece os limites da incapacidade e ao mesmo tempo estabelece os poderes da curatela.
Há ainda a figura do curador especial, mas que não se confunde com as espécies instituídas pelo Código Civil. A curadoria especial diz respeito a uma função especial para que o processo possa ter andamento. Pela condição especial da situação, torna-se necessário que o processo seja composto de um curador especial e não corra à revelia. Nelson Nery Júnior[7] esclarece sobre o tema:
A curadoria especial é múnus público, incumbindo ao curador o dever de, necessariamente, contestar o feito. Na falta de elementos, pode contestar genericamente (CPC 302, parágrafo único), não se lhe aplicando o ônus da impugnação especificada. Contestando genericamente, o curador especial controverte todos os fatos descritos na petição inicial, incumbindo ao autor o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito (CPC, art. 333, I). Não há, neste caso, inversão do ônus da prova, mas aplicação ordinária da teoria do ônus da prova. Caso o curador não conteste, o juiz pode destituí-lo e nomear outro para que efetivamente apresente contestação na defesa do réu.
A diferença da curadoria especial para a curatela que traz o Código Civil é que uma vez a função é exercida, esgota a função do curador. Orlando Gomes[8] afirma que tem cunho meramente funcional e que não se destinam à regência de pessoas, mas sim à administração de bens ou à defesa de interesses.
3.1 - Aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil
O Código Civil traz no inciso I do art. 1.767 a mesma redação do art. 3º, II (absolutamente incapaz). Pontes de Miranda[9] afirma que as moléstias mentais admitem gradação e que simples distúrbio da inteligência, embora possa ser tido pelo médico como estado de alienação mental, não basta para que se interdite o indivíduo, sendo necessário para tanto que o torne incapaz de reger a sua pessoa e os seus bens, isto é, que acarrete a sua incapacidade jurídica.
Interessante perceber que o Ilustre autor fazia a diferenciação entre incapacidade jurídica justamente porque o Código Civil de 1916 trazia na redação de seu artigo a expressão “loucos de todo o gênero” invés de deficiente mental, gerando incoerência e abstrações que impediam de precisar quem estaria sujeito a curatela.
As pessoas que se encontram sujeitas a esta hipótese de curatela devem ser privadas de total discernimento, embora o próprio Código Civil estabeleça como relativamente incapaz o que por deficiência mental, tenha o discernimento reduzido.
Carlos Roberto Gonçalves[10] assevera que:
A fórmula genérica empregada pelo legislador abrange todos os casos de insanidade mental, provocada por doença ou enfermidade mental congênita ou adquirida, como a oligofrenia e a esquezofrenia, por exemplo, bem como por deficiência mental decorrente de distúrbios psíquicos (doença do pânico, p. ex), desde que em grau suficiente para acarretar a privação do necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil.
Ademais, sobre o tema, os doutrinadores em maioria entendem que a velhice por si só não é capaz de acarretar a interdição e o conseqüente procedimento de curatela. Para que um idoso possa estar incluído dentro do inciso que aqui se analisa, é preciso que este sofra de um mal, ou seja, uma doença ou patologia que possa reduzir ou aniquilar ou seu discernimento. Assim, a condição de idade avançada não pode ser fundamento para a decretação de interdição.
3.2 - Aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade.
A referência legal acima transcrita trata-se de uma causa que impeça o indivíduo de manifestar a sua vontade, que não seja uma doença ou enfermidade mental, visto que esta hipótese está contida no inciso I que trata sobre o tema.
Carlos Roberto Gonçalves[11] diz que se aplica ao dispositivo, dentre outros, como já dito, aos portadores de aerteriosclerose ou paralisia avançadas e irreversíveis, e excepcionalmente aos surdos –mudos que não hajam recebido educação adequada que os habilite a enunciar precisamente a sua vontade, embora a hipótese em relação a estes, seja, em regra, de incapacidade relativa[12].
Desta forma, quando o diploma legal faz referência a causas duradouras, isso significa que deve se tratar de uma patologia de caráter durável, porém que impeça o curatelado de expressar a sua vontade.
3.3 – Os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos;
Inicialmente cumpre esclarecer que, embora o Código Civil mencione novamente a deficiência mental em mais um dos incisos das causas que levam a curatela, vale ressaltar que estas não se confundem. O presente inciso trata das causas de deficiência mental derivadas dos fatores descritos na própria descrição legal, ou seja, os alcoólatras e os viciados em tóxicos.
Ademais, cumpre também esclarecer que os alcoólatras e toxicômanos considerados pelo Código Civil são todos aqueles viciados no uso e dependentes das substâncias alcoólicas ou entorpecentes. Interessante citar que os usuários ocasionais, ou seja, aqueles que não fazem uso freqüente de tais substâncias, estes se incluem na definição dos relativamente incapazes de exercer os atos da vida civil. Assim, quando fazem uso ocasional, estes se tornam incapazes, porém não estão sujeitos à curatela.
De acordo com a análise feita pelo juiz da causa é que se dirá se o indivíduo sofrerá as conseqüências d interdição, uma vez que por se tratar de uma causa que ocorre com a habitualidade, poderá haver uma gradação na perda do discernimento, o que necessariamente acarretará a incapacidade absoluta.
Nota-se que os tóxicos que a Código Civil se refere devem ser correlacionados com o diploma legal que disciplina quais substâncias estão incluídas dentro do conceito de tóxico, não podendo o juiz, por livre convencimento, decidir quais substâncias deverão ser consideradas.
3.4 – Os excepcionais sem completo desenvolvimento mental
O dispositivo legal acima mencionado faz menção aos portadores de alguma deficiência que os impedem de exercer os atos da vida civil. De forma abstrata, o Código Civil traz a terminologia “sem desenvolvimento mental completo”, a fim de generalizar mais um grupo de pessoas que se encontram na mesma situação.
Em que pese à força dos dispositivos civil, aqui se faz uma crítica ao art. 1.767, uma vez que há uma clara repetição de situações fáticas que poderiam ser condensadas em apenas um inciso, visto que vários incisos trazem os termos de deficiência mental ou desenvolvimento mental. Trata-se de mais uma imprecisão do Código Civil de 2002.
De volta ao tema, frise-se que este dispositivo legal fora originalmente pensado para os portadores de “Síndrome de Down”. Entretanto, com o objetivo de não tornar tão limitado o campo de abrangência do inciso, o legislador entendeu por incluí-los no grupo dos sem desenvolvimento mental completo.
Os excepcionais, de acordo com Carlos Roberto Gonçalves, são pessoas que nasceram com anormalidades físicas e mentais. São portadoras de problemas neuropsíquicos, os quais se revelam tanto no aspecto físico como no psíquico e sensorial, destacando-se o déficit mental. Freqüentemente ocorrem deformações que dão a aparência mongolóide ao indivíduo, como sucede com o portador de “Síndrome de Down”.
3.5 – Os pródigos.
A prodigalidade pode ser entendida como o vício de vontade, no qual a pessoa se encontra incapacitada de administrar os seus próprios bens, por não possuir o controle necessário para evitar desperdícios do seu próprio patrimônio. Em outras palavras, trata-se de um caráter pessoal, ou seja, uma condição que impede o indivíduo de por administrar o que é seu.
Interessante citar que desde os pais da filosofia, já se sabia algo sobre prodigalidade. Aristóteles[13] conceitua prodigalidade:
Em relação ao dinheiro que se dá e recebe, o meio termo é a liberalidade, e o excesso e a falta são respectivamente a prodigalidade e a avareza. Nestas ações as pessoas se excedem ou são deficientes de maneiras opostas; o pródigo se excede em gastos e é deficiente em relação aos ganhos, enquanto o avarento se excede em ganhar e é deficiente em relação aos gastos.
O clássico jurista Pontes de Miranda[14] assim define a prodigalidade:
A prodigalidade é tida pela psiquiatria como síndrome degenerativa, e muitas vezes manifestação inicial da loucura. Aliás, já assim pensavam os reinícolas, mais adiantados, nesse como em outros pontos do que muitos tratadistas recentes. Para eles, a prodigalidade era espécie de demência, ou depravação mental. Concluíam-no dos próprios atos irregulares do pródigo, atos característicos, que a manifestavam de modo inconfundível.
Nesse contexto, o Código Civil de 2002 enquadrou o pródigo como relativamente incapaz. Ocorre que, uma parcela considerável de juristas acredita que a prodigalidade nada tem correlação com a capacidade, uma vez que se trata apenas do livre arbítrio do indivíduo em aplicar os seus fundos financeiros aonde quiser.
Embora sejam opiniões consideráveis, não se admite que a esfera do direito privado, atualmente, possa, separadamente, omitir-se na busca de valores fundamentais necessários, como a proteção do homem e do seu patrimônio, valores constitucionais, mas que se aplicam ao âmbito do direito civil.
Ademais, o pródigo poderá praticar todos os atos da vida civil, salvo aqueles relacionados aos assuntos patrimoniais. Nos termos do que dispõe o art. 1.782 do CC/02: A interdição do pródigo só o privará de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração.
Desta forma, sendo confirmada a incapacidade de administrar o seu próprio patrimônio por parte do indivíduo, no qual se exige a comprovação médica por meio de perícia, surge a possibilidade jurídica de interdição judicial. Com base na perícia e nos elementos fáticos, o juiz decidirá sobre a necessidade da curatela.
3.6 – Do nascituro, do enfermo e do portador de deficiência física
Nas palavras de Silvio Rodrigues, nascituro é aquele já concebido, mas que ainda se encontra no ventre materno. A lei não lhe concede personalidade, a qual só será conferida se nascer com vida. Mas, como provavelmente nascerá com vida, o ordenamento jurídico desde logo preserva seus interesses futuros, tomando medidas para salvaguardar os direitos que, com muita probabilidade, em breve serão seus.
O art. 1.1779 considera a possibilidade de dar curador ao nascituro, em duas hipóteses: caso o pai faleça, e se a mulher estiver grávida; caso a mãe não tenha o exercício do poder familiar. Outra hipótese que traz o Código Civil é caso a mulher estiver interditada. Neste caso, privilegiando o princípio da economicidade, o CC resolveu atribuir ao nascituro o mesmo curador da sua mãe.
Assim como toda a curatela, que possui o caráter da temporalidade, da mesma forma ocorre com o nascituro. Desta forma, tendo nascido o nascituro, cessa-se o instituto da curatela. Entretanto, se a necessidade de proteção e salvaguarda do menor ainda persiste, muda-se o instituto civil, e a criança passará a ser tutelado.
Quanto à curatela do enfermo e do portador de deficiência, em positiva inovação, o Código Civil de 2002 dispôs:
Art. 1.780. A requerimento do enfermo ou portador de deficiência física, ou, na impossibilidade de fazê-lo, de qualquer das pessoas a que se refere o art. 1.768, dar-se-lhe-á curador para cuidar de todos ou alguns de seus negócios ou bens.
Sobre a inovação trazida pelo CC, Arnaldo Rizzardo[15] fala com propriedade:
Constitui uma inovação salutar, para resolver as situações em que a doença ou deficiência física dificulta ou impede a locomoção e o desempenho de atividades, especialmente se a pessoa está impossibilitada de se afastar da residência, ou é portadora de mal físico que lhe tira a disposição, como a falta de membro inferior, a cegueira, a obesidade excessiva. Se a administração dos bens requerer a constante movimentação, viagens, esforço físico, contatos com pessoas, é conveniente a curatela para a estrita finalidade. Percebe-se que o doente ou portador de deficiência física tem as faculdades mentais perfeitamente normais, não se constatando qualquer falta de discernimento.
É a denominada curatela especial, uma vez que pode ser realizada pela própria pessoa. Tal hipótese não pressupõe uma doença mental, e sim uma doença física que limite o indivíduo de exercer os seus atos civis com liberdade, o que o leva a requerer a sua própria curatela.
4. DO PROCESSO DE INTERDIÇÃO
A interdição é a ação mediante a qual priva alguém de reger a si próprio, bem como aos seus bens, por lhe faltar capacidade de fato ou plena, que é a aptidão para exercer pessoalmente os atos da vida civil. O Código de Processo Civil é o diploma legal responsável por dispor de que forma acontece o procedimento de interdição.
É por meio do contato direito da pessoa sujeita a interdição com o juiz que, este, formará sua convicção a respeito da incapacidade alegada. Trata-se de um processo judicial, o qual é considerado como sendo de jurisdição voluntária e que será processado e julgado com base nos depoimentos e provas colhidas, assim como todo procedimento judicial.
Carlos Roberto Gonçalves afirma:
A interdição tem a finalidade de retirar da pessoa a capacidade civil e a livre disposição de seus bens da vida, entendendo com o direito da personalidade, como proclamou o Tribunal de Justiça de São Paulo, devendo, para tanto, cercar-se o julgador de todos os meios de prova admitidos no ordenamento jurídico brasileiro, não se dispensando o exame pericial, na pessoa a ser interditada.
4.1 – Da legitimidade para requerer a interdição.
O artigo 1.768[16] do Código Civil dispõe sobre aqueles que possuem legitimidade para promover a ação de interdição. O rol de legitimados é taxativo, ou seja, não admite a inclusão de outras pessoas que possam promover a interdição do incapaz. Entretanto, embora seja um rol taxativo, não há ordem de preferência entre os legitimados, tendo qualquer um deles a condição de promover a respectiva ação.
Vale ainda ressaltar, que em face da decisão do Supremo Tribunal Federal, que equiparou os direitos da união estável ao casamento, no inciso que se menciona o cônjuge, deve-se entender também inserido o companheiro ou companheira, em razão dos efeitos que o instituto da união estável hoje possui.
Cumpre mencionar que os legitimados para promover a ação não serão obrigatoriamente àqueles designados para exercer a curatela, uma vez que a legitimidade diz respeito apenas ao processo de interdição. A sentença de interdição tem por objetivo a comprovação da incapacidade, bem como dar ao incapaz um curador. Ainda sim, a publicação da sentença se destina a impedir que terceiros contratem com o incapaz e tal negócio jurídico possua validade, uma vez que, a partir deste momento, haverá a presunção que a sua incapacidade é do conhecimento de todos.
Interessante inovação sobre o rol de legitimados para promover a interdição em relação ao Código Civil de 1916 é detalhada por Carlos Roberto Gonçalves[17]:
O Código Civil de 1916 conferia legitimidade a “algum parente próximo” do interditando. O novo diploma ampliou o rol de legitimados, referindo-se a qualquer parente. Pode ser, portanto, próximo ou não. Qualquer parente pode requerer a interdição de uma pessoa porque tal pedido não visa prejudicá-la, mas protegê-la. Pela mesma razão não se deve entender que o elenco das pessoas legitimadas, constante do retrotranscrito art. 1.768, seja preferencial, com o mais próximo excluindo o mais remoto.
Delimitando o campo de ação do Ministério Público quando promover a ação de interdição, CC/02, no seu art. 1.769, estabeleceu que o parquet só atuará: I – em caso de doença mental grave; II – se não existir ou não promover a interdição alguma das pessoas designadas nos incisos I e II do artigo antecedente; III – se, existindo, forem incapazes as pessoas mencionadas no inciso antecedente.
Ademais, quando o Ministério Público não figurar como parte na ação de interdição, atuará como custus legis, tendo em vista o seu múnus público para atuar nas ações em que incapaz seja parte.
4.2 – Dos legitimados para exercer a curatela.
Em referência às pessoas habilitadas ao exercício da curatela, Rolf Madaleno[18] assevera que:
Decretada a interdição, dispõe o artigo 1.775[19] do Código Civil que deverá o cônjuge ou o companheiro não separado legalmente ou de fato ser o curador do outro, quando interditado. Somente na falta do cônjuge ou do companheiro, ou sendo esses faticamente separados, será nomeado como curador legítimo o pai ou a mãe, sem nenhuma ordem de preferência e, na falta destes, o descendente mais apto.
Percebe-se que, neste dispositivo do código, há clara ordem de preferência para o exercício da curatela, e que foi atribuída ao cônjuge ou companheiro. Assim, de acordo com o artigo 1.775, na falta de um deles é que se passa ao próximo legitimado ao exercício da curatela. É bastante louvável tal previsão legal, já que para a promoção da interdição, a razão é o intuito de proteger o incapaz, assim não há que se preferir nenhuma das pessoas.
Na falta dos pais, o descendente que demonstrar estar mais apto e com maior tempo disponível para exercer o cargo, servirá como curador.
Cabe, por fim, mencionar que o juiz poderá suspender os poderes da curatela e determinar substituto para exercer tal dever, tendo em vista a segurança e administração dos bens do incapaz. Essa possibilidade se mostra necessária quando há registros de estar o curador dilapidando o patrimônio do incapaz, e não estar prestando as suas funções conforme determinado em lei.
4.2 – Da cessação da Curatela.
Tendo em vista o seu caráter de temporalidade, ou seja, a curatela só permanece enquanto durarem os motivos que a determinaram, e tendo em vista que as circunstâncias que determinam a interdição nem sempre são permanentes, o Código de Processo Civil dispõe em seu art. 1.186:
Art. 1.186. Levantar-se-á a interdição, cessando a causa que a determinou.
§ 1o O pedido de levantamento poderá ser feito pelo interditado e será apensado aos autos da interdição. O juiz nomeará perito para proceder ao exame de sanidade no interditado e após a apresentação do laudo designará audiência de instrução e julgamento.
§ 2o Acolhido o pedido, o juiz decretará o levantamento da interdição e mandará publicar a sentença, após o transito em julgado, pela imprensa local e órgão oficial por três vezes, com intervalo de 10 (dez) dias, seguindo-se a averbação no Registro de Pessoas Naturais.
Cabe salientar a afirmação de Pontes de Miranda[20] em “ser o Ministério Público igualmente legitimado para o levantamento da curatela, frente à amplitude de sua missão de proteção da pessoa contra a injusta interdição, ou pela injustiça de sua indevida continuação.”
A ação poderá ser movida pelo Ministério Público ou pelo próprio interdito no Juízo que declarou a interdição. Assim, acolhido o pedido, a sentença que interrompe o estado de interdição será averbada no Registro Civil à margem do registro de interdição.
CONCLUSÃO
O instituto da curatela é de fundamental relevância para a proteção dos incapazes absoluta e relativamente, tendo em vista que lhes falta o discernimento acerca dos atos da vida civil.
Oriundo do direito romano e já com outra estrutura, o novo Código Civil aprimorou o instituto aqui estudado, a luz do quer preconiza a Constituição Federal de 1988 e seus preceitos nela configurados. Ademais, antes visto como uma proteção patrimonial, a curatela tem também o caráter personalíssimo, uma vez que tem por objetivo a garantia de direitos fundamentais do indivíduo e de seus bens.
A curatela é o instituo jurídico de representação para maiores de 18 anos, que por deficiência mental, não tiveram o necessário discernimento para os atos da vida civil ou que, por outra causa duradoura, não puderam exprimir sua vontade. São os deficientes mentais, os excepcionais sem completo desenvolvimento mental, os viciados em tóxicos, os ébrios habituais e os pródigos.
Desta forma, é por meio do processo de interdição que visa salvaguardar a pessoa e os bens das pessoas que se encontrem em tais situações. De maneira clara, o Código lista as pessoas que possuem legitimidade para promover a interdição, que é a ação necessária para a concretização da curatela. De igual forma, o CC traz também aquelas pessoas que preferencialmente podem se tornar curadoras do incapaz.
Portanto, por meio do presente trabalho foi possível observar a importância do estudo em questão, especialmente por dizer respeito ao estado de incapacidade do indivíduo, fato que hoje merece a devida proteção do Estado, enquanto sujeito de direitos e obrigações. De igual modo, a curatela, instituto clássico no direito civil, não perdeu sua importância e ainda exerce de maneira funcional a sua finalidade, que é proteger as pessoas e os bens deste que não possuem condições de exercer os atos da vida civil.
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PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 443.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, Borsoi, vol. IX, 1955, pp. 328 e 329.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao CPC, tomo XVI, Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 403
PONTES DE MIRANDA.Tratado de direito de Família, V III, § 285, p. 273.
RIZZARDO, Arnaldo. Parte Geral do Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
[1] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana.
[2] Tratado de direito de Família, V III, § 285, p. 273.
[3] Direito de Família, p. 401
[4] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, Direito de Família, vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 400 apud MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 862.
[5] Diz-se ser a proteção a maiores via de regra, porque o próprio Código Civil, disciplina que “Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” Assim sendo, a curatela pode se dá em favor do nascituro, o que excepcionaria a regra de só ser aplicável a maiores.
[6] Caio Mário da Silva Pereira, Instituições, cit, v. 5, p. 477.
[7] Código de Processo Civil Comentado. Ed. Revista dos Tribunais: 2000, p. 400.
[8] Orlando Gomes. Direitos de Família. p. 418.
[9] Pontes de Miranda. Tratado de direito de família, v. II, § 286, p. 277.
[10] Carlos Roberto Gonçalves. Direito Civil Brasileiro, v I, p. 87.
[11] Carlos Roberto Gonçalves. Direito Civil Brasileiro, v I, p. 45
[12] Interdição. Interditanda que, embora portadora de deficiência auditiva, pode manifestar validamente sua vontade, podendo, inclusive, melhorar sua audição com a utilização de aparelho próprio. Incapacidade para a prática de atos da vida civil inexistente. (RT, 775/235)
[13] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 3ª ed. Tradução Mário da Gama Kury. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001, p. 1107.
[14] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, Borsoi, vol. IX, 1955, pp. 328 e 329.
[15] RIZZARDO, Arnaldo. Parte Geral do Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
[16] Art. 1.768. A interdição deve ser promovida:
I - pelos pais ou tutores;
II - pelo cônjuge, ou por qualquer parente;
III - pelo Ministério Público.
[17] Carlos Roberto Gonçalves. Direito Civil Brasileiro – Direito de Família.
[18] MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 879.
[19] Art. 1.775. O cônjuge ou companheiro, não separado judicialmente ou de fato, é, de direito, curador do outro, quando interdito.
§1o Na falta do cônjuge ou companheiro, é curador legítimo o pai ou a mãe; na falta destes, o descendente que se demonstrar mais apto.
§ 2o Entre os descendentes, os mais próximos precedem aos mais remotos.
§ 3o Na falta das pessoas mencionadas neste artigo, compete ao juiz a escolha do curador
[20] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao CPC, tomo XVI, Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 403
Advogado. Atuou como assessor na Defensoria Pública da União, especialmente em matérias previdenciárias e administrativa. Atualmente sou servidor público e atuo no setor das relações de trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GALDINO, Vandson dos Santos. Curatela: conceitos, características e inovações trazidas pelo Código Civil de 2002 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 mar 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38742/curatela-conceitos-caracteristicas-e-inovacoes-trazidas-pelo-codigo-civil-de-2002. Acesso em: 23 dez 2024.
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