Disciplinada pela Lei nº 7.347/85, com alterações posteriores, a Ação Civil Pública é a via processual que o direito brasileiro nos coloca à disposição, com o fito de impedir ou reprimir danos a bens e interesses coletivos, não só stricto sensu (direitos transindividuais difusos e homogêneos), mas também em seu sentido amplo. Ela pode ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer (art. 3º).
“Até há pouco, entendíamos que quando se falava em ação civil pública se queria em verdade referir ao problema da legitimação, e não ao do direito substancial discutido em juízo. Ação Civil Pública, então, era aquela que tinha como titular ativo uma parte pública – o Ministério Público”[1]. Com a edição da Lei nº 7.347/85, contudo, a legitimidade para promover a ação civil pública passou a ser não só do Ministério Público, mas também da Defensoria Pública, da União, Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias, empresas públicas, fundações, e sociedades de economia mista, bem como de associações constituídas há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil e que incluam entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (art. 5º). Quanto às associações, entretanto, a própria lei abre uma exceção especial, ao dispor que o requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz quando houver manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido. Outrossim, é perfeitamente possível a formação de litisconsórcio entre os legitimados.
Nesse contexto, portanto, o termo “pública” do nomen juris ação civil pública findou por mudar de perspectiva, passando a traduzir não mais a legitimidade exclusiva do Parquet, mas sim a natureza do objeto da ação: a tutela de um interesse eminentemente público.
Dada a própria essência da ação civil pública, pode-se dizer que ela consagra uma série de princípios, tais como o acesso à justiça, a universalidade da jurisdição, a economia processual, o ativismo judicial (de inspiração norte-americana, onde o juiz tem mais poder de coerção para tutelar direitos), a ampla divulgação da demanda, a primazia da tutela coletiva sobre a individual, e, obviamente, o princípio do devido processo legal, este último de presença obrigatória em um autêntico Estado Democrático de Direito.
As hipóteses em que a ação civil pública é a via processual adequada estão elencadas desde logo, no art. 1º da Lei nº 7.347/85, que versa ser cabível a ação civil pública para apurar a responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, bem como ainda por qualquer infração à ordem econômica, à economia popular e à ordem urbanística.
O parágrafo único desse mesmo artigo, acrescentado pela MP nº 2.180-35/2001, por outro lado, reza que não é cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados.
Quanto às pretensões tributárias, é valido ressaltar que, pouquíssimo tempo antes do advento da referida MP nº 2.180-35/2001, João Batista de Almeida já anunciava a modificação de entendimento acerca da questão, ao escrever, à época: “até recentemente, em sede doutrinária, salvo alguns pronunciamentos isolados em sentido contrário, sempre se entendeu haver adequação para promover ação civil pública na defesa de contribuintes, tema que envolve, portanto, matéria tributária. Na área judiciária, no entanto, nem sempre isso esteve pacificado. Os tribunais ora entendiam haver tal adequação e legitimação, ora têm sido negadas a legitimação ao órgão ministerial e a adequação da via processual – e esse tem sido o entendimento predominante nos últimos tempos”[2]. O que veio de uma crescente construção doutrinária e jurisprudencial, pois, findou por ser inserido no texto da Lei.
Na ação civil pública, o Ministério Público tanto funciona como custus legis, como também lhe é conferida legitimidade para propor a demanda, conforme mencionado anteriormente. A Lei, inclusive, abre a possibilidade de figurarem no pólo ativo, em litisconsórcio, Ministérios Públicos Estaduais e Federais.
Interessante notar, a propósito, que a Lei nº 7.347/85, em seu art. 5º, parágrafo 6º, versa que o Parquet pode tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial (art. 585, II, CPC). Assim sendo, é de se ver que, com o TAC, o MP conta com um ótimo instrumento de conciliação e composição extrajudicial para evitar a ação civil pública, colaborando, dentre outras vantagens, para o encontro de uma solução mais célere para a questão, e evitando, obviamente, a propositura de demandas desnecessárias perante o Judiciário.
A Lei admite, ainda, que em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado possa assumir a titularidade ativa da demanda.
É perfeitamente possível deferir liminar em sede de ação civil pública, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo (art. 12). Podem-se cominar até mesmo multas liminarmente, as quais, no entanto, só poderão ser exigidas após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, retroagindo ao dia em que se dera o descumprimento. Também se revelam igualmente cabíveis as medidas cautelares.
É competente para processar e julgar a ação civil pública o foro do local onde ocorrer o dano, segundo dispõe o art. 2º. Essa determinação, todavia, enfrenta algumas dificuldades de aplicação quando se está diante do chamado dano regional. Seria o caso, por exemplo, de uma ação civil pública em que se discutisse a suposta responsabilidade de uma determinada multinacional pela poluição provocada no Rio São Francisco: impossível falar-se aí, portanto, em um único foro competente para o processamento do feito, tendo em vista que o dano abrangeria todas ou várias localidades banhadas pelo referido rio. Na prática, vem sendo utilizado o artigo 93, II, do Código de Defesa do Consumidor, por analogia.
Consoante determinado no parágrafo único do art. 2º, a propositura da ação civil pública previne a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto.
O art. 16 da Lei, com redação determinada pela Lei nº 9.494/97, dispõe que a sentença civil faz coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.
Esse dispositivo vem sendo bastante criticado pela doutrina, face às incongruências que é capaz de provocar, posto que, ao delimitar os efeitos da coisa julgada aos limites da competência do órgão prolator, olvida-se o legislador de atentar para o fato de que, via de regra, a ação civil pública envolve interesses e direitos que, sendo coletivos, inevitavelmente ultrapassam fronteiras. Nesse contexto, Pedro Lenza, muito oportunamente, observa que “Gidi, antes mesmo do advento da Lei 9.494/97, fixou, com propriedade, a natural amplitude da decisão proferida em ação civil pública: assim, se através de uma ação coletiva uma publicidade for considerada enganosa (violação de um direito difuso) por um juiz de direito em Florianópolis, este deve condenar a empresa a retirá-lo do ar em todo o território nacional. Se determinada empresa de previdência privada (planos de saúde) deixa ilegalmente de oferecer determinado serviço a seus associados (violação de direito coletivo), a sentença que condená-la deve favorecer a todos os associados, independentemente de onde sejam domiciliados. Nery Jr. e Nery, no mesmo sentido, observam: confundir jurisdição e competência com limites subjetivos da coisa julgada é, no mínimo, desconhecer a ciência do direito”[3].
REFERÊNCIAS:
ALMEIDA, João Batista. Conceito, Adequação, Confronto e Bens tutelados. In: Aspectos controvertidos da ação civil pública: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
LENZA, Pedro. Modo-de-ser do processo. In: Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. O conteúdo do nomen juris – Ação civil pública. In: Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores (Lei 7.347/85 e legislação complementar). São Paulo: Revista dos Tribunais, 9ª ed., 2004.
[1] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. O conteúdo do nomen juris – Ação civil pública. In: Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores (Lei 7.347/85 e legislação complementar). São Paulo: Revista dos Tribunais, 9ª ed., 2004, p. 20.
[2] ALMEIDA, João Batista. Conceito, Adequação, Confronto e Bens tutelados. In: Aspectos controvertidos da ação civil pública: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 68.
[3] LENZA, Pedro. Modo-de-ser do processo. In: Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 273.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARROS, Larissa Suassuna Carvalho. A Ação Civil Pública e seus principais aspectos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 mar 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38763/a-acao-civil-publica-e-seus-principais-aspectos. Acesso em: 23 dez 2024.
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