O presente artigo tem por finalidade introduzir a questão da responsabilidade civil extracontratual do Estado e expor brevemente a evolução das teorias relacionadas, trazendo, ao final, alguns julgados relevantes.
Não se confunde a responsabilidade civil do Estado com a responsabilidade penal, civil e administrativa do agente público, que não será aqui tratada.
Segundo Maria Sylvia Zanella DI PIETRO (p. 617), falar em “responsabilidade civil da Administração Pública” é errado, pois a Administração Pública não tem personalidade jurídica, pelo que o correto é referir-se à “responsabilidade civil do Estado”.
A autora define a responsabilidade extracontratual do Estado como “a obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos” (p. 618).
Definição semelhante é conferida por Celso Antônio Bandeira de MELLO (p. 993): “entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos”.
A responsabilidade extracontratual do Estado passou por várias fases evolutivas até o atual estágio.
Inicialmente, na concepção absolutista do Estado, vigorou a irresponsabilidade, pois era inadmissível que o Estado se submetesse à lei. Recorda Celso Antônio Bandeira de MELLO (p. 1.001) que a irresponsabilidade era sintetizada pela fórmula “le roi ne peut mal faire”, acompanhada da versão inglesa “the King can do no wrong”, ambas significando que o rei não pode errar.
Em seguida, vieram as teorias civilistas, inicialmente calcadas na diferença entre atos de império e atos de gestão, e, depois, fundadas na culpa ou responsabilidade subjetiva, que serviu de inspiração ao art. 15 do Código Civil de 1916: “as pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem dano a terceiros procedendo de modo contrário ao direito ou faltando o dever prescrito por lei (...)”. Era exigida a demonstração da culpa.
Nesse contexto, a culpa individual era a única modalidade que ensejava a responsabilização estatal.
Na sequência, apareceram a teorias publicistas da responsabilidade civil do Estado, tendo por marco o famoso caso Blanco, em que os pais de uma menina atropelada por um caminhão de uma empresa pública francesa acionaram o Estado em busca de indenização (DI PIETRO, p. 620).
A consagração da teoria do órgão - o Estado em si, por não ter vontade própria como os seres vivos, age por meio de seus agentes, seus “órgãos”, razão pela qual a manifestação dos agentes é a vontade do próprio Estado – permitiu a evolução para se admitir, além da culpa individual, a culpa anônima ou culpa do serviço como elemento da responsabilidade estatal (DI PIETRO, p. 621).
Configura-se a culpa do serviço (“faute du service”) quando um serviço público não funciona (ausência), funcional mal (deficiência) ou funciona atrasado (atraso), hipóteses a que Celso Antônio Bandeira de MELLO (p. 1.002) denomina “tríplice modalidade” da culpa do serviço.
Por fim, chegou-se à responsabilidade objetiva do Estado, que não depende de culpa individual do agente nem de culpa do serviço. Diz Sergio CAVALIERI FILHO (p. 239)
“Chegou-se a essa posição com base nos princípios da equidade e da igualdade de ônus e encargos sociais. Se a atividade administrativa do Estado é exercida em prol da coletividade, se traz benefícios para todos, justo é, também, que todos respondam pelos seus ônus, a serem custeados pelos impostos. O que não tem sentido, nem amparo jurídico, é fazer com que um ou apenas alguns administrados sofram todas as conseqüências danosas da atividade administrativa.”
Assim como os benefícios da atuação estatal são repartidos por todos, os prejuízos sofridos por alguns também devem ser repartidos. Daí falar-se em “risco” para a ameaça potencial de dano que a atividade estatal carrega por sua própria natureza, e em “teoria do risco” para a aplicação da responsabilidade objetiva à referida atividade estatal.
Dessarte, o Estado responde inclusive por atos lícitos, portanto, se eles causarem a determinadas pessoas um gravame maior do que à coletividade.
Sergio CAVALIERI FILHO (p. 240) registra que a teoria do risco se desdobra em duas vertentes: o risco integral e o risco administrativo.
A teoria do risco integral é modalidade extrema, em que nenhuma razão retira a responsabilidade estatal. O Estado está sempre obrigado a reparar o dano do particular, ainda que não decorrente de sua atividade. No direito brasileiro, é adotada nos casos de acidentes nucleares, acidente de trabalho e dano ambiental.
A teoria do risco administrativo permite ao Estado afastar a responsabilidade quando o nexo causal estiver comprometido por fato exclusivo da vítima, fato exclusivo de terceiro, caso fortuito ou força maior.
Na definição de Maria Sylvia Zanella DI PIETRO, caso fortuito é o dano decorrente de ato humano imprevisível e de conseqüências inevitáveis (p. 625). Força maior ocorre por conta de um evento natural, também imprevisível e de conseqüências inevitáveis, como um terremoto (p. 624). Quanto à culpa da vítima, ela só exime a responsabilidade estatal se causa exclusiva do evento; se concorrente com culpa do poder público, a responsabilidade do Estado fica atenuada (CC, art. 945).
Maria Sylvia Zanella DI PIETRO traz à tona que parte da doutrina não diferencia o risco administrativo do risco integral, e que a divergência é mais terminológica:
“Todos parecem concordar em que se trata de responsabilidade objetiva, que implica averiguar se o dano teve como causa o funcionamento de um serviço público, sem interessar se foi regular ou não. Todos também parecem concordar em que algumas circunstâncias excluem ou diminuem a responsabilidade do Estado” (p. 622).
A responsabilidade objetiva do Estado, pela teoria do risco administrativo, e a responsabilidade subjetiva do agente foram acolhidas pela atual ordem constitucional, no art. 37, § 6o: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
A Constituição utiliza o vocábulo “agente” no sentido genérico de todo aquele incumbido da realização de algum serviço público, em caráter permanente ou transitório. Ainda, “terceiros” indica alguém com quem o Estado não tem vínculo jurídico preexistente, o que significa que se trata de responsabilidade extracontratual, e não contratual.
São requisitos para a configuração da responsabilidade objetiva do Estado: a ocorrência de um dano; uma ação ou omissão do poder público; existência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão; e a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal.
O texto constitucional exclui as entidades da administração indireta (sociedades de economia mista e empresas públicas) que exerçam atividade econômica de natureza privada (DI PIETRO, p. 624).
Em conclusão, tem-se que a responsabilidade extracontratual do Estado, que é a obrigação de reparar os danos causados por comportamentos comissivos ou omissivos, lícitos ou ilícitos, viu serem construídas cronologicamente várias teorias: irresponsabilidade estatal, culpa individual, culpa do serviço, risco administrativo, risco integral. Hoje, à exceção da doutrina da irresponsabilidade, coexistem as demais modalidades, aplicadas dependendo do caso concreto.
A seguir, alguns julgados sobre o tema:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19a ed. São Paulo: Atlas, 2006.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Rodrigo Bezerra. Síntese sobre a evolução da responsabilidade civil extracontratual do Estado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 abr 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38871/sintese-sobre-a-evolucao-da-responsabilidade-civil-extracontratual-do-estado. Acesso em: 01 out 2024.
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