O presente trabalho discute a definição do marco inicial para a contagem do prazo de validade de concurso público em face de mudanças no resultado final efetivadas após a homologação pela autoridade competente. Antes, para efeito de contextualização, excursiona-se com brevidade na ideologia subjacente à adoção do concurso como meio de seleção de agentes públicos.
Georg Jellinek, jurista alemão, desenvolveu uma classificação muito difundida sobre os modos de relação entre o cidadão e o Estado (SILVA, p. 98-99). Sua teoria diferencia quatro “status”: o passivo, caracterizado pela sujeição do indivíduo ao poder do Estado e subordinação a suas medidas; o negativo, pelo qual o particular tem direito de exigir uma abstenção estatal, ou seja, de impedir que sua esfera jurídica seja diminuída; o positivo, configurado pelo direito de exigir do Estado uma prestação, uma atuação positiva; e o ativo, concretizado pela participação do indivíduo na vida estatal e na tomada de decisões.
A inserção do indivíduo no quadro de servidores estatais implica a assunção do “status” ativo proposto por Jellinek. Ao atuar como agente estatal, o servidor se confunde com o próprio Estado, ou seja, ele “é” o Estado personificado (teoria do órgão), e em sua vida funcional toma decisões que influenciam na construção da realidade social.
Assim ocorre no atual modelo de Estado Democrático de Direito, preconizado por nossa Constituição (art. 1º, caput). A democracia se exerce em várias facetas, e uma delas é a atuação dos indivíduos como agentes do Estado.
Ocorre que os cargos públicos, em regra, são em menor quantidade que o número de interessados. Nesse ponto, é preciso invocar o princípio da isonomia, presente no caput do art. 5º da Constituição, além do princípio da impessoalidade, constante do caput do art. 37, direcionado para a Administração Pública.
Da conjugação desses princípios decorre que a oportunidade de ocupar um cargo público precisa ser oferecida em iguais condições a todos os indivíduos que preencham os requisitos para o cargo. A consequência está no inciso II do art. 37 da Constituição, que institui o concurso público como modo de seleção dos interessados:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
(..)
Entre as inúmeras questões jurídicas que se apresentam a respeito do tema concursos públicos está a contagem do prazo de validade quando o resultado final do certame sofre alteração.
O inciso III do art. 37 da Constituição informa que “o prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável uma vez, por igual período”. A disposição é repetida no caput do art. 12 da Lei n. 8.112/90.
O período de prorrogação deve ser igual ao inicialmente firmado, ainda que inferior a dois anos, como ensina José dos Santos CARVALHO FILHO (p. 691):
“É preciso interpretar bem a referida norma, pois que a expressão igual período andou suscitando alguma divergência. Se o concurso foi programado para ter prazo de validade por dois anos, a prorrogação será de dois anos. Entretanto, se o prazo inicial fixado for de um ano, por exemplo, o prazo de prorrogação será também de um ano. Em outras palavras, a expressão igual período significa que o prazo da prorrogação tem que ser igual ao prazo inicialmente projetado para o concurso.”
Fernanda MARINELA (p. 605) lembra que a decisão de prorrogar é matéria de mérito administrativo, e deve ser “tomada antes de vencer o primeiro período, pois é impossível prorrogar algo que já não existe mais”.
O edital do concurso público é o instrumento que dita as regras específicas de sua realização, complementando as condicionantes constitucionais e legais.
Em se tratando da acessibilidade de servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, o §1º do art. 12 da Lei n. 8.112/90 impõe ao edital fixar “o prazo de validade do concurso e as condições de sua realização”.
Por sua vez, o Dec. n. 6.944/09, que traz normas gerais relativas a concursos públicos no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, estipula, no caput do art. 16, que a entidade “homologará e publicará no Diário Oficial da União a relação dos candidatos aprovados no certame”. Assim, o ato de homologação estabiliza o resultado final e encerra o procedimento do concurso, e a publicação do ato na imprensa oficial lhe confere eficácia plena.
O início da contagem do prazo de validade do concurso se dá com o ato de homologação. Cabe agora analisar se mudanças no resultado final em razão de ordens judiciais interferem na contagem.
A jurisprudência oscila. O Superior Tribunal de Justiça, no RMS 17055, entendeu, em 2004, que o provimento judicial teria força de tornar sem efeito homologação anterior, reabrindo o prazo de validade do concurso. Transcreve-se trecho do voto do relator Ministro José Arnaldo da Fonseca:
Conforme já salientado, o decisum extinguiu o feito sem julgamento do mérito, afirmando a ocorrência da decadência, considerando a data do término do prazo de validade do referido concurso (16.02.98), já que fora homologado em 16.02.96 (fl. 227).
O cerne do presente inconformismo está na alegação de que não haveria falar-se em decadência na espécie, pois a homologação publicada em 16.02.96 teria sido tornada sem efeito em razão do provimento judicial que anulara a pontuação prevista no item 3.12 do Edital nº 01/95 e determinou a realização da nova classificação dos concursados sem a referida pontuação, devendo ser considerado o novo prazo a partir da publicação da re-ratificação da ordem de classificação final, o que se deu em 11.04.2001.
Merece amparo o apelo.
(Órgão julgador: Quinta Turma; julgamento: 23/06/2004; publicação: DJ 30/08/2004, p. 309)
Por outro lado, o mesmo STJ, em julgado bem mais recente (RMS 32109), decidiu que a alteração do resultado do concurso em virtude de provimento judicial não altera o início da contagem da validade do certame. Leiam-se excertos relevantes do voto do relator Ministro Humberto Martins:
DA REGULARIDADE DA MODIFICAÇÃO POR DETERMINAÇÃO JUDICIAL - IMPRESTÁVEL PARA RENOVAÇÃO DA VALIDADE.
Como pôde ser visto, todas as homologações estão relacionadas com decisões judiciais. Aliás, para ficar evidente e límpido. Tal conclusão é anuída na petição recursal do RMS 32.097/DF. Cito (e-STJ, fl. 413):
"Das decisões judiciais que provocam a reabertura do prazo de validade.
(...)
Cite-se como exemplo a decisão do STJ, que, ao julgar, o REsp nº 174.291, anulou as questões 1 e 10 da prova de contabilidade, determinou a atribuição dos pontos a todos os candidatos e não somente ao recorrente, provocando a aprovação e conseqüente nomeação de mais 35 candidatos.
Num concurso com previsão para 150 vagas, a inserção de mais 35 candidatos, provocada pelo REsp 174.291, provocou uma reviravolta na ordem classificatória do concurso, tal que novo resultado final teve que ser homologado."
Logo, as alterações pretéritas foram relacionadas com decisões judiciais, o que não renova a validade do certame.
(...)
De certo, cabe indicar que a primeira quaestio iuris a ser dirimida é: as alterações supervenientes - em decorrência de decisões judiciais - podem ser consideradas como homologações para renovar validade de certame?
Tenho que tal tese não pode prosperar.
O raciocínio central é que inexiste ofensa ao ordenamento jurídico no cumprimento de decisão judicial. No tema dos concursos públicos, ele é trazido a lume jurisprudencial pela concepção de que não cabe aludir preterição se a Administração Pública tão somente acatou determinação do Judiciário:
(...)
As modificações em decorrências de decisões judiciais não configuram novas homologações. Na mesma linha de raciocínio, não há como prosperar a tese de que o concurso teve sua validade renovada, ao contrário do que estava disposto no Edital, bem como em dissonância do que está insculpido no art. 37, III, da Constituição Federal.
(Órgão julgador: Segunda Turma; Julgamento: 05/06/2012, publicação: DJe 21/08/2012)
As ordens judiciais que determinam a retificação do resultado final costumam ser decorrentes de casos isolados, e a retificação do resultado em si é reflexo, em regra, da admissão de exames médicos ou da atribuição de pontos a algum candidato, sem relação com o mérito do concurso propriamente dito.
Tais retificações, como decorrentes de casos pontuais, não cuidam de revogar, anular ou de outro modo desfazer a homologação do concurso. Assim, não se justifica, por critério de razoabilidade, reiniciar a contagem do prazo de validade do certame.
Caso se entendesse que qualquer mudança no resultado final implicaria novo início da contagem do tempo de validade, poder-se-ia alegar, reductio ad absurdum, que o concurso nunca expiraria caso seguidas decisões judiciais determinassem a alteração da pontuação de candidatos.
Tal conclusão tornaria o resultado – e consequentemente o tempo de validade – do concurso condicional, sempre dependente da intervenção do Poder Judiciário.
Assim, a medida de restringir alteração na data de início da validade do concurso atende ao princípio da segurança jurídica (caput do art. 5º da Constituição e caput do art. 2º da Lei n. 9.784/99).
Acatar a retificação como meio de interromper a contagem do prazo do certame, ademais, significaria fraude ao inciso III do art. 37 da Constituição e à disposição do edital que estipula a validade do concurso, pois, por via oblíqua, a validade do concurso seria prolongada para além do prazo estipulado.
Lembra-se que o princípio da legalidade, quando tem por destinatário o Poder Público (caput do art. 37 da Constituição), limita o gestor a agir quando e da forma que a lei determinar. A situação em análise não trata de questão discricionária, relativa a atos de gestão, situação em que o Administrador pode decidir de acordo com juízo de conveniência e oportunidade, mas de questão de legalidade.
Caberia argumentar que a retificação da homologação e o adiamento do final da validade do concurso não prejudicariam direitos de terceiros. Entendo que a afirmação é parcialmente verdadeira, pois há prejuízo para aqueles que desejam concorrer aos cargos públicos em um futuro concurso.
De qualquer forma, ainda que se considere a retificação vantajosa para os candidatos aprovados fora do número de vagas, ou até para a própria entidade pública, que ganharia tempo para suprir eventuais exonerações, há prejuízo ao regramento editalício e à ordem jurídica constitucional, cuja manutenção é dever primeiro do Administrador.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 4ª ed. Niterói: Impetus, 2010.
SILVA, Paulo Thadeu Gomes da. Direitos fundamentais: contribuição para uma teoria geral. São Paulo: Atlas, 2010.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Rodrigo Bezerra. Contagem do prazo de validade de concurso público no caso de retificação do resultado final Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 abr 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38941/contagem-do-prazo-de-validade-de-concurso-publico-no-caso-de-retificacao-do-resultado-final. Acesso em: 24 abr 2025.
Por: Ursula de Souza Van-erven
Por: André dos Santos Luz
Por: Jorge Henrique Sousa Frota
Por: Jorge Henrique Sousa Frota
Por: Jorge Henrique Sousa Frota
Precisa estar logado para fazer comentários.