RESUMO: Num breve gotejo histórico, buscamos analisar os avanços acerca do instituto do assédio sexual e a atividade legislativa sobre a matéria, a partir do advento da Constituição da República de 1988 e da assinatura da “Convenção de Belém do Pará”, para revisitarmos disposições legais e jurisprudenciais capazes de dar efetividade a Declaração de Direitos Humanos de 1948, através de uma ação positiva que visa rever o instituto da dignidade humana para conferir-lhe à mulher, como condição indispensável não somente ao seu desenvolvimento e igualitária participação nas esferas da vida, mas como contribuição a todos os setores da sociedade.
Palavras-chave: Assédio Sexual, “Convenção de Belém do Pará”, Dignidiade Humana e Mulher.
1 INTRODUC?A?O
A presente pesquisa tem como função precípua realizar uma brevíssima análise do instituto do assédio sexual, tendo como guia à Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra mulher, também denominada “Convenção de Belém do Pará”, dos casos em que houve manifestação do Supremo Tribunal Federal (STF) envolvendo a matéria e daqueles outros analisados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) admitidos no ano de 2013, no âmbito da República Federativa do Brasil.
Os dados analisados foram obtidos mediante consulta direta aos sites das instituições do STF e da CIDH-OEA, pela busca do termo aspeado “Assédio Sexual” e gotejo das informações obtidas.
A importância do estudo, remeter-nos-à à identificação dos dados relevantes acerca da matéria, de sua manifestação pré-”Convenção de Belém do Pará” e Constituição da República, bem como pela verificação dos passos à vista da sua concreção efetiva na seara dos direitos e garantias fundamentais das mulheres, mas também dos homens, insculpindo-se o postulado da dignidade da pessoa humana sem as condicionantes de gênero ou constatando-se ser tal requisito “conditio sine qua non” para o gozo de tal benesse.
2 O ASSÉDIO SEXUAL À LUZ DA “CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ”, DA JURISPRUDÊNCIA DO STF E DOS CASOS ANALISADOS PELA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (CIDH), EM 2013
2.1 A TIPIFICAÇÃO DO ASSÉDIO SEXUAL A PARTIR DA “CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ E DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988
Guiados pela Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher ou também conhecida por “Convenção de Belém do Pará”, datada de 9 de junho de 1994, traçamos uma brevíssima análise do desenvolvimento histórico das medidas de proteção em favor das mulheres para adentrarmos ao tema do assédio sexual, que embora não tenha as mesmas como exclusivas vítimas, são suas principais tuteladas, em face do estado de vulnerabilidade sócio-cultural que se alocam.
A referida convenção alicerça-se na Declaração dos Direitos Humanos de 1948, para assertir que “a violência contra mulher constitui violação dos direitos humanos e liberdades fundamentais” e, em face disso, constitui óbice ao exercício de tais liberdades por parte das mulheres.
Nesse sentido, a violência contra a mulher, por consequencia lógica, põe em cheque as disposições sedimentadas na Declaração dos Direitos Humanos de 1948 e evidenciam infrações à dignidade humana das mulheres, como manifestação das desigualdades históricas baseadas no tratamento dicotômico entre seres da mesma espécie, distintos apenas biologicamente sob os gêneros masculino e feminino.
Outro aspecto a se sobressaltar, que também foi objeto de relevo na descrição das intenções que originaram a convenção internacional, foi o fato de a violência contra a mulher não afetar apenas partes integrantes da sociedade, no caso as mulheres, especificamente, no entanto todos os setores sociais e, de modo direto, às próprias bases da sociedade em geral.
Daí a necessidade de eliminação e combate à violência contra a mulher, para garantir a veracidade das declarações consentidas em 1948, assegurar a participação e desenvolvimento igualitário nas esferas da vida individual e social e por fim ratificar as cláusulas outrora consentidas, garantido-se sua inviolabilidade e aplicação isonômica a todo ser humano, pelo simples fato de sua existência e não por suas condições étnicas, raciais, intelectuais, morais ou de gênero.
Observe que em análise apurada, tratar a referida convenção como premissa para o estudo do fenômeno do assédio sexual, não visa delimitar sua tutela para as mulheres, todavia evidenciar que sua origem advém da condição de inferioridade que esta detinha no seio da sociedade e que contemporaneamente evoluiu negativamente para abranger também a violência entre seres do mesmo sexo e até mesmo a violência praticada pelas mulheres em face dos homens.
Assim, nos artigos 1? e 2? da referida convenção, esculpiu-se que por violência contra a mulher entender-se-á qualquer ato ou conduta baseada no gênero, tanto na esfera pública, quanto na privada e que abrange a violência física, sexual e psicológica ocorrida no âmbito da família, da comunidade (trabalho), perpetrada ou tolerada pelo Estado e seus agentes.
Na Constituição da República tal direito já encontrava ressonância nos artigos 1?, III, que expressou ter a República Federativa Brasileira como um de seus fundamentos o respeito a dignidade da pessoa humana, cujos objetivos são a promoção do bem de todos, sem preconceitos ou quaisquer formas de discriminação e cujo corolário é o princípio da isonomia entre homens e mulheres, estrangeiros e brasileiros, conforme lemos expressamente no art. 5?, l, da Carta Magna.
A partir desta explicitação da isonomia dos direitos e deveres entre homens e mulheres, nos termos da Constituição, podemos concluir pela inexistência de brechas habéis a causar interpretações equivocadas ou restritivas dos direitos destas em relação daqueles.
E neste contexto, editou-se a Lei n? 10.224/2001, dispondo sobre o crime de assédio sexual, para inclusive tipificá-lo legalmente no art. 216-A do Código Penal Brasileiro, nos seguintes termos:
"Art. 216-A. Constranger algue?m com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condic?a?o de superior hiera?rquico ou ascende?ncia inerentes ao exerci?cio de emprego, cargo ou func?a?o."
Observamos que se o objetivo do legislador pátrio fosse restringir o tipo penal para apenas tutelar o direito das mulheres, este assim o teria feito, ao passo que utilizou o verbo no infinitivo para ampliar o rol de pessoas tuteladas pela norma, garantindo a isonomia constitucionalmente asseguradas aos cidadãos e possibilitando a efetivação a que o Estado se comprometerá perante os organismos internacionais.
Por fim, ainda registramos que inobistante a proteção contra a violência sexual contra a mulher tenha sido conferida pelo texto magno, este ainda passou a assegurar a proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, no art. 225, isto é, salvaguardando por esta garantia o direito ao ambiente de trabalho seguro em face da sua essencialidade à “sadia qualidade de vida”.
2.2 MANISFESTAÇÕES INFRALEGAIS REFEXAS DO INSTITUTO DO ASSÉDIO SEXUAL
Na legislação trabalhista, apesar de não haver previsão específica, a tutela oferecida pode ser amparada nas alíneas b, h, j, k, do art. 482 e alíneas a, e, f, do art. 483, ambos da CLT:
“Art. 482 - Constituem justa causa para rescisa?o do contrato de trabalho pelo empregador:
(…)
b) incontine?ncia de conduta ou mau procedimento;
(...)
h) ato de indisciplina ou de insubordinac?a?o;
(...)
j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no servic?o contra qualquer pessoa, ou ofensas fi?sicas, nas mesmas condic?o?es, salvo em caso de legi?tima defesa, pro?pria ou de outrem;
k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas fi?sicas praticadas contra o empregador e superiores hiera?rquicos, salvo em caso de legi?tima defesa, pro?pria ou de outrem; (...)”
“Art. 483 - O empregado podera? considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenizac?a?o quando:
a) forem exigidos servic?os superiores a?s suas forc?as, defesos por lei, contra?rios aos bons costumes, ou alheios ao contrato;
(...)
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua fami?lia, ato lesivo da honra e boa fama;
f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legi?tima defesa, pro?pria ou de outrem; (...)”
Na legislação federal, também, encontramos dispositivos que igualmente se amoldam a novel instituição, senão vejamos o que dispõe os artigos 116, 128 e 132 da lei n? 8.112/1990:
“Art. 116. Sa?o deveres do servidor:
(...)
IX - manter conduta compati?vel com a moralidade administrativa;
(...)
XI - tratar com urbanidade as pessoas;
(...).”
“Art. 117. Ao servidor e? proibido:
(...)
IX - valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da func?a?o pu?blica.
(...).”
“Art. 127. Sa?o penalidades disciplinares:
I - adverte?ncia;
II - suspensa?o;
III - demissa?o;
IV - cassac?a?o de aposentadoria ou disponibilidade;
V - destituic?a?o de cargo em comissa?o;
VI - destituic?a?o de func?a?o comissionada.”
“Art. 128. Na aplicac?a?o das penalidades sera?o consideradas a natureza e a gravidade da infrac?a?o cometida, os danos que dela provierem para o servic?o pu?blico, as circunsta?ncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais. Para?grafo u?nico. O ato de imposic?a?o da penalidade mencionara? sempre o fundamento legal e a causa da sanc?a?o disciplinar.”
“Art. 132. A demissa?o sera? aplicada nos seguintes casos:
(...)
V - incontine?ncia pu?blica e conduta escandalosa, na repartic?a?o;”
Outrossim, salientamos a desnecessidade de tipificação da conduta do âmbito legislativo pátrio, seja por já conter disposições a que facilmente podem amoldar-se a tutela pretendida, seja pela previsão estatuída na própria constituição da república nos parágrafos 2? e 3? do artigo 5? e como já dito acima, o artigo 225, que dispõem:
Ҥ 2? - Os direitos e garantias expressos nesta Constituic?a?o na?o excluem outros decorrentes do regime e dos princi?pios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a Repu?blica Federativa do Brasil seja parte.
§ 3? Os tratados e convenc?o?es internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por tre?s quintos dos votos dos respectivos membros, sera?o equivalentes a?s emendas constitucionais.”
Junte-se a isto, o entendimento consolidado no Supremo Tribunal Federal, de que os tratados internacionais que versem sobre direitos humanos quando não aprovados em quorum equivalente às emendas constitucionais, ingressam no ordenamento jurídico nacional com status de norma supralegal, estando abaixo da Constituição e acima da legislação interna, mas de qualquer modo, integrando o sistema jurídico nacional e inclusive revogando leis infraconstitucionais que se encontrem em conflito, senão vejamos:
PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO INCISO LXVII DO ART. 5O DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988. POSIÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.
Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n° 911/69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002). ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. DECRETO-LEI N° 911/69. EQUIPAÇÃO DO DEVEDOR-FIDUCIANTE AO DEPOSITÁRIO. PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR-FIDUCIANTE EM FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. A prisão civil do devedor-fiduciante no âmbito do contrato de alienação fiduciária em garantia viola o princípio da proporcionalidade, visto que: a) o ordenamento jurídico prevê outros meios processuais-executórios postos à disposição do credor-fiduciário para a garantia do crédito, de forma que a prisão civil, como medida extrema de coerção do devedor inadimplente, não passa no exame da proporcionalidade como proibição de excesso, em sua tríplice configuração: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito; e b) o Decreto-Lei n° 911/69, ao instituir uma ficção jurídica, equiparando o devedor-fiduciante ao depositário, para todos os efeitos previstos nas leis civis e penais, criou uma figura atípica de depósito, transbordando os limites do conteúdo semântico da expressão "depositário infiel" insculpida no art. 5º, inciso LXVII, da Constituição e, dessa forma, desfigurando o instituto do depósito em sua conformação constitucional, o que perfaz a violação ao princípio da reserva legal proporcional. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
(RE 349703, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 03/12/2008, DJe-104 DIVULG 04-06-2009 PUBLIC 05-06-2009 EMENT VOL-02363-04 PP-00675)
2.3 JURISPRUDÊNCIA DO STF EM MATÉRIA DE ASSÉDIO SEXUAL
A par do entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca do status constitucional das normas de direitos humanos estreantes no ordenamento nacional, selecionamos algumas manifestações do Supremo em matéria de assédio sexual, para analisar: a) se há alguma linha de posicionamento específica; b) quais os argumentos que vem sendo acolhidos pela E. Corte; bem como c) se às normas constitucionais estão sendo alinhadas a tais disposições.
Assim, pesquisados os julgados e utilizando como metodologia de filtro possuírem a expressão “Assédio Sexual”, no âmbito do STF foram obtidas 10 (dez) decisões, dentre as quais a Suprema Corte, apenas pronunciou-se efetivamente em questões meritórias em 2 (duas) delas para, respectivamente, afastar o pedido de medida liminar do MS impetrado por um membro do TJGO contra decisão do plenário do CNJ que instaurou PAD contra o impetrante para averiguação de conduta incompatível com a magistratura pela prática de um suposto assédio sexual a uma parte de um processo que estava sob sua presidência e 2 (dois) inquéritos reafirmando que para o recebimento de queixa-crime, nos casos de crime de assédio sexual, seriam necessários a indicação de elementos mínimos de prova ou indícios da ocorrência dos fatos, para evitar a instauração de ações penais temerárias, conforme podemos analisar a seguir:
Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado por Hélio Maurício de Amorim, membro do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás TJ/GO, contra decisão do Plenário do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, proferida em 3/7/2012, nos autos do Processo Administrativo Disciplinar 0005912-56.2010.2.00.0000. Em 18.6.2011, o Plenário do Conselho Nacional de Justiça decidiu, por unanimidade, instaurar procedimento administrativo disciplinar contra o impetrante, para averiguação de conduta incompatível com a magistratura, em razão de supostamente ter assediado autora de ação cujo processo tramitava sob sua responsabilidade, mediante insinuações de auxílio à sua filha e até, segundo a vítima, tentando abraçá-la na cozinha de sua residência. A decisão objeto desta impetração, prolatada ao final do mencionado procedimento, possui a seguinte PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS. RECLAMAÇÃO Nº 2262649/2007. VIOLAÇÃO DOS DEVERES DE ISENÇÃO E DA PRUDÊNCIA, BEM COMO DO DEVER DE MANTER CONDUTA IRREPREENSÍVEL NA VIDA PÚBLICA E PARTICULAR IMPOSTO NO ART. 35, VIII, DA LOMAN. PROCEDÊNCIA PARA APLICACÃO DA PENA DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. 1. Processo administrativo disciplinar instaurado contra Desembargador para apurar suposta violação ao dever prescrito no art. 35, inciso VIII, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Processo instaurado no CNJ a partir do pedido de revisão da decisão proferida pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás na Reclamação nº 2262649/2007, que rejeitou e arquivou, por maioria, a proposta de instauração de processo administrativo disciplinar contra o magistrado. 2. Fatos incontroversos e fortes indícios de conduta que caracterizam descumprimento dos deveres previstos no artigo 35, inciso VIII da LOMAN (manter conduta irrepreensível na vida pública e particular). 3. Os atos realizados, ou não, no âmbito do PAD anterior não afetam o Processo Disciplinar no CNJ, processo autônomo e independente do processo que tramitou no Tribunal. Eventuais vícios que o PAD anteriormente arquivado possa conter não são capazes de macular o procedimento instaurado perante esse Conselho. 4. Não há usurpação da competência do órgão censor originário quando o Tribunal de Justiça a exerceu de forma plena ao apreciar a Reclamação nele instaurada, eximindo-se, na sua conclusão, de apurar os fatos. 5. Analogicamente ao que se passa no ambiente processual penal nos chamados crimes contra a liberdade sexual, a palavra da vítima não somente pode ser considerada, como deve ter peso preponderante na formação do convencimento do julgador. Nos casos em que a intimidade do jurisdicionado é atingida pela conduta infratora e quando se trata de delitos que se cometem às ocultas, as declarações do ofendido são decisivas e possuem valor destacado no conjunto probatório. 6. A conduta do magistrado deliberadamente colocou em risco sua parcialidade no processo que presidia. O magistrado não apenas deixou, passivamente, de manter distância das partes, mas foi o protagonista dessa nociva alteração topográfica. O dever de imparcialidade envolve um aspecto objetivo, segundo o qual o juiz deve exterminar qualquer fato que coloque em questão sua total isenção para julgar as partes. Quando o jurisdicionado tem motivos suficientes e legítimos para desconfiar da prestação jurisdicional, é o Poder Judiciário, é o Estado Democrático de Direito que está sendo lesado pela conduta do juiz. 7. O direito fundamental de acesso à Justiça foi negado à parte do processo ao ver o destino da demanda judicial em que estava envolvida à disposição do juiz que abusou de sua confiança para invadir sua vida pessoal, buscando contato íntimo. Não há acesso à Justiça quando a autoridade competente, investida do Poder Estatal, busca outro objetivo que não a prestação do serviço oferecido pelo Estado. A violação ao direito humano fundamental de acesso à justiça resta agravada por se incluir em um sistema de exclusão e de opressão histórica da mulher e pelo transporte e reprodução desse sistema dentro do Poder Judiciário. 8. A incompatibilidade da conduta com o exercício da magistratura é inequívoca e se coaduna com a aplicação da pena mais grave prevista no ordenamento. 9. Procedência da pretensão punitiva com a condenação do acusado pela prática de irregularidade no exercício da magistratura, prevista no art. 35, inciso VIII, da Lei Complementar 35/79, aplicando-se, em razão da gravidade dos fatos, a pena de aposentadoria compulsória, porquanto demonstrado que a conduta do magistrado processado está tipificada no art. 56, II, da Lei Complementar nº 35, de 1979 (procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções). A fim de evitar repetição, adoto como síntese das circunstâncias fáticas a descrição constante do mencionado decisum, verbis: Em 19 de abril de 2007, Augusto Pinto de Queiroz propôs ação contra a sua ex-companheira Júnia de Freitas Ataídes, na qual pleiteou liminar de regulamentação de visitas dos filhos menores do casal (processo n. 200701429911). Referido processo foi distribuído à 1ª Vara de Família, pela qual respondia o Desembargador Hélio Maurício de Amorim. Foram proferidos s nos autos para oitiva do MP e designação de uma audiência de justificação para 16 de julho de 2007. Em 18 de junho de 2007, Júnia de Freitas Ataídes, ainda não citada na ação proposta pelo ex-companheiro, propôs contra este uma ação de dissolução de união estável (processo nº 200702274881). Referido feito foi distribuído à 4ª Vara de Família, onde funcionava o magistrado Átila Naves do Amaral. Nesta ação são tratados todos os temas referentes à união estável havida, inclusive alimentos e também a questão dos filhos menores. Após a distribuição desta ação, Junia é orientada pela assistente do Desembargador Hélio Maurício Fabyola Thereza de Souza Migliorini, vizinha de Junia a procurar o magistrado para ter um direcionamento, uma opinião ou mesmo uma ajuda. Junia vai, então, ao gabinete do magistrado. Naquela visita, o Desembargador, então Juiz, afirma que veria como poderia ajudá-la. Na mesma oportunidade, fala-se a respeito de uma proposta de trabalho para a filha mais velha de Junia Ana Paula de Freitas Ataíde Leão. Alguns dias depois, o Desembargador defere o pedido liminar de regulamentação de visitas dos filhos menores do casal no processo ajuizado por Augusto - (processo n. 200701429911). No dia seguinte, vai à residência de Junia. Após tomar conhecimento da liminar que regulamentou as visitas do pai de seus filhos, a Sra. Junia de Freitas apresenta exceção de suspeição contra o magistrado em razão de sua visita e de seu comportamento. Essa é a descrição básica do ocorrido, sobre o que não recaem questionamentos de nenhuma das partes. Tais são os fatos ainda sem as nuances que provocaram a instauração deste PAD. Os fatos são incontroversos, exceto com relação à natureza da aproximação de Júnia de Freitas Ataíde pelo magistrado. É especialmente ao que o magistrado fez ao visitar a Sra. Junia que a defesa se dedica. A tese do magistrado requerido é de que o único motivo que o levou a procurar a Sra. Júnia de Freitas Ataíde foi a intenção de oferecer uma proposta de trabalho para sua filha, Ana Paula de Freitas Ataíde Leão. Aduz o impetrante, em suma, que os motivos que ensejam o manejo do writ são os seguintes: i) O CNJ procedeu à revisão de um julgamento que não foi legalmente concluído no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, haja vista não ter sido lavrado o acórdão da decisão administrativa proferida pelo Tribunal local, na qual se determinou o arquivamento do procedimento administrativo instaurado contra o impetrante. Assim, argumenta, o Conselho, ao analisar e decidir processo ainda pendente de finalização, violou a disposição contida no inciso Vdo § 4º do art. 103-B, da Carta Maior. Dessa forma, prossegue, o CNJ poderia, em considerando se tratar de um processo 'ainda em curso', ter procedido na forma do art. 103-B, § 4º, inc. III da Constituição ou seja, poderia ter realizado a 'avocação de um processo em curso', ao invés de proceder à 'revisão de um processo julgado'. ii) Na hipótese de se considerar encerrado o julgamento realizado pelo TJ/GO, o CNJ não poderia ter julgado o pedido de revisão, em face do esgotamento do prazo decadencial previsto no inciso Vdo § 4º do art. 103-B, da Constituição Federal. Nessa senda, afirma, ainda, que o Regimento Interno do CNJ, data maxima venia, foi além da própria Constituição Federal, ao criar uma hipótese de interrupção do prazo decadencial para que se inicie a fase de revisão. Confira-se o que dispõe o art. 82 do RI-CNJ: 'Art. 82. Poderão ser revistos, de ofício ou mediante provocação de qualquer interessado, os processos disciplinares de juízes e membros de Tribunais julgados há menos de um ano do pedido de revisão' (grifos no original). Ressalta, mais, que, caso se considere desnecessária a publicação do acórdão da decisao do TJ/GO, cujo julgamento ocorreu em 11/6/2008, o pedido de providências foi feito ao CNJ em 24/3/2009 e recebido pelo Corregedor Nacional de Justiça como reclamação disciplinar em 27/4/2009. No entanto, em 22/2/2010, o Corregedor proferiu despacho em que reautuou o feito como revisão disciplinar, determinando sua redistribuição a um dos Conselheiros do CNJ. Narra que a relatoria recaiu sobre o Conselheiro José Adonis Callou de Araújo Sá, que levou o feito à análise do Plenário em 17/8/2010. Nessa assentada, o pedido de revisão foi julgado procedente. Assim, argumenta que a instauração do 'processo de revisão disciplinar', por ato formal do Corregedor Nacional de Justiça, ocorreu em 22/fevereiro/2010, e que a efetiva revisão do julgado originário do TJGO, pelo Plenário do CNJ, ocorreu em 17/agosto/2010. Considerando que o julgado 'revisando' do TJGO é de 11/junho/2008, tem-se na linha cronológica
que o processo de revisão no âmbito CNJ foi efetivamente instaurado quando já decorridos 01 (um) ano e 08 (oito) meses depois do julgado originário,mediante a decisão do Corregedor Nacional de Justiça exarada em 22/fevereiro/2010; e que a revisão em si foi efetivamente realizada quando já decorridos 02 (dois) anos e 02 (dois) meses depois do julgado originário, mediante a decisão do Plenário do CNJ de17/agosto/2010. iii) Caso se considere que o julgamento do TJ/GO já havia se encerrado e que a instauração do processo teria ocorrido no prazo constitucional - resta que a decisão do CNJ deveria ter determinado a instauração do processo administrativo-disciplinar no TJGO, e não no próprio CNJ. iv) O CNJ, ao superdimensionar os fatos imputados ao impetrante, ofendeu o princípio da proporcionalidade, em razão da exacerbação da penalidade aplicada. Isso porque, no seu entender, o referido Conselho agiu açodadamente, ao aplicar ao impetrante uma penalidade que, diga-se de passagem, completamente exacerbada aposentadoria compulsória para uma suposta prática de ato caracterizador de assédio sexual (= convite para um vinhozinho), ocorrido há mais de 5 (cinco) anos. Nessa linha, por fim, sustenta que esta Corte, ao julgar o Mandado de Segurança 28816, do Estado do Pará, no rumoroso caso que foi inclusive veiculado pela imprensa, principalmente a televisiva, com fatos mais graves inclusive do que o que deram origem a este mandamus (menor presa em cela com outros detentos, que culminou com subsequentes estupros), concedeu a segurança no mérito à Juíza Clarice Maria de Andrade, que também havia sido penalizada com aposentadoria compulsória, pena esta que foi entendida exagerada e desproporcional, e determinado ao CNJ proferir novo julgamento, com aplicação de pena mais branda. Diante de todas essas considerações, pleiteia o deferimento da medida liminar para que seja assegurado seu imediato retorno ao cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Requer, ainda, o impetrante, no mérito, o reconhecimento incidenter tantum da inconstitucionalidade da expressão 'do pedido de revisão' constante do art. 82 do Regimento Interno do CNJ, bem como a concessão da segurança para que se declare a nulidade da decisão combatida ou, alternativamente, para anular o processo e determinar que o CNJ renove o julgamento apreciando os fundamentos e provas produzidos pela defesa, e aplique a pena mais adequada, observando o princípio constitucional da proporcionalidade e razoabilidade, ou julgue improcedente o PAD. É o relatório necessário. Decido o pedido de liminar. Bem examinados os autos, constato ser caso de indeferimento do pedido de liminar, visto que não vislumbro, nesse exame de delibação, a existência de liquidez e certeza do direito invocado pelo impetrante. Com efeito, verifico, nessa análise preliminar, que a decisão objurgada fundamenta-se em fatos colhidos no curso na instrução processual, alguns deles, inclusive, admitidos pelo próprio impetrante. Colho, para ilustrar, do voto proferido pelo relator do Processo Administrativo Disciplinar 0005912-56.2010.2.00.0000, Conselheiro Jorge Hélio: Destaco trecho das alegações finais da defesa que relata os fatos da seguinte forma: '19/julho/2007: O Dr. Hélio, que residia próximo à residência da Srª Junia de Freitas Ataídes e sua filha (mapa de satélite em anexo), decidiu passar lá depois do expediente para melhor conversarem sobre a contratação da filha para o gabinete, tendo em vista que a primeira conversa, ocorrida no gabinete, fora rápida em razão do cotidiano de vara de família. O Magistrado já havia designado um serventuário (a testemunha Luiz Antônio Ribeiro) para essa nova conversa, a qual deveria ter ocorrido no próprio gabinete. Mas e aí o erro lamentável, o Magistrado, sob ingenuidade e sem ter feito associação com a audiência havida dias antes (na qual, frise-se, não esteve presente a parte requerida), decidiu ir logo lá pessoalmente. E a sua transparência foi tão evidente que ele se identificou na portaria como Hélio, e ao ser perguntado 'que Hélio?', disse 'o Hélio, juiz'.' (PET114) A versão de que teria ocorrido assédio na visita feita à residência de Junia seria, na verdade, uma criação e até mesmo uma fantasia dela, segundo o magistrado. Atribui a suposta fantasia a uma possível animosidade desenvolvida por ela contra o magistrado em razão da decisão liminar exarada em 16 de julho de 2007, na véspera daquele encontro, na qual foi fixado, liminarmente, o direito de visita de Augusto Pinto de Queiroz, ex-companheiro de Júnia de Freitas Ataíde, aos filhos do casal. O magistrado chega a propor que a estratégia de Junia seria, também, fundamentar uma exceção de suspeição nos autos em que foi proferida a decisão liminar. Ao ser interrogado durante a instrução deste feito, afirma que a visita feita na casa da Sra. Junia foi um mal passo em sua carreira. 'Eu não deveria ter ido lá, eu estou sofrendo com isso há cinco anos, eu deveria no caso ter mandado uma pessoa lá,conversado com ela, ou então ido com a Fabyola, porque a Fabyola morava no prédio, foi inocência minha.' Relata que Ana Paula estava deitada, perto dos filhos menores. 'A menina tava até deitada. Aí eu cheguei e fiquei brincando com os meninos. Ela mostrou o apartamento do Augusto. Aí brincando eu falei assim: perguntei se o menino tava com saudades do papai.' O magistrado reconhece ter se referido à questão do contato entre os filhos de Junia e seu pai, Augusto. Ou seja, também é incontroverso que o magistrado, juiz da causa que tratava do direito de visitas, se referiu ao tema na casa da parte do mesmo processo judicial. Ele se refere a esse momento como uma 'brincadeirinha'. A filha teria dito que não tinha saudades do pai e o filho teria afirmado que gostava do pai. 'Eu perguntei: há quanto tempo você conhece a Fabyola? Por que você nunca foi lá... É porque tem um barzinho assim perto (...) A Fabyola ia muito lá, de vez em quando eu encontrava com eles lá. Então eu perguntei: por que você nunca apareceu lá no bar do Jiló? Aí ela falou: Deus que me livre, não fala um negócio desses não. Eu falei: por quê? Se o Augusto tá querendo me tomar o menino, eu to quietinha aqui em casa, se ele ficar sabendo que eu fui nesse bar sozinha... Os meninos eu não posso levar, se for com minha filha aí é que ele vai falar de mim mesmo, falar que eu to atrás de homem, eu não posso ir de jeito nenhum. Então eu retiro o que eu disse. Eu não convidei elas pra sair, eu perguntei por que elas nunca tinham ido lá. Lá é um ambiente bom, sadio, a gente come uns espetinhos bons, conversa.' Seguindo na narrativa, segundo o magistrado, ao dizer que iria embora, Junia teria se disposto a servir café. Ele teria recusado e se dirigido até sua proximidade e entrado na cozinha. Ele afirma que Junia estava lavando os pratos e teria dito: 'Ó Dr. Helio, eu quero falar uma coisa pra você: você aqui não é juiz, você é uma visita... Porque você ta olhando pra mim de um jeito estranho.' Com isso, teria dito que ia embora. Junia teria enxugado as mãos e dito: 'vou acompanhar você'. Afirma que não se aproximou dela em nenhum momento. O magistrado sugere, em seu depoimento, que, no dia da visita, nem Junia nem Ana Paula acharam estranho aquele encontro. Somente depois do conhecimento da liminar elas teriam atacado seu comportamento. Segundo a defesa, apenas quando a Sra. Junia de Freitas opõe exceção de suspeição contra o magistrado é que ele toma conhecimento de que a parte do processo em que deferiu a liminar era a Sra. Junia: quando recebeu e leu a exceção de suspeição. Com efeito, nesse momento, revogou a decisão proferida em audiência, deu-se por impedido de atuar no processo em trâmite na 1ª Vara de Família e determinou sua remessa ao Juízo da 4ª Vara de Família, na qual tramitava a ação de dissolução de união estável proposta pela Sra. Junia. Em seu depoimento, insiste em dizer que não houve nada de errado com essa visita, mas reconhece que foi um grande erro seu. Entendo, num primeiro exame, que, agindo o CNJ nos limites da competência delineada pela Carta Maior, não se encontra na esfera de atribuições desta Corte o reexame dos fatos, tampouco da valoração a eles atribuídos, que alicerçaram a imposição da sanção ao impetrante, sobretudo neste exame prefacial, em que a análise dos argumentos expostos na inicial da impetração se dá de forma precária. Cumpre ressaltar, nessa linha, que a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que não lhe compete atuar como instância revisora das deliberações do Conselho Nacional de Justiça, exceto nos casos em que se verifique manifesta ilegalidade ou abuso de poder na condução dos feitos sob sua responsabilidade. Penso, pois, que deve prevalecer, até a apreciação definitiva deste writ, os fundamentos lançados no voto do relator do mencionado PAD. Isso não significa, por outro lado, que a complexidade na interpretação do arcabouço fático e legal que dão amparo ao alegado direito do impetrante constitua empecilho para o deferimento da medida liminar. No entanto, tenho que nos angustos lindes deste momento preliminar, as alegações apresentadas na impetração não tiveram o condão de me convencer da razoabilidade da suspensão da eficácia da decisão objeto deste writ. Isso posto, indefiro o pedido de liminar formulado pelo impetrante, sem prejuízo de ulterior análise da questão por ocasião do julgamento de mérito. Por fim, não vejo, nos autos, razões que justifiquem a tramitação desse processo sob segredo de justiça, motivo pelo qual o afasto. Notifique-se o Presidente do Conselho Nacional de Justiça, Ministro Ayres Britto, para que preste informações no prazo de 10 (dez) dias (art. 7º, I, da Lei 12.016/2009). Dê-se ciência desta impetração, ainda, à Advocacia-Geral da União, enviando-lhe cópia da inicial (art. 7º, II, da Lei 12.016/2009). Após, ouça-se a Procuradoria Geral da República. Publique-se. Brasília, 25 de outubro de 2012.Ministro Ricardo Lewandowski, Relator.
(STF - MS: 31588 DF , Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 25/10/2012, Data de Publicação: DJe-214 DIVULG 29/10/2012 PUBLIC 30/10/2012)
INQUÉRITO. CRIME DE ASSÉDIO SEXUAL. RECEBIMENTO DE QUEIXA-CRIME. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS MÍNIMOS DE PROVA. QUEIXA-CRIME REJEITADA. Para o recebimento de queixa-crime é necessário que as alegações estejam minimamente embasadas em provas ou, ao menos, em indícios de efetiva ocorrência dos fatos. Posição doutrinária e jurisprudencial majoritária. Não basta que a queixa-crime se limite a narrar fatos e circunstâncias criminosas que são atribuídas pela querelante ao querelado, sob o risco de se admitir a instauração de ação penal temerária, em desrespeito às regras do indiciamento e ao princípio da presunção de inocência. Queixa-crime rejeitada.
(STF - Inq: 2033 DF , Relator: Min. NELSON JOBIM, Data de Julgamento: 16/06/2004, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 17-12-2004 PP-00033 EMENT VOL-02177-01 PP-00072 RTJ VOL-00194-01 PP-00105)
A partir da análise dos julgados supra, podemos chegar as seguintes conclusões: a) notadamente, percebe-se um posicionamento cauteloso do Supremo acerca da matéria, contudo ainda assim percebe-se o esforço que a Suprema Corte vem fazendo para efetivar tal disposição, inclusive contra membros do próprio poder judiciário, sem abrir mão das formalidades legais ressaltadas quando da análise dos inquéritos, a fim de evitar-se a instauração de lides temerárias e possíveis danos à imagem; b) quanto aos argumentos comumente acolhidos, sobrepondo a análise dos inquéritos com o MS 31.588, percebe-se que a exigência de elementos mínimos de provas se flexibiliza para garantir que, ao menos, com indícios de efetiva ocorrência dos fatos possa-se admitir a instauração das lides acerca da matéria; e, por fim, c) vemos com clareza que todo esforço se engendra para concreção dos direitos e garantias fundamentais insculpidos na Constituição, coadunados às normas da Conveção Interamericana, doravante denominada “Convenção de Belém do Pará”.
2.4 CASOS DE INCIDENTES ANALISADOS PELO CIDH-OEA EM MATÉRIA DE ASSÉDIO SEXUAL NO BRASIL, NO ANO DE 2013
Por fim, cumpre salientar que em pesquisa realizada no site da CIDH da OEA, dentre os casos na Corte registrados no ano de 2013, apenas uma petição foi admissível pela constatação de infrações às normas atinentes aos direitos humanos, bem como à convenção de Belém do Pará, nos seguintes termos:
1. El 30 de noviembre de 2004 la Comisión Interamericana de Derechos Humanos (en lo sucesivo “la CIDH” o “la Comisión Interamericana”, en el presente documento) recibió una petición contra la República Federativa del Brasil (“el Estado” o “Brasil”), presentada por THEMIS – Assesoria Jurídica e Estudos de Gênero, Católicas pelo Direito de Decidir, Comitê Latino Americano de Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM/SP, y por Justiça Global/RJ (“los peticionarios”). En ella se alega que el Estado es responsable de violaciones de los Artículos 1.1, 5, 7, 11, 24 y 25 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos (“la Convención Americana”), así como de violaciones de los Artículos 1, 2, 3, 4 y 7 de la Convención Interamericana para Prevenir, Sancionar y Erradicar la Violencia contra la Mujer (“la Convención de Belém do Pará”). Según los peticionarios, las violaciones antes mencionadas surgen de la omisión del Poder Judicial brasileño de actuar con diligencia debida para sancionar los repetidos actos de violación perpetrados por un sacerdote católico en 1996 y 1997 en Porto Alegre, Estado de Rio Grande del Sur, contra M.V.M. y P.S.R., esta última de 16 años de edad (“las supuestas víctimas”).[1]
2. El Estado sostiene que la petición es inadmisible porque no enuncia hechos que tiendan a probar violación alguna de los derechos garantizados por la Convención Americana y por la Convención de Belém do Pará. A ese respecto, el Estado alega que el hecho de que una sentencia judicial no haga lugar a las aspiraciones de la demandantes no supone ninguna violación del derecho a la protección judicial, y, por lo tanto, que los peticionarios no están haciendo otra cosa que usar a la CIDH como tribunal de cuarta instancia con el propósito de lograr una revisión adicional de la sentencia dictada en la esfera interna. Brasil alega, además, que no se agotaron previamente los recursos internos nacionales, ya que las supuestas víctimas no denunciaron los hechos que alegan ante la Secretaría Especial sobre Políticas para las Mujeres (Ouvidoria da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres). En virtud de lo que antecede, el Estado considera que la petición es inadmisible, conforme a los Artículos 47.b y 46.1 de la Convención Americana.
3. Sin prejuzgar sobre el fondo de la denuncia, tras analizar las posiciones de las partes y en cumplimiento de los requisitos previstos en los artículos 46 y 47 de la Convención Americana, la Comisión decide declarar el caso admisible a efectos del examen sobre la presunta violación los derechos consagrados en los artículos 5, 8.1, 11, 19, 24 y 25 de la Convención Americana (en adelante, “Convención Americana” o “Convención”), en concordancia con los artículos 1.1 del mismo instrumento, y en el artículo 7 de la Convención de Belém do Pará. En cuanto a la supuesta violación del Artículo 7 de la Convención Americana, la CIDH concluye que la petición es inadmisible. Además, con respecto a los Artículos 1, 2, 3 y 4 de la Convención de Belém do Pará, la CIDH tendrá en cuenta esa pretensión, en la medida en que sea pertinente, en su interpretación del Artículo 7 de ese tratado durante la etapa de consideración del fondo del asunto. La Comisión decide además notificar esta decisión a las partes, publicarla e incluirla en su Informe Anual para la Asamblea General de la OEA.
Tudo isto, para frisar que, conforme as razões arguidas pelo Estado Brasileiro para inadimissibilidade da petição interposta na CIDH, ainda há um longo caminho para a efetivação de todas os direito e garantias assumidos pelo País em sede internacional, ao passo que também foram dados passos rumo a concreção do referido texto.
3 CONCLUSA?O
Conforme analisamos no texto supra, o assédio sexual tem origens pretérita à Constituição da República de 1988, bem como à “Convenção de Belém do Pará”, haja vista o caráter de correção histórica que o instituto visa amparar, para garantir à mulher a participação e desenvolvimento efetivo em todas as esferas da vida em sociedade, ao passo que não deixa restringir sua tutela para abraçar também aos que embora não pertençam ao gênero feminino necessitem da proteção estatuída para ver intacta sua dignidade humana.
Demais disso, vimos ainda, que inobstante a matéria represente uma novidade legislativa trazida pelo texto constitucional e pelos artigos da “Convenção de Belém do Pará”, a legislação já previa potencialmente de modo reflexo, a proteção genérica ao tolhimento da dignidade humana pela incidência da novel infração. E como eficazmente passaram a tutelar o STF e a CIDH-OEA, órgãos efetivadores de ações positivas em sede de direitos humanos, e a recepcionar por meio de atividades doutrinárias, legislativas e jurisprudenciais, a matéria no âmbito nacional.
4 REFERE?NCIAS BIBLIOGRA?FICAS
ALVES, Gabriel Alexandrino. O asse?dio sexual na visa?o do Direito do Trabalho. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 130, 13 nov. 2003. Disponi?vel em: <http://jus.com.br/artigos/4476>. Acesso em: 5 mar. 2014.
BRASIL. Decreto-Lei n? 5.452, de 1? de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Brasi?lia, DF, 1? mai. 1943. Disponi?vel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452compilado.htm>. Acesso em: 7 mar. 2014.
BRASIL. Decreto-Lei n? 2.848, de 7? de dezembro de 1940. Código Penal. Brasi?lia, DF, 31 dez. 1940. Disponi?vel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 7 mar. 2014.
BRASIL. Lei n? 10.224, de 15 de maio de 2001. Altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para dispor sobre o crime de assédio sexual e dá outras providências. Brasi?lia, DF, 16 mai. 2001. Disponi?vel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10224.htm> Acesso em: 7 mar. 2014.
BRASIL.Constituic?a?o (1988) Constituic?a?o da Repu?blica Federativa do Brasil. Brasi?lia: Senado, 1988. Disponi?vel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 7 mar. 2014.
BRASIL. Ministe?rio do Trabalho e do Emprego. ASCOM. Brasi?lia: MTE, 2009. Disponi?vel em: <http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C812D3CB9D387013CFE571F747A6E/CARTILHAASSEDIOMORALESEXUAL%20web.pdf>. Acesso em: 07 mar. 2014, p. 33-42.
CONVENÇÃO, DE BELÉM DO PARÁ. 10 anos da adoção da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. ______. Convenção de Belém do Pará, v. 3, p. 14-15.
FEDERAL, Supremo Tribunal et al. A constituição eo supremo. Montecristo Publishing LLC, 2012.
[1] La CIDH se abstiene de publicar la identidad de las supuestas víctimas en virtud de una solicitud expresa de los peticionarios del primer caso y del hecho de que P.S.R. era menor de edad cuando las violaciones supuestamente habrían tenido lugar.
Advogado, pós-graduando em Direito Público pela Escola Judicial do Tribunal de Justiça de Pernambuco (ESMAPE); em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG); bacharel em direito pela Faculdade Salesiana do Nordeste (FASNE) e bacharelando em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DEUZEMAN, Dogival Waltrudes. O assédio sexual à luz da "Convenção de Belém do Pará", da jurisprudência do STF E dos casos analisados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em 2013 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 abr 2014, 06:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38985/o-assedio-sexual-a-luz-da-quot-convencao-de-belem-do-para-quot-da-jurisprudencia-do-stf-e-dos-casos-analisados-pela-corte-interamericana-de-direitos-humanos-cidh-em-2013. Acesso em: 23 dez 2024.
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