1. INTRODUÇÃO
Neste artigo, abordar-se-á um dos pressupostos para a decretação da prisão temporária, qual seja, a “imprescindibilidade” para as investigações, evidenciando a impropriedade de se utilizar um conceito jurídico indeterminado como pressuposto para a decretação de medida privativa de liberdade.
2. PRISÂO TEMPORÁRIA E VIOLAÇÃO À CONSTITUIÇÃO
A prisão temporária é modalidade de prisão provisória que vem prevista na Lei 7.960/89, legislação decorrente do chamado “Processo Penal de Emergência[1]”, denominação que, de forma sucinta, traduz-se na mitigação ou até mesmo supressão de garantias do sujeito passivo da persecução penal sob o pretexto de redução de criminalidade.
Nesse contexto emergencialista, foi editada a prisão temporária, referida por alguns como a positivação da “prisão para averiguações, existente à época da ditadura militar. Em seu art. 1º, a lei de prisão temporária traz os pressupostos para a decretação da medida constritiva. Em vista do corte epistemológico deste trabalho, tratar-se-á, apenas do pressuposto constante do inciso I, o qual dispõe:
Art. 1° Caberá prisão temporária:
I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial; (sem grifo no original).
Conforme adiantado nas linhas introdutórias deste trabalho, o supra transcrito dispositivo legal traz um conceito jurídico indeterminado, de grande amplitude, traduzindo o que se chama de elemento normativo, porquanto pode ser valorado pelo juiz dependendo de seus conceitos e experiências pessoais. Todavia, sabe-se que a tendência do direito penal e processual penal moderno é afastar ao máximo o uso de elementos normativos não só dos tipos penais incriminadores, mas como de todas as normas restritivas de direitos fundamentais, nas quais se incluem também algumas normas processuais, mormente as alusivas à prisão.
Isso porque os elementos normativos trazem grande insegurança jurídica porquanto o jurisdicionado não sabe o alcance da sanção ou da restrição, além de abrirem espaço para larga discricionariedade judicial. Com efeito, os conceitos jurídicos indeterminados violam a legalidade na sua vertente taxatividade, eis que os destinatários da norma devem conhecer, previamente, o conteúdo da proibição e da sanção. Outrossim, esse conhecimento deve se dar de forma precisa, isto é, exige-se que os destinatário tenha ciência, estreme de dúvidas, do teor da norma restritiva.
A respeito dos conceitos jurídicos indeterminados, são oportunas as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, in literis:
É que mesmo esses conceito chamados “fluidos” possuem um núcleo significativo certo e um halo circundante, uma auréola marginal, vaga ou imprecisa. Daí resulta que haverá sempre uma zona de certeza positiva, na qual ninguém duvidará do cabimento da aplicação do conceito, uma zona circundante, onde justamente proliferarão incertezas que não podem ser eliminadas objetivamente, e, finalmente, uma zona de certeza negativa, onde será indisputavelmente seguro que descabe a aplicação do conceito (2007, p. 419).
Na mesma esteira, Luís Roberto Barroso (2009, p.314) ao dispor: “Na verdade, conceitos indeterminados têm áreas de certeza positiva, de certeza negativa e zonas de penumbra”.[2]
Partindo da premissa que o conceito jurídico indeterminado possui uma zona circundante ou zona de penumbra, como prefere Barroso, que pode ser definida como situações dotadas de grande incerteza quanto à sua conformação ou não à hipótese normativa, é induvidosa a necessidade de se afastar a utilização de conceitos jurídicos indeterminados de normas restritivas de direitos fundamentais, tal qual “imprescindibilidade das investigações”.
Nesse contexto, a “imprescindibilidade” das investigações, face à ausência de critérios objetivos definidores, enseja diversas controvérsias sobre o cabimento da prisão temporária. Isso porque há situações que, ensejam ou não a decretação da medida, a depender das impressões pessoais do magistrado. Tratam-se das “zonas de penumbra” referidas por Celso Antônio Bandeira de Mello.
No caso específico da prisão temporária, o uso da expressão “imprescindibilidade para as investigações” não representa apenas um traço da discricionariedade judicial, mas, sobretudo, conduz a arbitrariedades correntes na decretação desta modalidade de segregação “cautelar”.
A título de exemplo da zona de penumbra do pressuposto da prisão temporária ora analisado, são correntes as prisões temporárias decretadas com único intuito de colher depoimentos dos investigados, (embora estes gozem do direito ao silêncio) e realizar buscas e apreensões. Nestes casos, resta evidente que a segregação de liberdade é empregada como instrumento de coação, para o investigado se auto-incriminar, indicando provas e confessando fatos. Para muitos magistrados, a prisão para a colheita de depoimentos se mostra válida e “imprescindível” para as investigações, enquanto, por outro lado, é repelida por muitos outros para a aludida finalidade.
Note-se que, no que tange à prisão temporária decretada para a colheita de depoimentos, este motivo, às vezes, pode não ser expressamente referido pelo magistrado na decisão que decreta a medida. Todavia, exsurge como motivo determinante da segregação cautelar a partir da imediata restauração da liberdade do individuo após a oitiva do mesmo pela autoridade policial.
Exemplificando o problema que o termo “imprescindível para as investigações" pode causar, em decisão monocrática proferida recentemente, o atual Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Ferreira Mendes, no julgamento da liminar requerida no Habeas Corpus nº 95.009/SP, ressaltou que a prisão temporária não se presta a colheita de depoimentos, assim como não há qualquer prisão que se preste a esse fim. É conveniente trazer à baila trechos de sua decisão por revelarem aspectos importantes quanto ao uso indevido da prisão temporária, in verbis:
Com efeito, não se pode decretar prisão temporária com base na mera necessidade de oitiva dos investigados, para fins de instrução processual. O interrogatório constitui ato normal do inquérito policial, em regra levado a efeito com o investigado solto, ante a garantia fundamental da presunção de inocência.
Nesse ponto, ressalto que não há, no ordenamento jurídico brasileiro, prisão com a exclusiva finalidade de interrogatório dos investigados, providência que, grosso modo, em muito se assemelha à extinta prisão para averiguação, que grassava nos meios policiais na vigência da ordem constitucional pretérita.
Quanto ao pretendido confronto da prova que vier a ser obtida pela medida de busca e apreensão com o depoimento dos investigados, nada consta da decisão que justifique a necessidade de acontecer de imediato. Colhida a prova, poderá a mesma ser confrontada a qualquer tempo, não só com os interrogatórios, como com qualquer outro elemento anterior ou posteriormente coligido na investigação, o que independe do encarceramento decidido pelo juízo de primeiro grau. (Sem grifo no original). (STF. Liminar no Habeas Corpus 95009/SP. Publicado no DJ em 19/12/2008)
O Ministro observou, no decorrer de seu voto, que a realização de um Estado Democrático de Direito e a garantia dos direitos fundamentais expressos na Constituição é função do Poder Judiciário, pois de nada adianta que a Carta Política garanta diversos direitos se existe um poder fático capaz de suprimi-los, e afirma:
Acentue-se que é a boa aplicação dos direitos fundamentais de caráter processual – aqui merece destaque a proteção judicial efetiva – que permite distinguir o Estado de Direito do Estado Policial!
(...)
A idéia do Estado de Direito também imputa ao Poder Judiciário o papel de garante dos direitos fundamentais. Por conseqüência, é necessário ter muita cautela para que esse instrumento excepcional de constrição da liberdade não seja utilizado como pretexto para a massificação de prisões provisórias.
E, na conclusão de sua decisão, mais uma vez salientou o Ministro que a prisão temporária não encontra fundamento na necessidade de confrontação de provas nem de oitiva de depoimentos:
Não há fundamentos suficientes que justifiquem o decreto de prisão temporária dos pacientes, seja por ser desnecessário o encarceramento para imediato interrogatório, seja por nada justificar a providência para fins de confronto com provas colhidas.
Nessa linha, constata-se que a lei de prisão temporária traz consigo um grave vício material consistente na vagueza do pressuposto de sua decretação, que pode levar ao seu uso arbitrário. Como é cediço, a tendência do direito penal moderno é abolir o uso de elementos normativos das normas constritivas de liberdade, como forma de conter o arbítrio do julgador e privilegiar a segurança jurídica e a garantia da legalidade como garantia pro- réu.
Dessa forma, “a imprescindibilidade para as investigações” como pressuposto da prisão temporária viola a taxatividade que deve existir nas normas restritivas de direitos fundamentais, transgredindo o princípio maior do direito penal que é a legalidade.[3] Nesse sentido, cumpre trazer à baila as lições de Claus Roxin, Gunther Arzt e Klaus Tiedmann (2007, p.21):
Por fim, leis indeterminadas que não permitem que se reconheça o que realmente deve ser punível também não satisfazem as exigências do princípio da legalidade (...)
(...)
Como o Direito Penal possibilita a intervenção na liberdade do cidadão mais severa que a ordem jurídico conhece, a segurança e a paz jurídica exigem que o indivíduo seja protegida de maneira mais ampla possível contra decisões imprevisíveis.[4] (Sem grifo no original).
Ainda sobre a vagueza quanto ao pressuposto da decretação da prisão temporária, vale transcrever as lições de Fernando da Costa Tourinho Filho (2003, p. 472), que traça uma análise comparativa entre os requisitos da prisão temporária e da prisão preventiva:
Na prisão preventiva, que é tida e havida como a pedra de toque e toda e qualquer prisão cautelar, ex vi dos arts. 312, 324 V, do CPP, art. 31 da Lei 7.492, de 16-6-1986-, e parágrafo único do art. 310 do CPP, o fumus boni iuris está assente na prova de materialidade do crime e em indícios suficientes de autoria. Já na prisão temporária não se exige nem a prova da existência do crime nem os indícios suficientes de autoria (aqueles indícios capazes de tranqüilizar a consciência do Juiz na magistral definição do saudoso Borges da Rosa). Bastam, apenas, fundadas razões com base em qualquer prova...
Ora, fundadas razões são razões sérias, importantes, que denotam gravidade, e, ao que parece, nenhuma autoridade, por mais perspicaz que seja, poderá vislumbrar fundadas razões” em face de um testemunho infantil, de uma declaração da suposta vítima, de um simples indício. Se se entender diferentemente, que se altere o nome fumus boni iuris, exigido para essa modalidade de prisão ”cautelar”, para fumus mali iuris... Para nós, as fundadas razões devem ser razões idôneas, sérias, sob pena de transformar a prisão temporária em instrumento de perseguição e tortura. (sem grifos no original).
Ressalte-se que a lei de prisão temporária representa, induvidosamente, uma flexibilização da prisão preventiva para alguns delitos, considerados de maior gravidade. Isso porque tendo em vista que a prisão preventiva (a despeito da questionável constitucionalidade da garantia da ordem pública e econômica) consubstancia a prisão cautelar por excelência no direito brasileiro, verifica-se que somente será decretada a prisão temporária em face da inexistência de elementos para a preventiva, haja vista a flexibilidade do pressuposto inserto no inciso I, do art. 1º da lei 7.960/89.
Frise-se que são as inúmeras as prisões temporárias decretadas antes mesmo de a autoridade policial ter elementos suficientes para concluir pela provável culpa do investigado, o que denota o nítido caráter da prisão temporária como mecanismo de auxílio nas investigações. Ora, como não se tem sequer elementos para indiciar o acusado e este já está preso? E não se argumente que essas situações são exceções, porque bem se sabe que constituem a grande regra no cotidiano policial. É cediço a grande fragilidade das provas colhidas durante o inquérito policial[5], tanto que estas terão que ser corroboradas durante a instrução judicial, o que evidencia a natureza inquisitória da prisão temporária.
Pelo exposto é possível concluir que a imprescindibilidade para as investigações fere completamente o ideal da legalidade como um garantia pro reo vigente no direito penal, também aplicável às normas processuais com conteúdo material, como é o caso das normas referente à prisão[6]. No que tange a legalidade como uma garantia pro reo, eis o preconizado por Gamil Föppel El Hireche (2008, p.508):
Insta salientar, neste instante, que o compromisso da legalidade penal deve ser sempre com o Réu, haja vista que, historicamente, a legalidade surgiu para protegê-lo dos abusos do poder centralizado. Ou seja: entenda-se a legalidade como um princípio de preservação ao infrator, jamais contra ele, ou dizendo ainda de forma mais clara, a legalidade jamais poderá ser invocada contra a pessoa do Réu.
E mais, diante da locução “imprescindível para as investigações” não há como harmonizar, fora das hipóteses da prisão preventiva (sem com isso se afirmar que todas hipóteses desta estariam insuscetíveis de questionamento de inconstitucionalidade), a prisão temporária com o disposto no art.5º, LXI da Carta Magna, que dispõe: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”. A fundamentação calcada na imprescindibilidade carece de viabilidade. Ratificando este entendimento são as palavras do Min. Sepúlveda Pertence, no seu voto em sede de Medida Cautelar da ADI 162, a qual questiona a constitucionalidade da prisão temporária:
Não é hora de examinar o mérito desta medida provisória, embora confesse que continuo perplexo com o seu art.1º, porque estou convencido de que muito esforço de hermenêutica adequadora se há de fazer para fugir ao seu sentido unilateral inequívoco, o qual, nos dois primeiros incisos, concede um arbítrio que nenhuma prisão processual admite; e, no inciso III, para dizer o menos, restabelece, no Brasil, a prisão preventiva obrigatória, com requisitos ainda menos rígidos que os do velho art. 312 do C.Pr.Penal.
Mas, Senhor Presidente, é óbvio que não é momento de discutir gravíssimos defeitos do edito, ainda para os que defendem prisão temporária, senão como forma de pedir atenção do Tribunal para a gravidade da decisão que estamos tomando
De outro lado – e ninguém vai negar o relevo da preocupação nacional com o aumento da criminalidade violenta, como ninguém vai supor que essa prisão temporária resolverá o problema -, o certo é que, na limitada função que ela possa exercer, ela não vem suprir um vazio normativo: vem, apenas, para os seus defensores, flexibiliar o instrumento da prisão preventiva que mesmo com os seus defeitos, pode perfeitamente desempenhar a sua função cautelar. (Sem grifo no original) (STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 162 / DF: Medida Cautelar . Relator: Min. Moreira Alves. Tribunal Pleno. Julgamento em: 14/12/1989. Publicação: DJ 19/09/1997.)
Poder-se-ia ainda tentar argumentar que a locução “imprescindível para as investigações” refletiria a supremacia do interesse público sobre o interesse privado, ainda que no seu aspecto primário (interesse da coletividade) e não seu aspecto secundário (interesse do Estado). Ora, para o interesse público primário prevalecer sobre o interesse privado há que se respeitar os direitos fundamentais, o que não acontece ao se restringir a liberdade de um indivíduo sem critério objetivo algum[7].
É o preconizado por Luís Roberto Barroso (2007, p. xvi-xvii), in verbis:
Para que um direito fundamental seja restringido, em favor da realização de uma meta coletiva, esta deve corresponder aos valores políticos fundamentais que a Constituição consagra, não apenas ao ideário que ocasionalmente agrega um número maior de adeptos.
Na mesma linha argumentativa, assevera Daniel Sarmento (2006, p.88-89):
Portanto, a solução para a colisão entre direitos fundamentais e interesses públicos não é singela. A busca da solução constitucionalmente adequada deve respeitar os chamados “limites dos limites” dos direitos fundamentais, e certamente não passa por qualquer princípio de supremacia do interesse público. Aceitar que a solução destes conflitos se dê através da aplicação do princípio em referência seria, para usar a famosa expressão de Dworkin, não levar a sério os direitos fundamentais. E pode-se dizer tudo da Constituição de 88. Menos que ela não tenha levado a sério estes direitos. (sem grifo no original)[8]
Há ainda quem sustente que o pressuposto para se falar em interesse público primário seria o respeito aos direitos fundamentais, logo não existiria conflito entre interesse público primário e direito privado quando houvesse violação a direito fundamental, já que não haveria o próprio direito público em si. Posição que aparenta ser mais coerente e disposta por Dirley da Cunha Júnior (2009, p.40):
Ademais, cumpre acentuar que o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado pressupõe o absoluto respeito aos direitos fundamentais. Ora, se o interesse público resulta da soma “dos interesses dos indivíduos que nele encontram a projeção de suas próprias aspirações”, é inegável que a supremacia do interesse público avulta como condição de garantia dos próprios direitos fundamentais
Manifestando o mesmo entendimento, o Min. Eros Grau, no item de nº 35 do inteiro teor do seu voto, no acórdão do HC 95.009/SP, em que foi relator, ao preconizar que não se aplica supremacia do interesse público em matéria penal e processual penal:
Primeiro essa gazua, em seguida despencando sobre todos, a pretexto da “necessária atividade persceutória do Estado”, a “supremacia do interesse público sobre o individual”. Essa premissa que se pretende prevaleça no Direito Administrativo --- não obstante mesmo lá sujeita a debate, aqui impertinente --- não tem lugar em matéria penal e processual penal. Esta Corte ensina (HC 80.263, relator Ministro ILMAR GALVÃO) que a interpretação sistmática da Constituição “leva à conclusão de que a Lei Maior impõe a prevalência do direito à liberdade em detrimento do direito de acusar”. Essa é a proporcionalidade que se impõe em sede processual penal: em caso de conflito de preceitos, prevalece o garantidor da liberdade sobre o que fundamenta sua supressão. A nos afastarmos disso retornaremos à barbárie. (Sem grifo no original)[9]
3. CONCLUSÃO
Diante do supracitado, percebe-se claramente que não há como compatibilizar a vagueza da locução “imprescindibilidade com o respeito aos direitos fundamentais, à excepcionalidade da constrição à liberdade e à necessidade de fundamentação idônea para a prisão provisória, ou seja, com o devido processo legal, insculpido no “Art.5º, LIV, Constituição Federal.
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BRASIL. STF. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 162 / DF: Medida Cautelar . Relator: Min. Moreira Alves. Tribunal Pleno. Julgamento em: 14/12/1989. Publicação: DJ 19/09/1997.
BRASIL. STF. Habeas Corpus 95009/SP: Decisão Liminar. Publicado no DJ em 19/12/2008.
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[1] Sobre processo penal de emergência, são imprescindíveis as lições de Fauzi Hassan Choukr (2002, p.131) que conceitua a emergência para fins penais e processuais penais: “Para fins de uma correta delimitação do caminho que se abre, emergência vai significar aquilo que foge dos padrões tradicionais de tratamento pelo sistema repressivo, constituindo um subsistema de derrogação dos cânones culturais empregados na normalidade. Tal declinação da cultura normal não se dá pela inserção tópica das regras fora da extratificação codificada pois, se assim fosse, toda lei extravagante deveria ser rigorosamente considerada como emergencial ou de exceção. A característica da presença do subsistema se dá com a mitigação, direta ou indireta, de garantias fundamentais estabelecidas no pacto da civilidade, nesta devendo ser entendida não apenas o texto interno constitucional mas, igualmente, os texto supranacionais que versem sobre esta matéria.” (grifos aditados).
[2] Importante se fazer a distinção entre conceito indeterminado e discricionariedade. Eros Roberto Grau (2003, p.134) sustenta que a discricionariedade se fundamenta em critérios extrajurídicos (de oportunidade, econômicos, etc.), ao passo que a aplicação de conceitos indeterminados é um caso de aplicação da lei. Luís Roberto Barroso (2009, p. 313) ainda preleciona que a diferença reside na estrutura binária de uma norma de conduta (previsão de um fato e atribuição de conseqüência jurídica), estando os conceitos jurídicos indeterminados incumbidos de integrar a descrição do fato, ao passo que os juízos discricionários situar-se-iam no plano das conseqüências jurídicas. Andreas Krell citado por Luís Roberto Barroso (2009, p.314) inova ao procurar demonstrar que a distinção rígida entre os conceitos jurídicos indeterminados e poder discricionário, que se tornou dominante na doutrina alemã nos anos 50 do século XX, já não desfruta da mesma aceitação entre os autores alemães mais modernos.
[3] Vale lembrar que a legalidade em matéria penal não pressupõe apenas a existência de uma lei, prévia dispondo sobre a medida restritiva, mas também a exata delimitação da sua hipótese de incidência, o que se chama de taxatividade. Nesse sentido, Luigi Ferrajoli (2006, p.95): “(...) o princípio cognitivo da legalidade estrita é uma norma metalegal dirigida ao legisaldor, a quem prescreve uma técnica específica de qualificação penal, idônea a garantir, com a taxatividade dos pressupostos da penam a decidibilidade da verdade de seus enunciados”.
[4] Esta, surpreendentemente, não é a posição de Guilherme de Souza Nucci (2007, p.928): “Imprescindibilidade para as investigações do inquérito policial: certamente é um elemento imponderável, sem parâmetro determinado, comportando uma gama imensurável de alegações feitas pela autoridade policial ao juiz. Entretanto, melhor assim. (...)”.
[5] A exceção fica por conta das provas pré-constituídas que dispensam a sua reprodução na fase judicial, até mesmo pela impossibilidade material, a exemplo das provas periciais. Ou ainda pelo disposto novo art. 155 do CPP, com redação dada pela Lei 11.690/2008: “Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.” Conforme aduz Andrey Borges de Mendonça (2008, p.153-161), a redação levaria falsa impressão que o juiz poderia utilizar as provas cautelares, antecipadas e irrepetíveis, colhidas durante o inquérito, como único elemento para sua convicção. No entanto, adverte Andrey Borges, as provas não repetíveis apenas funcionariam como um reforço para a convicção do juiz, pois não haveria contraditório. Já as provas cautelares e antecipadas poderiam ser utilizadas como único elemento, se entendidas as cautelares como uma prova de contraditório diferido (a ser realizado durante o processo) e a antecipada como tendo contraditório no momento da sua realização.
[6] Sobre as normas processuais mistas, eis o disposto por Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho (2006, p.131): “(...) Se a norma processual contém dispositivo que, de alguma forma, limita direitos fundamentais do cidadão, materialmente assegurados, já não se pode defini-la como puramente processual, mas como norma processual com conteúdo material ou mista.” E arremata (op.cit, p.133): “Trata-se, simplesmente, de reconhecer, em uma lei de processo, disposições de natureza material, consubstanciadas em direitos fundamentais ou em disposições penais e aplicar-lhes o consagrado princípio da legalidade”. Também defendendo as normas processuais mista ver Rômulo Moreira (2008).
[7] Oportunas são as palavras de Paulo Queiroz (2008), que assevera: “(...) não existem princípios absolutos, até porque absolutizá-los implicaria a negação mesma do direito”.
[8] Em igual sentido Rafael Carvalho Rezende Oliveira (2009, p. 179): “O abrandamento da dicotomia público versus privado gera conseqüências na interpretação do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado. Não se pode mais compreender o interesse público como necessariamente antagônico ao interesse privado, pois a atuação do Estado inclui a promoção de direitos fundamentais individuais”.
[9] Destarte, data venia, não merece acolhida a razão do voto do Min. Aldir Passarinho na Medida Cautelar em sede da ADI 162: “Esta responsabilidade que é do Estado, qual a de assegurar aos cidadãos sua segurança é que tem imposto a adoção de medidas que a possibilitem. Deste modo, se é certo que há de haver extrema preocupação com a liberdade do indivíduo, -e portanto, todo cuidado havendo de tomar-se para que ninguém seja injustamente preso – avulta, de outra parte a necessidade de dar-se segurança à coletividade e aos cidadãos individualmente, com a aplicação de medidas que isso objetivem.”
Procurador Federal. Ex-Procurador do Estado da Bahia. Ex-Analista Processual do Ministério Público da União. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Especialista em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra (Portugal). Especialista em Ciências Criminais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Especialista em Direito do Estado pela Faculdade Baiana de Direito. Especialista em Direito Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARNEIRO, Helio Márcio Lopes. "Imprescindibilidade" para as investigações: conceito jurídico indeterminado como pressuposto para a decretação da Prisão Temporária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 maio 2014, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39388/imprescindibilidade-para-as-investigaes-conceito-jurdico-indeterminado-como-pressuposto-para-a-decretao-da-priso-temporria. Acesso em: 23 dez 2024.
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