RESUMO: Na fase dos debates, no procedimento do Tribunal do Júri, a menção à decisão de pronúncia, tanto pela defesa quanto pela acusação, deve ser feita de forma imparcial, de modo a não influenciar o corpo de jurados como argumento de autoridade, em razão de que o Conselho de Sentença é formado por jurados leigos. Por isso, havendo menção à decisão de pronúncia como argumento de autoridade deve-se declarar nulidade do julgamento, por ofensa ao art. 478, inciso I do Código de Processo Penal. Todavia, a simples menção ou leitura da decisão de pronúncia não implica obrigatoriamente nulidade do processo.
Palavras-chaves: Tribunal do Júri; instrução preliminar; plenário; debates; pronúncia; argumento de autoridade; nulidade.
INTRODUÇÃO
O presente artigo terá como proposta fazer um breve apanhado acerca do procedimento do Tribunal do Júri, tal qual previsto no Código de Processo Penal, a fim de direcionar-se à fase dos debates orais, após a instrução, na fase de acusação em Plenário.
Nessa fase, em que abrange os debates orais da defesa e da acusação, concentrar-se-á na possibilidade de se fazer referência ou menção à decisão de pronúncia do acusado e à possibilidade de decretação de nulidade do procedimento.
Para tanto, será necessário diferenciar as situações em que a menção à decisão de pronúncia estiver sendo ou não utilizada como argumento de autoridade.
NOÇÕES INTRODUTÓRIAS ACERCA DO TRIBUNAL DO JÚRI
O Tribunal do Júri, instituído pela primeira vez no Brasil em 1822, não tinha competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida, mas para processar crimes de imprensa.
Atualmente previsto no art. 5°, inciso XXXVIII da Constituição Federal, o Tribunal do Júri é uma cláusula pétrea, pois, trata-se de uma garantia individual, insuscetível de supressão por emenda constitucional (art. 60, §4° da CF).
Ao Tribunal do Júri é assegurada a competência para o julgamento de crimes dolosos contra a vida, assegurando-se, ainda a plenitude de defesa, o sigilo das votações e a soberania dos veridictos.
Além disso, o Tribunal do Júri é composto de um Juiz- Presidente (juiz togado) e por um Conselho de Sentença, formado por 7(sete) jurados leigos, que formam o corpo de jurados, que são escolhidos por sorteio, disciplinado minudentemente pelo Código de Processo Penal.
A doutrina não é unânime acerca da natureza e legitimidade do Tribunal do Júri. Eugênio Pacelli Oliveira alerta:
“E o Tribunal do Júri, no que tem, então de democrático, tem também, ou melhor, pode ter também, de arbitrário.
E isso ocorre em razão da inexistência do dever de motivação dos julgados. A resposta à quesitação pelo Conselho não exige qualquer fundamentação acerca da opção, permitindo que o jurado firme seu convencimento segundo lhe pareça comprovado ou revelada ( aqui, no sentido metafísico) a verdade. E, convenhamos, esse é realmente um risco de grandes proporções. Preconceitos, ideias preconcebidas e toda sorte de intolerância podem emergir do julgamento em Plenário, tudo a depender da eficiência retórica dos falantes (Ministério Público, assistente de acusação e defesa.”(OLIVEIRA. 2014. Pag 719).
Em sentido oposto, posicionando-se a favor da instituição do Tribunal do Júri, Edilson Mougenot Bonfim, assim defende-o:
“ O Júri, pois, aproveitando-se da linguagem, é caro, pelo que despende de esforços para a sua constituição e preparo; é caro, ainda, e literalmente, em termos econômicos, por quantos nele se envolvem, pela estrutura que mobiliza, organizados pelo aparato de poder do Estado; é mais caro, todavia – agora em sentido mais nobre -, aos princípios da Democracia, que o legitimam e sustetam; mas é, não obstante, e por paradoxal que pareça, barato, o preço de sua mantença constitui-se quase no que os civilistas chamam de ‘preço vil’, quando se consideram seus ganhos: a sociedade decide diretamente, sem intermediários, sobre o crime que ela própria produziu e sofreu, não debitando, assim, a outrem eventual defeito de sua decisão, podendo sopesar a medida exata da sua convivência” (BONFIM, pág 818).
Não obstante, ainda persistirem diversas reações contrárias ao Tribunal do Júri, pautadas essencialmente no modo de decidir dos jurados, que decidem com base exclusivamente em sua convicção íntima e que, por isso não necessitam fundamentar suas decisões, o fato é que o Tribunal do Júri é um procedimento previsto constitucionalmente e tem regulamentação legal (arts. X a X do CPP), de modo que sua aplicação é imperiosa.
FASES DO PROCEDIMENTO DO TRIBUNAL DO JÚRI
O procedimento do Tribunal do Júri é bifásico. Existe a fase da instrução preliminar e a fase de julgamento propriamente dito ou da acusação em plenário.
Na fase da instrução preliminar, a principal tarefa do julgador é definir se o fato submetido ao juízo através da denúncia submete-se ou não à competência do Tribunal do Júri.
Nessa toada, admite-se que o juiz singular solucione a demanda através da absolvição sumária (art. 415 do CPP) ou da própria decisão de impronúncia (art. 414 do CPP), podendo ainda, decidir pela desclassificação do delito, remetendo os autos ao juízo competente.
Todavia, convencendo-se o juiz singular de que não se trata de nenhuma das hipóteses de absolvição sumária ( estiver provada a inexistência do fato; estiver provado não ser ele o autor ou partícipe do fato; o fato não constituir infração penal; e à exceção dos casos de inimputabilidade para os quais seja cabível a aplicação de medida de segurança), bem como existem, nos autos, material probatório suficiente acerca da materialidade do delito, bem como indícios suficientes de autoria, deve-se proceder à pronúncia do acusado.
DECISÃO DE PRONÚNCIA
A decisão de pronúncia decorre justamente da conclusão do juízo singular de que a acusação feita contra o acusado contém elementos probatórios suficientes que indiquem a materialidade do crime, bem como indícios – frise-se indícios - suficientes de autoria em relação ao crime sujeito à competência do Tribunal do Júri, em consonância com o art. 413, §1° do CPP.
Nesse sentido, toma-se a lição de Eugênio Pacelli:
“Na decisão de pronúncia, o que o juiz afirma, com efeito, é a existência de provas no sentido da materialidade e autoria. Em relação à materialidade, a prova há de ser segura quanto ao fato. Já em relação à autoria, bastará a presença de elementos indicativos, devendo o juiz, tanto quanto possível, abster-se de revelar um convencimento absoluto quanto a ela. É preciso considerar que a decisão de pronúncia somente deve revelar um juízo de probabilidade e não de certeza.” (OLIVEIRA. 2014. Pag 731).
A natureza jurídica da decisão de pronúncia é de decisão interlocutória mista, pois, ao passo que encerra um procedimento definido e é impugnável através de recurso em sentido estrito, nos termos do art. 581, IV do CPP.
Ressalte-se que, segundo o art. 420 do CPP, a intimação da pronúncia será feita pessoalmente ao réu, ao defensor nomeado pelo juiz e ao Ministério Público. Será feita através da imprensa oficial, nos casos de intimação ao patrono constituído, ao querelante e ao assistente de acusação. Por fim, será realizada por edital a intimação quando se tratar de acusado solto não encontrado.
OS DEBATES NA FASE DE JULGAMENTO EM PLENÁRIO
Conforme dispõe o art. 421 do CPP, configurada a preclusão da decisão de pronúncia, os autos serão encaminhados ao Juiz-Presidente do Tribunal do Júri.
Observado o procedimento previstos no CPP, no tocante a intimação das partes para a apresentação de rol de testemunhas e a produção das demais provas, o Juiz-Presidente fará uma espécie de saneamento do processo, enviando-o para inclusão em pauta de reunião do Tribunal do Júri.
Após a instrução, iniciam-se as sustentações orais, a começar pela acusação e depois pela defesa, com oportunidade de réplica e tréplica. Reserva-se o prazo de uma hora e meia para cada ato, respectivamente.
Nos termos do art. 478 do CPP, durante a sustentação oral as partes não poderão fazer referências, sob pena de nulidade a) à decisão de pronúncia, às decisões subseqüentes que julgaram admissível a acusação ou à ordem de uso de algemas como argumento de autoridade que favoreçam ou prejudiquem o acusado; e b) ao silêncio ou à ausência do réu em plenário.
Assim, é vedada, durante os debates, a menção à decisão de pronúncia como argumento de autoridade a fim de prejudicar ou beneficiar o réu.
Conforme a lição doutrinária de Renato Brasileiro:
“Argumento de autoridade seria uma falácia lógica que apela para a palavra de alguma autoridade a fim de validar o argumento. Este raciocínio é absurdo, vista que a conclusão baseia-a exclusivamente na credibilidade do autor da proposição e não nas razoes que ele tenha apresentado para sustentá-la. No âmbito do Júri, pode-se dizer que, ao invés de se valer da prova constante dos autos, as partes tentam formar o convencimento dos jurados apelando para uma decisão anterior do juiz-presidente ou do Tribunal acerca do caso concreto. Como os jurados são pessoas leigas, geralmente desprovidas de conhecimento técnico, podem ser facilmente influenciadas no sentido da condenação (ou absolvição) do acusado se lhes for revelado o entendimento do juiz togado acerca do caso concreto. Daí a importância de se vedar a utilização do argumento de autoridade” (LIMA. 2012. Pag. 487).
Porém, deve-se ter cautela ao inferir que toda e qualquer referência à decisão de pronúncia é causa de nulidade. Eugênio Pacelli afirma que é possível fazer menção à matéria de direito constante da pronúncia, a exemplo de causas de aumento ou qualificadora (PACELLI. 2014. Pag 748).
No julgamento do Habeas Corpus 248.617-MT, sob a Relatoria do Min. Jorge Mussi, julgado em 05/09/2013, divulgado no Informativo 513, o STJ afirma que somente haverá nulidade se a leitura ou as referências da pronúncia forem feitas com argumento de autoridade para beneficiar ou prejudicar o acusado.
Nesse sentido, colaciona-se o referido julgado:
HOMICÍDIO QUALIFICADO (ARTIGO 121, § 2º, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL). ALEGADA NULIDADE DO JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. ACUSAÇÃO. LEITURA EM PLENÁRIO DO ACÓRDÃO REFERENTE AO JULGAMENTO DO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. UTILIZAÇÃO DA REFERIDA PEÇA PROCESSUAL
COMO ARGUMENTO DE AUTORIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO PARA A DEFESA. EIVA NÃO CARACTERIZADA.
1. A interpretação conjunta e sistemática dos dispositivos do Código de Processo Penal que disciplinam os debates em Plenário do Tribunal do Júri leva à conclusão de que a simples leitura da pronúncia ou demais decisões que julgaram admissível a acusação não conduz, por si só, à nulidade do julgamento, o que só ocorre quando a menção a tais peças processuais é feita como argumento de autoridade, de modo a prejudicar o acusado. Doutrina. Precedente.
2. No caso dos autos, tendo o Parquet lido trecho do acórdão referente ao julgamento do recurso em sentido estrito interposto contra a decisão de pronúncia, peça processual que foi disponibilizada aos jurados, e não havendo comprovação de que a menção a tal documento teria sido feita como argumento de autoridade, de modo a prejudicar o paciente, inviável o reconhecimento da eiva vislumbrada na impetração.
3. É imperioso destacar que não consta dos autos cópia do acórdão cuja leitura foi feita em plenário pela acusação, o que impede este Sodalício de verificar se o seu conteúdo seria ou não danoso ao réu, como sustentado na inicial do writ.
4. O rito do habeas corpus pressupõe prova pré-constituída do direito alegado, devendo a parte demonstrar, de maneira inequívoca, por meio de documentos que evidenciem a pretensão aduzida, a
existência do aventado constrangimento ilegal suportado pelo paciente.
5. Habeas corpus não conhecido.
CONCLUSÃO
Pelo que já fora expendido, deverá ser decretada, portanto, a nulidade, caso a menção à decisão de pronúncia seja utilizada pela defesa ou pela acusação como argumento de autoridade, de modo a influenciar os jurados em razão da exclusiva circunstância que de ter sido proferida por juiz togado.
Porém, nem sempre a menção à decisão de pronúncia implica reconhecimento de nulidade, mormente quando não se faz a utilização dessa decisão como argumento de autoridade a fim de influenciar os jurados.
Assim, no procedimento previsto no Tribunal do Júri, conclui-se que a leitura ou menção da decisão de pronúncia durante os debates em plenário do Júri não acarretam, necessariamente, a nulidade do julgamento.
BIBLIOGRAFIA
BRASIL. Constituição Federal de 1988. 8ª edição. São Paulo. Editora Verbo Jurídico, 2012.
BRASIL. Código Penal. 8ª edição. São Paulo. Editora Verbo Jurídico, 2012.
BRASIL. Código de Processo Penal. 8ª edição. São Paulo. Editora Verbo Jurídico, 2012.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 18ª edição. São Paulo. Editora Atlas. 2014.
BONFIM, Edilson Mougenot. Ministério Público – Vinte e cinco anos do perfil constitucional. São Paulo. Malheiros Editores. 2013.
CAVALCANTE, Márcio Andre Lopes. Principais Julgados do STF e do STJ comentados de 2013. Manaus. Editora Dizer o dieito. 2014.
LIMA. Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Vol II. Niterói. Impetus. 2012.
Advogado. Pós Graduado em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, Osvaldo Teles Lobo. A decretação de nulidade, no procedimento do Tribunal do Júri, em razão de referências à decisão de pronúncia como argumento de autoridade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 maio 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39421/a-decretacao-de-nulidade-no-procedimento-do-tribunal-do-juri-em-razao-de-referencias-a-decisao-de-pronuncia-como-argumento-de-autoridade. Acesso em: 23 dez 2024.
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