RESUMO: O presente estudo pretende analisar a possibilidade de reconhecimento de vínculo empregatício entre advogados com vínculo jurídico formal de contrato associativo com sociedade de advogados. Nessa perspectiva, busca-se conciliar os institutos da subordinação jurídica, elemento essencial para configuração de vínculo de emprego, com a independência funcional propugnada no Estatuto da Advocacia e da OAB para o exercício da profissão de advogado.
PALAVRAS-CHAVE: atual concepção da subordinação jurídica, advogado associado, vínculo empregatício, possibilidade.
1. INTRODUÇÃO
O estudo do Direito do Trabalho alcança significativa especificidade a ponto de necessitar de institutos próprios e critérios teóricos para delimitação do seu âmbito de aplicação.
As relações de trabalho alcançaram tamanha complexidade que demandam um estudo aprofundado para saber se há ou não a incidência do Direito do Trabalho nos casos concretos. Para que haja essa incidência, faz-se necessário que essa relação de trabalho se especifique em relação de emprego, assim tipificado quando presentes os requisitos legais caracterizadores, quais sejam, serviço prestado por pessoa física, pessoalidade, onerosidade, não-eventualidade e subordinação.
Quando do surgimento das normas trabalhistas, o profissional intelectual, a exemplo do advogado, não era tido como empregado, por lhe faltar o requisito da subordinação, que, à época, era cravada como poder sobre a pessoa do empregado, estando este submetido a um constante controle sobre suas atividades mediante uma disciplina hierárquica rígida.
Contudo, diante das mudanças de gestão das empresas para se adequarem as nova abertura do mercado ocorrida com a globalização, passou-se a tratar o empregado não como um manipulador de máquinas ou sistema, mas sim como homem portador de atributos, dando-lhe maior autonomia que lhe permita exprimir o seu talento.
O controle do empregado não desapareceu, mas o seu objeto se modificou. Não se exerce mais sobre o modo de execução de uma determinada tarefa, mas, sim, sobre o seu resultado.
Essa autonomia no exercício de suas funções gerou um novo conceito no requisito da subordinação, de modo que o número de trabalhadores abrangidos pela tutela do Direito do Trabalho sofreu uma irrefutável ampliação, abarcando, inclusive, classes de trabalhadores até então considerados autônomos, a exemplo do advogado.
É fundamentado nessa nova abordagem a respeito da subordinação jurídica que o presente estudo visa demonstrar a possibilidade de reconhecimento de vínculo empregatício entre o advogado associado à sociedade advocatícia.
Este reconhecimento requer uma análise apurada de cada caso concreto, haja vista o Estatuto da Advocacia e da OAB prezar em diversos dispositivos pela independência funcional no exercício da função de advogado.
Assim, pretende-se demonstrar até que ponto a nova concepção da subordinação jurídica pode suplantar a isenção técnica e a independência funcional do advogado no exercício de suas funções, a ponto de ficar caracterizado o vínculo de emprego.
2. A RELAÇÃO DE EMPREGO
2.1 Relação de trabalho X Relação de emprego
A exploração da força de trabalho do empregado marcou a história da humanidade. A busca desenfreada por lucro, típico do mundo capitalista, suplantava a condição de ser humano do trabalhador subordinado. Isso sem fazer referência ao período da escravidão, em que o escravo não possuía sequer a qualidade de “ser gente”, já que não era considerado como pessoa, e sim como coisa, não recebendo qualquer tutela jurídica.
A Revolução Industrial gerou mudanças no setor produtivo e deu origem a classe operária, transformando sobremaneira as relações sociais. Os operários suportavam salários ínfimos, submetendo-se a jornadas desumanas e condições de higiene degradantes. As relações de trabalho possuíam regulamentação essencialmente autônoma.
Diante desse cenário, o surgimento de conflitos entre o individual e o coletivo, este representado pela classe operária que passara a ter uma consciência coletiva e sentimento de solidariedade, passou a ameaçar a própria estrutura da sociedade. O Estado, até então inerte, como simples observador dos acontecimentos, se viu na obrigação de regular as relações entre empregado e empregador: surge assim o Direito do Trabalho, dotado de normas imperativas e de cunho humanitário, social.
Mas quem o Direito do Trabalho busca proteger? Faz-se aqui necessário fazer a distinção entre relação de trabalho e relação de emprego.
Para Barros (2006, p. 203), os contratos de atividade, que representam a relação de trabalho, são “todos os contratos nos quais a atividade pessoal de uma das partes constitui o objeto da convenção ou uma das obrigações que ela comporta”. Desta forma, a expressão “relação de trabalho” tem caráter genérico, representando qualquer espécie de labor humano admissível, englobando a relação de emprego, a relação de trabalho autônomo, eventual, entre outras espécies.
O Direito do Trabalho tutela o empregado, aquele que a lei assim o considera. No nosso ordenamento jurídico, os requisitos caracterizadores da relação de emprego provêm do conceito de empregado e empregador dispostos na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (Decreto-Lei n° 5.452, de 1º de maio de 1943):
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Dos dispositivos transcritos depreende-se que os requisitos necessários para configuração da relação de emprego são cinco, quais sejam, trabalho realizado por pessoa física, pessoalidade, onerosidade, não-eventualidade e subordinação.
A ausência de qualquer um desses elementos descaracteriza o trabalhador como empregado. Delgado (2009, p. 269) os apelidam de elementos fático-jurídicos, uma vez que “verificados no mundo dos fatos, emanam uma relação jurídica de emprego”. Retrata também a necessidade da conjugação de todos eles: “o fenômeno sócio-jurídico da relação de emprego deriva da conjugação de certos elementos (elementos fático-jurídicos) inarredáveis, sem os quais não se configura a relação de emprego”.
Assim sendo, presente todos os pressupostos fático-jurídicos da relação de emprego, o trabalhador passa a ser considerado empregado, sendo-lhe garantido todos os direitos emanados pela norma juslaboral.
2.2 O Trabalhador autônomo
Diante do propósito do presente trabalho, é mister fazer alusão ao trabalhador autônomo.
Segundo a Lei nº 8.212/91, o autônomo é “pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica de natureza urbana, com fins lucrativos ou não”. Assim, é o trabalhador que “não transfere para terceiro o poder de organização de sua atividade” (GARCIA, 2010, p. 286).
O autônomo não é empregado por lhe faltar o requisito da subordinação, não tendo, por conseguinte, a incidência das normas trabalhistas. Nesse sentido, sustenta Barros (2006, p. 204):
O trabalho autônomo, por faltar-lhe o pressuposto da subordinação jurídica, está fora da égide do Direito do Trabalho. No trabalho autônomo, o prestador de serviços atua como patrão de si mesmo, sem submissão aos poderes de comando do empregador, e, portanto, não está inserido no círculo diretivo e disciplinar de uma organização empresarial. O trabalhador autônomo conserva a liberdade de iniciativa, competindo-lhe gerir sua própria atividade e, em consequência, suportar os riscos daí advindos.
Contudo há casos em que é difícil diferenciar o trabalhador empregado do autônomo. Segundo Garcia (2010, p. 143),
[...] para diferenciar essas espécies de prestações de serviços, deve-se verificar certos critérios práticos, tais como a existência de controle de jornada, de carteira de clientes, de visitas a serem feitas, de metas a serem necessariamente alcançadas, obrigatoriedade de comparecimento na sede da empresa e em reuniões, enfim, peculiaridades a serem aferidas em cada caso concreto.
Assim sendo, a intensidade de ordens no tocante à prestação dos serviços é que tenderá a determinar, em cada caso concreto, qual sujeito da relação jurídica detém a direção da prestação dos serviços: sendo o profissional, emergirá como autônomo; sendo o tomador de serviços, haverá subordinação e o vínculo será empregatício.
2.3 Requisitos da relação de emprego
Como já descrito, os elementos necessários para caracterizar uma relação de emprego provêm da própria Consolidação das Leis do Trabalho – CLT estampados nos conceitos de empregador e empregado.
Dos conceitos legais, verifica-se a presença de cinco elementos necessários para a caracterização de uma relação empregatícia, são eles: trabalho prestado por pessoa física, pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação.
A coexistência de todos esses elementos vai resultar em uma relação de emprego, de modo que passa a ser garantido ao então empregado todos os direitos trabalhistas previstos pela legislação.
Será explanado a seguir cada um desses elementos e as respectivas especificidades em relação ao empregado advogado.
2.3.1 Trabalho prestado por pessoa física
O empregado há de ser sempre pessoa física (natural). O direito do trabalho estabelece normas jurídicas em proteção da pessoa humana do trabalhador, garantindo o preceito maior de dignidade nas relações de trabalho (GARCIA, 2006, p. 147).
Nesse mesmo sentido, sustenta Delgado (2009, p. 270):
A prestação de serviços que o Direito do Trabalho toma em consideração é aquela pactuada por uma pessoa física. Os bens jurídicos (e mesmo éticos) tutelado pelo Direito do trabalho (vida, saúde, integridade moral, bem-estar, lazer, etc) importam à pessoa física, não podendo ser usufruídos por pessoas jurídicas. Assim, a figura do trabalhador há de ser, sempre, uma pessoa natural.
Nesse diapasão, a prestação de serviços por pessoa jurídica, sem fixação de uma pessoa física específica realizadora de tais serviços, tal como, por exemplo, a contratação de um escritório de advocacia por uma empresa para representá-la em Juízo, afasta a relação jurídica que se estabelece no âmbito justrabalhista, gerando um contrato de índole civil.
2.3.2 Pessoalidade
O pressuposto da pessoalidade refere-se à prestação de serviços pelo próprio trabalhador, sem que seja substituído constantemente por terceiros. Traz a ideia de infungibilidade no que tange ao trabalhador.
Rodrigues Pinto (2007, p. 120), ao tratar do requisito da pessoalidade, assim promana: “sendo a energia individual o alvo do interesse do empregador, para utilizá-la conforme seu poder de subordinação, é evidente que a substituição da fonte energética descaracterizaria o objeto do contrato.” E conclui: “isso acontece porque a escolha da fonte energética é feita com vistas à virtualidade individual, bem traduzida pelo que se convenciona chamar de qualificação do empregado, variável de indivíduo a indivíduo.”
Desta forma, a prestação do trabalho é admitida intuitu personae em relação ao empregado, de modo que o contrato de trabalho é celebrado em virtude do potencial oferecido pelo trabalhador.
Contudo, há situações em que se admite a substituição do trabalhador sem que haja supressão da pessoalidade inerente à relação empregatícia. A doutrina e jurisprudência são uníssonas em afirmar que substituições eventuais consentidas pelo empregador é permitida e não desconfigura a relação de emprego. Neste sentido, Delgado (2009, p. 271) leciona:
Citem-se as situações de substituição propiciadas pelo consentimento do tomador de serviços: uma eventual substituição consentida (seja mais longa, seja mais curta no tempo), por exemplo, não afasta, necessariamente, a pessoalidade com relação ao trabalhador original. É óbvio, contudo, que uma intermitente e constante substituição consentida pode ser parte relevante de um contrato de prestação de serviços de caráter autônomo e sem pessoalidade, o que colocaria a relação jurídica examinada distante da figura legal típica da relação empregatícia.
Em relação ao caso específico do advogado, a pessoalidade ganha especial relevância, haja vista que a natureza da atividade exercida por esse profissional exige, além de qualificação técnica, extrema confiança, aspectos estes sobremaneira específicos, de modo que fica difícil contratar qualquer um.
Além disso, quando o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 8.906/94) dispõe em seu art. 15, parágrafo 3º que “As procurações devem ser outorgadas individualmente aos advogados e indicar a sociedade de que façam parte” só vem demonstrar o caráter personalíssimo do exercício da advocacia.
Ressalte-se, porém, que o caráter intuitu personae tão evidente na contratação de advogado por uma sociedade, não pressupõe relação empregatícia. Faz-se necessário os demais pressupostos legais para sua configuração, essencialmente a subordinação. Desta forma, a pessoalidade poderá estar presente tanto em relação ao advogado empregado, quanto ao advogado contratado para prestação de serviços, sem subordinação.
Uma situação extremamente discutível diz respeito a substituição regular de advogado por outros que integram um mesmo escritório. Teria essa substituição o condão de retirar o requisito pessoalidade e, por conseguinte, descaracterizar qualquer vínculo empregatício? Essa questão foi discutida recentemente pela Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho (SDI-2 do TST), nos autos da ação rescisória n° TST-ROAR-36600-86.2007.5.06.0000 de relatoria do Des. Emmanoel Pereira (decisão publicada no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho em 05/04/2011) que decidiu no sentido de que a substituição do advogado por outros que integram o mesmo escritório, com o consentimento do empregador, não retira a possibilidade do reconhecimento do vínculo empregatício.
Registre-se que a referida decisão inova, inclusive, no que diz respeito a necessidade do requisito pessoalidade para configurar a relação de emprego, valendo transcrever a fundamentação da decisão na apreciação da matéria: “... o recorrente também poderia fazer-se representar pela equipe de advogados que integram o seu escritório, de modo que aceitou o recorrido a condição de substituição do recorrente e, no caso, a pessoalidade deixou de ser requisito indispensável à caracterização da relação de emprego. Ademais, na linha da melhor doutrina, o elemento exclusividade não é condição indispensável para reconhecimento da relação de emprego”.
2.3.3 Não eventualidade
O requisito da não-eventualidade apresenta grande divergência doutrinária e jurisprudencial. Várias teorias surgiram para tentar explicar o que seria o caráter não eventual disposto no art. 3º da CLT, a fim de contrapô-lo ao trabalho eventual, não abrangido pelas normas juslaborais. As teorias mais aceitas são a teoria da descontinuidade e a teoria dos fins do empreendimento.
A teoria da descontinuidade traz a ideia do conceito temporal sob a ótica do trabalhador. Para esta teoria, segundo Cassar (2008, p. 291), “considera-se eventual o trabalho que não se repete para um mesmo trabalhador, descontínuo, realizado de modo fracionado, episódico, raro, sem freqüência”. Observa-se sua ocorrência de modo disperso no tempo, “com rupturas e espaçamentos temporais significativos com respeito ao tomador de serviços examinado” (DELGADO, 2009, p. 274).
Já a teoria dos fins do empreendimento é analisada sob a ótica da empresa, sendo a teoria mais prestigiada pela doutrina. Segundo tal teoria o caráter não-eventual se verifica quando o trabalhador exerce atividades voltadas para o fim normal da empresa.
Delgado (2009, p. 276), apesar de considerar a teoria dos fins do empreendimento como a mais aceita, conclui que, para caracterização de uma atividade como não-eventual, não deve ser analisada apenas a atividade normal da empresa, mas deverá ser combinado com elementos outros, tais quais a descontinuidade da prestação do trabalho e a própria duração do trabalho prestado.
2.3.4 Onerosidade
O requisito da onerosidade provém do caráter sinalagmático do contrato de trabalho, por meio do qual as partes obrigam-se reciprocamente. Assim sendo, a cada obrigação de fazer, prestar serviço, corresponde uma obrigação de dar (pagar salário) equivalente.
É exatamente nesta obrigação de dar que surge o caráter oneroso do contrato de trabalho, tendo o empregado direito à contrapartida econômica pelos serviços prestados, consubstanciada no pagamento de salário.
Para descaracterizar este requisito como fundamento para argumentar a negativa de vínculo empregatício não basta o não pagamento de salário por inadimplência do tomador de serviços, haja vista que o que caracteriza a onerosidade não é o efetivo pagamento de salário, mas sim a intenção do trabalhador de se vincular a título oneroso. É o que a doutrina chama de animus contrahendi. Para Delgado (2009, p. 279), “essa expressão traduz, na verdade, a intenção do prestador de se vincular (ou não) a título oneroso e empregatício: inexistindo essa intenção, não há o plano subjetivo do elemento fático-jurídico da onerosidade”.
Desta forma, somente quando não há intenção do prestador em receber salário é que resulta descaracterizado o vínculo empregatício por ausência do pressuposto onerosidade. São os casos em que o serviço é prestado por simples benevolência, com intuito altruístico, com caráter religioso ou até mesmo decorrente de vínculo familiar. “Nestes casos, impede-se a configuração da relação de emprego, ainda que presentes a não eventualidade e a subordinação” (SOUTO MAIOR, 2008, p. 56).
A onerosidade é um requisito que não é alvo de controvérsia quanto a sua presença na contratação de advogados associados, haja vista a intenção do associado em receber pelo serviço prestado, que pode ser tanto em quantia fixa quanto em percentagem ou mesmo por participação. Tanto é assim que o próprio Regulamento Geral da OAB, em seu art. 39 alude à possibilidade de contratação de advogados associados para participação nos resultados. Essa participação configura a presença do requisito onerosidade na relação jurídica sociedade/associado.
2.3.5 Subordinação
O requisito mais importante e necessário a configuração de emprego, inclusive com peculiaridades em relação ao advogado é, sem dúvida, a subordinação.
Assim, através da subordinação, a prestação dos serviços é feita de forma dirigida pelo empregador, o qual exerce o poder de direção e sujeita o empregado ao seu poder disciplinar.
Para Cassar (2008, p. 266):
A subordinação nada mais é que o dever de obediência ou o estado de obediência ou o estado de dependência na conduta profissional, a sujeição às regras, orientações e normas estabelecidas pelo empregador inerentes ao contrato, à função, desde que legais e não abusivas.
Umas vezes de forma mais intensa, outras nem tanto, a subordinação está sempre presente na relação de emprego. Quanto mais o empregado sobe na escala hierárquica da empresa, ou quanto mais técnico ou intelectual o trabalho, como no caso do advogado empregado, normalmente a subordinação fica mais tênue, frágil. Neste sentido, Barros (2006, p. 245): “(...) a subordinação varia de intensidade, passando de um máximo a um mínimo, segundo a natureza da prestação de trabalho e à medida que se passa do trabalho prevalentemente material ao prevalentemente intelectual”.
Em virtude de sua importância na caracterização do vínculo de emprego e suas peculiaridades em relação ao trabalho intelectual, especialmente em relação ao advogado empregado, o estudo do requisito da subordinação será alvo de estudo em tópico próprio.
3. A SUBORDINAÇÃO NA RELAÇÃO DE EMPREGO
3.1 A evolução no conceito de subordinação
Desde os primórdios da humanidade, o estado de dependência entre os seres humanos esteve presente. Em cada período histórico algum tipo de trabalho foi predominante e marcou a forma de subordinação do Homem na relação de trabalho.
No próprio texto bíblico a tendência à subordinação é manifesta em Gêneses, quando supostamente criou Deus os céus e a terra, fez o Homem a si subordinado. Para Martins (2005, p. 37), “inicialmente o trabalho foi considerado na Bíblia como castigo. Adão teve de trabalhar para comer em razão de ter comido a maçã proibida”.
Para Chohfi (2009, p 35),
[...] os controvertidos atos de Adão e de Eva criaram a necessidade de o Homem sustentar-se pelo trabalho, especialmente o físico. Ainda não se falava numa relação bem definida de capital e trabalho. Portanto, não havia de se pensar em subordinação do trabalho pelo dinheiro. Mas, em tese, em tais teorias, a subordinação do Homem ao Criador já era um início do instituto da subordinação. Afinal, pela citada teoria criacionista, foi este quem determinou a prestação do trabalho, ao aniquilar com as facilidades existentes até então. No mínimo havia uma relação na qual a diferença de poderes era evidente, já que Adão – o primeiro trabalhador – obedeceu às ordens divinas e, logo que praticou o dito ilícito da época, teve de iniciar a labuta para poder sobreviver.
O Homem, por se tratar de um ser eminentemente social, além de superveniente ao Criador e aos laços de parentesco e de comunidade, desde sua origem esteve predisposto à subordinação.
3.1.1 A subordinação como direito de propriedade
A primeira vertente da subordinação real pelo trabalho surgira predominantemente a partir do século VIII a.C. com a escravidão. O escravo era tido como uma máquina, uma coisa, e, nos termos ditos por Barros (2006, p. 51), “o escravo era destituído do direito à vida e ao tratamento digno, embora estivesse o amo sujeito a sanções penais se o matasse sem causa”.
Na época, foram escritas algumas obras que justificariam a escravidão, inclusive por Platão e Aristóteles, que a consideravam um fenômeno natural, uma vez que cumpria um papel essencial, sendo justa e necessária, pois deixava os homens livres do labor para se dedicarem às atividades intelectuais, filosóficas e políticas[1].
O escravo não era sujeito de qualquer direito, enquadrando-se como um objeto do direito de propriedade. Não havia trabalho livre, não havia liberdade, representando “um óbice moral, hoje intransponível, de justificar a plena degradação da pessoa humana por um sistema social e de poder” (PORTO, 2009, p. 21).
3.1.2 A subordinação como direito de posse
No feudalismo, os senhores feudais eram detentores dos meios de produção. Aqueles que não possuíam tais meios – os servos – trabalhavam para o senhor em troca de proteção. Surge uma nova espécie de trabalho, desta vez, pelo menos em tese, livre.
Os servos já se apresentavam como sujeitos de direito, contudo estava inserido em um dos polos de uma relação de trabalho sob fortes fatores de dependência social e jurídica, devidamente legitimados pelo poder político (CHOHFI, 2009, p. 39).
Surge o instituto da posse[2], que retrata a passagem do trabalhador escravo para o camponês livre de direitos, mas preso a um senhor por um costume da época. O camponês possuía a força de produção sobre a terra e o senhor feudal detinha a própria terra. O camponês, além da submissão jurídica emanada pelas regras costumeiras da época, também possuía dependência econômica.
Segundo Barros (2006, p. 54),
A relação dos servos, pelo menos no Baixo Império Romano, era muito próxima à dos escravos. Eles eram escravos alforriados ou homens livres que, diante da invasão de suas terras pelo Estado e, posteriormente, pelos bárbaros, tiveram que recorrer aos senhores feudais em busca de proteção. Em contrapartida, os servos estavam obrigados a pesadas cargas de trabalho e poderiam ser maltratados ou encarcerados pelo senhor, que desfrutava até mesmo do chamado jus primae noctis, ou seja, direito à noite de núpcias com a serva da gleba que se casasse.
Embora não tivesse uma subordinação criada pelo Homem por intermédio do Direito, havia uma dependência típica da relação de quem tem os meios de produção em face daquele que detinha a força de trabalho.
3.1.3 Subordinação clássica do período industrial.
A indústria deu oportunidade para o ex-camponês se tornar operário, trabalhando nas nascentes fábricas em troca de remuneração, o que provocou um grande movimento migratório dos camponeses aos centros urbanos. Agora, sem terra para trabalhar e sem ferramentas para o trabalho artesanal, a escolha consistia em trabalhar ou morrer de fome. A liberdade então festejada, não representaria sujeitos efetivamente livres. A respeito do tema, Porto (2009, p. 24) esclarece:
Mesmo que se admita que o operário detinha maior liberdade do que o escravo ou o servo – o que é discutível – as suas condições de trabalho e de vida talvez fossem até piores. Com efeito, como o escravo compunha parte valiosa do patrimônio do senhor, este tinha interesse na preservação de sua saúde e integridade física. Ao contrário, o industrial explorava ao máximo o operário e depois simplesmente o “descartava”, tratando-o como se “fungível” fosse, pois a sua substituição não lhe causava prejuízos.
Diante desse cenário, em que o operário era tratado como ser “fungível”, é que surge o conceito de subordinação clássica. O operário que negasse a prestação de serviços sob as condições impostas por um empregador incessantemente sedente por lucro era substituído por outro.
O sistema econômico capitalista provocou a instituição de relações de trabalho homogêneas, padronizadas: o operário trabalhava dentro da fábrica, sob a direção do empregador, que lhe dava ordens e vigiava seu cumprimento, podendo inclusive puni-lo.
Nesse contexto histórico, o trabalhador estava submetido a uma disciplina hierárquica rígida, sendo reduzida ao mínimo a sua possibilidade de efetuar escolhas. O empregador, através de seu poder diretivo, controlava diretamente toda atuação laboral do seu empregado em todos os aspectos: conteúdo, modalidade, tempo, lugar, etc.
Esse conceito clássico de subordinação, marcada pela forte direção patronal em todos os aspectos da prestação laboral, apenas reflete o período vivido à época com o novo sistema capitalista.
Contudo, com o passar do tempo e com as transformações econômicas e sociais, o método de subordinação haveria de mudar...
3.1.4 As transformações sociais e as mudanças na concepção de subordinação
As grandes mudanças na conjuntura socioeconômica, notadamente aquelas ocorridas a partir da década de 1970, provocaram grandes repercussões nas relações de trabalho. Os trabalhadores, sobretudo nas indústrias, passaram a exercer atividades não mais de manipulação de materiais, mas, sim, de controle de automações complexas, cuja atividade requer alto grau de especialização.
Na indústria, o modelo tradicional sofreu alterações consideráveis. A elevação do nível de qualificação dos empregados, a pressão da concorrência e as inovações tecnológicas resultaram em uma mudança na concepção de administração.
Além disso, o impacto da globalização, a corrida por novas tecnologias e a diminuição das barreiras entre os países com a consequente troca de culturas trouxeram ao âmbito das empresas cobranças por medidas responsáveis de gestão.
Entre essas mudanças de gestão na concepção do modo de administrar está a gestão por competência, em que o trabalhador não é visto como um manipulador de um sistema ou máquina, mas sim como homem portador de atributos, com capacidade pessoal como fator de produtividade. É conferido ao trabalhador uma autonomia que lhe permita exprimir o seu talento. Os empregados são submetidos a uma obrigação por resultado, mas do que obrigação de meio, resultando maior liberdade na execução do seu trabalho.
Essa é a nova concepção de subordinação nos dias atuais: a relação entre empregado e empregador adquire flexibilidade, tanto em relação ao lugar, quanto ao tempo e as modalidades de prestação de serviços.
Nas lições de Porto (2009, p. 89),
[...] parte-se da ideia de que a qualidade do trabalho é essencial à qualidade do produto. São incentivadas a maior qualificação profissional e a participação e envolvimento dos trabalhadores nas políticas da empresa. A força de trabalho competente e motivada torna-se um fator estratégico para o aumento da produtividade. A organização empresarial deixa de ser um relógio – que funciona se todas as suas partes trabalham como foram projetadas e se transforma em um organismo – onde todas as partes desenvolvem funções especializadas, mas interagem entre si.
Há, portanto, uma maior autonomia do empregado no exercício de suas funções, ao mesmo tempo em que lhe é exigido na fase posterior, quando são apresentados os resultados do trabalho efetuado.
Desta forma, com o novo conceito de subordinação, o número de trabalhadores abrangidos pela tutela do Direito do Trabalho sofreu uma irrefutável ampliação. Neste sentido, Porto (2009, p. 47):
Como, historicamente, os primeiros obreiros protegidos foram os operários, isto é, trabalhadores preponderantemente manuais, houve uma resistência inicial em se incluir no campo do Direito do Trabalho os demais trabalhadores, como os intelectuais. Todavia, com o passar do tempo, essa inclusão acabou sendo efetuada, como destaca José Martins Catharino, ocorrendo uma “expansão centrífuga – em relação ao núcleo da disciplina”. Nesse processo foi fundamental a “elasticidade no conceito de subordinação”, que atuou de “maneira centrípeta”, atraindo para o manto juslaboral trabalhadores que, nos termos do conceito tradicional de subordinação, não eram tidos como empregados.
Um exemplo típico da nova concepção do conceito de subordinação podemos verificar no teletrabalho. A execução da prestação laborativa se dá em lugar diverso daquele em que se encontra o empregador, de modo que até mesmo a conexão entre trabalhador e empregador se dá por meio da utilização dos recursos da tecnologia de informação.
Diante do exposto, torna-se claro que o conceito de subordinação jurídica evoluiu em face das novas modalidades de prestação de serviços, ficando configurado pela simples inserção do trabalhador no processo produtivo do tomador, independentemente do recebimento ou não de ordens diretas. O controle do empregado não desapareceu, mas o seu objeto se modificou. Não se exerce mais sobre o modo de execução de uma determinada tarefa, mas, sim, sobre o seu resultado. Isso, sem dúvida, deixa uma linha divisória muito tênue entre a relação de emprego e o trabalho autônomo.
3.2 Natureza jurídica da subordinação
A doutrina juslaboralista esteve concentrada no aspecto da natureza jurídica da subordinação ao longo da evolução do Direito do Trabalho. Foram construídas diferentes correntes explicativas. Cada corrente busca qualificar a subordinação com um adjetivo que lhe pareça mais preciso, o que fez nascer os tipos seguintes: subordinação técnica, moral, social, econômica e jurídica.
A subordinação técnica parte do pressuposto que o empregador detém o domínio técnico da produção ou do serviço. Segundo Rodrigues Pinto (2007, p. 126), “repousou ela na premissa de que o empregador detém, junto com o poder de determinar o trabalho, o saber fazê-lo”. A teoria é falha: a expansão tecnológica dos meios de produção e a conseqüente profissionalização na execução das tarefas tornou possível ao empregado ter maior conhecimento técnico que o empregador.
A subordinação moral se originaria na obrigação assumida pelo empregado de contribuir para o fim da empresa com fidelidade, lealdade e cooperação. Contudo, “a dependência moral, bastante relativa, é efeito e não causa. Portanto, não serve para caracterizar o contrato de emprego” (GUIMARÃES PESSOA, 2009, p. 54).
A subordinação social significa que “o empregado estaria em posição social inferior em relação ao empregador, por ser este o titular do empreendimento” (GARCIA, 2009, P, 148). Porém a relação de emprego pode existir sem que esta situação esteja presente.
A subordinação econômica parte do pressuposto que o empregado é economicamente dependente do empregador, necessitando obter a remuneração para que possa sustentar-se. Se tal teoria poderia ser considerada correta na época da Revolução Industrial foi dissolvida com o passar do tempo, consoante Rodrigues Pinto (2007, p. 126):
A especialização das tarefas e a qualificação crescentemente sofisticada do empregado para executá-las o tornam cada vez menos dependente da retribuição por um empregador para subsistir na sociedade. São até comum casos de empregados com mais de um emprego, todos em nível de retribuição bastante elevado e mais do que suficiente para seu sustento, que está amparado, portanto, no conjunto das relações e não em qualquer delas, individualmente.
A subordinação jurídica provém do fato de que a dependência surge de um contrato de trabalho, espécie que deriva de uma norma legal, inserta no art. 3° da CLT como requisito para reconhecimento do vínculo empregatício. Nas palavras de Rodrigues Pinto (2007, p. 128), “a subordinação jurídica, resulta de que, pela própria substância da relação estabelecida pelos contratantes, um se coloca sob o domínio do outro, como condição para implemento da relação”.
Assim sendo, o empregado aceita, livremente, mediante contrato expresso ou tácito[3], se submeter ao poder diretivo do empregador. “A relação de emprego advém da livre transferência do autogoverno do trabalhador a terceiro para a execução de serviços” (GUIMARÃES PESSOA apud. NASCIMENTO, 2009, p. 128).
Cabe aqui repisar que a subordinação jurídica é vista sob o aspecto objetivo, de modo que atua sobre o modo de realização do serviço e não sobre a pessoa do empregado (aspecto subjetivo). Neste sentido assevera Barros (2006, p. 247):
O empregador mantém o direito de comandar não porque seja senhor e sim porque é credor de trabalho” (Sinzheimer). A subordinação não incide sobre a pessoa do empregado, dentro ou fora da empresa, “como se fosse um tutelado ou curatelado”, mas sobre a execução se sua atividade. Refere-se à matéria do serviço, ficando o empregado em igualdade de condições na formação da relação jurídica e na manutenção de suas condições essenciais.
A subordinação jurídica resulta, para o empregador, em três características: a) poder diretivo, dando, através dele, conteúdo concreto à atividade do empregado; b) poder disciplinar, por meio do qual o empregador poderá impor sanções aos empregados; c) poder hierárquico ou de organização, em que o patrão organiza a estrutura econômica e técnica da empresa.
No tocante ao empregado, a subordinação jurídica resulta no dever de obediência, mesmo que tênue, como acontece nos casos de altos empregados ou empregados intelectuais, a exemplo do advogado.
Desta forma, a natureza jurídica dada ao fenômeno da subordinação é hoje incontroversa na doutrina e jurisprudência. Contudo, convém ressaltar que na análise de casos concretos em que se averigua eventual relação de emprego, os aspectos técnicos e econômicos não são totalmente inaproveitáveis. É o que ressalva Rodrigues Pinto (2007, p. 128):
A distinção entre o trabalho subordinado e o trabalho autônomo é menos fácil de estabelecer do que parece à primeira vista. E em grande número de vezes a dificuldade se apresenta exatamente na visão opaca oferecida pela subordinação, que não possibilita distinguir, com rigor, sua essência contratual, e, portanto, jurídica. Em tais contingências, as demais teorias explicativas podem ser acionadas como preciosos critérios auxiliares de identificação, pois, por exemplo, se for muito clara uma dependência econômica e/ou técnica, por trás dela deverá estar a jurídica, como acontece no caso de trabalhadores da alta hierarquia empresarial, que são depositários da confiança imediata do empregador, circunstância que embaça a subordinação jurídica.
3.3 O Trabalhador Intelectual
3.3.1. Caracterização e evolução histórica quanto à possibilidade de qualificação como empregado.
De acordo com Barros (2006, p. 260), trabalhadores intelectuais são “aqueles cuja atividade pressupõe uma cultura científica ou artística, como o advogado, o médico, o dentista, o engenheiro, o artista, entre outros”. Distinguem-se dos que exercem serviços manuais por desenvolverem trabalhos intelectuais ou artísticos e por exercitarem seus serviços com mais autonomia, de modo que a subordinação se mostra mais rarefeita.
Durante muitos anos difundiu-se a ideia de que o contrato de trabalho era incompatível com os trabalhadores intelectuais, haja vista ausência de subordinação.
De fato, tinha-se que somente os trabalhos manuais poderiam ser objeto de contrato de trabalho. Neste sentido, o civilista Pothier, no século XVIII, assim ensinava:
[...] apenas os serviços ignóbeis, mensuráveis em dinheiro, são suscetíveis ao contrato de locação, tais como aqueles dos serviçais, dos trabalhadores manuais, dos artesãos etc. Aqueles cuja excelência ou a dignidade da pessoa que os presta os impede de serem mensurados em dinheiro não são suscetíveis[4].
À época, considerava-se que somente os serviços ditos “ignóbeis” eram suscetíveis de apreciação monetária e poderiam ser objeto de contrato de natureza trabalhista. O trabalho intelectual distinguia-se pela excelência ou pela dignidade do seu prestador, de modo que não permitia o seu desenvolvimento em troca de remuneração, admitindo-se doações em homenagem ao serviço prestado. Assim surgiu a diferenciação entre salário e honorário, sendo este uma “recompensa pelo serviço, de caráter inestimável – do homem da arte” (Porto, 2009, p. 54).[5]
Contudo, sobreveio a “proletarização dos intelectuais”. Para Barros (2006, p. 259), “a extensão da legislação trabalhista ao trabalhador intelectual ocorreu após a Primeira Guerra Mundial, com a crise das carreiras liberais e a transformação de seus membros em proletários.” Para a referida autora, isso ocorreu com a concentração das empresas jornalísticas, com o surgimento de mutualidades médicas com milhares de associados e com o aumento de escritórios jurídicos e outras instituições similares.
Hoje é cediço a possibilidade de atuação de trabalhadores intelectuais como empregados, porquanto a própria Constituição Federal de 1988 proíbe distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos (art. 7°, XXXII, CF/88). Para Delgado (2009, p. 332), a partir da vedação expressa contida na Constituição Federal, o tema passa a carecer de relevância, face a sedimentação do entendimento.
Os trabalhadores intelectuais podem exercer suas atividades de forma autônoma ou como empregado, quando preenchidos os requisitos legais para sua caracterização, ou ainda podem atuar como empregadores. Desta forma, para fins de qualificação, é imprescindível atestar a presença da subordinação.
3.3.2 A subordinação jurídica no trabalho intelectual
Uma das principais características do trabalhador intelectual é sua sapiência técnica. Assim sendo, mais intenso é seu poder de iniciativa, exigindo-se respeito a sua autonomia como trabalhador.
Desta forma, quanto mais o serviço se intelectualiza, mais se dilui a subordinação. Neste sentido, Porto (2009, p. 55):
Em razão do caráter técnico da sua prestação, ele não está submetido, em geral, a ordens patronais com relação ao conteúdo e modalidade de execução desta última. De fato, ele é contratado pelo empregador exatamente porque este não detém os conhecimentos específicos, que são necessários ao processo produtivo. Do mesmo modo, como muitas vezes o que interessa é o resultado da sua atividade, eles gozam de maior liberdade com relação ao horário de trabalho e ao local da prestação de serviços (que podem, por exemplo, ser executados, em parte, em sua própria residência). Desse modo, o conceito de subordinação aplicável a esses trabalhadores deve ser mais amplo e flexível do que a noção tradicional.
O advogado se insere na categoria de trabalhador intelectual, de modo que para se verificar eventual relação empregatícia, há de se observar a presença do pressuposto da subordinação em sua atual concepção, requerendo a observância minuciosa desse requisito no caso concreto, notadamente em virtude da independência ao exercício da advocacia propugnada pela Lei n° 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e OAB).
Independência e subordinação, institutos contraditórios cuja compatibilidade será analisada no tópico seguinte.
4. ANÁLISE DOS CONTRATOS ASSOCIATIVOS DAS SOCIEDADES DE ADVOGADOS SEGUNDO A NOVA CONCEPÇÃO DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
4.1 Contratos associativos de advogados
A necessidade de prestação de serviços de advocacia exige alto grau de especialização, de modo que se torna praticamente impossível ao advogado, individualmente, atender as necessidades de seus clientes em todas as áreas do direito, com qualidade e competência.
Ademais, o acúmulo de prazos a serem cumpridos, a necessidade de se fazer presente em audiências, e até mesmo ter que arcar com os custos da instalação e manutenção de um escritório, quase que inviabiliza o exercício da advocacia sem a colaboração recíproca entre profissionais.
Desta forma, para melhor organização das atividades da advocacia, é cada vez mais comum a constituição de sociedades de advogados e a contratação de associados por meio destas sociedades, de modo a otimizar os serviços prestados aos seus clientes.
Segundo Sérgio Ferraz apud Gondin (2004, p. 49):
[...] a finalidade da associação de advogados é de ordem prática. Por este meio permite-se que a sociedade estabeleça uma relação profissional com advogados nas várias especialidades da atividade da advocacia, sem que haja necessidade de incluí-los como sócios.
O surgimento do advogado associado no ordenamento jurídico se deu com o Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, publicado em 16/11/1994, e, segundo Ferraz (2004, p. 48), “disciplinou algo já plenamente existente no mundo fático”.
O Regulamento prevê, em seu art. 39, que “A sociedade de advogados pode associar-se com advogados, sem vínculo de emprego, para participação nos resultados”.
Como se observa, o dispositivo exclui expressamente a formação de vínculo empregatício entre o associado e à sociedade. Assim, indaga-se: quando os elementos caracterizadores da relação de emprego podem se fazer tão presentes que o vínculo jurídico entre o associado e a sociedade de advogados pode se transformar em contrato de emprego?
Segundo Neto (2011, p. 146) “mesmo trabalhando sob o mesmo teto e usufruindo a estrutura organizacional da sociedade de advogados, o advogado associado mantém sua independência”. E conclui: “não se subordina às ordens dos administradores da sociedade que não interfere minimamente em sua atuação, trabalhando ele segundo seu modo de agir e sua convicção”.
Assim, segundo o autor, por não haver o requisito subordinação jurídica, estaria descaracterizada qualquer possibilidade de reconhecimento de vínculo de emprego.
Contudo, na realidade fática, nem sempre a subordinação jurídica está ausente. Desta forma, verificados os requisitos da pessoalidade, da não-eventualidade e da onerosidade, a análise da existência da subordinação jurídica se torna o elemento vital para caracterização do vínculo de emprego entre o advogado associado e a sociedade.
Na verdade, não ser sócio, não ser empregado e ser associado da sociedade de advogados atravessa uma zona cinzenta. É o que a doutrina costuma chamar de Zones Grises: o limite entre a autonomia e a subordinação mostra-se muito tênue.
Ademais, no caso do advogado, espécie de trabalhador intelectual, a caracterização da subordinação jurídica fica ainda mais difícil em função da independência funcional instituída pela OAB.
Assim sendo, somente por meio da análise de cada caso concreto e valendo-se do princípio da primazia da realidade, poderá ser desconstituído um contrato associativo formal entre o advogado e a sociedade de advogados restando configurado um vínculo de emprego, com todas as consequências daí decorrentes.
4.2 Subordinação jurídica versus isenção técnica e independência profissional inerente à advocacia. Análise de sua compatibilidade.
Como explanado em capítulo próprio, a subordinação do trabalhador intelectual assume características peculiares, haja vista maior autonomia no exercício de suas funções. Notadamente em relação ao advogado, esta autonomia se mostra mais acentuada, mormente disciplinada no Estatuto da Advocacia e OAB (Lei n° 8.906/94), que em seu art. 18, dispõe: “A relação de emprego, na qualidade de empregado, não retira a isenção técnica nem reduz a independência profissional inerentes à advocacia.”
Sobre a isenção técnica contida no dispositivo, esclarece Paulo Lôbo (2011, p. 135):
Entende-se por isenção técnica do advogado empregado a total autonomia quanto a correta aplicação dos atos, meios e prazos processuais, sem interferência do empregador. O advogado empregado não pode prosseguir orientação tecnicamente incorreta, mesmo quando ditada pelo empregador. Na atuação técnica o advogado deve seguir apenas sua consciência profissional e ética. Nessa área estritamente profissional, a relação de emprego não o alcança.
Ademais, o Código de Ética e Disciplina, em seu art. 4° estabelece que o advogado empregado deve zelar por sua independência e liberdade profissional, sendo legítima a recusa do patrocínio de causas cujas consequências lhe sejam aplicáveis ou de qualquer pretensão do empregador que contrarie orientação sua manifestada anteriormente.
A respeito da independência profissional, leciona Paulo Lôbo (2011, p. 135):
Sem independência profissional não há advocacia. Desde suas mais remotas origens, a advocacia só pode ser exercida com absoluta independência em face do poder político e do próprio cliente. A subordinação hierárquica, própria da relação de emprego, é limitada pela independência profissional do advogado, que não pode ser maculada. A isenção técnica e a independência profissional são requisitos indisponíveis e interdependentes do exercício da advocacia. A decisão de ajuizar alguma ação ou de encetar algum negócio jurídico é do empregador, mas a realização é ato profissional exclusivo do advogado.
Diante dos dispositivos expostos, temos que se a relação de emprego pressupõe subordinação, o exercício da advocacia requer liberdade e independência.
O advogado está sujeito ao controle no exercício de sua profissão por órgão próprio, a OAB, se submetendo aos dispositivos dos respectivos estatutos.
Por outro lado, ao celebrar um contrato de trabalho, mesmo não sendo esta a intenção inicial, mas que assim fique configurado, o advogado se submete à direção do empregador.
Desta forma, para coadunar independência com subordinação, esta deve restringir-se à função de coordenar o trabalho desse profissional, abrangendo somente atos de caráter administrativo ou organizativo, como, por exemplo, atos de controle de horário e local do exercício das funções, indicação de processos etc.
Assim sendo, perfeitamente cabível a relação de trabalho subordinado contemporaneamente com a legislação regulatória do exercício profissional.
4.3 O princípio da primazia da realidade e a configuração de vínculo empregatício entre a sociedade de advogados e seus associados
O Princípio da primazia da realidade significa que as relações jurídico-laborais se definem pelos fatos e não pela forma que lhes são dadas. Desta forma, “a relação objetiva evidenciada pelos fatos define a verdadeira relação jurídica estipulada pelos contratantes, ainda que sob capa simulada, não corresponda à realidade” (SUSSEKIND, 1999, p. 173).
Para Cassar (apud. Plá Rodriguez, 2008, p. 201), isto significa que, “em matéria trabalhista, importa o que ocorre na prática mais do que as partes pactuarem, em forma mais ou menos solene ou expressa, ou o que se insere em documentos, formulários ou instrumentos de contrato.”
Pedreira da Silva (1999, p. 205) relata que o princípio surgiu inicialmente no Uruguai, integrando ao seu direito legislado, cristalizado através do art. 14 da Lei do Contrato de Trabalho, nos termos seguintes: “será nulo todo contrato pelo qual as partes hajam procedido com simulação ou fraude à lei trabalhista, seja aparentando normas contratuais não laborais, interposição de pessoas ou qualquer outro meio.”
Os fundamentos para aplicação do princípio são bem gizadas por Pedreira da Silva (apud. Plá Rodrigues, 1999, p. 211).
O primeiro fundamento é o da dignidade da pessoa humana. Assim, explica-o:
Dado que o efeito principal do contrato é a prestação da atividade humana, parece claro que esse fato – que em algum grau participa da dignidade procedente da natureza humana – deve prevalecer sobre um elemento puramente intelectual e especulativo, como pode ser um texto de um contrato.
Outro pilar que sustenta o princípio da primazia da realidade é a desigualdade entre as partes:
Se bem não seja a desigualdade entre as partes tão terminante como nos começos de nosso Direito devido à maior instrução dos trabalhadores, a ação pujante das associações sindicais e à intervenção do Estado, ainda há situações pelas quais um trabalhador aceita um contrato que não reflete a realidade da vinculação que o une com o seu empregador. Em consequência, e com o fim de evitá-lo é que se analisa como em realidade se desenvolve essa vinculação e daí extrair as consequências para a determinação da verdade (PEDREIRA DA SILVA apud RUPRECHT, 1999, p. 212).
Um terceiro fundamento que alicerça o princípio é a interpretação racional da vontade das partes:
Os fatos revelam a vontade real das partes, já que se o contrato se cumpre de determinada maneira é porque as duas partes consentem nisto. E esse consentimento tácito – mas indiscutivelmente válido e claro – deve prevalecer sobre o texto escrito primitivo por ser posterior, e sobre qualquer documento procedente de uma só das partes por bilateral (PEDREIRA DA SILVA apud. PLÁ RODRIGUES, 2009, p. 212).
É de bom alvitre ressaltar que a adoção do princípio da primazia da realidade não se trata de recusa ao antes estipulado contratualmente. Significa apenas que as estipulações não gozam de presunção absoluta e sim de estipulação que admite prova em contrário, portanto juris tantum. O que foi ajustado prevalece enquanto não se demonstrar que está em desacordo com a verdade. Neste sentido, Pedreira da Silva (1999, p. 213): “enquanto não se demonstre que a conduta das partes for distinta, o que se exige a prova dos fatos que se afastaram dos textos contratuais, fica prevalecendo a presunção emanada do texto do contrato”.
Havendo prova de discordância do pactuado e os fatos, o pactuado deve ser declarado nulo, sendo, portanto, carecedor de eficácia, pelo que o acordado em violação da lei fica substituído pelas disposições de ordem pública.
A respeito da aplicação do princípio da primazia da realidade, oportuno transcrever informativo jurisprudencial da lavra do Tribunal Regional do Trabalho da 2° Região com referência ao julgamento proferido nos autos do processo n° 0174800-83.2008.5.02.0086 (Relator Des. Davi Furtado Meirelles, pub. DEJT em 13/4/2011):
Decisão do relator desembargador Davi Furtado Meirelles da 14ª Turma do TRT-2, confirma vínculo do empregado, com base no Princípio da Primazia da Realidade, caracterizando o vínculo empregatício, a partir da analise a própria realidade dos fatos, sobrepondo aos demais aspectos formais defendidos pelo empregador. A maior relevância dada à realidade dos fatos é um dos princípios basilares da Justiça do Trabalho, e denomina-se Princípio da Primazia da Realidade. Esse princípio defende ser o contrato de emprego um contrato-realidade, ou seja, um contrato baseado na realidade do dia a dia da relação entre empregado e empregador, e não apenas nos aspectos formais apresentados em juízo, tal qual ausência de registro em CTPS ou ainda recibos de pagamento a autônomo. Na maioria das vezes, o reclamado tenta descaracterizar o vínculo empregatício pretendido pelo reclamante, alegando-o como mera relação civil de prestação de serviços, em que estariam ausentes os elementos caracterizadores do vínculo de emprego constantes do art. 3º da CLT - subordinação, pessoalidade, onerosidade e pessoalidade. Todavia, e considerando-se o referido Princípio da Primazia da Realidade, o trabalho defendido como autônomo pelo réu, mas que foi contratado para a consecução da própria atividade essencial da empresa deve ser considerado totalmente irregular. Como é sabido no universo trabalhista, os riscos da atividade econômica, devem ser suportados exclusivamente pelo empregador, sendo ilícita essa transferência para o trabalhador. Caso isso ocorra, fica caracterizada a fraude à legislação trabalhista, como também previsto na Consolidação das Leis do Trabalho - art. 9º. Dessa forma, a sentença de origem (86ª VT de São Paulo), que já havia decidido pelo reconhecimento do vínculo empregatício pretendido pelo reclamante, foi confirmada pela decisão dos desembargadores da 14ª Turma do TRT-SP - 2ª Região.
Diante do exposto, é através da aplicação do princípio da primazia da realidade que um contrato de prestação de serviços com a carapuça formal de contrato associativo entre advogado e sociedade de advogados pode ser desmascarado, fazendo prevalecer a verdade dos fatos e, por conseguinte, o reconhecimento de um contrato de emprego.
Com a aplicação do princípio da primazia da realidade, despreza-se a ficção jurídica do contrato associativo.
Ressalte-se que para a declaração de nulidade do contrato, faz-se necessário que este tenha sido firmado de modo a fraudar a legislação trabalhista e privar o advogado-empregado dos direitos emanados pela legislação laboral. Desta forma, o contrato associativo é perfeitamente válido quando a relação entre os contratantes não consubstanciam relação empregatícia, aferíveis pela observação dos requisitos constantes nos art. 2° e 3° da CLT.
Na averiguação dos requisitos configuradores da relação empregatícia entre advogado e sociedade, a subordinação jurídica ganha aspecto relevante. Isso porque os demais requisitos estarão quase sempre presentes, quer na relação de emprego, quer na relação cível decorrente do contrato associativo.
A pessoalidade, por exemplo, é inerente tanto ao exercício profissional autônomo do advogado quanto do empregado, já que ao contratar um advogado para prestar serviços como associado, a sociedade o faz em virtude de suas qualidades pessoais, não sendo, portanto, este requisito, por si só, determinante da existência de vínculo de emprego.
A onerosidade é outro requisito que também é inerente a quem exerce a profissão de advogado, de modo que ao celebrar um contrato associativo, a sua intenção é de receber uma contraprestação pelos serviços prestados. Assim sendo, também não é aqui fator determinante para definir, sozinho, a existência de um vínculo empregatício.
Não se questiona também a existência da não-eventualidade, já que ela também é núcleo central da definição da profissão (dedicação constante a uma atividade de trabalho). Sozinho, também, esse requisito não define uma relação de emprego.
Desta forma, a subordinação jurídica é o pressuposto fático-jurídico determinante para retirar a roupagem de contrato associativo, atribuindo-lhe o enquadramento legal adequado, nos moldes traçados pela legislação trabalhista.
Conforme já explanado, a subordinação expressa-se de forma rarefeita no contrato de trabalho do advogado, face seu enquadramento como trabalhador intelectual, aliado à necessidade da preservação da isenção e independência funcional.
Assim sendo, a doutrina recomenda a aplicação do chamado “método judicial dos indícios”. Através desse método, os indícios, quando presentes, assumem a condição de presunção da existência da subordinação jurídica:
A subordinação é identificada por meio de um rol de elementos operacionais utilizados pela jurisprudência, os quais são construídos ainda sob a diretriz de um trabalho exercido sob o poder hierárquico e disciplinar do empregador, que os exerce por meio de sua autoridade, além de impor um dever de obediência. Entre os indícios reconhecidos tradicionalmente como demonstradores da configuração da subordinação jurídica, a jurisprudência tem dado ênfase “ao momento organizatório da subordinação”, relacionado diretamente ao horário de trabalho, local de trabalho, controle sobre o modo de prestação do serviço, sujeição à ordens e disciplina da empresa (MACHADO, 2009, p. 141).
Porto (2009, p. 48) também faz referência ao método, intitulando-o de “técnica do conjunto de indícios”. Segundo a autora, através da utilização da técnica, o juiz procede a uma valoração global da relação de trabalho a ser qualificada (tipo de remuneração, organização do horário de trabalho, tipo e intensidade dos controles exercidos etc.). A partir daí “o magistrado determina se existe ou não um número suficiente de indícios para que se possa concluir pela configuração da relação de emprego”.
Machado (2009, p. 142) chama atenção da necessidade de constante reformulação nos indícios configuradores da subordinação jurídica, haja vista as recentes ampliações em seu conceito: “diante da possível inadequação dos indícios historicamente construídos, em razão das peculiaridades da atual organização produtiva, é preciso estabelecer outros elementos ajustáveis a essa dinâmica.” E complementa:
Caso persista o manuseio dos velhos indícios da subordinação jurídica para a qualificação do contrato de trabalho, haverá uma gradativa exclusão de inúmeros trabalhadores, pelo Direito do Trabalho, de um trabalho que também não pode ser qualificado como eminentemente autônomo. Esses critérios estão propensos a conferir uma interpretação restritiva da presunção da relação de emprego que justificou o Direito do trabalho.
Como indícios de subordinação que a doutrina e jurisprudência costumam referenciar podemos citar: se a atividade laboral pode ser objeto de contrato de trabalho; a presença de horário de trabalho fixo; a necessidade de cumprimento de produção certa por um determinado espaço de tempo; a possibilidade de imposição de sanções; a sujeição à ordens de empregadores ou prepostos; entre outros.
Quanto ao vínculo jurídico trabalhista do advogado, assevera Barros (2006, p. 268):
É empregado o advogado contratado para atender os serviços internos de uma empresa, ainda que não tenha horário certo, mas que possa ser chamado a qualquer momento e deva permanecer à disposição da empresa pelo tempo necessário. Ainda que o empregador não se utilize dos seu serviços constantemente, o liame empregatício persistirá, pois contínua será a possibilidade de o profissional receber encargos, de modo que, mesmos nesses interregnos, o advogado estará à disposição do empregador.
Nesse sentido, faz-se referência a dois julgados do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região:
Advogado. Presença de subordinação pela evidência de instruções recebidas, compromissos processuais atribuídos, correção de minutas das peças processuais redigidas, pagamento de salário fixo e pessoalidade naturalmente exigida para a confiança do patrocínio especializado. Vínculo reconhecido. (processo 19990446736, Relator Des. Rafael E. Pugliese Ribeiro, DOE 29.09.2000, Revista Synthesis 32/2001, p. 289).
Advogado empregado. Sociedade de advogados. A retribuição invariável, sempre no dia primeiro de cada mês, denota assunção integral dos riscos do empreendimento pelo empregador e gerenciamento de expectativas dos advogados empregados, mormente quando se considera a concessão de "antecipação de honorários". Além disso, salienta-se que os honorários eram contratados somente pela sociedade de advogados e, acaso o empregado levasse algum cliente, a verba honorária seria dividida com o escritório (art. 21, parágrafo único, da Lei no 8.906/94). No mais, foi demonstrada a habitualidade (serviços ao longo de toda a semana), observância de horário, impossibilidade de realizar serviços em casa e manifestação do poder diretivo (fiscalização e penalidades), razões pelas quais se impõe a manutenção do reconhecimento do vínculo empregatício. Recurso não provido neste tópico. (TRT/SP – Proc. 0374700-32.2005.5.02.0028 - RO - Ac. 14ªT 20101115517 - Rel. ADALBERTO MARTINS - DOE 10/11/2010)
Barros apud Vilhena, (2006, p. 269) também aventa a hipótese de o vínculo empregatício persistir mesmo quando o advogado possui escritório próprio, desde que “seja manifesta a sua disponibilidade e se ache vinculado a um atendimento prioritário aos interesses e chamados da empresa credora”. Neste sentido, transcreve-se um julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região:
A Advocacia de partido exercida no próprio escritório do causídico, por si só, não desnatura o liame empregatício, mormente quando manifesta a subordinação jurídica.” RO – 001870315-50 – Ac. A. T. 11.2.92 – Rel.: Juiz Mário Brito. Revista LTr 56-5/566.
Diante de todo o exposto, verifica-se que, estando presentes todos os pressupostos fático-juridicos configuradores da relação de emprego, estará configurada a condição de empregado ao advogado, independente da estrutura jurídica a que se queira dar a esta relação, seja a título de advogado associado ou qualquer outra, fazendo jus o então empregado a todas as verbas garantidas a qualquer trabalhador da iniciativa privada regido pela CLT, além de outros direitos estatuídos no Estatuto da OAB, norma especial, que prevalece.
5. CONCLUSÃO
O conceito de subordinação é de extrema relevância para o Direito do Trabalho, pois constitui o elemento qualificador essencial da relação de emprego. Constitui a verdadeira “chave de acesso” às tutelas justrabalhistas, notadamente em relação ao advogado associado formalmente à sociedade de advogados, uma vez que os demais elementos necessários para caracterização de eventual relação de emprego já estão possivelmente presentes.
As novas mudanças ocorridas na realidade socioeconômica e no mundo do trabalho fez o conceito de subordinação sofrer uma adaptação interpretativa, resultando em maior número de trabalhadores submetidos a tutela jurídica do Direito do Trabalho, que passa a exercer sua finalidade e missão essencial de defesa de obreiros hipossuficientes com mais abrangência.
Não se argumente que o advogado, em virtude do conhecimento jurídico que possui, não seja considerado hipossuficiente, uma vez que a hipossuficiência aqui é econômica e não jurídica: a cada vez mais difícil inserção no mercado de trabalho o torna suscetível a aceitar contratos associativos forjados, que o torna carecedor dos direitos emanados pela norma juslaboral.
Mas a norma trabalhista não admite fraude.
A aplicação do princípio da primazia da realidade desmascara o contrato forjado e permite que seja reconhecido o vínculo de emprego.
Assim, conclui-se que o Direito do Trabalho e seus princípios peculiares possibilitam a proteção das relações de emprego, mesmo ocultadas por contratos de outra forma intitulados, de forma a manter, ao final, a dignidade do trabalhador, objetivo buscado por nossa Constituição Cidadã.
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[1] Referência dada por Thiago Chohfi no livro “Subordinação nas relações de trabalho”, Editora LTR, 2009, p. 36.
[2] Expressão utilizada por Thiago Chohfi em obra referenciada.
[3] CLT: Art. 442 - Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego
[4] Referência feita por Lorena Vasconcelos Porto, na obra A Subordinação no Contrato de Trabalho – Uma Releitura Necessária, Ed. LTR, 2009, p. 53.
[5] Segundo Porto fazendo referência à Délio Maranhão (2009, p. 54), a distinção entre serviços liberais e iliberais remonta aos Romanos, para os quais o contrato de trabalho tinha por objeto apenas serviços “honestos, mas iliberais”. Os serviços liberais como os do médico, do advogado, não eram considerados objeto de locação nem se podia pretender, juridicamente, o salário. O costume regulava a retribuição desses serviços como donativos socialmente obrigatórios, que os romanos chamavam honorária ou numera. Daí se originou o vocábulo “honorários” para fazer referência ao pagamento dos serviços do profissional liberal.
Analista Judiciário do TRF 5ª Região. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade Social da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MEDEIROS, Flávio Tenório Cavalcanti de. Os contratos associativos entre advogados frente à atual concepção da subordinação jurídica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 maio 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39430/os-contratos-associativos-entre-advogados-frente-a-atual-concepcao-da-subordinacao-juridica. Acesso em: 23 dez 2024.
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