Resumo: Ao mesmo tempo em que o art. 5º, IX, da Constituição Federal assegura a todos os cidadãos brasileiros, inclusive às crianças, a liberdade de expressão, o art. 7º, XXXIII, do mesmo diploma legislativo apresenta norma de vedação ao trabalho infantil. Surge assim um dos maiores problemas da compreensão e de aplicação do Direito, que ocorre quando duas normas, que tratam de direito fundamentais distintos, autorizam padrões de condutas diferentes e conflitantes. Assim, o objetivo desse trabalho é ponderar o exercício destes direitos, aparentemente contraditórios.
Palavras-chave: direitos fundamentais. Trabalho infantil artístico. Limites princípio da proporcionalidade. Ponderação de interesses.
Sumário: 1. Introdução – 2. Breve considerações sobre os direitos fundamentais; 3. Princípio da proporcionalidade e a ponderação de interesses; 4. Trabalho Infantil Artístico e suas limitações; 5. Conclusão; 6. Referências Bibliográfica.
1. INTRODUÇÃO
Historicamente através de inúmeras lutas por direitos, os cidadãos conquistaram uma série de prerrogativas que lhes asseguram uma melhoria na qualidade de vida e proteção dos seus interesses. Nesse contexto, o legislador brasileiro, atento às mudanças e à necessidade de garantia de direitos aos indivíduos, consagrou na Constituição Federal de 1988 garantias que foram erigidas à categoria de cláusulas pétreas: os Direitos Fundamentais.
Os direitos supracitados são, doutrinariamente, divididos em três ou quatro dimensões. Dentre eles estão os direitos de liberdade clássica, com destaque para o direito à liberdade de expressão, consagrado no art. 5º, IX, da CF. Há também que se ressaltar os direitos sociais, que preveem a melhoria na qualidade de vida dos cidadãos, bem como a proteção dos trabalhadores. Dentre eles encontra-se a vedação ao trabalho infantil, disposta no art. 7º, XXXIII, CF.
Nesse esteio, surge a problemática do trabalho infantil artístico. A questão é, como compatibilizar o exercício da liberdade de expressão de crianças e adolescentes, através de atividade artística, posto que o mesmo diploma legislativo que a garante traz uma proibição expressa ao trabalho infantil?
Surge assim, um dos maiores problemas da compreensão e aplicação do Direito que ocorre quando duas normas, que tratam de direitos fundamentais distintos, autorizam padrões de condutas diferentes e conflitantes, de forma que não é possível que nenhum desses direitos seja exercido plenamente sem provocar intervenção na esfera do outro.
O objetivo desse trabalho é justamente analisar essa aparente contradição, ponderando o exercício desses direitos. Busca-se propor uma forma de realização do trabalho infantil artístico, e a liberdade de expressão de crianças e adolescentes através de sua realização, sem que haja ofensa à vedação ao trabalho infantil imposta pela Constituição Federal.
2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Os Direitos Fundamentais são aqueles que recebem da Constituição uma posição mais elevada de garantia e segurança, em razão do seu grau de importância. A elevação de alguns direitos à categoria de Direito Fundamental tem o objetivo de concretizar as garantias mínimas que proporcionam a existência digna, a liberdade e a igualdade entre as pessoas. Atualmente, percebe-se que tais direitos se tornaram diretrizes inspiradoras dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, nos quais se reconhecem a dignidade da pessoa humana, como destinatário de todo o poder constituído.
A doutrina costuma classificar os direitos em questão em gerações ou dimensões. Trata-se de uma classificação baseada no momento histórico em que a humanidade foi conquistando a tutela de determinados direitos. Impende ressaltar que não há hierarquia entre os direitos fundamentais, estando eles em grau de paridade no que diz respeito à sua importância. Além disso, cumpre também salientar que o surgimento de uma geração não anula a outra, elas não se excluem, mas sim se completam, conforme preleciona Silva Neto (2009): “É óbvio que, no caso, não é viável aludir à possibilidade de colisão ou substituição de uma geração de direitos fundamentais por outra; não há, por conseguinte, ‘conflito de gerações’ entre eles.”[1]
A primeira geração de Direitos Fundamentais surgiu no final do século XVIII, após a Revolução Francesa, inspirados nas doutrinas iluministas e jusnaturalistas, em um contexto de luta por parte da humanidade pela liberdade e segurança diante do Estado. Trata-se de direitos oponíveis ao mesmo, de modo a exigir uma postura de não interferência na esfera privada do indivíduo, evitando assim o abuso de poder por parte do ente estatal. Os direitos de primeira geração, denominados de direitos individuais, compreendem os direitos civis e políticos, caracterizados pelo fato de corresponderem à imposição de uma obrigação negativa ao Estado. Costumam ser qualificados como direitos de liberdade clássica, estando aí compreendidos os direitos à vida, à segurança, à liberdade religiosa, entre outros.
Os Direitos Fundamentais de segunda geração são aqueles surgidos entre o final do século XIX e o início do século XX, período que inclui o final da Revolução Industrial, quando os trabalhadores começaram a lutar pela categoria. Corresponde à época do Estado do Bem-Estar Social, na qual cabia ao Estado à adoção de políticas públicas como forma de melhoria das condições de vida dos indivíduos, sob o pressuposto de que a liberdade não basta por si só, sendo necessária a concessão de meios para que os cidadãos pudessem usufruir dos direitos conquistados na primeira geração. Costumam serem qualificados como direitos de igualdade, postos que buscavam a equiparação das condições sociais dos indivíduos através da atuação positiva do Estado no sentido de prestar serviços como saúde, educação, cultura, segurança, moradia etc. Em razão disso, os direitos de segunda geração são conhecidos como direitos sociais e correspondem aos direitos sociais, econômicos e culturais.
Com a falência do modelo de Estado do Bem-Estar Social, a explosão da densidade demográfica e o consequente aumento do consumismo, surgem os Direitos Fundamentais de terceira geração. Nesse período correspondente ao Estado Neoliberal, o mundo assistia à revolução tecnocientífica, a revolução dos meios de comunicação e transportes, o que suscitou nas pessoas a percepção de que existem direitos que pertencem a indivíduos indeterminados. Estão aí compreendidos os direitos difusos e coletivos, como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Os Direitos Fundamentais de terceira geração são também chamados de direitos de solidariedade ou de fraternidade.
Há quem defenda, a exemplo de Bonavides (2002) e Bobbio (2004), a existência de uma quarta geração, decorrente da globalização política na esfera da normatividade jurídica e do avançado desenvolvimento tecnológico. Essa geração seria, na visão desses autores, correspondente à última fase da institucionalização de Estado Social. Tratar-se-ia dos direitos da responsabilidade, tais como a promoção e a manutenção da paz, a democracia, a autodeterminação dos povos, promoção da ética da vida defendida pela bioética e os direitos difusos, todos decorrentes da atual globalização dos direitos humanos fundamentais. Para Silva Neto (2009), os direitos de quarta geração seriam denominados de direitos das minorias ou ainda direitos humanos à democracia. Em essência, trata-se dos mesmos direitos, a dissonância diz respeito apenas à nomenclatura.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988, que instalou um regime democrático, propiciou um grande avanço em matéria de direitos e garantias fundamentais. É possível verificar a dimensão do prestígio dado pela Carta Magna aos Direitos Fundamentais pela constatação da posição ocupada por esses direitos no texto constitucional: os direitos em questão foram elencados logo após o preâmbulo e os princípios fundamentais, antes mesmo das normas que dispõe a estrutura do Estado. Nesse sentido, cumpre observar que, aos direitos postos nos primeiros capítulos da Constituição, foi outorgado o patamar de cláusula pétrea, conforme o art. 60, § 4º, IV. (BR, 1988)
No texto constitucional, os direitos e garantias fundamentais estão subdivididos em cinco capítulos. O primeiro deles se refere aos direitos individuais e coletivos, previstos no art. 5º e seus incisos. O segundo capítulo diz respeito aos direitos sociais, tendo em vista que um Estado Democrático de Direito deve buscar a igualdade material, através da prestação de serviços que objetivem a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. No terceiro capítulo constam os direitos de nacionalidade, que significa um vínculo jurídico que liga o indivíduo a um determinado Estado. Os direitos políticos estão previstos no quarto capítulo, e é através deles que o sujeito exerce a sua cidadania. Por fim, no quinto capítulo estão dispostos os direitos relativos ao exercício da política, vez que tratam da existência, organização e a participação em partidos políticos.
Quanto aos direitos postos no primeiro capítulo, chama-se atenção para aquele previsto no art. 5º, IX, da CF/88. O Brasil, como país defensor das liberdades, positivou o direito à liberdade de expressão, segundo o qual “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença;”[2]. Dessa forma, é assegurada ao cidadão brasileiro a livre manifestação de seus pensamentos e opiniões, dentre as quais figura a liberdade de expressão artística, que compreende um conjunto de ações como a produção, criação e divulgação da obra de arte. Importante ressaltar que a Constituição assegura a liberdade de expressão a todos os cidadãos brasileiros, de forma que esse direito é assegurado, inclusive, ao menor.
O segundo capítulo da Constituição, por sua vez, aborda a temática dos direitos sociais, que estão postos a partir do art. 6º até o art. 11. Tais artigos e seus incisos trazem direitos tais como a educação, saúde, moradia, alimentação, lazer, o trabalho, só para citar alguns. Merece destaque aqui o art. 7º, que trata dos direitos dos trabalhadores rurais e urbanos, sendo que este, em seu inciso XXXIII apresenta norma de vedação ao trabalho infantil ao consagrar a “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos” (BR,1988)[3]
Da leitura do artigo supraelencado, conclui-se que é proibido o exercício de todo e qualquer trabalho por crianças e adolescentes menores de dezesseis anos, dentre os quais está compreendido o trabalho artístico infantil. A questão é que a atividade artística constitui-se em oportunidade de produção cultural e de livre expressão para aqueles que a exercem, inclusive para a criança e o adolescente, estimulado, inclusive, o seu desenvolvimento amplo.
Eis então que surge um dos maiores problemas da compreensão e aplicação do Direito que ocorre quando duas normas, que tratam de direitos fundamentais distintos, autorizam padrões de condutas diferentes e conflitantes, de forma que não é possível que nenhum desses direitos seja exercido plenamente sem provocar intervenção na esfera do outro. Isso é exatamente o que ocorre quando cotejamos os direitos fundamentais previstos nas normas do art. 5º, IX, e do art. 7º, XXXIII da Constituição Federal de 1988. É possível garantir a manifestação artística dos menores de 16 anos quando expressa através de ralações de trabalho, tendo em vista que a própria constituição estabelece uma proibição ao trabalho infantil? Ter-se-ia aqui uma hipótese de flexibilização da vedação posta no art. 7º, XXXIII, em face da liberdade de expressão, ou o dispositivo mencionado deveria ser aplicado de maneira literal, sem que, contudo, fosse assegurado aos menores de 16 anos o direito posto no art. 5º, IX, da Carta Magna?
3. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E A PONDERAÇÃO DE INTERESSES
Conforme posto linhas acima, a Constituição expressamente proíbe o trabalho do menor de 16 anos, salvo na condição de aprendiz aos maiores de 14 anos. Por outro lado, assegura a todos, inclusive as crianças e adolescentes, a liberdade de expressão, ocasionando o fenômeno da colisão de direitos, mais precisamente, no caso, a colisão de direitos fundamentais.
O constituinte, ao estabelecer o direito à liberdade de expressão no art. 5º, IX, não impôs limites à sua fruição, de modo que o mesmo deve ser exercido de maneira mais ampla possível e com o mínimo de restrição. Nesse sentido, o art. 208, V, ao dispor sobre o dever do estado em promover a educação, determina que ela se dê através do acesso aos níveis mais elevados do ensino, pesquisa e criação artística, devendo ser observada a capacidade de cada um.
Por outro lado, o art. 7º, XXXIII, ao proibir o trabalho infantil, vai de encontro à expressão artística da criança e do adolescente, que, em última análise, constitui-se em direito fundamental. A questão é que, embora nesses casos haja, de fato, a caracterização do trabalho, resta claro que existe também um caráter artístico-cultural da atividade, que, inclusive, contribui para o desenvolvimento daquele que a exerce, incluindo-se aí as crianças e os adolescentes.
Do quanto exposto no tópico anterior, dúvidas não há de que se faz presente uma situação de conflito entre direitos tidos como fundamentais pela Carta Magna de 1988. Há que se ressaltar, no entanto, que a doutrina já ultrapassou a fase dos denominados “direitos absolutos”, de modo que hoje nenhum direito é considerado absoluto, mesmo os direitos fundamentais. Nesse sentido, Silva Neto (2009) afirma que:
Mesmo que dado direito fundamental esteja previsto sem qualquer contenção firmada pelo legislador constituinte originário, isso não deve engendrar conclusão de que poderá ser exercido sem peias ou limites, principalmente porque a ideia poderia reconduzir à prevalência absoluta de um direito fundamental em face do outro, também protegido pela Constituição [...][4]
Desse modo, o interprete deverá fazer um exercício de ponderação desses direitos aparentemente contraditórios, através da aplicação analógica da medida utilizada para solucionar os conflitos entre princípios, qual seja a utilização do princípio da proporcionalidade, a fim de que seja possível coordenar e combinar tais direitos, sem que haja total predominância de um em detrimento do outro. Isso porque o emprego do princípio da proporcionalidade busca a otimização da proteção dos bens jurídicos supostamente antagônicos. É necessário que se faça um sopesamento correto e harmonioso entre os interesses conflitantes, a fim de se obter a melhor solução possível.
A doutrina alemã divide o princípio da proporcionalidade em três subprincípios: proporcionalidade em sentido estrito, adequação e necessidade. Segundo o primeiro deles, é necessário que o intérprete realize uma análise custo-benefício da norma, de forma que os benefícios de sua aplicação sejam menores do que os prejuízos que venha a causar. A adequação, por sua vez, diz que a medida a ser utilizada deve ser adequada ao fim almejado, ou seja, dentro os meios disponíveis, deve-se utilizar daquele que melhor proporcione o resultado almejado. Por fim, o subprincípio da necessidade determina que a medida restritiva utilizada seja imprescindível a resolução do conflito, não devendo ser adotadas medidas desnecessárias.
Importante ressaltar que o emprego do princípio da proporcionalidade não basta por si só. É importante que seja feita uma ponderação de interesses, levando-se em consideração os danos e os benefícios da adoção de determinada medida. O interprete deve atribuir um peso a cada um dos direitos fundamentais conflitantes, estabelecendo uma proporção entre eles, o que só pode ser feito mediante um caso concreto. A restrição estabelecida a cada um dos direitos será inversamente proporcional ao peso específico que se atribuir a ele. Há que se falar, no entanto, que a prática da ponderação no caso dos direitos fundamentais não é absoluta, tendo em vista que deve ser respeitado o núcleo essencial de cada um dos direitos fundamentais em colisão.
Utilizando-se do método exposto, percebe-se que não seria razoável a proibição de todo e qualquer trabalho às crianças e adolescentes, mas apenas daqueles que lhe sejam prejudiciais. Nesse sentido, o trabalho infantil artístico, desde que exercido de forma proporcional e em consentâneo com os princípios de proteção à criança e ao adolescente, deveria ser permitido, vez que necessária a feitura de determinadas flexibilizações a fim de que não seja sufocado o direito previsto no art. 5º, IX.
Fazendo uma ponderação dos direitos fundamentais aqui conflitantes, conclui-se que o art. 7º, XXXIII não foi criado com o condão de limitar a expressão artística infantil, mas sim de proibir abusos de direitos e, consequentemente a exploração do trabalho de crianças e adolescente. Por outro lado, o art. 5º, IX, não foi redigido para explorar o trabalho artístico infantil. Fato é que tal possibilidade não deve ter, sequer, passado na mente do legislador quando da criação desse dispositivo. O motivo de criação do mencionado artigo foi, sem dúvidas, permissionar a liberdade de expressão, inclusive das crianças e adolescente, posto que, no período da Ditadura Militar, anterior à promulgação da Constituição de 1988, a população sofreu forte repressão à sua liberdade, principalmente no que diz respeito à liberdade de expressão em suas mais diversas formas.
Destarte, a norma proibitiva do art. 7º, XXXIII, tem o escopo de tutelar à proteção da criança e do adolescente de modo a preservar a sua educação, lazer, saúde e convivência familiar. A atividade artística, por si só, desde que exercida em obediência a determinados limites, não tem o condão de causar prejuízos ao desenvolvimento da criança, podendo, inclusive, colaborar para o mesmo, na medida em que estimula a formação bio-psico-social da criança. Nesse sentido, posiciona-se Mascaro Neto (2003, p. 846): “Há situações eventuais em que a permissão para o trabalho do menor em nada o prejudica, como em alguns casos tipos de trabalho artístico, contanto acompanhado dos devidos cuidados.”[5]
Nesse ponto, a questão que se faz é: seria realmente necessário, proporcional e adequado vetar o trabalho infantil? Entende-se que um direito deve penetrar no outro. Conclui-se, assim, que mais apropriado é o estabelecimento de limitações ao, a fim de evitar a sobreposição de um direito fundamental em face do outro, ou seja, para que a liberdade de expressão da criança e do adolescente não sucumba frente à proibição estabelecida no art. 7º, XXXIII.
Resta claro, portanto, que a vedação do trabalho infantil não deve ser levada a cabo de forma absoluta, devendo haver limites a tal proibição. Quais seriam, no entanto, a serem observados?
4. TRABALHO INFANTIL ARTÍSTICO E SUAS LIMITAÇÕES
O Brasil ratificou, por meio do Decreto Presidencial nº 4.134, a Convenção 138/1973 da OIT que é capaz de dirimir o conflito entre as normas constitucionais em questão, vez que prevê a possibilidade de crianças e adolescente exercerem trabalho artístico, desde que sejam observados determinados parâmetro. Nesse sentido, o art. 8º do presente diploma legislativo dispõe que:
1. A autoridade competente poderá conceder, mediante prévia consulta às organizações interessadas de empregadores e de trabalhadores, quando tais organizações existirem, por meio de permissões individuais, exceções à proibição de ser admitido ao emprego ou de trabalhar, que prevê o artigo 2 da presente Convenção, no caso de finalidades tais como as de participar em representações artísticas.
2. As permissões assim concedidas limitarão o número de horas do emprego ou trabalho autorizadas e prescreverão as condições em que esse poderá ser realizado.” (grifo nosso)
Inicialmente cumpre salientar que se trata de Tratado Internacional de Direitos Humanos ratificado pelo Brasil, tendo, portanto, status de norma supra legal. Há ainda quem defenda, a exemplo de Flávia Piovesan[6] e Antônio Augusto Cançado Trindade[7], que os Tratado de Direitos Humanos teriam caráter constitucional, posto que ratificado antes da EC nº 45, quando, portanto, não se exigia a aprovação de tais tratados por quórum qualificado de três quintos em cada Casa d Congresso Nacional, em votação feita em dois turnos, para equiparação dos mesmo às emendas constitucionais. Tal discussão, no entato, não é objeto do presente estudo. O que se pretende demonstrar é que, qualquer que seja o entendimento adotado, é indiscutível a coercitividade da regra contida na Convenção 138 da OIT que excepciona a proibição ao trabalho infantil.
A norma em questão, no entanto, traz alguns requisitos, limites que devem ser observados para que seja possível o exercício de trabalho artístico por menores. A concessão da permissão deve ser proveniente de ato de Autoridade Competente. Hoje, é pacífico o entendimento de que a questão é de competência da Justiça do Trabalho, de forma que a autoridade em questão é o juiz do trabalho. Ademais, as permissões devem ser individuais, ou seja, concedidas no caso concreto, em observância às peculiaridades da situação.
Outra questão que deve ser suscitada é a de que a exceção diz respeito à admissão do trabalho ou emprego com finalidade vinculada, qual seja a finalidade artística, não podendo haver ampliação do alcance da norma, tendo em vista o seu caráter extraordinário. Por fim, a norma determina ainda que a autoridade judiciária deverá fixar as condições de realização do trabalho ou emprego, condições essas que devem ser fixadas de acordo com o caso concreto, adequando-se às particularidades de cada situação, de modo a preservar a integridade física e psíquica da criança ou adolescente.
Ressalta-se ainda que devam ser observados os artigos 403 da CLT e 67, incisos I a IV, do Estatuto da Criança e do Adolescente, posto que estabelecem situações em que o trabalho do menor não pode ser realizado. Assim, o trabalho infantil não pode ser realizado em locais prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social, tendo em vista que é dever do Estado salvaguardar os direitos das crianças e adolescentes, protegendo-as contra eventuais abusos.
Nesse sentido, inclusive, Martins Filho (2010)[8] traz um elenco de diretrizes a serem observadas a fim de se garantir a proteção do menor. A mais importante delas diz respeito à limitação da idade. Conforme o artigo 2 da Convenção 138 da OIT, caberá a cada Membro estabelecer a idade mínima de admissão ao trabalho ou emprego em seu território. A Constituição Federal estabelece 16 anos como a idade mínima básica, sendo admissível o trabalho de menores a partir de 14 anos na condição de aprendiz. A menos que seja exercido através de contrato de aprendizagem, o trabalho artístico só pode ser executado a partir dos 16 anos. Martins Filho (2010) traz ainda outros limites ao trabalho infantil, tais como a proibição de exercício do trabalho noturno, perigoso, insalubre e penoso, bem como aquele que prejudique a frequência escolar, razão pelo qual a jornada deve ser fixada em compatibilidade com o horário de aula.
Resta claro, então, que o ordenamento jurídico brasileiro, em conjunto com os dispositivos internacionais recepcionados, permissionam o trabalho artístico infantil, desde que obedecidos os limites postos na própria lei, limites esses que foram apresentados linhas acima. O próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 149, II, “a” e “b”, excepciona a proibição ao trabalho infantil, condicionando-a, assim como a legislação alienígena, a alvará judicial e estabelecendo parâmetros que devem ser considerados pela autoridade judiciária para conceder a autorização:
“Art. 149. Compete à autoridade judiciária disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante alvará:
[...]
II - a participação de criança e adolescente em:
a) espetáculos públicos e seus ensaios;
b) certames de beleza.
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, a autoridade judiciária levará em conta, dentre outros fatores:
a) os princípios desta Lei;
b) as peculiaridades locais;
c) a existência de instalações adequadas;
d) o tipo de frequência habitual ao local;
e) a adequação do ambiente a eventual participação ou frequência de crianças e adolescentes;
f) a natureza do espetáculo.
§ 2º As medidas adotadas na conformidade deste artigo deverão ser fundamentadas, caso a caso, vedadas as determinações de caráter geral.”
Conclui-se, portanto, que é sim possível a realização de trabalho ou emprego artístico por menores, desde que seja assegurado o direito à proteção integral garantido pela Constituição, o que é feito através da observação dos limites impostos pela legislação em vigor. Dessa forma, compatibilizam-se os direitos fundamentais previstos nos artigos 5º, IX, e 7º, XXXIII, da Carta Magna, sem que haja prevalência de um desses direitos em face do outro, resolvendo-se o aparente conflito.
5. CONCLUSÃO
A Constituição Federal, ao mesmo tempo em que consagra a liberdade de expressão, inclusive o seu exercício através da atividade artística, traz uma vedação ao trabalho infantil, e, consequentemente, a proibição do exercício por crianças e adolescentes do labor artístico.
Observa-se, então, que há um conflito entre dois direitos fundamentais, de forma que nenhum pode ser realizado plenamente, em detrimento do outro. Deve-se, assim, fazer a aplicação do princípio da proporcionalidade e a ponderação de interesses, de forma a fazer com que um direito penetre no outro. Conclui-se, então, que é mais apropriado estabelecer limitações, para que a liberdade de expressão da criança e do adolescente não sucumba diante da proibição do trabalho infantil.
Entende-se que o ordenamento jurídico brasileiro, em conjunto com os dispositivos internacionais recepcionados, permissionam o trabalho artístico infantil, desde que obedecidos os limites postos na própria lei. A Convenção 138 da OIT traz parâmetros bastantes razoáveis para a permissão do trabalho artístico infantil, devendo ser analisada em conjunto com o art. 403 da CLT e 67 do Estatuto da criança e do Adolescente, que estabelecem situações em que o trabalho do menor não pode ser realizado. Ademais, o art. 149, II, “a” e “b” também estabelece situações em que é possível a realização do trabalho artístico infantil.
Conclui-se, portanto, que apesar da vedação genérica ao trabalho infantil, imposta no art. 7, XXXIII, da CF, é possível a realização do labor artístico por crianças e adolescentes, tendo em vista que é necessário harmonizar tal dispositivo com o direito à liberdade de expressão do menor, que também figura entre os direitos fundamentais. Há, para isso, no entanto, obrigatoriedade de observação dos parâmetros estabelecidos na legislação brasileira e nos Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, Rio de Janeiro, Editora Campus, 2004.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2002
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01/06/2012
BRASIL. Lei Federal nº 8.069, 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 01/06/2012
MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Manual de Direito e Processo do Trabalho, 19ª ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2010
MASCARO NETO, Amauri. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2003
SILVA NETO, Manuel Jorge e. Curso de Direito Constitucional, 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 06 de junho de 1943, Convenção nº 138
BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452/1943 – Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 05/06/2012.
PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Questões Controvertidas de Direito do Trabalho (material e processual). Belo Horizonte: RCJ Edições Jurídicas, 1999.
[1] SILVA NETO, Manuel Jorge e. Curso de Direito Constitucional, 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009
[2] Brasil, Constituição Federal, 1988
[3] Ibid.
[4] SILVA NETO, Manuel Jorge e. Curso de Direito Constitucional, 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009
[5] MASCARO NETO, Amauri. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2003
[6] PIOVESAN, Flávia. Valor Jurídico dos Tratados: Impacto na Ordem Interna e Internacional. Disponível em: http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 30 de abril de 2008. p. 17.
[7] TRINDADE, Antônio Augusto Cançado Apud CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. A Constituição aberta e os direitos fundamentais. Editora Forense, 2003. p. 140.
[8] MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Manual de Direito e Processo do Trabalho, 19ª ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2010
Advogado. Pos Graduado em Direito do Estado pelo Juspodivm/Faculdade Baiana de Direito e Gestão. Graduado em Direito pela UFBA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, Pedro Felipe Santana. Trabalho artístico infantil: Colisão entre os direitos dispostos nos artigos 5º, IX, e 7º, XXXIII, da Constituição Federal de 1988 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jun 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39572/trabalho-artistico-infantil-colisao-entre-os-direitos-dispostos-nos-artigos-5o-ix-e-7o-xxxiii-da-constituicao-federal-de-1988. Acesso em: 23 dez 2024.
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