Resumo: tendo em vista a dificuldade sobre a indicação da autoridade coatora que deve figurar no polo passivo no mandado de segurança, fora criada a teoria da encampação, teoria esta, desde que preenchidos determinados requisitos, amplamente aceita pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
PALAVRAS-CHAVES: Mandado de Segurança. Polo passivo. Teoria da encampação.
INTRODUÇÃO:
O mandado de segurança é um remédio constitucional expressamente previsto no art. 5º, LXIX, da Constituição Federal, senão vejamos:
LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;
Ao ser inserido no art. 5º, o legislador constitucional ordinário considerou o mandado de segurança como uma garantia individual, tratando-se, portanto, nos termos do art. 60, § 4º, da CF, de uma cláusula pétrea, senão vejamos:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
(...)
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
As cláusulas pétreas são limitações explícitas que devem ser observadas pelo poder decorrente reformador (art. 60, caput[1], da CF) sob pena de configuração de vício material na constitucionalidade da lei.
O direito líquido e certo é aquele que pode ser visualizado de plano. Vale dizer: é a prova pré-constituída que possibilita o operador do direito reconhecer, ou não, o direito perseguido em juízo sem a necessidade da produção de novas provas.
Sobre o conceito de direito líquido e certo, o professor Guilherme Freire de Melo Barros[2] assim ensinou:
“Por direito líquido e certo, deve-se entender aquela situação jurídica cuja demonstração e comprovação pode ser feita de plano, mediante prova documental – também comumente chamada de prova pré-constituída. O mandado de segurança se mostra cabível quando o impetrante afirma a ocorrência de um ato ilegal ou abusivo da autoridade pública e apresenta documentos para tentar provar sua afirmação.”
Nesta senda, insta mencionar que o mandado de segurança fora regulamentado pela lei federal 12.016, em substituição à lei 1.533/51.
E a “nova” lei do mandado de segurança, em seu art. 6º, prescreveu que o impetrante deve indicar tanto a autoridade coatora quanto a pessoa jurídica que esta integra, senão vejamos:
Art. 6o A petição inicial, que deverá preencher os requisitos estabelecidos pela lei processual, será apresentada em 2 (duas) vias com os documentos que instruírem a primeira reproduzidos na segunda e indicará, além da autoridade coatora, a pessoa jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições.
É justamente em relação a esta difícil tarefa de se determinar a legitimidade passiva no mandado de segurança que fora criada a teoria da encampação.
Isto porque, em relação ao polo passivo neste remédio constitucional, a doutrina é dividida sobre quem detém a legitimidade de figurar na demanda: 1) uns entendem que somente a pessoa jurídica ao qual está vinculada a autoridade coatora deve ocupar o pólo passivo; 2) outros defendem que deve haver um litisconsórcio necessário entre a autoridade coatora e a pessoa jurídica ao qual está vinculada.
Sobre o assunto, o professor Guilherme Freire de Melo Barros[3] assim se posicionou:
“Ao nosso sentir, o polo passivo no mandado de segurança é ocupado pela pessoa jurídica, e não pela autoridade coatora. Afinal, é a entidade, e não o servidor, que responde ao comando judicial emanado da sentença do mandado de segurança, ou seja, as conseqüências jurídicas (e financeiras) da demanda são suportadas pela pessoa jurídica a que pertence a autoridade. De igual modo, a coisa julgada se forma entre o impetrante e a pessoa jurídica.”
Concordamos com o posicionamento supra, até porque a autoridade coatora somente é notificada para apresentar informações (vide o art. 7º, I[4], da lei 12.016) e não para se defender, bem como a sua representação em juízo dispensa da participação de advogado.
Apesar, repita-se, da legitimidade passiva no mandado de segurança recair sobre a pessoa jurídica ao qual está vinculada a autoridade coatora, esta, com base no art. 6º, da lei 12.016, deve obrigatoriamente ser indicada na petição inicial.
Ocorre que a organização da administração pública no Brasil é muito complexa, o que dificulta, desta maneira, a constatação de quem efetivamente é a autoridade coatora que deve ser notificada para prestar informações.
A indicação errônea da autoridade coatora, a priori, faz com que o processo seja extinto sem o exame do mérito.
Como, repita-se, a indicação da autoridade coatora não é era – e ainda não é! – uma das tarefas mais fáceis, a fim de evitar que os mandados de segurança fossem extintos por indicação equivocada da autoridade coatora, criou-se, então, a teoria da encampação.
Assim, mesmo havendo a indicação equivocada da autoridade coatora, e desde que preenchidos determinados requisitos criados pela jurisprudência, o processo de mandado de segurança não seria extinto, primando, com esse entendimento, pela economia e celeridade processual.
Para o Superior Tribunal de Justiça, para que seja aplicada a teoria da encampação, faz se necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: 1) vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou a informação e a que ordenou a prática do ato impugnado; 2) não pode haver modificação de competência estabelecida pela Constituição Federal; 3) enfrentar o mérito do litígio nas informações prestadas.
Sobre o assunto, impera transcrever o seguinte julgado proferido pelo STJ[5]:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. NEGATIVA DE AUTORIZAÇÃO QUE OBJETIVA REGISTRO PARA EFEITO DE INSCRIÇÃO ESTADUAL. EMPRESA IMPEDIDA PELA ADMINISTRAÇÃO ANTE O SUPOSTO DÉBITO QUE A SUA SÓCIA POSSUI COM O FISCO ESTADUAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. INAPLICABILIDADE. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO.
1. A teoria da encampação é aplicável ao mandado de segurança tão-somente quando preenchidos os seguintes requisitos: (1) existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado; (2) ausência de modificação de competência estabelecida naConstituição Federal; e (3) manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas. Precedentes: MS 12.149/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/08/2008, DJe 15/09/2008; RMS 21.809/DF, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/11/2008, DJe 15/12/2008; RMS 24.927/RR, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/12/2008, DJe 11/12/2008; RMS 22.383/DF, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/09/2008, DJe 29/10/2008. 2. In casu, o ato coator foi praticado pelo Chefe de Fiscalização Fazendária estadual que indeferiu o pedido de inscrição estadual, ao fundamento de que a sócia da empresa requerente possuía débitos com o fisco estadual. O recorrido, por sua vez, apontou como autoridade coatora o Secretário de Fazenda Estadual, sob o fundamento de que a Portaria n.º 114/2002 - SEFAZ, emitida pela secretaria fazendária, é que aponta a necessidade de certidão negativa dos sócios para a almejada inscrição estadual. 3. A doutrina abalizada nos revela que: "Coator é a autoridade superior que pratica ou ordena concretamente e especificamente a execução ou inexecução do ato impugnado e responde pelas suas consequências administrativas; executor é o agente subordinado que cumpre a ordem por dever hierárquico, sem se responsabilizar por ela. Exemplificando: numa imposição fiscal ilegal, atacável por mandado de segurança, o coator não é nem o Ministro ou o Secretário da Fazenda que expede instruções para a arrecadação de tributos, nem o funcionário subalterno que cientifica o contribuinte da exigência tributária; o coator é o chefe do serviço que arrecada o tributo e impõe sanções fiscais respectivas, usando o seu poder de decisão" (Hely Lopes Meirelles, in "Mandado de Segurança, Ação Popular, ...", 28ª ed., atualizada por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes, Malheiros Editores, São Paulo, 2005, pág. 63). 4. A teoria da encampação é inaplicável no caso concreto, porquanto o Secretário de Fazenda do Estado de Mato Grosso não defendeu o mérito do ato, limitando-se a declarar sua ilegitimidade passiva ad causam (fls. 103/109). Ademais, a correção do pólo passivo enseja mudança na competência jurisdicional, uma vez que compete originariamente ao TJ/MT o julgamento do mandado de segurança contra Secretário de Estado (art. 96, inciso I, alínea g, da Constituição Estadual), prerrogativa não extensível ao servidor responsável pela fiscalização fazendária. 3. Recurso especial provido, determinando-se a extinção do Mandado de Segurança sem resolução do mérito (Resp 997623 MT. Relator Min. Luiz Fux. Julgamento 02.06.2009. Órgão Julgador 1ª Turma).
CONCLUSÃO:
Em relação à indicação errônea da autoridade coatora, tendo em vista a complexidade da organização da Administração Pública pátria, o STJ defende a aplicação da teoria da encampação, desde que, conforme fora informado acima, estejam preenchidos alguns requisitos. Até porque a decisão de não extinguir o processo está em conformidade com outras garantias do cidadão, quais sejam, a da celeridade e economia processual, bem como a da duração razoável do processo.
[1] Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
[2] BARROS, Guilherme Freire de :Melo. Poder público em juízo para concursos. Mandado de Segurança. 3ª Edição. 2013. Pág. 245.
[3] BARROS, Guilherme Freire de :Melo. Poder público em juízo para concursos. Mandado de Segurança. 3ª Edição. 2013.
[4] Art. 7o Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: I - que se notifique o coator do conteúdo da petição inicial, enviando-lhe a segunda via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, preste as informações;
[5] Jurisprudência extraída do site: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6063931/recurso-especial-resp-997623-mt-2007-0243877-0
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: IURI RIBEIRO GONçALVES, . Teoria da encampação no Mandado de Segurança Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39647/teoria-da-encampacao-no-mandado-de-seguranca. Acesso em: 23 dez 2024.
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