RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo discutir as potenciais causas (ou co-causas) habitualmente apontadas pela doutrina para uma atuação ativista e a sua real ocorrência no contexto jurídico nacional. De forma propedêutica o próprio conceito de ativismo judicial é abordado, explicitando a grande polêmica que gira em torno de sua efetiva detecção no caso concreto, dado o uso político-ideológico de tal terminologia. São arroladas e analisadas como causas prováveis de uma atuação ativista as três seguintes: problemas na formatação da ordem constitucional, atuação deficitária dos poderes políticos e voluntarismo judicial. A ocorrência e a expressividade/inexpressividade de cada uma destas causas é analisada no contexto jurídico nacional atual.
PALAVRAS-CHAVES: 1. Ativismo Judicial. 2. Causas do ativismo judicial. 3. Inércia do corpo legislativo. 4. Voluntarismo judicial. 5. Neoconstitucionalismo.
1. INTRODUÇÃO
O ativismo judicial, muito embora figure como um tema atual, candente e constante nas discussões travadas nos foros jurídicos[1], apresenta grandes dificuldades técnicas para a sua exata conceituação. Definir com precisão quando uma corte supostamente atuaria de forma ativista é tarefa tormentosa, sempre sujeita a intensas controvérsias e debates[2]. Não é raro que posições políticas ou filosóficas contaminem tal discussão, e a pecha de ativista, atribuída a uma decisão, esteja subliminarmente a indicar apenas uma contrariedade ao conteúdo veiculado em tal ato decisório, carecendo tal crítica, em verdade, de um mais nítido contorno teórico, fundando-se, quase que exclusivamente, em pautas valorativo-ideológicas (e não tecno-jurídicas)[3].
Outra questão digna de menção acerca do tema ora referido diz com as pretensas qualidades de tal forma de atuação[4]. Há aqueles que abertamente defendem uma atuação ativista por parte do Judiciário, reputando-a, portanto, positiva[5] [6]. Tal qualificativo (‘ativista’), no entanto, vem geralmente acompanhado de uma intensa carga negativa, sendo frequentemente usado de forma depreciativa quando se pretende apontar uma disfunção ou uma anomalia[7].
Os tópicos elencados nos parágrafos antecedentes já sugerem a complexidade do tema e a sua inegável extensão. A amplitude de tais tarefas – promover uma precisa definição do ativismo judicial ou a análise de suas supostas virtudes, submetendo-o a um juízo de pertinência ou adequação com os demais valores democráticos contemporâneos –, se cotejadas com o título do presente trabalho, sugere, de per si, a necessidade de um preciso recorte metodológico do objeto de estudo para que o trabalho não se perca em generalidades, ou peque ao não se aprofundar no específico subtema escolhido.
É impossível promover uma verdadeira análise das causas do ativismo judicial sem que nos detenhamos, ainda que à vol d’oiseau, em um esboço de conceituação do que este estaria a significar. No entanto, para não avançarmos sobre digressões desnecessárias, tal conceituação será bem breve e tocará apenas em seus pontos essenciais. Referências para estudos que se voltam precipuamente para tal perspectiva de análise serão apontadas. De igual feita, nesta mesma e breve seção, como o título já sugere, se adiantará, em mirradas linhas, a visão do autor sobre os deletérios efeitos de tal forma de atuação. Ultrapassadas tais questões preliminares, as três seções subsequentes se debruçarão sobre o verdadeiro objeto do trabalho, voltando-se cada qual para a análise de uma das pretensas causas sugeridas: problemas na configuração da ordem constitucional, a ensejarem uma atuação mais ativista; a atuação deficitária dos poderes eminentemente políticos, a dar ensanchas a espoliação destas competências não exercidas pelo poder judiciário; ou, de outra banda, uma atuação positiva mais agressiva do poder judiciário, a despeito de como se portem os demais poderes.
Uma seção posterior procurará contextualizar tais causas à luz da realidade brasileira, apontando a proeminência relativa de cada um de tais móbeis no cenário pátrio. Um sumário das conclusões encontradas ao longo do texto será apresentado na derradeira seção do trabalho.
Por fim, gize-se, pelas mesmas razões de escopo já declinadas, que a análise ora empreendida debruçar-se-á sobre tal atuação ativista apenas quando levada a efeito pela nossa Corte Constitucional, o Supremo Tribunal Federal. Não há dúvidas de que as demais instâncias do Poder Judiciário bem poderiam engajar-se em uma específica forma de atuação acusável de ativista – e muitos sugerem com veemência que isto efetivamente ocorre[8] –, mas dada a proeminência e a singularidade de suas funções, o peculiar papel que ocupa na estrutura do Poder Judiciário e na ordem jurídica nacional, e o impacto de suas decisões na conformação do direito pátrio, optou-se, ao definir a prioridade dos tópicos abordados, em lançar luz e dirigir o foco do estudo, para a atuação desta específica Corte.
2. CONCEITUAÇÃO DE ATIVISMO JUDICIAL
O conceito de ativismo judicial está amarrado à formulação liberal clássica da separação dos poderes. A separação, para esta teoria, dá-se em termos de repartição de funções e sua atribuição a órgãos (nela nominados de poderes). Ela possui um caráter funcional[9] (definição de uma esfera de competência com vistas à consecução de uma função) e orgânico[10] (atribuição de tais competências a um órgão). A separação dos poderes se opera com a reserva de um núcleo funcional mínimo cuja competência de exercício é reservada apenas a um órgão referido. A preponderância (ou compartilhamento interorgânico) não afasta a existência deste núcleo essencial.
O ativismo judicial seria, portanto, o trespasse das linhas demarcatórias da função judicial às expensas precipuamente da função legislativa, mas também da função administrativa[11]. Por ativismo judicial dever-se-ia entender o exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento jurídico. Seria, pois, a descaracterização da função típica do poder judiciário, com a incursão insidiosa sobre o núcleo funcional essencial atribuído a outros poderes.
Os traços essenciais do conceito, acima referidos, não encontram maior dissenso, e dito conceito, a uma primeira vista, parece bastante claro e simples. No entanto, não se pode olvidar que atrelado a tal conceito há uma específica idealização da estruturação do Estado, da relação de seus órgãos constituintes (poderes), de suas específicas atribuições e de suas particulares inter-relações, idealização esta que varia não apenas no eixo do espaço (de país a país), mas também, e em larga medida, no eixo do tempo (de uma época a outra)[12].
Não há como, pois, dissociar uma análise mais acurada do ativismo de uma determinada e circunstancial (temporal e especialmente referida) ordem constitucional. O que foi ativismo ontem bem pode não o ser hoje, e o que é ativismo em um país, dificilmente pode ser classificável como tal em outro. A desvinculação histórico-espaço-temporal do conceito por vezes é feita pela doutrina, sem maior apuro técnico, esquecendo-se esta, como adiante se falará, de que o papel conferido ao poder judiciário – ou a um tribunal constitucional, quando este não integra a estrutura formal deste último – mudou sensivelmente nas últimas décadas[13].
A seção subsequente se deterá com mais vagar sobre este ponto. Por ora, cumpre apenas traçar em linhas gerais (cometendo aqui, propositadamente, o equívoco que no parágrafo anterior se reputou a terceiros) qual seria, afinal, o papel do poder judiciário, e quando, então, estaria ele a ingressar em paragens que lhe seriam vedadas.
Há um modus operandi específico para a atuação do poder judiciário, pelo menos quando este é compreendido em sua feição tradicional. A sua atuação dá-se de maneira necessariamente processualizada, por intermédio da formalização do conflito através de um processo, instaurado por e perante partes, cuja solução será dada, em caráter definitivo, por um terceiro imparcial (o juiz). Os limites de sua atuação são traçados previamente pelos pedidos veiculados pelas partes e sua atuação nunca se dá de ofício, sendo exigida a sua anterior provocação pelos interessados. Das linhas acima traçadas, extraem-se como características definidoras da função judicial a inércia, a definitividade, a imparcialidade, a subtitutividade, a bilateralidade, o contraditório e a adstrição aos pedidos formulados pelas partes. Ao judiciário seria, assim, atribuído o papel de, sob provocação, garantir a prevalência do direito objetivo, conferindo a garantia da manutenção do direito subjetivo por este salvaguardado.
A atuação ativista se daria em prejuízo de tais características: o poder judiciário atuaria não mais de lege lata, submisso à ordem jurídica positiva, mas sim em franca substituição ao legislador ou ao administrador, invadindo a primazia daquele na definição do direito objetivo ou deste na apropriação concreta da conveniência ou oportunidade.
Pelas razões já expostas, aqui repisadas, afirma-se que tal definição do conceito, em linhas tão gerais, presta-se apenas para oportunizar uma visão propedêutica da temática abordada. Mostra-se útil para fins de explanação, possibilitando um gradual adensamento da problemática tratada, mas se afigura imprestável quando se objetiva realizar uma análise mais detida e aprofundada da questão. Para tanto, é necessário, antes de tudo, perquirir, em concreto, qual a verdadeira extensão conferida à esfera de atuação do poder judiciário pela ordem constitucional positiva. As lindes que balizarão uma atuação regular e possibilitarão identificar sua versão anômala e disfuncional só podem ser encontradas em aludida configuração institucional.
Por fim, para concluir esta seção introdutória, e como uma adicional justificativa para a elaboração do presente trabalho, que se agrega ao fato já referido de a doutrina não realizar um cotejo adequado com a ordem constitucional positiva, nem promover um mais detido estudo de outras potenciais causas para a ocorrência do fenômeno, cumpre tecer breves linhas sobre as pretensas virtudes ou vícios de uma atuação ativista.
O título do presente texto já sugere a visão do autor e se coaduna com a definição de ativismo apresentada. Há aqueles que defendem uma atuação ativista eis que nela enxergam um baluarte de defesa antimajoritário de minorias pretensamente agredidas. Para estes, o ovo da serpente, ainda que apenas em sua mais primeva forma, estaria esconso nos meandros da política, essencialmente majoritária, insensível aos clamores de minorias fracamente ou não representadas[14]. Ou ainda, na incapacidade sistêmica dos atuais corpos legislativos de produzir alterações de rumo exigidas, mas pouco palatáveis, para o eleitor comum[15].
Um paralelo artificial aqui é traçado, e são caricaturizados pontos salientes do processo político, tais como a habitual falta de parcialidade, o sectarismo político ou ideológico, o caráter belicoso dos embates parlamentares, a inexistência de um árbitro equidistante, e por aí vai[16]. É curiosa tal forma de pensar: afinal, qual a garantia de que a contaminação político-ideológica, ou ainda aquela provocada pelas circunstâncias históricas próximas, não afetem apenas a política, como também o próprio poder judiciário? Estaria tal poder apartado de influências hábeis a contaminar, de forma sistêmica e aguda, a sociedade, e por conseguinte, todo o corpo representativo eletivo?
Há aqui a construção infundada de uma mitologia política: a de que as particularidades do caso e a equidistância do magistrado, possibilitada pela configuração institucional do modo de operar da magistratura, seria hábil e suficiente a isolá-la das paixões político-ideológicas que perpassariam todo o corpo social. Waldron[17] nos faz recordar que nem sempre por decisões ‘progressistas’ são os tribunais lembrados, apontando um rosário de decisões reprováveis exaradas por tais cortes.
A pergunta, no entanto, que deve ser posta[18] e que verdadeiramente importa não é se tal conjuntura (a contaminação político-ideológica de setores representativos da magistratura) poderia efetivamente ocorrer[19], mas sim se as instituições políticas antevistas seriam capazes de lidar com tal problema. O sectarismo exagerado por parte de alguns parlamentares, ou ainda, por parte de um governo formado, pode ser resolvido nas eleições seguintes. Os exageros podem ser punidos (pelo próprio corpo judicial), os mentores afastados de seus postos, e por aí vai. Mas e se tal ocorre no seio do Poder Judiciário, onde a vitaliciedade surge como óbice à substituição pela vontade popular, onde a purga sempre encontra barreiras no corporativismo da classe e finda, derradeiramente, por esbarrar na garantia vazada na impossibilidade de exclusão do membro em razão do conteúdo decisório? Como impedir a desnaturação do processo político e reverter a inadequada intromissão ideológica do judiciário na confecção da ordem jurídica nacional?
Se supomos que tal intromissão é sempre positiva, descambamos para um otimismo cego que acaba por afetar a construção de instituições adequadas. Se supomos a possibilidade de uma intromissão desastrosa, queda a pergunta: como revertê-la? Boas instituições são justamente aquelas que não exigem a pureza de propósitos ou virtudes cívicas dos ocupantes dos cargos políticos, mas sim as que, com sabedoria, suspeitam das mesmas, e permitem amplas correções de rumo.
Os argumentos em favor do ativismo giram, via de regra, em torno da idealização de uma elite iluminista (a magistratura) que com sua sabedoria e pureza de propósitos (por vezes associam tal mister ao próprio sacerdócio) nos conduziria com segurança para progressos e avanços impensáveis em um sistema político de decisões puramente majoritárias, dada a inexistência de espaço para a formação de consensos em tais pontos sensíveis. Mas não se deve julgar a correção de uma instituição por resultados circunstanciais, afetados a conjunturas histórico-políticas não reprodutíveis em outras eras ou locais, eis que há, como já dito, bons e maus resultados que podem ser lançados na conta do ativismo. As instituições (como canais pelos quais correm os fluxos dos processos político-decisórios) devem, ao contrário, ser idealizadas sob a hipótese de que seus arranjos não funcionem como esperado, de que as pessoas que ocupam tais ou quais cargos com poder de decisão deles abusem e, portanto, podem e devem ser substituídas.
A defesa do ativismo olvida-se de que o mesmo se escora mais em uma esperança cega de que funcione (e os argumentos trazidos apontam sempre para resultados positivos de tal disfunção, olvidando-se de atuações memoráveis e lamentáveis igualmente produzidas por este modo impróprio de atuação do corpo judiciário) do que na premissa – esta sim valiosa e defensável – de que, em assim não ocorrendo, não haveria espaço no próprio arranjo das instituições para que correções de rumo fossem feitas.
3. PROBLEMAS NA CONFIGURAÇÃO DA ORDEM CONSTITUCIONAL, A PRETENSAMENTE ENSEJAREM UMA ATUAÇÃO MAIS ATIVISTA
Como gizado linhas atrás, passaremos agora em revista às mais frequentes causas arroladas para um atuação ativista. E como já repisado, a conceituação de ativismo, ela própria, será extraída do necessário cotejo dos limites traçados ao poderes por uma dada ordem jurídico-constitucional e da atuação prática destes mesmos poderes face a tais limites. Feitas tais considerações, pergunta-se: qual o espaço efetivamente conferido pela ordem jurídica pátria à atuação dos magistrados, em específico, à atuação do Supremo Tribunal Federal.
Um olhar pela linha do tempo conduz à inevitável conclusão de que o papel tradicionalmente conferido ao poder judiciário – e em particular, ao Supremo Tribunal Federal – foi radicalmente descaracterizado, mesmo em suas feições mais básicas. A afetação tradicional do juízo a um caso concreto (com a definição dos contornos do litígio levada a efeito pela exclusiva atuação das partes), o restritivo escopo de influência da decisão judicial, a submissão do magistrado à lei, a substituição da vontade das partes pela atuação do magistrado, a equidistância garantida pela inexistência de qualquer interesse do magistrado no resultado prático da ação (que afetaria apenas os interesses e direitos dos litigantes), todas estas características foram profundamente alteradas por sucessivas remodelações de tal papel produzidas em nível constitucional.
A possibilidade já conferida ao Supremo – e a toda à Magistratura, em todo os seus níveis – de afastar a aplicação de uma lei havida por inconstitucional[20] foi enormemente ampliada pela gradual introdução de modelos de controle concentrado no ordenamento brasileiro[21]. Se antes o reconhecimento da inconstitucionalidade de uma lei teria consequências apenas na resolução do caso sub judice, com a abstrativização do controle e introdução do efeito erga omnes, tal escopo foi sobremaneira ampliado e dificilmente poder-se-ia classificar, neste sentido, um Ministro do Supremo Tribunal como um tradicional juiz do caso posto. A decisão, em sede de controle abstrato, não se limitará às partes litigantes, que para fins de controle concentrado, dificilmente podem ser referidas pelo termo técnico ‘parte’, que aqui se despe de seu sentido tradicional. A declaração de inconstitucionalidade da lei representará a sua efetiva exclusão do ordenamento e o papel do Ministro ombreará aquele confiado ao Parlamento na construção da ordem jurídica nacional. As partes litigantes não postularão a violação de um direito subjetivo e a estreita relação com tal direito não mais constituirá o elo necessário do qual derivará a sua legitimação para a causa[22]. O pedido formulado não balizará de forma imperativa a atuação da corte, e as próprias razões de pedir poderão, ao talante do tribunal, serem substituídas por outras tidas por adequadas para a correta solução do litigio[23].
As inovações não param por aqui. Além da introdução da Ação Direta de Inconstitucionalidade, e da posterior inclusão da Ação Direta de Constitucionalidade, previu a Carta Magna, entre outros mecanismos de controle, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e o Mandado de Injunção. Cumpre notar que os dois últimos mecanismos referidos tem por objeto não um diploma jurídico produzido em decorrência da atuação positiva do parlamento ou do executivo, mas, ao contrário, a leniência destes poderes na produção de normas exigidas pelo texto constitucional.
Quanto especificamente ao mandado de injunção há correntes doutrinárias que sustentam a possibilidade, inclusive, de edição de normas de teor abstrato, aplicáveis não apenas à colmatação da omissão apresentada pelo caso sub judice, mas extensível, ainda, a casos similares[24].
É de se concluir - ainda que se admita, no caso do mandado de injunção, quanto à norma concreta editada, o cabimento tão somente de uma eficácia restritiva, aplicável exclusivamente às partes litigantes - a inegável extensão e relevância do papel conferido pelo próprio legislador (constituinte e reformador) ao Supremo Tribunal Federal, com poderes não apenas para cassar leis eventualmente inconstitucionais, mas para editá-las, em determinadas circunstâncias.
Presenciamos aqui uma clara reconfiguração (ou desconfiguração) do modelo montesquiano clássico[25]. A Constituição de 1988, em seu feição originária e por força de sucessivas emendas constitucionais, traçou um modelo de Estado Constitucional que em certa medida discrepa do modelo tripartite clássico de repartição dos poderes, e ao fazê-lo, alterou as lindes habituais que ordinariamente balizariam as análises críticas sobre a ocorrência ou não de uma atuação ativista.
Ao Supremo Tribunal Federal foi atribuída, em tal formatação institucional, a competência para cassar leis produzidas por um parlamento e um governo eleitos, e em face da leniências destes, para produzir normas exigidas pelo texto constitucional para o efetivo e pleno exercício dos direitos nele assegurados. Há aqui uma remodelação profunda das competências funcionais atribuídas ordinariamente aos poderes executivo/legislativo/judiciário e tal remodelação, por certo, influirá em qualquer juízo crítico que recaia sobre a esperada atuação de tais poderes.
É preciso gizar que muito embora os limites tenham sido ampliados, certo é que ainda os há. E que mesmo em face deste novo rearranjo institucional lindes relativamente claras ainda podem ser traçadas: e por ‘claras’ está-se aqui a dizer, que há uma certo nível de consistência semântica e de consenso jurídico sobre a esperada atuação deste novo poder judiciário em face deste novo rol de competências e atribuições. No entanto, tal protagonismo, conferido ao Supremo Tribunal Federal, ineludivelmente findou por colateralmente induzir a uma postura muito mais ativista por parte de tal Corte[26].
Novos papéis institucionais exigem uma distinta postura por parte daqueles que integram a instituição remodelada. A timidez dos primeiros anos, justificável pela inércia que acompanha procedimentos e posturas estabelecidas e consolidadas, acaba por forçosamente ceder espaço à audácia, exigível daqueles que pretendem apresentar-se aos olhos do público com a grandeza exigida pelo novo papel.
São exemplos desta nova postura do Supremo Tribunal: a) a alteração do entendimento em relação ao Mandado de Injunção (MI 607/ES – com a determinação de aplicação da lei de greve dos empregados privados aos servidores públicos), que desde a edição da Carta Magna, era visto como uma ação por meio da qual apenas se reconheceria a mora do Legislativo em regulamentar a norma constitucional; b) a proposta de reinterpretação da competência do Senado Federal (art. 52, X, CRFB), conforme voto do Min. Gilmar Mendes proferido na Recl. 4 335-5/AC, e o reconhecimento, pela via hermenêutica, de uma abstrativização ainda não positivada, a influir no controle difuso e na repercussão jurídica dos julgamentos dos recursos extraordinários[27]; c) a utilização de uma nova postura hermenêutica, que em larga medida se lastreia em uma nova visão do papel conferido ao poder judiciário, de que são exemplos as decisões proferidas na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.999-7[28] e no RE 197.917.[29]
Quanto a este novo papel do poder judiciário, nas palavras de Mauro Capeletti[30], “verifica-se uma percepção generalizada, ao menos nos países ocidentais, de que, em nossa ‘era de leis’ – como o Deão Calabresi a denominou – é realmente uma salvaguarda valiosa o controle por um julgador independente, de um legislador cada vez mais onipresente, cujo papel no Estado moderno cresceu em dimensões sem precedentes, mais ainda se considerarmos que esse controle constitui a necessária ’coroação’ da rule of law.”
Esta nova postura hermenêutica encontra-se bem sintetizada nas palavras de Michele Taruffo[31], e pode ser brevemente sintetizada pelas seguintes premissas: a) a norma, como elemento deôntico puro, só existiria após o processo de análise e resultaria de uma operação construtiva a cargo do intérprete; b) o processo interpretativo já traria em si um certo grau de discricionariedade judicial, que poderia ser ainda mais elastecido em função de uma maior abertura semântica dos vocábulos empregados, da imprecisão e ambiguidade natural da linguagem, da utilização proposital de expressões semanticamente imprecisas ou difusas, da atribuição ao próprio intérprete de espaços hermenêuticos abertos (cláusulas gerais), ou da opção do legislador em evadir-se de uma solução clara para o tema; c) ao magistrado seria confiada não mais o baixo mister de operar a vontade da lei, mas sim o elevado ofício de dar concreção a elevados valores constitucionais.
As alterações institucionais referidas dão corpo a este momentum: em um primeiro instante, positiva-se na ordem constitucional um nova redefinição do papel do poder judiciário, com vistas a ele conferir um protagonismo que em certa medida desfigura a repartição tripartite clássica; tal impulso, aliado à indefinição dos contornos que sempre acompanha as reformulações institucionais, pautadas que são, mais em propósitos a serem alcançados do que nos meios pelos quais isto se daria, finda por provocar um movimento inercial que trespassa as lindes delineadas para este novo papel.
Não há, pois, como negar que, por mais paradoxal que pareça, tenha a alegada vítima (o poder legislativo, aquele que mais se queixa desta nova postura do poder judiciário) sido, em parte, corresponsável pelo atual estado das coisas.
A conclusão que se coloca, ao final desta seção, é de que a pretensa causa para o ativismo não se cingiria a uma alteração pontual da configuração jurídico-constitucional: houve, em verdade, uma verdadeira remodelação do papel do poder judiciário, avalizada pelos demais poderes da República e encartada em um mais amplo movimento de reconfiguração dos papéis, limites e funções dos poderes do Estado[32].
Como gizado nos parágrafos antecedentes, o movimento inercial causado pelo impulso propulsor de tais reformas, aliado ao fato de habitualmente serem indistintos os contornos das alterações pretendidas, certamente no que tange aos exatos meios pelas quais esta se daria, influiu decisivamente para que as Cortes (o STF em específico), ao assumirem o novo papel que lhes foi conferido pela novel ordem constitucional, tateassem na exata definição do mesmo, e perpetuassem inercialmente um movimento que já era de expansão, trepassando por vezes as lindes definidas.
4. INÉRCIA DOS PODERES EMINENTEMENTE POLÍTICOS
A inércia ou a inoperância prática dos poderes eminentemente políticos é habitualmente sugerida pela doutrina como causa de uma postura mais ativista por parte do Poder Judiciário[33]. Igual visão é compartilhada por vários dos Ministros do Supremo Tribunal Federal[34] [35].
De igual sorte, uma pesquisa no site www.google.com.br feita exclusivamente com os verbetes “inércia poder legislativo” retorna em quase todas as suas entradas uma alusão para a atuação ativista do poder judiciário[36], fato este bastante significativo, já que a referência a este poder sequer consta da consulta realizada. As entradas mais acessadas, e que são referidas na primeira página de resposta, apontam, todas elas, sem exceção, para a discussão do ativismo.
Igual consulta feita no site www.google.com (que prospecta a realidade norte-americana) apresenta um resultado diverso. A alusão a eventuais abusos perpetrados pelo Poder Judiciário desaparece: muitas das entradas debatem as consequências deletérias de tal inação sobre a economia, outras tantas associam a inércia do Congresso à adoção de medidas pelo Poder Executivo. Vê-se, pois, que tal causa apresenta um contorno nacional, não necessariamente exportável para outras realidades jurídicas.
Apesar de brandida genericamente como uma causa abstrata para uma postura mais ativista do Poder Judiciário, é fato que, na análise detida de vários casos apresentados ao Supremo, dificilmente poderia ela ser efetivamente considerada como tal. A inação a exigir uma posição do Poder Judiciário, por óbvio, seria aquela hábil a promover uma grave comoção social, ou mesmo a disruptura do funcionamento ordinário da sociedade. No entanto, em várias das decisões classificáveis como ativistas, tomadas pelo STF nos últimos anos, tal elemento de urgência inexiste[37].
Em obra já referida, ao se analisar a decisão do STF sobre perda de mandato em decorrência de infidelidade partidária, mostrou-se que, de 1970 até 2009, tramitaram em nosso Parlamento cerca de 55 iniciativas parlamentares de algum modo ligadas a essa questão[38]. O silêncio, assim como a ação, possuem um conteúdo político relevante. Se tal questão, apesar das inúmeras propostas, não foi aprovada, é de se perguntar se afinal não seria este o entendimento do Congresso Nacional sobre a matéria.
A decisão do STF neste particular ponto procurou, em verdade, ‘qualificar as leis’ da República, e não obviar uma leniência do Poder Legislativo. A inação, neste caso, era proposital, e a sua consequência jurídica não redundava em um vácuo legislativo que precisava ser colmatado, mas sim em um determinada configuração jurídica pré-existente (a mudança de partidos sem maiores consequências) que não agradava ao Supremo Tribunal Federal.
A inércia atribuível ao Poder Legislativo, na grande generalidade das vezes, não decorre de uma omissão constitucional, do descumprimento efetivo de uma determinação constitucional. A decisão judicial que se sobrepõe a esta alegada inércia representa uma opção qualitativa por algo que deveria ser feito de forma diversa do que está hoje, mas não foi, e não de algo que simplesmente não foi realizado[39]. De princípios extremamente abstratos e dos quais dificilmente poderiam ser deduzidas tais consequências, exsurgem normas detalhadas não constantes do ordenamento positivo. Em tais casos, havia uma configuração jurídica pré-existente a regular a matéria, a questão se encontrava regrada, inexistia vácuo ou inércia legislativa e a decisão optou por um caminho jurídico alternativo.
Não se descarta, por certo, que tal inércia venha, em circunstâncias específicas, a constituir uma efetiva causa para uma atuação mais ativista. Mas nota-se o seu uso indiscriminado na discussão jurídico-política, mesmo quando ela de fato inocorre. Isto, por uma opção “legislativa”, tomada pelo corpo judicial, alegadamente mais moderna ou arrojada, e consentânea com princípios constitucionais abertos e semanticamente indefinidos.
5. ATUAÇÃO AGRESSIVA E VOLUNTARISTA DO PODER JUDICIÁRIO
Uma análise crítica da forma pela qual se dá, na prática, a atuação dos integrantes do poder judiciário exige a pré-compreensão da visão que tais integrantes fazem do pretenso papel institucional que lhes cabe. Seria temerário classificar de voluntarista uma dada postura – ainda que a mesma pudesse inequivocamente ser classificada como ativista – se o seu agente reputasse enquadrar-se a mesma no papel institucional que lhe é confiado. Em sua visão a sua atuação não poderia ser qualificada como temerária, eis que cumpre o que lhe compete, ou melhor, o que lhe é exigido pelo corpo social.
Com isto não se quer dizer que o contumaz desrespeito à legítima esfera de atuação privativa dos demais poderes integre este papel institucional. Mas apenas que (a) uma específica visão de seu papel, (b) incentivada por uma certa exigência de protagonismo implicitamente formulada pelo contexto político-social e (c) aliada a uma peculiar forma de entender a amplitude de escopo em que a discricionariedade da atividade hermenêutica judicial operaria, muito auxiliariam (a + b + c) a borrar tais lindes fronteiriças entre os poderes.
O novo papel conferido ao poder judiciário (b), já referido em seção precedente, coloca-o como uma guardião das conquistas sociais recentes, sendo ele o derradeiro bastião contra investidas nos direitos sociais e da pessoa humana, e como fiscal último dos dois demais poderes[40] [41]. As relações entre política e direito se diluem em larga medida[42], e o Magistrado, empossado de poderes para uma aplicação imediata (concreção) da carga valorativa difusa presente na Constituição, alça-se sobre a lei, não sendo mais o seu aplicador, mas sim o seu intérprete-criador.
Shapiro refere a existência de um consenso na doutrina acerca dos poderes legislativos (inicialmente intersticiais, após, de natureza administrativo-jurídico, e por fim, em um estágio final, de natureza abstrato-legislativa) conferidos às Cortes[43].
Tal raciocínio encarta-se e funde-se com a “nova hermenêutica” empregada (c), que permite para a concreção de princípios vaguíssimos (já que os mesmos encontram-se estampados nas cartas constitucionais, e é preciso dar a esta efetividade máxima), o afastamento da lei concreta aplicável. A segurança jurídica mais básica, e com isto a função importantíssima de coordenação das atividades humanas que desta depende em elevado grau, cede aqui espaço para uma moralização do direito e para um amplo escopo de atuação do magistrado na “construção” da ordem jurídica positiva.
Era de se esperar, pois, que tais influxos ideológicos findassem por incentivar e inflar uma atuação ativista. E isto, de fato, ocorreu: a ponto de vários Ministros da Suprema saírem abertamente em defesa de tal postura, referindo de forma explícita os referenciais ora abordados[44].
6. CONCLUSÕES
O presente estudo debruçou-se sobre a análise de potenciais causas do ativismo, abaixo arroladas. Quanto a referidas causas, em apertada síntese, conclui-se:
a) Quanto aos problemas na configuração da ordem constitucional, a pretensamente ensejarem uma atuação mais ativista. A pretensa causa para o ativismo não se cingiria a uma alteração pontual da configuração jurídico-constitucional: houve, em verdade, uma verdadeira remodelação do papel do poder judiciário, avalizada pelos demais poderes da República e encartada em um mais amplo movimento de reconfiguração dos papéis, limites e funções dos poderes do Estado. O movimento inercial causado pelo impulso propulsor de reformas constitucionais empreendidas com vistas a remodelar o perfil do Poder Judiciário, aliado ao fato de habitualmente serem indistintos os contornos das alterações pretendidas (no que tange aos exatos meios pelas quais esta se daria), influíram decisivamente para que as Cortes, ao assumirem o novo papel que lhes foi conferido por esta nova ordem constitucional, tateassem na exata definição do mesmo, e perpetuassem inercialmente um movimento que já era de expansão, trepassando por vezes as lindes definidas.
b) Quanto à influência de uma alegada inércia dos poderes eminentemente políticos no fomento do ativismo. O silêncio, assim como a ação, possuem um conteúdo político relevante. A manutenção da atual configuração jurídica não representa necessariamente uma atitude leniente. A inércia atribuível ao Poder Legislativo, na grande generalidade das vezes, não decorre de uma omissão constitucional. A decisão judicial que se sobrepõe a esta alegada inércia representa uma opção qualitativa por algo que deveria ser feito de forma diversa do que está hoje, mas não foi, e não de algo que simplesmente não foi realizado. Não se descarta, por certo, que tal inércia venha, em circunstâncias específicas, a constituir uma efetiva causa para uma atuação mais ativista. Mas nota-se o seu uso indiscriminado na discussão jurídico-política, mesmo quando ela de fato inocorre. Isto, por uma opção “legislativa”, tomada pelo corpo judicial, alegadamente mais moderna ou arrojada, e consentânea com princípios constitucionais abertos e semanticamente indefinidos.
c) Quanto à eleição, como causa do ativismo, da atuação agressiva e voluntarista do poder judiciário. Tal causa encontra intimamente imbrincada com a referida na letra ‘a’, antecedidas que são por um contexto político-jurídico-ideológico propício a seu surgimento. Em relação a tal contexto, gizou-se: (a) a alteração do papel hodiernamente conferido ao poder judiciário, (b) incentivada por uma certa exigência de protagonismo contida nas atribuições de tal papel e (c) aliada a uma peculiar forma de entender a amplitude de escopo em que a discricionariedade da atividade hermenêutica judicial operaria, muito auxiliariam (a + b + c) a borrar tais lindes fronteiriças entre os poderes.
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[1] Uma pesquisa rápida nos anais do Encontro Nacional CONPEDI – Conselho Nacional de Pesquisa e Pós Graduação em Direito (http://www.conpedi.org.br/anais.php) indica a recorrência do assunto.
[2] CROSS, Frank B.; LINDQUIST, Stefanie A. The scientific study of judicial activism. In: Minnesota Law Review, 2007, vol. 91, pp. 1752-1784. Uma análise interessante deste ponto é empreendida na obra referida. Segundo o autor, o termo "ativismo" teria, com o passar do tempo, sido desprovido de qualquer conteúdo significativo, por um constante uso que muitas das vezes refletiria tão somente uma querela ideológica. No entanto, a preocupação subjacente – de que juízes ativistas podem agir de forma inadequada – seria legítima à luz de um compromisso com valores democráticos, daí o esforço empreendido na obra citada para a obtenção de uma medida científica social do ativismo judicial.
[3] BARAK, Aharon. The Judge In a Democracy. Princeton University Press: Princeton, New Jersey, ISBN-13: 978-0-691-12017-1, 2006. Quanto ao ponto, pondera o autor: “Judicial decisions are commonly characterized along the continuum of activism and self-restraint. Those who make these classifications seldom define their terms. The result is chaos and misunderstanding conducive neither to debate nor to evaluation. For many, these terms have become code words for criticism or praise: X is a good judge because he is activist; Y is a good judge because she exercises self-restraint. But what do we mean by activism and self-restraint? Is one good and the other bad? The answer to this question seems to vary depending on the period in which it is asked. At some points in time, judicial activism is viewed as a good thing, and at other times it is viewed negatively. The same is true of self-restraint. What accounts for variation in the way judicial activity is viewed? Unless we agree on what we mean by activism and self-restraint, our use of the terms is an exercise in empty slogans.”
[4] KMIEC , Keenan D. The origin and current meanings of ‘judicial activism’. In: California Law Review, 2004, vol. 92, pp. 1441-1477. Há, nos estudo referido, a elaboração de um juízo crítico sobre os significados e os juízos valorativos que acompanham o emprego da expressão ativismo. Como pondera o autor, se no primeiro texto em que se identificou o uso da expressão em solo americano (Arthur Schlesinger Jr. introduziu o termo "ativismo judicial" para o grande público em um artigo da revista Fortune, em janeiro de 1947), foi a mesma empregada com clara conotação positiva e elogiosa, mais assemelhada com o seu correlato uso em "ativista dos direitos civis", do que com "abusar de sua autoridade", mesmo em seus albores, já era o termo era frequentemente considerado como um desvio. Em meados da década de 1950, o termo assumiu uma conotação geralmente negativa, ainda que seu significado específico fosse de difícil delimitação.
[5] PINTO, Taís Caroline; ZANATA, Mariana Lobo. “Ativismo judicial: uma análise crítica da judicialização da política como instrumento democrático de concretização dos direitos fundamentais”, in: Anais do XIX ENCONTRO NACIONAL CONPEDI – Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito, ISBN 978-85-7840-081-1, Livro PROCESSO E JURISDIÇÃO, pp. 12360 – 12381. Ponderam os autores: “Em que pesem as respeitáveis opiniões, não há como não se reconhecer a relevância do ativismo judicial nos dias atuais, principalmente em razão da omissão parlamentar na busca pelo aperfeiçoamento da legislação, notadamente no alcance da efetivação de direitos fundamentais”. E mais adiante: “Em que pese a argumentação da falta de legitimidade democrática dos membros do judiciário – que diferentemente dos legisladores, não são representantes eleitos –, dos riscos da politização da Justiça e dos limites institucionais do Judiciário, o ativismo judicial, até onde se pode perceber, tem se mostrado uma solução, e não um problema.”
[6] BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. 4. ed. Revista Atualidades Jurídicas – Revista Eletrônica do Conselho Federal da OAB, jan./fev. 2009. Disponível em: <http://www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1235066670174218181901.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2014. Conclui o autor: “O ativismo judicial, por sua vez, expressa uma postura do intérprete, um modo proativo e expansivo de interpretar a Constituição, potencializando o sentido e alcance de suas normas, para ir além do legislador ordinário. Trata-se de um mecanismo para contornar, bypassar o processo político majoritário quando ele tenha se mostrado inerte, emperrado ou incapaz de produzir consenso. (...) Em suma: o Judiciário é o guardião da Constituição e deve fazê-la valer, em nome dos direitos fundamentais e dos valores e procedimentos democráticos, inclusive em face dos outros Poderes. Eventual atuação contramajoritária, nessas hipóteses, se dará a favor, e não contra a democracia. (...) Uma nota final: o ativismo judicial, até aqui, tem sido parte da solução, e não do problema. Mas ele é um antibiótico poderoso, cujo uso deve ser eventual e controlado.”
[7] REVERBEL, Carlos Eduardo Dieder. Ativismo judicial e estado de direito. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM. Março de 2009, Vol. 4, n.1. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/xmlui/bitstream/handle/2011/ 40977/ativismo_judicial_estado.pdf?sequence=1>. “O ativismo judicial centra-se neste ponto. O juiz transpassa o campo do direito e ingressa na seara da política. Assim ‘resolve’ problemas políticos por critérios jurídicos. Isto se dá dentre outras razões, pelo desprestígio da lei, ineficiência da política, dificuldade da própria administração, malversação dos recursos públicos. (...) Quando se confunde o campo jurídico com o campo político, a consequência é fatal: o julgador acaba fazendo uma má política, por meios jurídicos. Os exemplos, em nossos tribunais, apresentam-se aos borbotões. Talvez, o mais maléfico deles seja as liminares que concedem internações em hospitais que não possuem vagas. O juiz decide, ‘juridicamente’ um problema de política pública: leitos escassos para pacientes em demasia.”
[8] STRECK, Lenio Luiz. O ativismo judicial existe ou é imaginação de alguns? In: Revista Consultor Jurídico, 13 de junho de 2013. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2013-jun-13/senso-incomum-ativismo-existe-ou-imaginacao-alguns>. Acesso em 14 de jan. Pondera o autor: “Ao contrário do que diz o novo ministro e ao contrário do que sustenta Thamy Progrenischi (que, aliás, no seu livro critica Barroso, que, paradoxalmente, parece, agora, concordar com a crítica que lhe foi feita), há, sim, excesso de ativismo. E quando digo excesso, não estou admitindo um “ativismo adequado ou necessário”. Permito-me dizer: ativismo é vulgata da judicialização. Não há bom ou mau ativismo. (...) Mais ainda, a discussão sobre a judicialização não deve ficar restrita à atuação (ou crítica à atuação) do STF. Basta vermos que várias unidades da federação gastam mais em pagamento de ações judiciais sobre o acesso à saúde e remédios do que nos próprios orçamentos. Em São Paulo, por exemplo, os gastos da Secretaria Estadual da Saúde com medicamentos por conta de condenações judiciais em 2011 chegaram a R$ 515 milhões, quase R$ 90 milhões gastos além do previsto no orçamento do ano destinado a medicamentos. Vladimir Passos de Freitas, colunista da ConJur, mostra que, só neste ano, em cinco meses, 7.408 decisões judiciais obrigaram o município de São Paulo a promover a matrícula de crianças nas creches da prefeitura (que nem tem condições de cumprir). Isso é o quê? Esses dados entram ou não entram no “índice de aferição do ativismo”? É preciso dizer mais ou devemos fazer um passar d’olhos nas Varas da Fazenda Pública, na questão medicamental, internações, creches em outras capitais que não São Paulo, decisões discrepantes sobre o que é insignificância no furto e na sonegação de tributos?”
[9] RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 113. Preleciona o autor: “Portanto, o princípio da separação dos Poderes parte da identificação das principais funções a serem desempenhadas pelo Estado, para a consecução de seus fins, o que, à evidência, está sujeito a toda sorte de condicionamentos históricos (...)”.
[10] Ibidem, p. 114. Dando continuidade ao argumento: “Em segundo lugar, propõe-se que essas funções sejam atribuídas a estruturas orgânicas independentes entre si, o que exige dotar-se cada urna delas de determinadas prerrogativas institucionais e os seus titulares de garantias funcionais, estando a eles vedada, por outro a participação em funções estranhas ao aparato orgânico a que se vinculam.”,
[11] Ibidem, p. 116-117: “Ao se fazer menção ao ativismo judicial, o que se está a referir é à ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional, em detrimento principalmente da função legislativa, mas, também, da função administrativa e, até mesmo, da função de governo. Não se trata do exercício desabrido da legiferação (ou de outra função não jurisdicional), que, aliás em circunstâncias bem delimitadas pode vir a ser deferido pela própria Constituição aos órgãos superiores do aparelho judiciário, e sim da descaracterização da função típica do Poder Judiciário, com incursão insidiosa sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas a outros Poderes.”
[12] LEAL, Roger Stiefelmann. A judicialização da política. Revista dos Tribunais. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, v. 29, p. 230-237, 1999. O autor correlaciona o progressivo e contínuo avanço da interferência do poder judiciário sobre os demais poderes com a alteração do modelo do estado liberal clássico para o estado social, e as consequentes reformulações pelas quais tiveram de passar, para fazer frente a tais mudanças, os poderes estatais. E conclui: “Indubitavelmente, uma nova mudança na coordenação existente entre os poderes tem ocorrido nos últimos tempos. O Poder Judiciário vem assumindo a hegemonia no arranjo político-institucional delineado pelo constitucionalismo contemporâneo. A preeminência, que na visão clássica da separação dos poderes era do Poder Legislativo e passou, devido ao aparecimento do Welfare State, para o Poder Executivo, encontra-se atualmente nas mãos do Poder Judiciário. Entretanto, a supremacia jurisdicional que se vive nos dias atuais parece alcançar dimensões não concebidas outrora em relação ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo. O modelo principiológico adotado pelo Welfare State, aliado ao vultoso número de funções conferidas ao Poder Judiciário, admitiu uma estrutura constitucional onde a decisão judicial passou a ter poderes nunca antes imaginados.”
[13]Ibidem, p. 230-237. Argumenta o autor: “O Poder Judiciário não ficou inerte ante esse crescimento do Executivo e o acentuado aumento do número de leis e atos com força de lei. Passou a ser encarado como o escudo da sociedade, o protetor dos direitos individuais contra os avanços do Estado em ‘domínios alheio’, assumindo, em certas ocasiões, papéis políticos estranhos à concepção doutrinária clássica. Visto desse enfoque, o Poder Judiciário passou por mudanças de duas ordens: internas ou funcionais e externas ou institucionais. Tais mudanças, de certo modo, permitiram uma maior ingerência dos órgãos jurisdicionais, dando causa ao que se poderia chamar de ‘judicialização da política’”.
[14] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pronunciamento do Exmo. Min. Antonio Cezar Peluso, Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça. Discurso de abertura do ano judiciário de 2012. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/anojudiciario2012.pdf. Ponderou o Exmo. Ministro: “O papel dito antimajoritário ou contramajoritário, em especial, das cortes constitucionais, não significa apenas dever de tutelar direitos das minorias perante risco de opressão da maioria, mas também de enfrentar, não críticas ditadas pelo interesse público, mas pressões impróprias tendentes a constranger juízes e ministros a adotarem interpretações que lhes repugnam à consciência.”
[15] BARROSO, Luis Roberto, op. cit. Pondera o autor: “Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva.”
[16] WALDRON, Jeremy. The core of the case against judicial review. In: Yale Law Journal. 2006, vol 115, p. 1377. Quanto ao ponto, pondera o autor, prefaciando seus argumentos com uma admoestação feita por Raz: “(...) ‘[i]n many countries there are ample reasons to suspect that members of the legislature are moved by sectarian interests to such a degree that they are not likely even to attempt to establish what rights (some) people have. (…) We may know that certain factors are likely to cloud people’s judgments. They may be, for example, liable to be biased in their own interest. We may therefore prefer a procedure in which those charged with a decision are not affected, or not directly affected, by their own decision. There are other factors known to bias judgment, and their nature and presence can be established even without knowledge of the content of the rights concerned.’ [Joseph Raz] Now, in considering a charge like this, we have to ask about its compatibility with our third assumption: Is this sort of sectarian prejudice typical of legislatures in all societies? Or should we associate it with the noncore case of a society whose members are largely indifferent to rights? I shall say more about this in Part VII.81 But even taken at face value, Raz’s argument is not univocal in its tendency. The same sectarian pressures often explain judicial neglect of rights as well.”
[17] WALDRON, Jeremy, op. cit., p. 1377. Como bem pontuado pelo autor, neste sentido, há inúmeros exemplos de decisões violadoras de direitos básicos exaradas por cortes judiciais (ou seja, não houve aqui, em última análise, qualquer garantia quanto à qualidade do resultado), de que são exemplos, no caso norte americano: Korematsu v. United States, 323 U.S. 214 (1944); Schenck v. United States, 249 U.S. 47 (1919); Dred Scott v. Sanford, 60 U.S. (19 How.) 393, 425-27 (1857); Prigg v. Pennsylvania, 41 U.S. (16 Pet.) 539, 612 (1842).
[18] Em igual sentido, ver CITTADINO, Gisele, Poder Judiciário, ativismo judiciário e democracia, in: Revista Alceu, v.5, n.9, pp. 105 a 113, jul./dez. 2004, Ed. Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio: Rio de Janeiro: “O que nos resta agora é perguntar se o vínculo entre ativismo judicial e reforço da lógica democrática, que subjaz ao processo de ‘judicialização da política’ pode viabilizar essa quebra de limites normativos à soberania popular, por mais legitimo que seja o movimento político a dar-lhe sustentação. Em outras palavras, a indagação é se o Poder Judiciário, para não violar a deliberação pública de uma comunidade política que atua autonomamente orientada pelos valores que compartilha, deve ou atuar como regente republicano da cidadania ou abdicar de garantir direitos constitucionalmente assegurados. Dar uma resposta positiva a essa pergunta significa, na verdade, autorizar os tribunais, especialmente as cortes supremas, a atuar como profetas ou deuses do direito, consolidando aquilo que já é designado como ‘teologia constitucional’ e imunizando ‘a atividade jurisprudencial perante a crítica à qual originariamente deveria estar sujeita (...), pois quando a justiça ascende ela própria à condição de mais alta instância moral da sociedade, passa a escapar de qualquer mecanismo de controle social’.”
[19] A primeira indagação já foi respondida afirmativamente pela nota 17. Oportuna a referência feita por Waldron, na obra e página referidas por aludida nota, quanto à contaminação ideológica do poder judiciário norte americano por ocasião do atentado de 11 de setembro: “More recently, Laurence Tribe (usually a stalwart defender of judicial review) observed that in the panic that afflicted America after 9/11, “it would be a terrible mistake for those who worry about civil rights and liberties to pin too much hope on the judiciary in times of crisis.”
[20] BARBOSA, Rui. Os atos inconstitucionais do Congresso e do Executivo, in Trabalhos jurídicos, Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1962, p. 54-55. Comentando a Constituição de 1891, assevera o autor: “Muito mais concludente é a Constituição brasileira. Nela não só se prescreve que ‘Compete aos juízes ou tribunais federais processar e julgar as causas, em que alguma das partes fundar a ação, ou a defesa, em disposição da Constituição Federal’ (art. 60, a); como, ainda, que ‘Das sentenças das justiças dos Estados em última instância haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal, quando se questionar sobre a validade de tratados e leis federais, e a decisão do tribunal do Estado for contrária (art. 59, § 1º, a)’. A redação é claríssima. Nela se reconhece, não só a competência das justiças da União, como a das justiças dos Estados, para conhecer da legitimidade das leis perante a Constituição. Somente se estabelece, a favor das leis federais, a garantia de que, sendo contrária à subsistência delas a decisão do tribunal do Estado, o feito pode passar, por via de recurso, para o Supremo Tribunal Federal. Este ou revogará a sentença, por não procederem as razões de nulidade, ou a confirmará pelo motivo oposto. Mas, numa ou noutra hipótese, o princípio fundamental é a autoridade reconhecida expressamente no texto constitucional, a todos os tribunais, federais, ou locais, de discutir a constitucionalidade das leis da União, e aplicá-las, ou desaplicá-las, segundo esse critério.” Tal previsão foi ecoada nas demais cartas constitucionais.
[21] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, 7ª edição eletrônica, São Paulo: Ed. Saraiva, 2012, ISBN 978-85-02-115507-7. Em aludida obra, em capítulo da lavra do Min. Gilmar Mendes, pontua o autor (s. p.): “A Constituição de 1988 amplia significativamente os mecanismos de proteção judicial, e assim também o controle de constitucionalidade das leis. (...) A grande mudança vai-se verificar no âmbito do controle abstrato de normas, com a criação da ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou federal (CF, art. 102, I, a, c/c o art. 103). (...) O constituinte assegurou o direito do Procurador-Geral da República de propor a ação de inconstitucionalidade. Este é, todavia, apenas um dentre os diversos órgãos ou entes legitimados a propor a ação direta de inconstitucionalidade. (...)Tal fato fortalece a impressão de que, com a introdução desse sistema de controle abstrato de normas, com ampla legitimação, e, particularmente, a outorga do direito de propositura a diferentes órgãos da sociedade, pretendeu o constituinte reforçar o controle abstrato de normas no ordenamento jurídico brasileiro como peculiar instrumento de correção do sistema geral incidente.”
[22] BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência, 6. ed. rev. e atual, São Paulo: Saraiva, 2012. “2. Legitimação. Como observado anteriormente, os principais institutos do direito processual foram concebidos e batizados levando em conta demandas de natureza subjetiva, nas quais se decidem conflitos de interesses entre partes. Como consequência, sua importação para processos objetivos, de natureza predominantemente institucional, deve ser feita cum grano salis. Nada obstante, é corrente o emprego da terminologia “legitimação ativa e passiva” na ação direta de inconstitucionalidade. A praxis do Supremo Tribunal Federal referese a requerente e requerido, respectivamente, para designar o autor do pedido e o órgão do qual emanou o ato impugnado. A legitimação passiva, na ação direta de inconstitucionalidade, não apresenta maior dificuldade: recai sobre os órgãos ou autoridades responsáveis pela lei ou pelo ato normativo objeto da ação, aos quais caberá prestar informações ao relator do processo. (...) Foi no tocante à legitimação ativa para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade que se operou a maior transformação no exercício da jurisdição constitucional no Brasil. (...) Com a Constituição de 1988, no entanto, foi suprimido o monopólio até então desfrutado pelo Procurador-Geral da República, com a ampliação expressiva do elenco de legitimados ativos para a propositura da ação direta, enunciados nos nove incisos do art. 103”.
[23] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, ibidem: “É interessante notar que, a despeito da necessidade legal da indicação dos fundamentos jurídicos na petição inicial, não fica o STF adstrito a eles na apreciação que faz da constitucionalidade dos dispositivos questionados. É dominante no âmbito do Tribunal que na ADI (e na ADC) prevalece o princípio da causa petendi aberta.”
[24] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, op. cit., s. p. (edição eletrônica): “Outros doutrinadores afirmam que, sendo o mandado de injunção instrumento dirigido contra omissão impeditiva do exercício de direitos constitucionalmente assegurados, competiria ao juiz proferir decisão que contivesse regra concreta destinada a possibilitar o exercício do direito subjetivo em questão. Uma variante dessa corrente acentua que a decisão judicial há de conter uma regra geral, aplicável não apenas à questão submetida ao Tribunal, mas também aos demais casos semelhantes. Segundo essa concepção, o constituinte teria dotado o Tribunal, excepcionalmente, do poder de editar normas abstratas, de modo que essa atividade judicial apresentaria fortes semelhanças com a atividade legislativa. Para superar as dificuldades que decorrem dessa concepção, procura-se restringi-la, afirmando-se que se o direito subjetivo depender da organização de determinada atividade ou de determinado serviço público ou, ainda, da disposição de recursos públicos, então deverá ser reconhecida a inadmissibilidade do mandado de injunção5. Assim, não poderia o mandado de injunção ser proposto com vistas a garantir, v. g., o pagamento do seguro-desemprego”.
[25] MONTESQUIEU, Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de. in: Oeuvres Complètes, t. IV, L’Esprit de Lois, Livre Onzième, Chapitre VI, De La constitution D’Anglaterre, Édition Édouard Laboulaye, Paris: Garnier, 1875. “Il y a dans chaque État trois sortes de pouvoirs: la puissance législative, la puissance exécutrice des choses qui dépendent du droit des gens, et la puissance exécutrice de celles qui dépendent du droit civil. Par la première, le prince ou le magistrat fait des lois pour un temps ou pour toujours, et corrige ou abroge celles qui sont faites. Par la seconde, il fait la paix ou la guerre, envoie ou reçoit des ambassades, établit la sûreté, prévient les invasions. Par la troisième, il punit les crimes, ou juge les différends des particuliers. On appellera cette dernière la puissance de juger, et l'autre simplement la puissance exécutrice de l'État. (…) La puissance de juger ne doit pas être donnée à un sénat permanent, mais exercée par des personnes tirées du corps du peuple dans certains temps de l'année, de la manière prescrite par la loi, pour former un tribunal qui ne dure qu'autant que la nécessité le requiert. De cette façon, la puissance de juger, si terrible parmi les hommes, n'étant attachée ni à un certain état, ni à une certaine profession, devient, pour ainsi dire, invisible et nulle. On n'a point continuellement des juges devant les yeux; et l'on craint la magistrature, et non pas les magistrats.”
[26] SOARES, José de Ribamar Barreiros. Ativismo Judicial No Brasil: O Supremo Tribunal Federal Como Arena De Deliberação Política. Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Doutor, ao Programa de Pós- Graduação em Ciência Política, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) – UERJ. Área de concentração: Instituições. Disponível em: http://bd.camara.gov.br. Pondera o autor: “Atualmente, há uma tendência por parte do Supremo Tribunal Federal de examinar e julgar questões que são eminentemente políticas. Esta não era a tendência da Corte até bem pouco tempo. Essa nova postura demonstra que houve uma mudança no entendimento prevalecente no Tribunal.”
[27] Para uma análise mais detalhada deste ponto específico, ver: LEAL, Roger Stiefelmann. – “A incorporação das súmulas vinculantes à jurisdição constitucional brasileira: alcance e efetividade em face do regime legal da repercussão geral e da proposta de revisão jurisprudencial sobre a interpretação do art. 52, X, da Constituição”. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro. n.261. p.179-201. set./dez. 2012.
[28] Ação proposta contra as Resoluções nºs 22.610/2007 e 22.733/2008 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que disciplinaram a perda do cargo eletivo e o processo de justificação da desfiliação partidária. O TSE firmou o entendimento, em tais resoluções, de que: a) partidos e coligações possuem o direito à vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, nas hipóteses de pedido de cancelamento de filiação ou de transferência de candidato eleito para outra legenda; b) o abandono, pelo candidato eleito, da agremiação partidária pela qual se elegeu redundaria, a pedido do partido de origem, na perda de seu mandato, já que os mandatos eletivos pertenceriam aos partidos. Algumas hipóteses foram ressalvadas pelo TSE como justa causa para a desfiliação partidária, sem a consequente perda de mandato. Na apreciação da ADIn em comento, ponderou o STF a existência de um dever constitucional de observância do princípio da fidelidade partidária. Prosseguiu, afirmando não fazer sentido a Corte reconhecer a existência de um direito constitucional sem prever um instrumento para assegurá-lo.
[29]Recurso interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra o número de vereadores do município de Mira Estrela.
[30] CAPPELLETTI, Mauro. Repudiando Montesquieu? A expansão e a legitimidade da “justiça constitucional”. Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. – Vol. 1, n. 1, (jan./mar. 1990). – Porto Alegre: O Tribunal, 1990 – v. – Trimestral. ISSN 0103-6599. Tradução de Fernando Sá. Para facilitar a compreensão do texto, optou-se pela manutenção da expressão rule of law no original, não se acompanhando com isto a tradução empreendida para ‘regra da lei’. A versão original do artigo citado pode ser encontrada em http://www.juridicas.unam.mx/publica/rev/indice.htm?r=facdermx&n=148.
[31] TARUFFO, Michele. Jueces y política: de la subordinación a la diléctica. Trad. Pedro Salazar. Isonomía: Revista de Teoría y Filosofía del Derecho, México, n. 22, p. 9-8, abr. 2005. Assim posiciona-se o autor: “(...) la configuración teórico institucional del papel y de la función del juez en el contexto de la organización del Estado se insertaba en una concepción sustancialmente pasiva del juez. La metáfora de Montesquieu del juez como ‘boca inanimada’ que debe limitarse a pronunciar la ‘palabra de la ley’ es ciertamente moderna como parte importante de la teoría de la separación de los poderes que tanto peso tuvo en la sucesiva construcción del Estado hasta nuestros días, pero otorga a los jueces un papel limitado, pasivo y sustancialmente subordinado. (...) Muchas de estas cosas cambian – o al menos deberían cambiar– en el contexto del Estado democrático moderno. (...) ya no se trata del juez que se considera un aplicador pasivo de normas que son producidas por el legislador como exclusivo titular del poder de decidir elecciones políticas, sino del ‘juez intérprete’. (...) el juez identifica y determina el significado de las normas que aplica dado que a las mismas no les corresponde un significado a priori. En esta actividad de interpretación, el juez lleva a cabo una función que es muy creativa porque no se trata solamente de descifrar lo que la norma dice desde un punto de vista literal, sino de atribuirle, una y otra vez, significados diferentes y variables en los que se reflejan valores morales, necesidades sociales, criterios de justicia de los que el juez es portador al realizar su función.”
[32] Dado o extremo didatismo, por todos, ver o conclusivo trabalho trazido à lume por Mauro Capeletti e citado na nota 29. Ainda neste sentido, CITTADINO, Gisele, op. cit.: “Esse processo de ampliação da ação judicial pode ser analisado à luz das mais diversas perspectivas: o fenômeno da normatização de direitos, especialmente em face de sua natureza coletiva e difusa; as transições pós-autoritárias e a edição de constituições democráticas — seja em países europeus ou latino-americanos — e a consequente preocupação com o reforço das instituições de garantia do estado de direito, dentre elas a magistratura e o Ministério Público; as diversas investigações voltadas para a elucidação dos casos de corrupção a envolver a classe política, fenômeno já descrito como “criminalização da responsabilidade política”; as discussões sobre a instituição de algum tipo de poder judicial internacional ou transnacional, a exemplo do tribunal penal internacional; e, finalmente, a emergência de discursos acadêmicos e doutrinários, vinculados à cultura jurídica, que defendem uma relação de compromisso entre Poder Judiciário e soberania popular.”
[33] FERNANDES, Ricardo Vieira de Carvalho. Ativismo Judicial: Por Uma Delimitação Conceitual À Brasileira, in: Confluências, Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito, v. 12, n.2, 2012, UFF: Rio de Janeiro. Pondera o autor: “Nessa senda, a judicialização da política é provocada por causas políticas e jurídicas. Entre as causas políticas, além das já citadas, estão: a) o descrédito nas instâncias políticas tradicionais; b) ‘a crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade do Poder Legislativo’; e c) a morosidade das instâncias políticas tradicionais e ‘sua incapacidade de realizar propósitos tão audaciosos de uma Constituição’, fazendo com que o judiciário passe ‘a ocupar espaços vazios’”.
[34] Reportagem do Jornal Estado de São Paulo, de 20 de maio de 2013, com o título “Ayres Britto diz que inércia do legislativo impõe 'experimentalismo' ao STF”, na qual consta: “’Nós estamos fazendo um experimentalismo decisório necessário, inevitável. Diante da inércia do legislador nós temos que nos apropriar conceitualmente de temas dificílimos, especialíssimos’, comentou Britto, que ilustra com o julgamento de questões de caráter tributário como a análise de concessão de benefícios fiscais. Com a sua atuação, a Corte se expõe a críticas ‘de que está protagonizando ações normativas, de que tornou-se um Supremo ativista, substitutivo do Congresso Nacional, e portanto usurpador’, aponta o ex-ministro.”
[35] Em igual sentido, reportagem do Jornal Folha de São Paulo, em entrevista realizada por este periódico com o Min. Luís Roberto Barroso, em 18/12/1013, na qual consta: “[Min. Barroso] O Congresso, pressionado pelas multidões que tinham ido para as ruas, estávamos no final de maio, quando eu estive lá, eu cheguei e naquele momento tinha uma reunião dos líderes discutindo: ‘Nós vamos fazer a reforma política, não queremos nem plebiscito, que a presidente quer, nem Constituinte exclusiva, vai sair daqui’. [Repórter do Jornal Folha de São Paulo] Não saiu nada. [ Min. Barroso ] E logo que o povo saiu da rua essa agenda foi desarticulada. De modo que eu espero que a decisão do Supremo recoloque essa questão na agenda do Congresso. Mas eu acho que esta é uma competência política, decisão política tem que tomar quem tem voto. Agora, a inércia do Congresso traz riscos para a democracia. E proteger as regras da democracia é um papel do Supremo. [Repórter do Jornal Folha de São Paulo] O sr. acha que o Congresso tem sido inerte por que razão nos últimos tempos? [ Min. Barroso ] Porque há muita dificuldade de se formarem consensos, porque nós temos esse sistema político, esse sistema partidário, nós temos pessoas que, compreensivelmente -faz parte da natureza humana- não querem mudar a lógica do jogo que os ajudou a chegar lá.”. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/poderepolitica/2013/12/1388727-entrevista-com-luis-roberto-barroso.shtml. Acesso em 14/01/2014.
[36] Exemplificativamente: a) [’Na inércia dos dois Poderes, o Judiciário vai lá e resolve’ | ASMEGO asmego.org.br/.../na-inercia-dos-dois-poderes-o-judiciario-vai-la-e-resol... 26/10/2012 - Na inércia dos dois Poderes – Legislativo e Executivo –, o Judiciário vai lá e resolve, afirmou o ministro para uma plateia formada por cerca ...] b) [“Ativismo judicial e inércia legislativa | Correio Nagô correionago.com.br/portal/ativismo-judicial-e-inercia-legislativa-2/ A proposta de limitar os poderes do Supremo Tribunal Federal ganhou força entre os parlamentares e tem sido capitaneada pela...]; entre outras.
[37] De que é exemplo a Súmula Vinculante nº 11, sobre o uso de algemas, cujos precedentes representativos apontados em sua edição são HC 91.952 (DJe 19.12.2008), Rel. Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno e HC 89.429 (DJ 2.2.2007), Rel. Ministra Cármen Lúcia, Primeira Turma. O Código de Processo Penal encontra-se vigente desde outubro de 1941, e a medida foi adotada, sem qualquer alteração fático ou jurídica de relevo, quase vinte anos após a entrada em vigor da nova Constituição (DJe nº 157 de 22/8/2008, p. 1 e DOU de 22/8/2008). O mesmo pode ser dito da Súmula Vinculante nº 13, sobre nepotismo, que cria uma regra de incompatibilidade para assunção de cargos comissionados ou de confiança (DJe nº 162 de 29/8/2008, p. 1. , DOU de 29/8/2008, p. 1.) Como dito antes, não se avalia aqui a qualidade de tais decisões – que em nosso entender são louváveis – mas sim a inegável existência de ativismo na construção de uma regra detalhada que não poderia ser facilmente antevista no texto constitucional. Não haveria, em nenhum dos casos apontados, uma urgência significativa a ponto de se imputar como causa de tal atuação ativista a injustificada inércia do Poder Legislativo.
[38] SOARES, José de Ribamar Barreiros, op. cit.
[39] Exemplos consignados na nota 36.
[40] CAPPELLETTI, Mauro, op. cit.: “O que pode emergir de um governo sem controle, como a triste história recente nos revela, é uma distorção, até mesmo para o mais prosaico sentido de justiça. Daí, a intolerância e o fanatismo e, eventualmente, a aceitação, e até mesmo o chamamento à violência e à guerra. A justiça constitucional, acredito, é, na verdade, uma das mais importantes e promissoras respostas que um crescente número de nações tem procurado dar a esse problema da opressão governamental. Como já mencionado, o que está implícito na justiça constitucional é a noção de um novo tipo de normas constitucionais, instituições e processos, numa tentativa de limitar e controlar o poder político. (...) Constituições e direitos fundamentais, é claro, existiram na França, na Alemanha e em outros lugares, por muitos anos. Até a época que se seguiu à II Guerra Mundial, todavia, seus significados tendiam a ser compreendidos mais como meras declarações político-filosóficas do que como atos legalmente obrigatórios. E isso porque, com poucas e esporádicas exceções de curta duração (mais marcadamente as da Áustria em 1920 e início de 1930), nenhum órgão independente tinha a prerrogativa de supervisionar suas reais aplicações. A revolução constitucional – e eu realmente entendo o que estas palavras significam – somente ocorreu na Europa com o doloroso entendimento de que a Constituição e os direitos fundamentais constitucionais necessitam de uma máquina judiciária para se tornarem efetivos. (...) A lição foi eventualmente apreendida. Cortes constitucionais foram criadas e processos constitucionais esboçados para fazê-las funcionar”
[41] BARROSO, Luis Roberto. Curso De Direito Constitucional Contemporâneo - Os Conceitos Fundamentais e a Construção do Novo Modelo, Ed. Saraiva: São Paulo, 2009, ISBN 978-85-02-072794, pp. 250 e ss.: “O novo direito constitucional ou neoconstitucionalismo é, em parte, produto desse reencontro entre a ciência jurídica e a filosofia do Direito. Para poderem beneficiar-se do amplo instrumental do Direito, migrando do plano ético para o mundo jurídico, os valores morais compartilhados por toda a comunidade, em dado momento e lugar, materializam-se em princípios, que passam a estar abrigados na Constituição, explicita ou implicitamente. Alguns nela já se inscreviam de longa data, como a liberdade e a igualdade, sem embargo da evolução constante de seus significados. Outros, conquanto clássicos, sofreram releituras e revelaram novas sutilezas, como a democracia, a República e a separação de Poderes. Houve, ainda, princípios cujas potencialidades só foram desenvolvidas mais recentemente, como o da dignidade da pessoa humana e o da razoabilidade. (...) No plano teórico, três grandes transformações subverteram o conhecimento convencional reativamente à aplicação do direito constitucional: a) o reconhecimento de força normativa à Constituição; b) a expansão da jurisdição constitucional; c) o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional.”
[42] TARUFFO, Michele, op. cit. O autor refere a existência de um relação dialética entre direito (poder judiciário) e política (demais poderes), e não mais um relação de subordinação.
[43] SHAPIRO, Martin. Courts a comparative and political analysis. The University of Chicago Press: Chicago, 1981, ISBN 0-226-75043-4, p. 28: “Nearly all contemporary students of courts agree that courts do engage in at least supplementary and interstitial lawmaking, filling in the details of the statutory or customary law.(...) Moreover, the affinities and overlappings between judicial lawmaking and administrative rule making are so great that they can be only artifically separated. (...)Aside from actual empirical discovery of widespread judicial law making, it is clear that such lawmaking is logically required wherever law is substituted for consent in the triadic resolution of conflict. For if the third person must resolve conflict, and if he must do so by preexisting law, then he must “discover” the preexisting law. Because no human society has ever sought to set down an absolutely complete and particularized body of pre existing law designed exactly to meet every potential conflict, judicial “dis covery” must often of necessity be judicial lawmaking. (...)Precisely because they want such triads for routine conflict resolu tion among private citizens while seeking to keep political power away from the judges, such regimes necessarily encounter difficulties with their judiciaries. For we have already seen that in the course of doing conflict resolutions, either under preexisting legal rules or otherwise, courts will make law. To express the same thing differently, they will exercise political power. When this inevitable phenomenon is encountered, both autocratic and constitutional regimes of centralized political authority can respond in one of four ways. First, they can yield and in the process become less centralized. Second, they can systematically withdraw from the legally defined competence of the judiciary all matters of political interest to them selves. Third, they may intervene at will to pull particular cases out of the courts and into their own hands. Fourth, they can create systems of judicial recruitment, training, organization, and promotion that ensure that the judge will be relatively neutral as between two purely private parties but will be the absolutely faithful servant of the regime on all legal matters touching (...)”
[44] BRASIL. STF. Discurso proferido pelo Ministro Celso de Mello, em nome do Supremo Tribunal Federal, na solenidade de posse do Ministro Carlos Ayres Britto na presidência da Suprema Corte do Brasil, em 19/04/2012. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/discursoCM.pdf>. “Em uma palavra, Senhor Presidente: práticas de ativismo judicial, embora moderadamente desempenhadas pela Corte Suprema em momentos excepcionais, tornam-se uma necessidade institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos, ainda mais se se tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos estatais ofensivos à Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura passividade”. Para a posição do Min. Luis Roberto Barroso sobre o ponto ver nota 6. O Min. Lewandowski, em entrevista proferida no âmbito o XI Congresso Goiano da Magistratura promovido pela Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (ASMEGO), disponível em < http://www.youtube.com/watch?v=CMSGagfmEyk>, afirma a existência de um grande espaço de ação para o poder judiciário, dada a abertura conferida pela Constituição de 1988, indicando que o mesmo não estaria “apegado a regras muitos rígidas que estão nos códigos tradicionais, mas baseia sua decisão em princípios”, complementando que tem hoje uma atividade “bem mais criadora”. Na palestra conferida neste mesmo evento, arrematou: “O grande protagonista social do século 21 é o Poder Judiciário. Na inércia dos dois Poderes – Legislativo e Executivo –, o Judiciário vai lá e resolve”, <http://asmego.org.br/2012/10/26/na-inercia-dos-dois-poderes-o-judiciario-vai-la-e-resolve/#sthash.jYRY1sTr.dpuf>
Procurador Federal. Especialista em Direito e Economia e em Direito Internacional pela UFRGS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NOGUEIRA, Mauro Lucio Baioneta. Causas institucionais do ativismo judicial em matéria constitucional: problemas da ordem constitucional, atuação deficiente dos poderes políticos ou voluntarismo judicial? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jun 2014, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39654/causas-institucionais-do-ativismo-judicial-em-materia-constitucional-problemas-da-ordem-constitucional-atuacao-deficiente-dos-poderes-politicos-ou-voluntarismo-judicial. Acesso em: 23 dez 2024.
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