RESUMO: O estudo da efetividade das normas constitucionais tem adquirido importância crescente na atualidade, uma vez que outrora essas normas eram vistas como meras exortações, desprovidas de caráter jurídico. Hodiernamente, as normas constitucionais são consideradas de caráter imperativo, gerando sanção pelo não cumprimento. Nessa linha, torna-se importante o estudo acerca da efetividade dos direitos sociais, em especial o direito à saúde. O direito à saúde, devido à sua fundamentalidade máxima, merece análise acurada.
PALAVRAS–CHAVE: Efetividade. Normas constitucionais. Concretização dos direitos sociais. Direito à saúde. Reserva do possível. Dignidade da pessoa humana. Controle judicial.
ABSTRACT: The study of the effectiveness of constitutional norms has gained increasing importance nowadays, since once these standards were seen as mere exhortations, devoid of legal basis. In our times, the constitutional rules are considered imperative character, generating a sanction for non-compliance. Along this line, it is important to study on the effectiveness of social rights, especially the right to health. The right to health due to its maximum fundamentality, deserves accurate analysis.
KEYWORDS: Effectiveness. Constitutional. Implementation of social rights. The right to health. Reserve for. Human dignity. Judicial review.
SUMÁRIO: Introdução 1. A força da Constituição. A vontade e a força da Constituição 2 Abordagem acerca das normas constitucionais 2.1 Classificação das normas constitucionais 2.2 As normas programáticas e seu alcance 2.3 Alcance do artigo 5º, § 1º, da Constituição de 88. 3 A efetividade dos direitos sociais 3.1 A eficácia jurídica e social das normas constitucionais 3.2 A dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial 4. O direito à saúde 4.1 Abrangência do direito à saúde na Constituição de 88 4.2 legislação infraconstitucional 4.3 As eficácias do direito à saúde 4.4 As fundamentalidades do direito à saúde 4.5 O controle judicial da efetividade do direito à saúde 4.5.1 Argumentos contra a possibilidade de concretização judicial dos direitos sociais 4.5.1.1 A reserva do possível 4.5.1.2 A vagueza do conteúdo da norma 4.5.1.3 O dogma da vedação da atuação do juiz como legislador positivo 4.5.1.4 A necessidade de previsão orçamentária para realização de despesas públicas 4.5.1.5 A discricionariedade da Administração 4.5.1.6 A natureza meramente programática dos direitos sociais 4.5.1.7 A impossibilidade do controle judicial das questões políticas 4.5.2 O modus operandi para a concretização da efetividade do direito à saúde 5. Conclusão.
1 INTRODUÇÃO:
O artigo tem por escopo principal analisar a efetividade ou eficácia social das normas constitucionais, em especial do direito social à saúde previsto na Constituição Federal de 1988. A idéia de analisar tal tema se prende à constatação de que os Direitos Sociais previstos no artigo 6º e outros da Constituição não têm conseguido suprir as necessidades cada vez mais crescentes da classe social brasileira mais necessitada, por padecerem da “síndrome da inefetividade”[1].
A pesquisa inicia pelas considerações sobre a força da Constituição moderna. Elenca-se algumas classificações importantes a respeito das normas constitucionais, bem como ponderações sobre as normas programáticas e sua problemática eficacial. Discute-se a respeito da efetividade dos direitos fundamentais, em especial dos direitos sociais, com enfoque no direito à saúde, trazendo a diferenciação entre as eficácias possíveis para as normas, além de considerações importantes sobre a dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial.
1 A FORÇA DA CONSTITUIÇÃO
A VONTADE E A FORÇA DA CONSTITUIÇÃO
A Constituição moderna é conhecida como a Lei Maior, estruturante de um Estado, ou Lei Fundamental de uma nação ou a Carta Política que irradia sua força por todo o ordenamento jurídico. Para alguns, tem ela disposições políticas, meras diretrizes para o Estado, enquanto que outros autores reconhecem a imperatividade de suas normas e seu caráter jurídico.
Afinal, ela tem natureza jurídica, política ou jurídico-política? Suas normas são ditas cogentes ou dispositivas? Há sanção para o descumprimento dessas normas constitucionais? Muitas são as dúvidas e questionamentos acerca da natureza da Constituição de um Estado. De todas as questões apontadas, talvez a mais intrigante desta seara diga respeito à relação da Constituição com a realidade em que se vive. A Constituição influencia a realidade espaço-temporal ou a correlação de forças reais de poder é que determinam os efeitos dos dispositivos constitucionais? No entanto para se chegar a conhecer a Constituição é preciso saber qual a sua vontade e sua força. Para que ela existe? Com que finalidade e qual sua abrangência?
Ferdinand Lassalle[2], usando o método da comparação, busca analisar a diferença entre lei e Constituição, e chega à conclusão de que a Constituição apresenta um caráter de sagrado, que seria sua fundamentalidade. Para ele, a idéia de fundamento traz implícita a noção de força eficaz e determinante que atua sobre tudo que nela se baseia. No entanto, ele sustenta que o que há de fundamental, de força ativa que emana da Constituição são os fatores reais de poder. Essa correlação de fatores reais forma a Constituição real em contraposição à Constituição jurídica ou escrita. E cita a monarquia, a grande burguesia, a nobreza e os banqueiros como a origem desse poder que conforma a realidade. Assim, essas forças estabelecem um consenso que se transforma em uma folha de papel escrita, ficando instituída a Carta Política do Estado.
Desse modo, essa Constituição escrita apenas reproduz a relação de forças atuantes no seio da sociedade. Dessa forma, Lassalle[3] rejeita a força da Constituição escrita, repudia a natureza jurídica da Constituição, afirmando que os problemas constitucionais não são problemas de direito, mas de poder. Arremata Lassalle[4] que “de nada servirá o que se escrever numa folha de papel, se não se justifica pelos fatores reais e efetivos de poder.”
Dentro dessa perspectiva sociológica apontada por Lassalle[5], a Constituição jurídica não passa de um pedaço de papel e como tal sucumbe à realidade de um determinado contexto, moldando-se a essa realidade. Assim, a Constituição escrita estaria condicionada e limitada ao espaço cedido pela relação de forças atuantes numa dada sociedade. Lassalle[6] cita George Jellinek, segundo o qual as regras jurídicas sempre são subjugadas pelas forças políticas. Sendo assim, nesse embate perene entre a Constituição jurídica e os fatores reais de poder só restaria ao Direito Constitucional justificar as relações de poder dominante, sem, contudo, alterar o estado das coisas e o embate entre as forças reais de poder da sociedade.
Hans Kelsen[7], na sua “Teoria Pura do Direito”, numa concepção estritamente jurídica, vem buscar a pureza da norma. Assim, para ele, a norma constitucional é uma norma fundamental, que confere validade à ordem jurídica e a todas as instituições. A Constituição se constrói sem elementos sociológicos, apenas sob a dimensão normativa. Nesse diapasão, a realidade e os elementos metajurídicos estariam expurgados da Constituição.
Konrad Hesse[8], refletindo sobre a tese defendida por Lassalle e Jellinek, alega que essa linha de entendimento estaria negando o próprio Direito Constitucional e a Teoria Geral do Estado, já que sendo a Constituição mera reprodução da realidade não teria força para atuar nessa realidade influenciando essa relação de forças sociais. Diz ainda Hesse[9] que essa teoria não procede se se considerar que a Constituição jurídica possua uma força própria, autônoma, capaz de ordenar o Estado e sua vida, regulando e influenciando em sua correlação de forças e não só se moldando à realidade, mas também moldando essa mesma realidade aos seus valores formalmente e materialmente estabelecidos.
Conclui Hesse que se faz mister encontrar um caminho entre o abandono da normatividade em favor do domínio das relações fáticas, de um lado, e a normatividade despida de qualquer elemento da realidade, de outro.
Ademais, a realização constitucional não pode ser separada das condições históricas de sua realização. O que se percebe é que os valores constitucionais têm que guardar sintonia com as condições contextuais como as condições naturais, técnicas, econômicas e sociais de um dado espaço e tempo. Não é factível entender que a Constituição deve-se limitar a refletir as condições reais de sua vigência. Ela deve imprimir sua vontade à realidade e sua força ativa a essa realidade que se apresenta. A Constituição real e a jurídica guardam uma relação de coordenação.
Hesse[10] cita a seguinte lição de Wilhelm Humboldt:
Nenhuma Constituição política completamente fundada num plano racionalmente elaborado pode lograr êxito; somente aquela Constituição que resulta da luta do acaso poderoso com a racionalidade que se lhe opõe consegue desenvolver-se.
Arremata Hesse[11] que
as constituições não podem ser impostas aos homens tal como se enxertam rebentos em árvores. Se o tempo e a natureza não atuaram previamente é como se se pretendesse coser pétalas com linhas. O primeiro sol do meio-dia haveria de chamuscá-las. Os limites condicionantes da força constitucional e de sua eficácia estão relacionadas à natureza singular do presente.
A Constituição, portanto, possui intrinsecamente uma força latente que busca realizar o que se propõe, dependendo da sociedade que, tomando consciência, torna-se responsável por esse desabrochar constitucional.
E o que seria a vontade e a força da Constituição? Essa pergunta é respondida por Hesse[12], que diz que a legitimação e a manutenção desse status correspondem a sua vontade. Quanto a sua força, essa advém de dois fatores: do conteúdo e da práxis. O conteúdo constitucional capaz de suplantar as forças reais de poder deve possuir correspondência com a realidade; deve ser rígida sem ser inflexível. Sua práxis exige que a vontade da constituição deve ser preservada; tanto quanto possível a ordem constitucional deve ser preservada; necessidade de adaptação ao tempo, através de uma interpretação construtiva e finalmente a estabilidade, que constitui condição essencial para o vigor constitucional. Assim, a inviolabilidade da Constituição constitui requisito essencial para a força de suas normas e para fazer valer sua vontade. Assim, não pode a Constituição de um Estado estar sujeita a revisões constitucionais, por interesses momentâneos, conjunturais, de governos com ideologias partidaristas, já que a vontade e a força da Constituição nascem da perenidade de sua força vital.
Daniel Sarmento[13], ao relacionar o Estado Liberal ao Estado Social, mostra que enquanto naquele as relações de poder giravam em torno do Código Civil, no paradigma do Estado Social se observa uma ampliação do espaço constitucional, impulsionado pela necessidade de regular as questões de ordem pública, limitando os direitos individuais em prol dos direitos coletivos. Ainda assim, sustenta Sarmento[14] que esta ampliação do espaço constitucional não bastou para elevar a Constituição ao centro de gravidade do ordenamento. Segundo ele, o obstáculo para essa promoção constitucional foi a concepção que havia e que há até os tempos atuais, de que as normas constitucionais emanariam exortações, concepções e programas políticos, desprovidos de caráter jurídico. O valor jurídico era atribuído apenas aos dispositivos que estabeleciam a organização do Estado e definiam o modo de exercício do poder Estatal. Somente com a superação dessa concepção, reconhecendo a força normativa da Constituição, é que o ordenamento vai adquirir sua unidade e força vital, capaz de conformar a realidade e de se tornar norte para todo o sistema jurídico, obrigando a todo o esforço hermenêutico que se observe suas disposições.
A despeito da concepção hegemônica de Constituição, que mitigava seu caráter jurídico, relegando as disposições constitucionais a meros programas e exortações, sem imperatividade, no século XX ganha força os instrumentos de controle de constitucionalidade, afirmando a superioridade jurídica da Constituição. É o que se chama de Estado Constitucional.
Ao lado desse processo, na transição do Estado Liberal para o Estado Social se promove a inclusão dos Direitos Sociais nas Cartas Constitucionais, que antes traziam apenas as disposições que regulavam a organização do Estado e sua estrutura. Com essa transformação, vigoram as críticas quanto à juridicidade da Constituição. O que se passa a sustentar é que as normas que definiam os direitos fundamentais não apresentariam caráter vinculante e jurídico. Apenas a parte orgânica da Constituição teria caráter vinculante. Assim, afirma Daniel Sarmento[15] que a ampliação da Constituição pagou num primeiro momento um preço caro: a crise da sua juridicidade. Conforme assinala Luís Roberto Barroso[16], existem disposições constitucionais que deixam de ser cumpridas por resistência dos diversos setores econômicos e políticos influentes.
Nessa senda, ao falar da insinceridade normativa[17], o autor sustenta que ideologicamente, a Constituição transforma-se em promessas vazias, sem eficácia social. Como os direitos sociais introduzidos na Constituição apresentam a peculiaridade de exigirem uma prestação, e, portanto, não apenas de abstenção frente às novas demandas, corre-se o risco de se esvaziar as promessas constitucionais principalmente voltadas à sedimentação de direitos aos desfavorecidos. Sustenta ainda o autor que existem três motivos para a ineficácia das normas constitucionais. O primeiro é que em certos casos a disposição já nasce irrealizável no mundo do ser. Segundo, porque o próprio poder constituído impede sua concretização e, por último, por obstáculos opostos por injunções de interesses de segmentos econômica e politicamente influentes.
Além de sua dimensão normativa da Constituição, assinala Daniel Sarmento[18] que as Constituições desempenham uma função simbólica. Servem para condensar valores sociais, gerando unidade e coesão nacional. Chama a atenção ainda, o autor, para o fato de que em alguns casos a Constituição pode ser usada como álibi para criar a falsa impressão de que o Estado está agindo para resolver os problemas sociais, quando na verdade, as disposições constitucionais não passam de promessas vazias usadas para acalmar os ânimos e as demandas da sociedade insatisfeita.
No embate entre Lassalle[19], Hesse[20] e Kelsen[21], muito se extrai de benefício. Lassalle[22] sustenta que a constituição escrita não passa de uma folha de papel, e que os fatores reais de poder é que constituem a constituição real. Na verdade, se a Carta Constitucional apenas se propuser a reproduzir a realidade e suas forças, assim será uma folha de papel, inócua juridicamente, sem qualquer influência sobre a realidade. Somente assim a proposição de Lassalle[23] se afirma correta. Deve-se considerar que, além de objetivar manter o status quo por parte das forças sociais influentes, as disposições constitucionais visam alterar a realidade; elas comunicam-se e alimentam-se desse estado de coisas, adquirindo força autônoma e ampliando a vontade constitucional.
Doutra parte, parafraseando Barroso[24], o Direito se forma com elementos da realidade, do mundo do ser e não deve se limitar a expressar a realidade de fato. Deve haver um equilíbrio entre essas situações, de modo que a Constituição se alimenta da realidade e essa é moldada por aquela. Portanto, essa concepção sociológica da Constituição, por si só, não é bastante. Por outro lado, na vertente estritamente jurídica proposta por Kelsen[25], há uma visão reducionista da Constituição, ao expurgar o elemento sociológico, quando nega qualquer influência de elementos sociais no Direito.
Não atende satisfatoriamente essa teoria, já que a realidade é componente intrínseco da realidade e eficácia constitucional. Nem tanto nem tão pouco. A negação da dimensão normativa e a negação da dimensão da realidade padecem do mesmo vício, a incompletude frente à dimensão multifacetária da Constituição. Sem dúvida, Hesse[26], ao afirmar que a Constituição possui uma força ativa autônoma, capaz de condicionar a realidade e de se moldar a ela, ordenando e conformando a realidade social e política, traz a melhor definição e caráter do que se deve entender como essência constitucional. Hesse[27], ao se opor ao normativismo Kelseniano, que despreza o mundo do ser e a teoria de Lassalle[28], que nega o caráter normativo da Constituição, mostra a força da Constituição, e coloca por terra qualquer teoria que queira negar o caráter jurídico da Constituição e sua capacidade de mudar a realidade social. Definitivamente, o papel da Constituição moderna, que não tenha cunho autoritário, não se traduz a apenas no diminuto papel de reproduzir a realidade e suas forças atuantes. Limitar os efeitos das normas constitucionais a reproduzir a realidade é a própria negação. Sem dúvida que as normas constitucionais têm seu limite, mas esse limite está na própria consciência do povo, que é o responsável por trazer à tona a força e a vontade constitucional.
Krell[29] sustenta que “devemo-nos lembrar que a Constituição de um Estado não é somente o texto jurídico ou regulamento normativo, mas também expressão do seu desenvolvimento cultural”.
Atua ela integrando a realidade ao seu conteúdo, sempre com a vontade de se concretizar para melhorar a vida da sociedade acreditando no papel transformador da Constituição para a superação dos graves problemas que assolam o país.
2 ABORDAGEM ACERCA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
2.1 CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
Barcellos[30] traz as principais classificações brasileiras das disposições constitucionais. Segundo ela, na maioria das vezes essa classificação gira em torno da relação entre a completude, normatividade, densidade, de um lado e a capacidade de produzir efeitos autonomamente, de outro. A classificação se faz necessária na medida em que cada uma traz uma ideologia a respeito da força normativa dos dispositivos constitucionais, o que ajuda a entender melhor o problema da aplicabilidade e eficácia desses dispositivos.
Essa compilação[31] é descrita a seguir, citando os autores e breve síntese das teorias.
a) Ruy Barbosa e outros fazem a distinção entre normas constitucionais auto-aplicáveis (self-executing), capazes de produzir efeitos independentemente da atuação do legislador, tendo em vista a completude de seu conteúdo e não auto-aplicáveis (not self-executing), classificações essas advindas da doutrina norte-americana do início do século XX.
b) J. H. Meirelles Teixeira desenvolveu a teoria norte-americana do self-executing e not self-executing, para garantir às normas não auto-executáveis uma eficácia negativa, que se traduz pela obrigatoriedade de inação do legislador em determinadas situações. Assim, lança o autor a classificação das normas em eficácia plena e normas de eficácia limitada ou reduzida, subdivididas em programáticas e de legislação.
c) José Afonso da Silva, na mesma linha da tese anteriormente explicitada, criou sua clássica teoria da aplicabilidade das normas, classificando-as em normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade imediata, normas constitucionais de eficácia contida e aplicabilidade imediata, mas passíveis de restrição pelo legislador, e, finalmente, normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida, que não receberam normatividade suficiente do Constituinte, de modo que dependem da intervenção legislativa para produzirem seus principais efeitos.
d) Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres de Brito, ainda utilizam os critérios já expostos, partindo de dois elementos distintivos, a saber: o modo de incidência das normas, que as distingue de mera aplicação ou inintegráveis, grupo que não compartilha seu espaço com a manifestação do legislador ordinário, e normas integráveis, que admitem a convivência com a vontade legislativa inferior; e a eficácia, elemento pelo qual as normas podem ser de eficácia parcial ou plena.
e) Maria Helena Diniz sistematizou as várias propostas em torno desse critério, apresentando uma classificação em quatro grupos: normas com eficácia absoluta, correspondentes às cláusulas pétreas, que independem da intervenção legislativa para produzirem efeitos; normas com eficácia plena, que, ainda que não sejam cláusulas pétreas, também independem da participação legislativa; normas com eficácia relativa restringível, mas de aplicabilidade direta e imediata; e normas com eficácia relativa dependente de complementação legislativa, de aplicação apenas mediata, por não serem dotadas de normatividade suficiente para se aplicarem diretamente.
f) Celso Antonio Bandeira de Mello e Luís Roberto Barroso enfocam um aspecto diferente, qual seja, a posição jurídica em que as normas constitucionais investem o jurisdicionado. Celso Antonio Bandeira divide as normas constitucionais em três grupos: normas concessivas de poderes jurídicos, normas concessivas de direitos e normas meramente indicadoras de uma finalidade a ser atingida. As duas primeiras categorias, ainda que possam ou não sofrer restrições em decorrência da ação do legislador ordinário, criam para os indivíduos situações de fruição imediata, independentemente da atuação legislativa.
g) Luís Roberto Barroso[32] lança sua classificação em função do conteúdo e finalidade predominantes, visando demarcar a consistência da situação jurídica dos indivíduos ante os preceitos constitucionais, fazendo a observação de que o objetivo dessa proposta de classificação é reduzir a discricionariedade dos Poderes Públicos na aplicação da Lei Fundamental e propiciar um critério científico à interpretação constitucional. Assim, seriam normas constitucionais de organização, que visam organizar o exercício do Poder Político, normas constitucionais definidoras de direito, que visam fixar os direitos fundamentais dos indivíduos, e, por fim, normas programáticas, que devem traçar fins a serem atingidos pelo Estado.
Além dessas classificações, existe a clássica distinção, para a doutrina e a jurisprudência, das normas quanto à estrutura, em princípios e regras. Adotam essa classificação autores brasileiros como Luís Roberto Barroso, Paulo Bonavides e Eros Roberto Grau, além de autores estrangeiros com Ronald Dworkin, Robert Alexy e J. J. Canotilho.
São vários os critérios adotados para distinguir as normas jurídicas em regras e princípios. O primeiro é quanto ao conteúdo, que diferencia os princípios por trazer em seu conteúdo a idéia de valor e de direito, de cunho moral, enquanto as regras têm um conteúdo diversificado e não necessariamente moral. Quanto à origem e validade, os princípios têm sua validade baseada em seu conteúdo, enquanto as regras derivam de outras regras ou dos princípios. Quanto ao compromisso histórico, os princípios são, para muitos, universais, absolutos, objetivos e permanentes, enquanto as regras são caracterizadas pela conjuntura, dependendo do tempo e do lugar. Quanto à função no ordenamento, os princípios têm uma função explicadora e justificadora em relação às regras. Quanto à estrutura lingüística, os princípios são mais abstratos que as regras, aplicando-se a um número indeterminado de situações, enquanto para as regras é possível determinar sua aplicação. Quanto ao esforço interpretativo, os princípios exigem uma atividade argumentativa mais intensa, ao passo que as regras demandam apenas uma aplicabilidade simples. Quanto à aplicação, as regras têm estrutura biunívoca, aplicando-se de acordo com o modelo do tudo ou nada, citado por Ronald Dworkin[33], enquanto os princípios se sujeitam à ponderação de valores na interpretação, podendo conviver com outros princípios que não se excluem.
2.2. AS NORMAS PROGRAMÁTICAS E SEU ALCANCE
Dentre as classificações propostas quanto à aplicabilidade e efetividade das normas constitucionais, aquela que mais se discute e que sofre todo o tipo de críticas são as normas programáticas.
Norberto Bobbio,[34] a respeito desse tema, assinala:
O campo dos direitos do homem – ou, mais precisamente, das normas que declaram, reconhecem, definem, atribuem direitos ao homem – aparece, certamente, como aquele onde é maior a defasagem entre a posição da norma e sua efetiva aplicação. E essa defasagem é ainda mais intensa precisamente no campo dos direitos sociais. Tanto é assim que, na Constituição italiana, as normas que se referem a direitos sociais foram chamadas pudicamente de “programáticas”.
E o mesmo autor lança algumas perplexidades:
Será que já nos perguntamos alguma vez que gênero de normas são essas que não ordenam, proíbem ou permitem hic et nunc, mas ordenam, proíbem e permitem num futuro indefinido e sem um prazo de carência delimitado?
(...)
Um direito cujo reconhecimento e cuja efetiva proteção são adiados sine die, além de confiados à vontade de sujeitos cuja obrigação de executar o “programa” é apenas uma obrigação moral ou, no máximo, política, pode ainda ser chamado corretamente de “direito”?
As normas constitucionais programáticas têm caráter jurídico? Qual o efeito que se deve atribuir a essas normas? Têm aplicabilidade imediata e eficácia plena? Qual a densidade normativa dessas normas? Sua eficácia jurídica é débil, frágil ou plena? Muitos são os questionamentos e poucos são os consensos em torno dessa questão. A importância de se classificar a norma em programática ou não é que a depender de qual classificação se adote, as conseqüências práticas poderão entre outras, levar ao esvaziamento ou mitigação da efetividade e aplicabilidade das normas constitucionais.
Não há como tirar o mérito de José Afonso da Silva, que trouxe a sua classificação das normas constitucionais, principalmente levando em consideração o momento histórico em que se encontrava. Uma época de limitações dos direitos fundamentais, de censura e violência ao ser humano, enfim, época de barbáries no Brasil, que foi a década de 60.
No entanto, classificar as normas constitucionais em programáticas, com eficácia contida, se à época foi um avanço, hoje, com o advento da Constituição cidadã de 1988, essa classificação merece ser revista, já que direitos não podem ser esvaziados pela necessidade de criação de legislação infraconstitucional integralizadora.
Seguindo a linha proposta pelo presente trabalho, cumpre citar a classificação de Luís Roberto Barroso[35] como a proposta que melhor atende e se coaduna com o desenvolvimento desta pesquisa. Utilizando o critério da consistência do Direito subjetivo dos indivíduos frente aos preceitos constitucionais e visando reduzir a discricionariedade dos Poderes Públicos na aplicação da Lei Fundamental e objetivando, ainda, propiciar um critério mais cientifico à interpretação constitucional pelo Judiciário, eis a seguir a sugestão de tipologia proposta pelo autor:
a) Normas constitucionais que têm por objeto organizar o exercício do poder político: Normas Constitucionais de Organização;
b) Normas constitucionais que têm por objeto fixar os direitos fundamentais dos indivíduos: Normas Constitucionais Definidoras de Direito;
c) Normas constitucionais que têm por objeto traçar os fins públicos a serem alcançados pelo Estado: Normas Constitucionais programáticas.
O item a é composto pelas normas que compõem a estrutura do Estado, a organização do poder do Estado e seu exercício, seria o arcabouço estatal. Ressalta Luís Roberto Barroso[36] que, antigamente, a Constituição se compunha apenas de elementos orgânicos até que, após a Revolução Francesa, novos elementos se incorporaram à Constituição, como os direitos fundamentais. Essas normas de organização possuem um caráter instrumental por visarem à estruturação do Estado, possuindo, segundo o mesmo autor[37], efeito constitutivo. Arremata o autor que as normas de organização podem veicular as decisões políticas fundamentais, ao definirem a forma de Estado e de governo, definir as competências dos órgãos constitucionais, criar órgãos públicos e estabelecer normas processuais ou procedimentais.
As normas constitucionais definidoras de direitos definem os direitos dos indivíduos submetidos à soberania do Estado. Esses direitos são geralmente divididos em direitos políticos, direitos individuais, direitos sociais e direitos difusos. Os direitos políticos, abrangendo o de nacionalidade. Os direitos individuais tiveram influência jusnaturalista, e inspiração na Declaração dos Direitos inglesa, de 1689, e forte inspiração iluminista e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Já os direitos sociais, abrangendo os direitos econômicos e culturais, entraram mais tarde nas Cartas Constitucionais, a exemplo da Constituição Mexicana, de 1917 e a de Weimar, da Alemanha, de 1919. Se os direitos individuais vinham para proteger os indivíduos do arbítrio estatal, os direitos sociais, além da defesa contra o estado, vinham criar barreiras contra o poder econômico de outros indivíduos. Por fim passam a comporem as cartas os chamados direitos coletivos e difusos.
Enquanto Luís Roberto Barroso[38] afirma que, por longo tempo, sustentou-se que os direitos fundamentais constitucionais não passariam de meros conselhos, exortações de caráter moral, o fato é que, hoje em dia, é majoritário o entendimento de que as normas definidoras dos direitos fundamentais constitucionais têm caráter jurídico e possíveis de serem exigidas perante o Poder Judiciário. Possuem as normas assecuratórias de direitos as características de normas imperativas. Portanto, o descumprimento de uma norma dessa natureza coloca o indivíduo numa posição de exigir do Estado a concretização do seu direito, ou seja, se constitui em direito subjetivo.
Quanto ao exercício dos direitos sociais, é importante tecer algumas considerações a respeito da efetividade dessas normas. Embora normas de tal natureza contemplem interesses cuja realização depende de edição de norma infraconstitucional integradora, o legislador infraconstitucional não detém a competência para conceder tais direitos, já que os mesmos são concedidos pela própria Constituição. Desse modo, os direitos sociais devem ser prontamente desfrutáveis, e na hipótese de não o serem, devem-se adotar mecanismos para garantir a obrigação de fazer por parte de quem detém a obrigação.
Finalmente, cabe explicitar algumas considerações a respeito das normas programáticas. Esse tipo de norma tem como característica estabelecer fins ao Estado. Projetam objetivos de curto, médio e longo prazo que devem ser conseguidos, visando melhorias econômicas, de caráter comunitário, enfim, a evolução da vida política do Estado dentro de uma dada ideologia, fixando programas de ação para o Poder Público.
Para Vezio Crisafulli, citado por Luís Roberto Barroso[39], seria “um programa político incorporado ao ordenamento jurídico e traduzido em termos de normas constitucionais.”
Essas normas, em regra, trazem objetivos para o ente Estatal, que podem ser objetivos de caráter geral, bem como objetivos específicos e pontuais, sinalizado por valores definidos dentro de um dado contexto pela sociedade. Essas normas passam a ser albergadas pelas Cartas Constitucionais sob a égide do Estado Intervencionista, com um enfoque do cidadão coletivamente considerado, buscando a melhoria das condições gerais de vida da sociedade. O que vai definir a implementação dos objetivos traçados poderá ser o nível de desenvolvimento do Estado, sua saúde financeira, e também questões contingenciais e até ideologias de governo. O fato é que muitos desses objetivos são gradualmente realizados ou até mesmo nem chegam a ser sequer concretizados, ficando como meras exortações para os Estados.
Fábio Konder Comparato, conforme assinala Barroso[40], no Anteprojeto da Constituição de 1988, pretendeu não incluí-las em seu texto, por entendê-las atributivas de poderes “desacompanhadas do correspondente sistema de sanções”, ou definidoras de princípios “desligados das regras de aplicação”, faltando o critério da imperatividade para esse tipo de norma, o que faz com que se confundam com meros conselhos aos governantes, o que se traduz, muitas vezes, no esvaziamento da eficácia jurídica e social desses dispositivos. É bem verdade que, levando em consideração a classificação das eficácias jurídicas proposta por Ana Paula de Barcellos[41], as normas programáticas não apresentam a consistência da eficácia jurídica simétrica ou positiva, gerando esse tipo de norma efeitos mais débeis para os administrados. Não se pode, entretanto, negar que tais normas tenham eficácia jurídica e social.
José Afonso da Silva[42] alerta que
cada norma constitucional é sempre executável por si mesma até onde possa, até onde seja suscetível de execução. O problema situa-se, justamente, na determinação desse limite, na verificação de quais os efeitos parciais e possíveis de cada uma.
Assim, José Afonso da Silva[43] com sua clássica classificação quanto à aplicabilidade das normas constitucionais demonstra que nenhuma norma constitucional é desprovida de eficácia, ainda que seja apenas a eficácia dita “negativa”.
Por outro lado, observa Bonavides[44] que “de todas as normas constitucionais a programática é indubitavelmente aquela cuja fragilidade mais suscita dúvidas quanto à sua eficácia e juridicidade, servindo assim de pretexto cômodo à inobservância da Constituição.”
São muitas as críticas feitas a essa espécie de norma constitucional. Há quem negue eficácia, alegando que o conteúdo das normas constitucionais não passa de meras exortações, ou que não possui imperatividade. Bonavides[45] observa que, quanto à juridicidade das normas programáticas, advêm críticas de três ordens:
1º - o fato de as normas programáticas terem por conteúdo princípios implícitos do ordenamento jurídico;
2º - a circunstância de enunciarem programas políticos não vinculantes; e
3º - o caráter genérico, vago e abstrato das normas por elas estampadas, que parecem escapar a toda aplicação positiva.
Arremata Bonavides[46] que
as normas programáticas já não devem ser consideradas ineficazes ou providas apenas de valor meramente diretivo, servindo unicamente de guia e orientação ao intérprete, como pretendiam Piromallo e outros constitucionalistas antigos e contemporâneos, habituados a reduzir o conteúdo programático das Constituições a um devaneio teórico de boas intenções ou uma simples página de retórica política e literária.
Celso Ribeiro Bastos[47] afirma que por ter a norma constitucional a difícil missão de disciplinar questões políticas, e a dificuldade de enquadrar nos padrões jurídicos, há uma resistência à obediência. Assim, sobre as normas programáticas, o mesmo autor comenta que
são extremamente generosas quanto às dimensões do direito que disciplinam, e, por outro lado, são muito ávaras nos efeitos que imediatamente produzem. A sua gradativa implementação, que é o que no fundo se almeja, fica sempre na dependência de resolver-se um problema prévio e fundamental: quem é que vai decidir sobre a velocidade dessa implementação?
O fato é que as críticas que se fazem a essas normas trazem conseqüências nefastas para a efetividade de seus enunciados.
A reação à crítica vem de autores como J. J.Gomes Canotilho, Crisafulli e Luís Roberto Barroso. Sustentam esses autores que as normas programáticas têm eficácia vinculante e imediata e não representam meros programas para a concretização futura.
Luís Roberto Barroso[48] argumenta que
a visão crítica que muitos autores mantêm em relação às normas programáticas é, por certo, influenciada pelo que elas representavam antes da ruptura com a doutrina clássica, em que figuravam como enunciados políticos, meras exortações morais, destituídas de eficácia jurídica.
Hoje já não há dúvida de que as normas programáticas produzem vários efeitos. Entre esses efeitos, o mais importante é a eficácia jurídica negativa, na medida em que impede o legislador infraconstitucional de editar quaisquer atos normativos que contrariem os ditames dessas normas, cabendo, inclusive, ações de inconstitucionalidade em tais situações. Possuem, ainda, uma dimensão simbólica, na medida em que representam os anseios populares, servindo como critério de coesão social.
Luís Roberto Barroso[49] divide as normas programáticas, quanto aos efeitos, em imediatos e diferidos. Os diferidos, conforme alerta o autor, a produção de efeitos é transportada para o futuro, o que faz com que o controle sobre a efetividade dessas normas seja fragilizado, já que há uma indefinição temporal para a sua concretização. Fica, assim, a concretização dessas normas sob o critério da discricionariedade do administrador público, ficando, com isso, mitigada ou até inviabilizada a intervenção judicial para a sua efetiva realização. Quanto às normas programáticas de efeitos imediatos, são exigíveis desde logo. A eficácia jurídica reconhecida a essa tipologia embora seja mais fraca, ela possui pelo menos a modalidade de eficácia jurídica negativa, conforme a classificação acima exposta.
Conforme sustenta Luís Roberto Barroso,[50]
delas não resulta para o indivíduo o direito subjetivo, em sua versão positiva, de exigir uma determinada prestação. Todavia, fazem nascer um direito subjetivo “negativo” de exigir do Poder Público que se abstenha de praticar atos que contravenham os seus ditames.
Nesse diapasão, o efeito que aparece frente a esses dispositivos se traduz pela necessidade do Poder Público deixar de agir por qualquer forma contrariamente ao que prescreve o enunciado da norma.
Assinala, ainda, Luís Roberto Barroso[51] que os efeitos imediatos que se pode esperar dessas normas de efeito imediato são: a revogação dos atos normativos anteriores que disponham em sentido colidente com o princípio que substanciam; e a impressão de um juízo de inconstitucionalidade para os atos normativos editados posteriormente, se com elas incompatíveis.
Quanto aos efeitos que geram para os cidadãos, são: opor-se judicialmente ao cumprimento de regras ou à sujeição a atos que o atinjam, se forem contrários ao sentido do preceptivo constitucional; obter, nas prestações jurisdicionais, interpretação e decisão orientada no mesmo sentido e direção apontados por estas normas, sempre que estejam em pauta os interesses constitucionais por ela protegidos.
Considerando a classificação das normas programáticas, quanto aos seus efeitos, em imediatas e diferidas, as primeiras são aquelas que definem direitos imediatamente exercíveis, que são os direitos sociais; as diferidas têm caráter de programa, são diretrizes a serem concretizadas no decorrer do tempo.
Exemplos fartos das normas programáticas imediatamente exercitáveis estão nos artigos 6º e 7º da Constituição Federal de 1988, tais como o direito à educação, à saúde, às condições dignas de trabalho, moradia, ao salário mínimo que garanta um mínimo de dignidade, entre outras.
A respeito da possibilidade de pleitear um salário bastante para garantir um mínimo vital ao trabalhador, nos termos do art.7º, IV, da CF, Dirley da Cunha Júnior[52] traça importantes considerações, mostrando que é perfeitamente factível que o empregado, na hipótese de o mesmo receber um salário mínimo insuficiente, exigir um aumento que garanta um salário capaz de atender a suas necessidades vitais básicas, segundo os critérios objetivos estabelecidos na Constituição. O autor traz dois argumentos que sustentam sua tese: a própria norma constitucional define o direito ao salário mínimo traz os critérios objetivos para a fixação do valor, como um salário que garanta “moradia”, “alimentação”, “lazer”, etc.; e porque cabe ao Judiciário a determinação dos conceitos jurídicos indeterminados, dando concretude às normas constitucionais.
Finalmente, o mesmo autor[53] adota a posição de que as normas programáticas que definem programas (as chamadas normas programáticas), por reclamarem uma mediação legislativa, padecem de uma eficácia limitada, mas nem por isso deixam de ter aplicabilidade imediata. Em seguida, conclui que “nem por isso, essas normas são destituídas de aplicação imediata. Elas apenas exigem um esforço maior de complementação por parte dos órgãos do Judiciário, no exercício de sua atividade de garantia e efetivação dos direitos fundamentais.”
Quanto aos exemplos de normas programáticas diferidas, podem-se citar o artigo 170, III, da Constituição de 88, que trata da “função social da propriedade” e o artigo 193, que estabelece que “a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais,” entre outros.
Independente a qual categoria pertencem as normas programáticas, o fato é que todas as normas constitucionais vinculam o Poder Público de maneira inconteste, podendo-se extrair dessas normas efeitos desejados pelo Constituinte. Esses efeitos poderão garantir eficácia plena ou limitada e aplicação imediata ou mediata. Resta ao hermeneuta constitucional a missão de extrair dos enunciados de cada norma os valores que elas carregam, definindo o grau de fundamentalidade de cada uma.
2.3 ALCANCE DO ARTIGO 5º, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DE 1988
A partir do artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal, que enuncia que “as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, depreende-se que o Legislador Constitucional buscou imprimir um caráter especial aos direitos fundamentais. Essa peculiaridade se traduz pela máxima eficácia e efetividade das normas definidoras de direitos fundamentais. Assim, conforme argumenta Sarlet[54], o Constituinte outorgou a esses direitos uma “normatividade reforçada”, revelando que as normas desse status não mais se encontram na dependência de uma concretização pelo legislador infraconstitucional para gerar a plenitude de sua eficácia, jurídica e social.
Para Sarlet[55], o artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal, apresenta caráter de norma-princípio, obrigando aos órgãos estatais a tarefa de reconhecer a maior eficácia e efetividade possível.
Dirley da Cunha Júnior[56] sustenta que a partir da implementação do Estado Constitucional de Direito e da concepção de Constituição como norma jurídica, toda disposição constitucional é provida de eficácia jurídica, apenas variando sua carga eficacial.
Para o autor[57], as normas definidoras de direitos têm eficácia plena, não sendo dependentes de legislação infraconstitucional. Essas normas definidoras de direitos fundamentais assumem feições distintas, seja com referência às funções que desempenham no ordenamento jurídico, seja no tocante às técnicas de sua positivação. Então, não são dotadas da mesma carga eficacial. Por isso, para enfrentar a questão da eficácia das normas é preciso considerar as várias funções das normas (funções de defesa e de prestação) e as variadas técnicas de sua positivação.
O mandamento do artigo 5º, §1º, da Constituição Federal de 1988 se alinha à de outras Constituições, como a Lei Fundamental da Alemanha, de 1949 (artigo 1º, número 3), Constituição de Portugal de 1976 (artigo 18, número 1) e a Constituição da Espanha de 1978 (artigo 53).
Na doutrina, por seu turno, ainda não há consenso acerca do alcance e significado da disposição em comento.
O alcance dessa previsão do artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal abarca todos os direitos fundamentais ou se limita àquele dispositivo constitucional, pelo fato de se situar topograficamente neste artigo? Esse é um questionamento feito por Dirley da Cunha Júnior[58]. O autor entende que esse dispositivo alcança todos os direitos fundamentais, até mesmo os não previstos na Constituição e nem no Título II, desde que ostentem a nota de fundamentalidade material, haja vista que o artigo 5º, § 1º, refere-se textualmente a direitos fundamentais, fazendo uso da fórmula genérica sem discriminá-los e também por conta de interpretação sistemática.
Segundo Dirley da Cunha Júnior[59], na doutrina vige duas posições acerca da força desse dispositivo: a primeira, segundo a qual o artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal só tem aplicação imediata se as normas que os definem são completas na sua hipótese e no seu dispositivo; e a segunda, que defende a imediata e direta aplicação das normas de direitos fundamentais ainda que de caráter programático, no sentido de que os direitos subjetivos nelas consagrados podem ser imediatamente desfrutáveis.
O mesmo autor[60] cita Medina Guerreiro, doutrinador espanhol, para quem o artigo 53, I, da Constituição Espanhola, que trata da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos fundamentais, teria duas conseqüências, a saber: impor à Administração e aos Tribunais a imediata concretização dos direitos fundamentais, sem necessidade de mediação legislativa; e vincular o legislador à Constituição, criando uma sujeição tanto na perspectiva negativa quanto na perspectiva positiva (obrigando o legislador a desempenhar plenamente os direitos fundamentais).
Na doutrina nacional, pode-se citar Luis Roberto Barroso, Eros Grau, entre outros que defendem a imediata aplicabilidade dos direitos fundamentais independentemente da intermediação legislativa. Nessa mesma linha de entendimento se encontra Dirley da Cunha Júnior.
Para reforçar, Dirley da Cunha Júnior cita Haberle e sua teoria da interpretação aberta e pluralista da Constituição[61]. Para Haberle, a interpretação constitucional é uma atividade que diz respeito a todos. Assim, ele propõe a ampliação do círculo de intérpretes da Constituição, como conseqüência da necessidade de integração da realidade no processo de interpretação. Para fazer um entrelaçamento entre a teoria de Haberle com a análise do artigo 5º, § 1º, da Constituição, o autor cita que na Assembléia Constituinte, quando apresentada emenda para culminou com o atual dispositivo em comento, o Deputado Ulysses Guimarães, ao explicar a referida emenda, disse que objetivava expungir qualquer dúvida sobre o texto e tornar desnecessário lei complementar para que a aplicabilidade fosse garantida. Com base na interpretação aberta de Haberle, Dirley da Cunha Júnior[62] assinala que “os debates parlamentares constituíam verdadeira interpretação constitucional”.
A ausência de legislação que concretize os direitos fundamentais não representa óbice à aplicação imediata das normas de direitos fundamentais pelos juízes e tribunais, uma vez que o Judiciário não só detém o dever de garantir a plena eficácia dos direitos fundamentais, como está autorizado a resolver lacunas, com base no artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil.
Ademais, o fato de a norma constitucional definidora de direitos fundamentais remeter ao legislador ordinário a tarefa de regulá-la não impede sua imediata aplicabilidade, já que a regulamentação legislativa nada acresce de essencial à norma, senão apenas servindo para regular as condições de exercício dos direitos e garantias fundamentais.
3 A EFETIVIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS
José Afonso da Silva,[63] desenvolvendo a questão acerca da eficácia dos direitos fundamentais, alega que a garantia das garantias consiste na eficácia e aplicabilidade imediata das normas constitucionais. Segundo ele[64], a Constituição se preocupou em vários momentos com a questão da eficácia, a exemplo do dispositivo que determina que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.”
Diz, ainda, o referido autor[65] que a garantia citada abarca não só os direitos fundamentais individuais, mas também os coletivos, sociais, de nacionalidade e políticos. Arremata ele:
Sua existência só por si, contudo, estabelece uma ordem aos aplicadores da Constituição no sentido de que o princípio é o da eficácia plena e a aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos fundamentais: individuais, coletivos, sociais, de nacionalidade e políticos.
3.1 A EFICÁCIA JURÍDICA E A EFICÁCIA SOCIAL DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
A eficácia jurídica e a eficácia social, esta também chamada de efetividade, embora sejam vulgarmente efeitos da norma jurídica, não se confundem. A eficácia jurídica, segundo Ana Paula de Barcellos[66], é a possibilidade de exigir judicialmente com fundamento na norma. A eficácia jurídica se encontra no campo da dogmática e hermenêutica, enfim, no plano jurídico. Observa ainda a autora que embora no campo da juridicidade, elementos da realidade complementam essa noção, já que a discussão hermenêutica perpassa o mundo do dever-ser para o mundo das coisas.
Michel Temer, citado por Pedro Lenza[67], observa que
eficácia social se verifica na hipótese de a norma vigente, isto é, com potencialidade para regular determinadas relações, ser efetivamente aplicada a casos concretos. Eficácia jurídica significa que a norma está apta a produzir efeitos na ocorrência de relações concretas.
A eficácia social é a conseqüência dos efeitos das normas no mundo dos fatos, ou seja, a concretização no mundo do ser da norma jurídica. Para Luís Roberto Barroso[68],
a eficácia social ou efetividade é a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.
Importante, com vistas a apreender melhor o objeto, definir o que seja a eficácia e a efetividade, o que pode ser esclarecido pelo dicionário de Leib Soibelman[69], a seguir transcrito:
Eficácia, derivado do latim efficacia (que tem virtude, que tem propriedade, que chega ao fim), compreende-se como a força ou poder que possa ter um ato ou um fato, para produzir os desejados efeitos.
Efetividade, derivado de efeitos, do latim effectivus, de efficere (executar, cumprir, satisfazer, acabar), indica a qualidade ou o caráter de tudo o que se mostra efetivo ou que está em atividade. Quer assim dizer o que está em vigência, está sendo cumprido ou está em atual exercício, ou seja, que está realizando os seus próprios efeitos. Opõe-se assim ao que está parado, ao que não tem efeito, ou não pode ser exercido ou executado.
Quanto à eficácia jurídica, José Afonso da Silva[70] entende que todas as normas constitucionais a possuem e são aplicáveis nos limites objetivos de seu teor normativo.
Como bem observa Luís Roberto Barroso[71], partindo da premissa de que o Direito é estatal, ou seja, tem origem no Estado, verdade é considerar que a eficácia jurídica tem íntima relação com a eficácia social ou efetividade, dependendo da eficácia jurídica a formação da eficácia social. Estando potencialmente apta a produzir efeitos jurídicos, a norma deverá se aproximar o quanto possível do mundo das coisas, da realidade como forma de demonstrar sua vontade concretamente.
Para Ana Paula de Barcellos[72], a situação de normalidade é que o enunciado normativo produza um efeito específico no campo da vida. No entanto, o que se observa é que em dadas situações o enunciado normativo cria formas de eficácia jurídica específicas, às vezes variadas e gerais, enquanto em outras situações são criadas eficácias diversas para os enunciados. Observa a autora que a doutrina e jurisprudência têm desenvolvido uma variedade de modalidades de eficácia jurídica. Ela procura descrever e classificar tais modalidades de eficácia jurídica por hierarquia, pelo grau de consistência, partindo da modalidade de eficácia jurídica mais forte e específica, ou seja, aquela apta a produzir o efeito pretendido pelo dispositivo, para a mais débil e indireta. A mais forte é a eficácia jurídica simétrica ou positiva.
Neste ponto, vale abrir um parêntese para trazer a advertência de Barroso[73], segundo o qual, considerando o caráter estatal do Direito, é fácil concluir que a efetividade das normas depende em primeiro lugar da sua eficácia jurídica, da aptidão formal para incidir e reger os fatos da vida, daí a necessidade de tocar nesse tema de relevância para o presente trabalho.
Eis a classificação:
a) Eficácia jurídica simétrica ou positiva: é a que mais eficazmente é capaz de produzir o efeito original desejado pelo enunciado normativo. Exemplo: diante do dispositivo que qualifica como abusivas as multas moratórias superiores a 2% nos contratos de financiamento, o ofendido poderá pedir ao Judiciário a redução forçada da multa aos níveis autorizados pela lei. Desse modo, é clara a conseqüência do enunciado normativo. A eficácia jurídica associada a este dispositivo é específica, gerando o direito subjetivo ao ofendido pelo não cumprimento da norma.
b) Eficácia jurídica nulidade: essa modalidade opera no plano da validade. Apresenta quase tanta consistência quanto a positiva ou simétrica. Age impedindo a produção de efeito indesejado por comandos normativos. Exemplo: no dispositivo que diz que somente o agente competente pode praticar o ato administrativo, essa modalidade de eficácia impede que o ato possa ter efeitos válidos, de modo que o enunciado normativo e seu propósito possam ser preservados.
c) Eficácia jurídica ineficácia: tem efeito no plano da eficácia. O efeito é que se possa ignorar a existência de atos praticados em desconformidade com o ordenamento, desconsiderando os efeitos que o ato porventura possa produzir. Exemplo: disposições que tratam da fraude à execução, onde a alienação pode ser desconsiderada com relação ao processo judicial.
d) Eficácia jurídica anulabilidade: apta a impedir que o ato praticado contrariamente ao enunciado normativo produza efeitos.
e) Eficácia jurídica negativa: relacionada com os princípios constitucionais. Essa eficácia permite que sejam declaradas inválidas todas as normas ou atos que sejam contrários aos efeitos pretendidos pelo enunciado. Exemplo: lei ou ato que contraria o princípio da dignidade da pessoa humana poderá ser declarado inválido.
f) Eficácia jurídica vedativa de retrocesso: diz respeito aos princípios, particularmente em relação aos direitos fundamentais, sendo considerada uma derivação da eficácia negativa.
g) Eficácia jurídica penalidade: aplicação de uma penalidade ao agente que viola o comando normativo. Vale ressaltar que tal modalidade não tem o propósito de produzir o efeito pretendido pelo Direito, mas influenciar a vontade do indivíduo responsável pelo cumprimento da norma.
h) Eficácia jurídica interpretativa: possibilita exigir do Judiciário que os comandos normativos de hierarquia inferior sejam interpretados de acordo com os de hierarquia superior a que estão vinculados. Isso acontece entre leis e seus regulamentos e entre a Constituição e a ordem infraconstitucional como um todo. Trata de selecionar, dentre as interpretações possíveis da norma hierarquicamente inferior, aquela que melhor realiza a superior.
3.2 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O MÍNIMO EXISTENCIAL
Não se pode falar de direitos fundamentais sociais sem falar antes da dignidade da pessoa humana, já que a dignidade é tijolo que compõe o muro alto dos direitos fundamentais sociais.
Não resta dúvida que o princípio da dignidade da pessoa humana está na base de todos os direitos constitucionalmente consagrados. Seja o direito político, econômico, social ou de defesa.
Conforme leciona Ana Paula de Barcellos[74], é clara a opção do Constituinte de 1988 em colocar o princípio da dignidade humana como vetor de toda a interpretação constitucional. Aliás, faz a autora[75] uma reflexão histórica das origens desse princípio, quando diz que “a dignidade da pessoa humana, o valor do homem como um fim em si mesmo, é hoje um axioma da civilização ocidental.” Assinala quatro momentos históricos no percurso da consolidação do valor humanidade nos Estados Constitucionais, quais sejam, o Cristianismo, o Iluminismo-humanista, a obra de Immanuel Kant e a Segunda Guerra Mundial.
A mensagem divulgada por Jesus Cristo representou um ponto de inflexão no mundo antigo. O historiador H.G. Wells, ao ser questionado sobre quem seria a maior personalidade da História, disse que Jesus Cristo e suas mensagens são o marco da História mundial. Através de suas mensagens, o homem passa a ser valorizado individualmente, além de pregar a valorização do outro, enfatizando a noção de solidariedade. A conseqüência dos valores cristãos traz à tona a igualdade essencial entre os homens.
Muito tempo depois, o Iluminismo vem para tirar a religiosidade do centro do sistema de pensamento, substituindo-o pelo próprio homem. Nessa fase, o desenvolvimento do humanismo terá como conseqüência a preocupação com os direitos individuais do homem e o exercício democrático do poder.
Kant vem trazendo a noção da natureza do homem e sua relação consigo próprio, com os outros e com a natureza. Kant traduz em uma frase a idéia mais essencial e consistente do humanismo, quando diz que o “homem é um fim em si mesmo, e não o Estado”. Ele vai sustentar a necessidade de separação dos poderes e da generalização do princípio da legalidade como forma de assegurar aos homens a liberdade de perseguirem seus projetos individuais.
Embora após a Primeira Guerra Mundial já se tivesse a preocupação com os Direitos Sociais que estavam sendo aos poucos introduzidos nas constituições, é marcante a valorização da dignidade humana após os horrores da Segunda Grande Guerra, já que as convicções estavam abaladas e os valores corrompidos com tanta desumanidade. Até as próprias vítimas dos massacres deturparam suas convicções diante dos sofrimentos.
Segundo Ana Paula de Barcellos[76], a reação à barbárie nazista serviu para consagrar a dignidade da pessoa humana como princípio orientador da atuação dos Organismos Internacionais e Estados, influenciando tanto no plano internacional como interno, nas Constituições dos Estados.
Agora esse princípio é albergado na Constituição de 1988, o que vem expresso nas palavras de Luís Roberto Barroso[77], in verbis:
É inegável que a Constituição de 1988 tem a virtude de espelhar a reconquista dos direitos fundamentais, notadamente os de cidadania e os individuais, simbolizando a superação de um projeto autoritário, pretensioso e intolerante que se impusera ao País.
Nesse contexto, não existe hermenêutica constitucional que não deva ponderar a necessidade de sempre observar que a dignidade da pessoa humana é critério obrigatório, com eficácia positiva e negativa aos intérpretes da lei lato senso. A dignidade da pessoa humana vem enunciada no artigo 1º da Constituição Federal de 1988, como um dos fundamentos do Estado Brasileiro, além de irradiada por todo o sistema constitucional, devendo, em respeito ao axioma da unicidade constitucional, ser observado em toda a interpretação conforme a Constituição.
José Afonso da Silva[78] destaca que “a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem.”
Canotilho[79] assinala que esse fundamento é “concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais”, o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não qualquer idéia apriorística do homem.
Arremata José Afonso da Silva,[80] dizendo que a ordem econômica objetiva existência digna, a ordem social visará à realização da justiça social e, por consectário lógico, a dignidade humana, sendo, portanto, critério basilar de toda a interpretação constitucional a observância da dignidade da pessoa humana como valor máximo da realização humana.
Mas qual seria então o conteúdo da dignidade da pessoa humana? É um conceito amplo que requer trabalho para chegar a uma conclusão aceitável. A dignidade tem íntima relação com os direitos fundamentais e seu exercício. Isso traz alguma sistematização, já que permite pensar a dignidade dentro de um campo de atuação.
Ana Paula de Barcellos[81] acrescenta que a dignidade da pessoa humana guarda relação com o chamado mínimo existencial e acrescenta que a noção de mínimo existencial é um conjunto formado por uma seleção desses direitos, tendo em vista principalmente sua essencialidade, dentre outros critérios.
Sobre a relação entre a dignidade humana e o mínimo existencial, adverte ainda Andreas Krell[82] que “é obrigação do Estado Social controlar os riscos resultantes do problema da pobreza, que não podem ser atribuídos aos próprios indivíduos, e restituir um status mínimo de satisfação das necessidades pessoais”.
Sarlet,[83] deixa claro que o mínimo existencial está imbricado na dignidade humana, chamando a atenção para dois pontos: a dignidade humana é princípio fundante assim dos direitos de defesa como dos direitos sociais a prestações; a dignidade humana se abre para o jogo de ponderação com outros princípios constitucionais diante de interesses emergentes.
Nesse diapasão, sem prejuízo de continuar o tema em aberto, a dignidade é toda a condição material e espiritual necessária para que alguém se entenda como gente, como ser humano, e que permita influenciar seu próprio destino enquanto cidadão. Desta forma, a saúde, a educação e a assistência aos desamparados de todas as formas são direitos que hão de compor um mínimo protetivo contra a indignidade humana. Não se quer dizer que a dignidade é formada pelos direitos elencados, mas que, sem dúvida, ela perpassa por estes direitos, sem prejuízo de abarcar outros previstos, como o direito ao lazer, à educação informal, à cultura, etc.
Como já apontado, a dignidade da pessoa humana tem íntima relação com o mínimo existencial. O mínimo existencial vem como uma proteção para os necessitados, criando uma rede de proteção contra o problema da pobreza que num limite extremo afeta a dignidade da pessoa humana. Essa teoria do mínimo existencial visa precipuamente garantir um status mínimo de satisfação das necessidades humanas ou restituir essa condição de dignidade àqueles que a perderam. Vale ressalta, no entanto, que a garantia efetiva de uma existência digna abrange mais do que a garantia da mera sobrevivência física. Andreas Krell[84] a respeito desse tema sustenta:
É obrigação de um Estado Social controlar os riscos resultantes do problema da pobreza (...) e restituir um status mínimo de satisfação das necessidades pessoais. Assim, numa sociedade onde existe a possibilidade fática da cura de uma doença, o seu impedimento significa uma violência contra a pessoa doente que é diretamente prejudicada na sua vida e integridade.
A discussão em torno dessa temática do mínimo existencial ocupou posição de destaque na Alemanha e já na vigência da Constituição de 1949 a doutrina a respeito foi se desenvolvendo.
Sarlet[85] assinala que Otto Bachof, em 1950, já dizia que o princípio da dignidade humana não reclama apenas a garantia da liberdade, mas também um mínimo de segurança social. Ademais, o autor[86] cita também que o Tribunal Constitucional Federal Alemão reconheceu um direito fundamental à garantia das condições mínimas para uma existência digna.
Sustenta Sarlet[87] que na Constituição Brasileira de 88 esse mínimo existencial se extrai dos específicos direitos sociais como a saúde, a moradia, a assistência social, entre outros.
Para tentar definir o que seria o mínimo existencial, Barcellos[88] tenta traçar parâmetros objetivos e chega à conclusão de que o mínimo necessário para a dignidade humana deve ser composto pelo direito à saúde, à educação, à assistência social e à possibilidade de acessar o Judiciário e ter sua proteção garantida contra lesões de qualquer ordem.
Ana Paula de Barcellos[89], após fazer uma análise dos valores constitucionais em confronto com as condições materiais de pobreza, tomando como exemplo os indigentes que vivem debaixo de marquise ou residentes de favelas, afirma que existe um mínimo que deve ser garantido aos cidadãos carentes, e sugere que se deve chegar a um consenso sobre qual seria esse conteúdo. E aí a autora chega à conclusão de que há um núcleo fundamental intangível que deve ser garantido pela Constituição Federal àqueles em condições de indignidade.
Ela[90] aduz que “a conclusão, portanto, é que há um núcleo de condições materiais que compõe a noção de dignidade de maneira tão fundamental que sua existência impõe-se como uma regra, um comando biunívoco, e não como um princípio.”
A mesma autora[91], ao tratar das modalidades de eficácias jurídicas, reforça que a eficácia jurídica simétrica é a mais forte em seus efeitos, e sustenta que o mínimo existencial corresponde a uma fração da dignidade humana à qual se deve reconhecer essa modalidade de eficácia.
Finalmente, ela[92] diz que uma proposta mínima de concretização do mínimo existencial deve abranger o direito à educação fundamental, à saúde básica, à assistência no caso de necessidade e ao acesso à justiça e essas prestações mínimas poderão ser exigidas judicialmente.
O fato é que de nada vale proteger a vida, se não puder garantir uma vida que seja digna. Logicamente, o delineamento do mínimo existencial depende da análise do caso concreto, depende das condições sociais em que determinadas pessoas estão inseridas e finalmente de fatores econômicos, que em última análise garantirão a concreção desse mínimo protetivo. Quanto à questão econômica, no confronto entre o mínimo existencial e as questões econômico-financeiras, surge a discussão em torno da cláusula da reserva do possível, tema que posteriormente será tratado.
4 O DIREITO À SAÚDE
Os direitos fundamentais, como produto da evolução histórica, foram introduzidos gradativamente nos ordenamentos jurídicos e hoje são reconhecidos em graus diferentes na maior parte dos Estados. No entanto, embora formalmente reconhecidos pelas constituições modernas, esses direitos estão longe de ter um grau de efetividade compatível com seus enunciados normativos. A necessidade de efetividade se torna muito mais importante quando se fala de direitos sociais, que se apresentam como os direitos dos excluídos. Em verdade, são os direitos sociais que visam de fato garantir a igualdade material a todos, promovendo a justiça por meio de iguais oportunidades a todos.
Sem dúvida, é no âmbito da aplicabilidade e da efetividade que se apresentam os maiores problemas para uma Constituição e que se vê mais ainda agravado quando se verifica a necessidade de uma postura pró-ativa do Estado, voltada à implementação de prestações materiais para concretização desses mesmos direitos. Nessa senda, o direito fundamental à saúde, por apresentar um grau de fundamentalidade máximo, merece a atenção devida.
Se o direito à vida é aceito sem questionamentos em todos os Estados Democráticos, o direito à saúde, por exigir um dever obrigacional do Estado de realizar políticas públicas não tem merecido igual importância. Vale dizer que, se o artigo 196 da Constituição Federal de 1988 diz “o direito à saúde é direitos de todos e dever do Estado,” aí se encerra não somente um direito de todos, com um grau de abrangência máximo, mas também contém esse mesmo enunciado normativo um dever, seja do Estado, numa relação vertical, ou horizontalmente, onde toda a sociedade se vê vinculada, devendo zelar pela proteção e pela promoção desse mister. Aliás, de que vale garantir o direito à vida se ela não pode ser exercida plenamente? A saúde se constitui na energia vital, necessária ao exercício de todos os demais direitos conquistados ao longo da evolução histórica e serve de lastro para o exercício da própria dignidade humana.
4.1 ABRANGÊNCIA DO DIREITO À SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
A Constituição de 1988 foi a primeira Constituição Brasileira a reconhecer expressamente o direito à saúde como direito fundamental. Vem expressa, primeiramente, no artigo 6º, inserido no Título II “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, de forma genérica. Vem ainda expresso em outros dispositivos, entre os quais é válido citar os artigos. 5º, 7º, 23, 24, 30, 34, 35, 37, 40, 167, 170, 182, 194, 195, 196, 197, 198, 199, 200, 201, 212, 220, 225, 227, 230, 231, da Constituição Federal de 1988, bem como os artigos 17, 53, 55, 71, 74, 75 e 77 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
O artigo 23, II e IX, da Constituição diz que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e promover o saneamento básico e o artigo 30, VII, indica, ainda, que a prestação dos serviços de saúde é de caráter solidário por parte dos entes da Federação, e será desenvolvida por meio de cooperação técnica e financeira.
Considerações importantes são feitas pelo artigo 196 da Constituição Federal, quando enuncia que a saúde é direito de todos e dever do Estado. Desse artigo se depreende ainda que as ações terão caráter preventivo quando enuncia a redução do risco de doença, além da promoção e da recuperação da saúde, além de garantir o acesso universal e igualitário a todos. Desse modo, todos os brasileiros passam a ser titulares do direito à saúde. O efeito esperado para o dispositivo em epígrafe é que as pessoas tenham acesso a todas as prestações necessárias e suficientes para preservar, manter ou restabelecer sua saúde.
O artigo 197 determina que esse direito vincula também os particulares, na chamada relação horizontal, ao prescrever que sua execução deverá ser feita diretamente ou através de terceiros.
Já o artigo 198 institui o Sistema Único de Saúde – SUS, prevendo que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada, e constituem um sistema único. Esse sistema apresenta a característica de ser descentralizado, promovendo atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais. Essa disposição se coaduna com a proposta do Estado de bem-estar social. Nesse mesmo artigo vem expressa a forma de financiamento do sistema.
No artigo 200 consta o rol de atribuições do SUS. Para garantir a consecução dos serviços, conforme sinaliza Dirley da Cunha Júnior[93], a Constituição se preocupou em resguardar os recursos públicos necessários à efetivação deste direito fundamental. Cumprindo esse desiderato, a Emenda Constitucional nº 29, de 13.09.2000, acrescentou o § 2º e incisos ao artigo 198, determinando a distribuição de recursos mínimos que cabem à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios aplicar, anualmente, para as ações de promoção da saúde.
Segundo Ana Paula de Barcellos[94], quatro pontos prioritários podem ser extraídos da análise da Constituição Federal de 1988, no que se refere ao direito à saúde:
a) prestação de serviço de saneamento (artigos 23, IX, 198, II e 200, IV);
b) o atendimento materno-infantil (artigo 227, I);
c) as ações de medicina preventiva (artigo 198, II); e
d) as ações de prevenção epidemiológica (artigo 200, II).
Diante da fixação dessas metas, percebe-se claramente a vontade do legislador em priorizar a prevenção, já que o saneamento básico se constitui na forma mais eficaz de melhoria da saúde da população, em especial os menos favorecidos. Após, a ênfase dá-se na garantia da saúde das crianças e adolescentes que se encontram na faixa mais frágil da vida, exigindo cuidados especiais inclusive para a formação de sua cidadania. Ademais, o Legislador Constituinte demonstra sua preocupação com a saúde coletiva, na medida em que privilegia também a prevenção de epidemias, focando a necessidade de garantir o bem coletivo e evitar catástrofes por motivo de doenças que atinjam grande parte da população.
4.2 LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL
Considerando a determinação constitucional de cooperação entre os entes da Federação para promoção dos serviços de saúde em geral, entrou em vigor, em setembro de 1990, a Lei nº 8.080/90, chamada Lei Orgânica da Saúde.
Esta lei possui 55 artigos que formatam e estruturam o Sistema Único de Saúde, delineando sua organização e funcionamento. Além disso, ela fixa as atribuições dos entes envolvidos e estabelece princípios que nortearão a atuação dos entes integrantes do Sistema.
Entre os princípios mais importantes está o da universalidade, o da subsidiariedade e o da municipalização. Seu artigo 7º traz o princípio da universalidade, como garantia de acesso a todos, independente de ser trabalhador ou não, bastando necessitar da prestação do serviço; A municipalização e a subsidiariedade dão ênfase na descentralização para os Municípios, na execução dos serviços de saúde, já que os Estados e a União somente devem executar diretamente políticas sanitárias de modo supletivo, suprindo eventuais lacunas dos Municípios. É o que se depreende dos artigos 16, XIII e XV, 17 e 18.
A despeito dos inúmeros dispositivos constitucionais que tratam da saúde, a Constituição padece da falta de precisão sobre qual seria o objeto e conteúdo deste direito. É na Lei Orgânica da Saúde que se visualiza a extensão do que seja o direito fundamental à saúde.
De acordo com o artigo 2º deste diploma legal, a saúde é direito fundamental do ser humano, cabendo ao Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. Ainda no parágrafo 2º do artigo 2º da lei vem acrescido que o dever de prestar os serviços de saúde não exclui o dever das pessoas, da família, das empresas e da sociedade.
O artigo 3º informa que são condições para a manutenção da saúde a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais. E faz um alerta, em sua parte final, quando enuncia que os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do país.
A esse respeito, cumpre registrar que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) (que mede o grau de desenvolvimento do país) brasileiro[95], no ano de 2008, ficou na posição de 70º colocado num universo de 182 países, ficando atrás de países como Costa Rica, Sérvia e Venezuela, mostrando que não basta uma economia forte, mas é necessário que os fatores sociais andem junto com o crescimento do país, para que se demonstre o grau de desenvolvimento da nação. Então, numa análise macro insere-se a necessidade de dar efetividade a todos os direitos sociais.
Quanto ao conceito de saúde, popularmente se entende que se caracteriza pela ausência de doença. Na verdade vai mais além, haja vista que a própria lei inclui o bem-estar físico, mental e social como integrantes do conceito de saúde. O conceito da Organização Mundial da Saúde[96], divulgado na carta de princípios de 7 de abril de 1948 (desde então o Dia Mundial da Saúde), implicando o reconhecimento do direito à saúde e da obrigação do Estado na promoção e proteção da saúde, diz que "saúde é o estado do mais completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de enfermidade".
Por fim, a despeito de um dia as ações de saúde serem prestadas em função da caridade pública, como bem adverte Luís Roberto Barroso[97], já que antigamente grande contingente da população não integrava o mercado de trabalho e estava excluída da prestação desse direito, com o arcabouço jurídico constitucional e legal do ordenamento brasileiro, já se pode registrar que a população necessitada não precisa mais da caridade dos que têm pena, nem das esmolas dos caridosos, mas possuem verdadeiros direitos subjetivos de ter saúde, que na outra ponta se traduz pelo dever de prestação por parte do Estado, o que no caso de omissão ilícita demanda o uso dos instrumentos coercitivos postos à disposição pelo Constituinte para fazer valer seus direitos.
Após a edição da Lei Orgânica da Saúde, entrou em vigor a Lei n° 9.836/99, que acrescentou dispositivos à Lei n° 8.080/90. Após, as Leis nos 10.424/02 e 11.108/05 alteraram a Lei n° 8.080/90. Importante mencionar também a Lei n° 8.142/90, que dispõe sobre a comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde. Necessário, ainda, citar a Lei n° 9.313/96, que trata do fornecimento gratuito de medicamentos a todos os portadores de HIV. Com a entrada em vigor da Lei Orgânica do SUS, foram criadas várias portarias regulamentando o Sistema. Vale citar a Portaria n° 2.203/96, que instituiu a Norma Operacional Básica do SUS (NOB), que trata da edição de normas operacionais para o funcionamento do Sistema, além da Portaria n° 373/02 e a Resolução n° 399, que tratam do pacto pela saúde 2006 e aprovam as diretrizes para a operacionalidade do pacto.
4.3 AS EFICÁCIAS DO DIREITO À SAÚDE
O direito à saúde apresenta tanto a eficácia negativa, como direito de defesa, impedindo ingerências indevidas por parte do Estado e terceiros na saúde do titular, como também sua dimensão eficacial positiva, ao impor ao Estado a realização de políticas públicas que busquem a efetivação deste direito para todos, tendo o credor direito de exigir prestações materiais, como atendimento médico e hospitalar, fornecimento de medicamentos, realização de exames das mais variadas natureza, enfim, toda e qualquer prestação necessária a realização concreta do direito à saúde. Na dimensão negativa, o Estado e a sociedade ficam obrigados a não afetar a saúde das pessoas. Há que considerar, ainda, a proibição de retrocesso, bem sinalizado por Sarlet[98], que impõe ao legislador a proibição de revogar, por qualquer via, o grau de concretização que ele havia dado às normas da Constituição.
4.4 AS FUNDAMENTALIDADES DO DIREITO À SAÚDE
Já está bem assentada a idéia de que os direitos sociais constituem-se em direitos fundamentais. É bem verdade que, como adverte Dirley da Cunha Júnior[99], os direitos sociais apresentam um grau de dificuldade para efetividade maior que os direitos fundamentais ditos de defesa, haja vista que exigem uma prestação de natureza fática ou normativa.
Eis a lição do autor:
Os direitos sociais são, inegavelmente, direitos fundamentais, seja por que se destinam a prover o homem de meios de subsistência, garantindo-lhe o mínimo existencial, seja por que evidenciam o grau de democracia no Estado. Aliás, entre nós, a Constituição de 1988 tomou partido e os incluiu, expressamente, entre os direitos fundamentais do Título II de seu texto.
Como direito fundamental expressamente consagrado pela Constituição de 1988, o direito à saúde goza de dupla fundamentalidade: formal e material.
Conforme sustenta Sarlet[100], desde o surgimento das constituições escritas, em torno de 1787, ninguém questiona o fato de a propriedade ocupar lugar de destaque nas constituições. O mesmo se diz quanto à liberdade de ir e vir e ao habeas corpus. No entanto, bastou que se albergassem os direitos sociais nas constituições, a exemplo do direito à educação, saúde, enfim, daqueles direitos que exigem uma prestação positiva por parte do Estado, para que se começasse a questionar até mesmo a colocação dos direitos sociais entre os direitos fundamentais, ainda mais dispensando a alguns, como o direito à saúde, uma proteção jurídica diferenciada.
A fundamentalidade formal, que se traduz pela existência de dispositivo previsto constitucionalmente, desdobra-se, segundo Sarlet[101], em três elementos, quais sejam:
a) Como parte integrante da Constituição escrita, os direitos fundamentais situam-se no ápice de todo o ordenamento jurídico, sendo norma de hierarquia superior;
b) Como direitos fundamentais, sujeitam-se aos limites formais e materiais da reforma constitucional; e
c) Conforme previsto no artigo 5º, § 1º, da Constituição de 1988, “as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais são diretamente aplicáveis e vinculam diretamente as entidades estatais e aos particulares.”
No que tange à fundamentalidade material do direito à saúde, essa se relaciona ao bem jurídico tutelado pela Constituição. Assim, o direito à saúde, previsto em vários dispositivos constitucionais, visa tutelar a saúde, que é pressuposto para o próprio exercício do direito à vida e de uma vida digna. A saúde constitui a energia necessária ao exercício de sua condição humana, na possibilidade de se exercer todos os demais direitos de primeira, segunda e terceira dimensões, de modo a garantir a tão desejada justiça material pela igual oportunidade a todos.
Nesse espeque, se o lastro da Constituição de 1988 é a humanidade, corporificado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, esse princípio há de irradiar-se por toda a Constituição e o ordenamento jurídico, o que resulta na necessidade de observância desse valor a todo intérprete constitucional.
Ademais, na angústia de se buscar delinear um mínimo existencial ao indivíduo, como o faz Ana Paula de Barcellos[102], o direito à saúde configura-se a prestação material das mais vitais para se garantir uma vida plena, condigna. Ao ser abarcado pelo mínimo existencial, o direito à saúde fica resguardado de qualquer mitigação em sua efetividade, seja ela de caráter fático ou jurídico, a exemplo da cláusula da reserva do possível.
Ainda acerca da fundamentalidade material, o artigo 5º, § 2º, da Constituição de 1988, ao fazer constar o direito à saúde em seu rol, ampliou consideravelmente a abrangência dos direitos fundamentais, ao prever que os direitos e garantias nela expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotado, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
4.5 O CONTROLE JUDICIAL DA EFETIVIDADE DO DIREITO À SAÚDE
A efetividade dos direitos fundamentais sociais guarda uma relação direta com o grau de participação do Poder Judiciário na garantia de implementação das políticas públicas pelo Estado. Assim, a despeito de se questionar, com base na separação dos Poderes, a possibilidade de o Poder Judiciário garantir a efetividade dos direitos sociais por meio de decisões judiciais, hoje são recorrentes os caso em que se busca o Judiciário objetivando condenar a Administração Pública a uma obrigação de fazer, consistente na implementação do serviço público de saúde.
Se os Poderes eram independentes e harmônicos entre si, hoje se faz mister enxergar essa relação sob outra ótica, que conduza a constatação de que os três Poderes travam uma relação de interdependência entre si, e não mais de independência. No nascimento da teoria da tripatição dos Poderes, a concepção antiga se fazia condizente com o Estado Liberal, onde essa teoria propunha uma ideologia contra o absolutismo monolítico da monarquia nos séculos XVII e XVIII.
Andreas Krell[103] faz a seguinte observação:
O vetusto princípio da separação dos poderes, idealizado por Montesquieu, está produzindo, com sua grande força simbólica, um efeito paralisante às reivindicações de cunho social e precisa ser submetido a uma nova leitura.
Vê-se, pois, que o autor faz uma proposta de releitura dessa teoria da separação dos Poderes, como forma de adaptação aos novos tempos. Com a evolução do Estado Liberal ao Estado Social essa providência era indispensável.
Andreas Krell[104], citando Mancuso, diz que
a nova concepção leva a um modelo de Estado de Direito no sentido plenamente material (e não formal), onde os atos emanados pelos Três Poderes, para terem validade e legitimidade, têm de vir respaldados por todo um contexto jurídico-social, dominado pela nota da efetividade.
A proposta de inovar a teoria dos Poderes traz, intrinsecamente, a questão de uma nova postura dos juízes. Assim, ao tratar da exigência de nova postura do Judiciário frente às demandas emergentes, se faz necessário examinar se o exercício discricionário do poder de legislar conduz à concretização dos resultados objetivados, focando a análise finalística por parte do juiz, e não apenas controlar no sentido de verificar se está certo ou errado conforme a lei. O juiz passa a ser responsável pelo sucesso da política imposta aos outros Poderes como forma de concretizar os preceitos constitucionais.
Desta forma, a possibilidade de exigir do Estado a efetividade dos direitos fundamentais estabelecidos na Constituição deve ser a regra, e não a exceção. Não basta ao Estado o reconhecimento formal de um direito. É essencial que se possa exigir dele, ainda que pela via judicial, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional, notadamente com vistas a garantir a efetivação dos direitos fundamentais.
Dessa forma, além da sociedade em geral, que deve participar dessa luta pela efetividade constitucional, em especial cita-se o Ministério Público, por meio da ação civil pública, o Poder Judiciário deve agir ativamente na realização da vontade constitucional, em especial quando se fala dos direitos fundamentais, que devem ter aplicabilidade imediata e eficácia plena.
A esse respeito, traz-se a colação a lição Dirley da Cunha Júnior[105]:
Todos os direitos fundamentais, qualquer que seja a sua natureza, são direitos diretamente aplicáveis, vinculam todos os poderes, especialmente o Legislativo, e essa vinculação se submete ao controle judicial (grifo nosso).
Sustenta, ainda, o autor[106] que
a força dirigente e determinante dos direitos fundamentais a prestação, particularmente os direitos sociais, inverte o objeto clássico da pretensão jurídica fundada num direito subjetivo: de uma prestação de omissão dos poderes públicos transita-se para uma proibição de omissão (grifo nosso).
Dessa forma, o controle judicial da concretização dos direitos sociais torna-se necessário na medida em que os outros Poderes o deixam de fazer. Ora, a vontade da Constituição é que se dê o valor ao que é fundamental. Se o Constituinte elegeu o direito à saúde como fundamental, nos termos dos artigos 6º ou 196 da Constituição, ninguém pode ignorar essa vontade. Quando essa vontade é ilicitamente descumprida, fica caracterizada a omissão capaz de gerar em contrapartida uma sanção.
Se é na instância política que se define as prioridades a serem visadas pelo Poder Público, nos termos das políticas públicas, essas decisões não são absolutas e imunes ao controle judicial. Ainda mais quando seja possível evidenciar decisões ineficientes ou flagrantemente contrárias aos valores constitucionais.
4.5.1 Argumentos contra a possibilidade de concretização judicial dos direitos sociais
Diverge-se, hoje em dia, acerca da possibilidade de o Poder Judiciário lançar mão das decisões judiciais para efetivar os direitos sociais, garantindo aos mesmos a máxima realização. Há muitas críticas ao chamado ativismo jurídico e à possibilidade de atribuir a condição de direitos subjetivos aos chamados direitos sociais previstos constitucionalmente. Existem também controvérsias quanto à possibilidade de o Poder Judiciário obrigar hospitais ou clínicas particulares a fornecerem tratamentos com posterior compensação fiscal. Maiores ainda são as dúvidas quanto à possibilidade de obrigar o Estado a remanejar verbas orçamentárias para atendimento das decisões judiciais, vindo à tona, nesta questão específica, a teoria da tripartição dos Poderes.
Nesse contexto, há quem perfilhe a teoria da eficácia zero, que defende que o Judiciário não pode implementar direitos sociais, os que defendem que o Judiciário somente pode agir negativamente, caracterizando-se pela teoria da eficácia mínima e a terceira corrente, da teoria da eficácia máxima, que defende que o Judiciário pode e deve agir para efetivar as normas definidoras dos direitos sociais[107]. Enfim, são muitas as críticas, mas muitos têm sido também os avanços em busca da efetividade plena dos direitos sociais constitucionalmente estabelecidos, formal ou materialmente.
Oportuno citar duas decisões que representam os embates estabelecidos nesta seara.
A primeira decisão trata do Agravo de Instrumento nº 2003.05.00.014852-3, em que o Estado do Ceará agrava uma vez que o Juízo a quo concedeu tutela antecipada na Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal para determinar o atendimento de todos os pacientes necessitados de tratamento intensivo (UTI), inclusive, mediante a transferência dos mesmos para hospitais públicos ou particulares.
Na referida decisão o juízo a quo determinou inclusive a transferência de pacientes para a rede privada de hospitais, com a futura compensação fiscal. A decisão determinou a possibilidade não só de usos dos hospitais conveniados ao SUS como também os não associados. Obrigou ainda o Estado do Ceará e o Município de Fortaleza a remanejar verbas orçamentárias destinadas a propaganda institucional do governo para solucionar os problemas da saúde.
No Juízo ad quem a decisão foi reformada sob a alegação de que não pode o juiz determinar o remanejamento de verbas orçamentárias.
Veja-se a ementa:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. SUS. A UNIÃO FEDERAL É PARTE LEGÍTIMA. COMPETENCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ACERTADA A DECISÃO QUE DETERMINA O ATENDIMENTO POR PARTE DOS HOSPITAIS CONVENIADOS AO SUS E DOS PARTICULARES, QUANDO OS HOSPITAIS PÚBLICOS NÃO PUDEREM FORNECER ATENDIMENTO AOS SEUS PACIENTES, MANTENDO A CENTRAL DE LEITOS. O JUIZ NÃO PODE DETERMINAR, AINDA QUE POR RAZÕES HUMANITÁRIAS, O REMANEJAMENTO OU A TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS ORÇAMENTÁRIOS, NEM MESMO NA HIPÓTESE DE PROPAGANDA INSTITUCIONAL DO GOVERNO. DECISÃO, QUE EM PARTE, EXORBITA O CONTROLE JURISDICIONAL. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO PARA EXCLUIR DA LIMINAR OS ITENS “B” E “E”.
A segunda decisão traz evoluções em prol da efetividade das decisões judiciais. Trata-se da Ação Civil proposta pelo Ministério Público Federal contra o Estado do Rio Grande do Norte obrigando o ente a fornecer diárias para tratamento de dois pacientes fora de domicílio – TFD, de obrigação do SUS. Aplica multa pelo não cumprimento e determina, no item 1 da decisão que ainda que não haja importe para cobrir as despesas, para garantir a saúde deve-se direcionar recursos inicialmente previstos para fins publicitários para a saúde.
O acórdão foi assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL, CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TFD – TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO. SUS-SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. REGULAMENTAÇÃO. OMMISSÃO DA ENTIDADE FEDERADA. RESPONSABILIDADE. CONDENAÇÃO. NÃO PROVIMENTO DOS RECURSOS.
São muitos os argumentos apresentados contra a máxima efetividade dos direitos sociais por meio das decisões judiciais. A seguir são apresentados os mais importantes.
4.5.1.1 A reserva do possível
Justamente pelo fato de os direitos sociais exigirem prestações positivas para sua concretização é que se ressalta a sua dimensão econômica. Não se quer dizer que os direitos de defesa não apresentam custos para sua efetivação. Basta dizer que direitos de primeira dimensão, como a liberdade, por exemplo, apresenta significativa necessidade de investimentos de recursos para a infraestrutura estatal. Na verdade, o que se observa é que ao pleitear um direito de defesa em juízo, raramente se alega a reserva do possível, o que não acontece com os direitos prestacionais.
Partindo-se da premissa de que esse tipo de direito exige recursos para sua efetividade, depara-se com o obstáculo fático de escassez orçamentária e financeira. Essa é uma das dimensões da reserva do possível, que é a capacidade financeira.
Krell[108] critica esse entendimento, sustentando que “o condicionamento da realização de direitos econômicos, sociais e culturais à existência de ‘caixas cheios’ do Estado significa reduzir a sua eficácia a zero.”
O conceito de reserva do possível surgiu na Alemanha, na década de 70, tendo sido acolhida pela Corte Constitucional Alemã. Decorreu da decisão do caso numerus clausus (BverfGE nº 33, S. 333)[109] em que se pleiteou na Corte Constitucional Federal, vaga no ensino superior público, em razão da insuficiência de vagas existentes, com fulcro na Lei Federal Alemã, artigo 12, segundo a qual “todos os alemães têm direito a escolher livremente sua profissão, local de trabalho e seu centro de formação”. Ao decidir a questão, o Tribunal entendeu que o direito à prestação positiva encontra-se sujeito à reserva do possível, no sentido daquilo que o indivíduo pode esperar, de maneira racional, da sociedade. Assim, o Tribunal lançou a necessidade de analisar a razoabilidade do pedido. Dessa forma, a teoria da reserva do possível construída na Alemanha não se refere apenas à questão da existência de recursos materiais para a concretização dos direitos sociais, mas à razoabilidade da pretensão frente ao que se pode esperar da sociedade.
Mânica[110] chama a atenção para o fato de que a interpretação e transposição dessa teoria para o Brasil fez dela a teoria da reserva do financeiramente possível, na medida em que basta a alegação de insuficiência de recursos públicos e de falta de previsão orçamentária para que se inviabilize a efetivação dos direitos fundamentais.
Sobre a transposição dessa teoria para o Brasil, Krell[111] traz importante alerta, quando afirma que ao transportar esse instituto para a realidade brasileira, há de se ter cuidado para interpretá-la e aplicá-la de maneira adaptada para as circunstâncias particulares de um contexto cultural e social próprios. Assim, os países europeus, como a Alemanha e Suíça, por exemplo, devido aos seus altos graus de desenvolvimento social, apresentam limites bem mais amplos de concretização dos direitos sociais, o que não se pode dizer do Brasil, que detém uma dívida social digna de um país periférico, com altas taxas de desemprego e déficit de moradias para os cidadãos.
A despeito da interpretação da teoria que vem sendo dada, o fato é que as decisões judiciais têm exigido mais do que a mera alegação de inexistência de recursos, mas sua comprovação de ausência até a exaustão orçamentária.
Nesse sentido o Supremo Tribunal Federal decidiu:
É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais - além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado.
(...)
Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.
O outro lado da moeda é a capacidade jurídica, ou seja, o poder de dispor da coisa, que complementa o instituto da reserva do possível. Dessa forma, inexistindo previsão orçamentária específica, estaria inviabilizada a intervenção do Poder Judiciário. Tal entendimento não tem merecido guarida, já que a jurisprudência pátria tem decidido no sentido de que independente de previsão orçamentária, o ente há de se responsabilizar, inclusive com a possibilidade de bloqueio da conta bancária da Fazenda Pública.
Sem dúvida não se pode deixar de considerar a lei da escassez que advêm da ciência econômica, que em suma se traduz na premissa de que as necessidades são ilimitadas e os recursos são escassos. Por outro lado, há que se observar também que a concretização dos direitos fundamentais cabe ao Estado como finalidade precípua, senão de maneira absoluta, pelo menos adquirindo status prioritário dentro das decisões no campo de debates políticos, já que de acordo com a teoria da constituição dirigente, os valores fundamentais elencados pelo constituinte devem servir de fundamento constitucional para a política.
4.5.1.2 A vagueza do conteúdo da norma
Não existem motivos para negar os efeitos pretendidos pelas normas constitucionais, por mais vagos que sejam os enunciados normativos ou imprecisos os signos lingüísticos, principalmente quanto àquelas que enunciam os direitos mais fundamentais para a realização humana. O fato de a norma jurídica constitucional apresentar uma carga eficacial pouco densa, como o princípio da dignidade humana, tem sido invocado para mitigar ou negar a plena eficácia às normas, em especial quando trazem os direitos dos pobres, como os direitos sociais. Não resta dúvida que essa negação é ideológica e não científica, na medida em que essa postura se presta a manter o status quo dos mais favorecidos.
A respeito da negação do exercício do direito à saúde posto constitucionalmente, veja o RESP nº 948579, da Relatoria do Ministro José Delgado:
O Estado, ao negar a proteção perseguida nas circunstâncias dos autos, omitindo-se em garantir o direito fundamental à saúde, humilha a cidadania, descumpre o seu dever constitucional e ostenta prática violenta de atentado à dignidade humana e à vida. É totalitário e insensível. (Primeira Turma, RESP 948579/RS, Rel. Min. José Delgado, j. em 28.08.2007) (grifo nosso).
Dirley da Cunha Júnior[112], ao defender que um trabalhador tenha poder jurídico para pleitear junto ao Judiciário um salário digno, nos termos do artigo 7º, IV, da Constituição Federal, que seja capaz de atender as suas necessidades vitais, entre elas o lazer, traz importante reflexão a respeito da questão ora abordada. Para ele, a despeito das críticas feitas a esse dispositivo sobre a baixa densidade normativa, sobre a vagueza de seus termos, ao Judiciário cabe enfrentar a problemática acerca dos conceitos jurídicos indeterminados por meio da interpretação das normas. Cita ainda conceitos vagos como, por exemplo, quando a lei fixa a “justa indenização” na desapropriação (CF, art. 5º, XXIV) ou quando determina o valor da pensão alimentícia “na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada” (CC, art. 1694, §1º), ou quando arbitra “quantia módica”. Na seara penal, lembra conceitos imprecisos como “mulher honesta”, entre outros.
Barroso[113] também faz considerações a esse respeito, ao fazer a seguinte afirmação:
Embora seja impossível erradicar totalmente um certo grau de subjetividade, é plenamente possível a um juiz, por dados oficiais ou mediante prova técnica, estimar, v.g., o valor do aluguel de uma habitação modesta em bairro operário.
(...)
Seria puramente ideológica, e não cientifica, a negação da possibilidade de o judiciário intervir em tal matéria. Porque em diversas outras situações em que a Constituição ou a lei utilizam conceitos vagos e imprecisos, é exatamente ao juiz que cabe integrar, com sua valoração subjetiva, o comando normativo.
Para os defensores da eficácia negativa, tem quem sustente que o Judiciário não dispõe de condições técnicas para definir a implantação das políticas públicas voltadas a concreção dos direitos sociais. Diz-se, então, que ao Judiciário deve caber apenas analisar a execução nos limites extremos da lei, sem adentrar na análise finalística ou no mérito da norma legal.
A esse respeito, Eros Roberto Grau assim enuncia:
O juiz não é, tão-somente, (...) a boca que pronuncia as palavras da lei. Está, ele também, tal qual a autoridade administrativa – e, bem assim, o membro do Poder Legislativo-, vinculado pelo exercício de uma função, isto é, de um poder-dever. Nesse exercício, que é desenvolvido em clima de interdependência e não de independência de Poderes, a ele incumbe, sempre que isso se imponha como indispensável à efetividade do direito, integrar o ordenamento jurídico, até o ponto de inová-lo primariamente.
Desta forma, ao Poder Judiciário incumbe a guarda da Constituição, a qualquer custo, buscando preservar a supremacia hierárquica de seu conteúdo.
4.5.1.3 O dogma da vedação da atuação do juiz como legislador positivo
Esse dogma é constantemente invocado, principalmente pelo Supremo Tribunal Federal. Por conseqüência, o juiz fica impedido de corrigir qualquer anomalia, mesmo verificando uma situação de inconstitucionalidade por omissão total ou parcial. Essa proibição guarda relação direta com o princípio da separação dos Poderes e com o princípio da reserva legal.
George M. Lima[114], embora reconheça que há uma justificativa plausível para impedir que o Judiciário substitua o legislador, dando maior abrangência ao conteúdo legal do que foi conferido pelo Congresso Nacional, entende que esse posicionamento merece ser atenuado. O autor[115] alega que, quando as Constituições eram meramente garantistas, fazia sentido o juiz apenas como “legislador negativo”. No entanto, a partir do momento em que as Constituições passam a contemplar promessas a serem cumpridas, passa o Judiciário a atuar diferenciadamente, fazendo, inclusive, a análise finalística da lei e obrigando o Poder Público a agir de acordo com as propostas do Constituinte originário. Portanto, no caso de violação à Constituição, como quebra da isonomia, é necessário que o Judiciário atue. Essa atuação do juiz não terá caráter abstrato e geral, mas concreto e específico em relação ao caso apresentado.
Aqui, cabe citar a lição de Barcellos[116], in verbis:
Se a Constituição contém normas nas quais estabeleceu fins públicos prioritários, e se tais disposições são normas jurídicas, dotadas de superioridade hierárquica e de centralidade no sistema, não haveria sentido em concluir que a atividade de definição das políticas públicas – que irá, ou não, realizar esses fins – deve estar totalmente infensa ao controle jurídico.
No caso dos direitos sociais previstos na Constituição Federal, estes não se submetem ao princípio da reserva legal, já que a própria Carta informa que os mesmos serão gozados “nos termos da Constituição”. Devido a isso, segundo sustenta George M. Lima[117], com fundamento nos princípio da máxima efetividade do direito fundamental e da igualdade é possível, que o Judiciário atue positivamente, corrigindo as inconstitucionalidades parciais envolvendo os direitos sociais.
Assim, não se trata da anulação do fator político com a absorção pelo jurídico, mas simplesmente limitar o primeiro pelo segundo.
Ademais, com bem observa Barcellos[118], em um Estado republicano, os agentes públicos agem por delegação da população, devendo prestar contas de suas decisões. A delegação envolvida na representação política não é, pois, absoluta. A conclusão que se chega é que o titular de mandato político não tem a liberdade para decidir de modo ineficiente, sem responsabilidades. Suas decisões devem atender aos fins prioritários contidos no texto constitucional.
4.5.1.4 A necessidade de previsão orçamentária para realização de despesas públicas
Para abordar esse tema, inicialmente é necessário enfatizar que os Tribunais Superiores têm firme orientação jurisprudencial de que o direito à vida é um direito superior, que não pode ser contrastado com questões orçamentárias do Estado.
Nesse sentido, segue excerto da manifestação do Ministro Celso de Mello, no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 393.175-0:
Tal como pude enfatizar em decisão por mim proferida no Exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa (Pet. 1.246/SC), entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art.5º, “caput” e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema – que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.
Vale, ainda, citar a decisão do Supremo Tribunal Federal em Ag. no RE 273.834:
A falta de previsão orçamentária não deve preocupar ao juiz que lhe incumbe a administração da justiça, mas, apenas ao administrador que deve atender equilibradamente as necessidades dos súditos, principalmente os mais necessitados e doentes. (Ac. de 31/10/00 da 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 02.02.2001).
É importante registrar que a Constituição Federal veda o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual, proíbe a realização de despesas que excedam os créditos orçamentários, além de vedar a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra. É o que prevê o art. 167, VI, da Carta Magna.
Essas vedações guardam relação direta com a necessidade de planejamento das finanças do Estado e vêm esmiuçadas na legislação infraconstitucional pela Lei de Responsabilidade Fiscal. É bem verdade que a peça orçamentária não é de interesse secundário, como afirma o Ministro Celso de Mello em seu voto acima. Assim, a Constituição traça as diretrizes para uma boa administração financeira. A saúde financeira do Estado tem íntima relação com o grau de concreção dos direitos sociais fundamentais, na medida em que a escassez de recursos se constitui limite fático para a almejada realização de todos os direitos fundamentais prometidos pelas modernas Constituições.
Não obstante isso, se essa regra fosse levada ao extremo, ficaria inviabilizada qualquer decisão judicial que implicasse gastos de verbas públicas. Desta forma, a tutela jurisdicional prevista constitucionalmente não se amarra a essa necessidade de previsão de despesas no orçamento previamente.
Conforme assinala George M. Lima[119],
a necessidade de previsão orçamentária para realização de despesas públicas é regra dirigida essencialmente ao administrador, não ao juiz, que pode deixar de observar o preceito para concretizar uma outra norma constitucional, através de uma simples ponderação de valores.
Outro ponto trazido pelo autor é saber se em razão da necessidade de previsão orçamentária para a realização de despesas públicas, poderia o Poder Público negar-se a cumprir ordens judiciais sem previsão orçamentária. Não pode o Poder Público negar o cumprimento da ordem judicial. Havendo conflito entre o princípio da legalidade das despesas públicas e o princípio da sujeição da Administração às decisões do Poder Judiciário, deve prevalecer o cumprimento da ordem judicial em qualquer hipótese.
Conclui-se, então, que, no juízo de ponderação, há de prevalecer a máxima efetividade dos direitos fundamentais, que é a vontade da Constituição.
4.5.1.5 A discricionariedade da Administração
Tradicionalmente, os atos administrativos possuíam uma intangibilidade quanto ao seu mérito, de modo que apenas a análise dos seus pressupostos de validade era possível de passar pelo crivo do Poder Judiciário. Predominava, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, o entendimento de que o juiz não poderia analisar a conveniência e oportunidade dos atos administrativos. Cabia ao administrador, dentro do campo da conveniência e oportunidade, a liberdade de agir de um ou de outro modo ou até mesmo de não agir em dado momento. Assim, poderia o administrador, dentro da conveniência e oportunidade, a liberdade de agir, dentro da lei, conforme bem entendesse.
Se o Poder Judiciário não poderia interferir na análise do mérito do ato administrativo, em conseqüência ao administrador priorizar tal política em detrimento de outra, sem a possibilidade de haver questionamentos judiciais, quer a respeito da priorização adotada ou do momento adequado a agir. Atendidos os pressupostos da legalidade, não haveria por que se questionar a atuação do administrador.
A visão tradicional da discricionariedade pode ser extraída da lição de Hely Lopes Meirelles[120], para quem “poder discricionário é o que o Direito concede à Administração, de modo explícito ou implícito, para a prática de atos administrativos com liberdade na escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo.” Essa visão é combatida por Celso Antonio B. de Mello[121], que nega que a discricionariedade seja um poder atribuído em abstrato. Di Pietro[122] assinala que assim o administrador pode escolher uma dentre duas ou mais soluções, desde que válidas para o Direito.
O entendimento mais atual muda o enfoque da análise da atuação do Poder Público, na medida em que passa a ser possível não somente verificar os pressupostos de legalidade, mas o administrador passa a ter o dever de agir qualitativamente, de modo que a sua atuação suscita questionamentos de caráter finalístico. Assim, além de fazer o que é certo, passa a ter o dever de agir da maneira mais eficiente possível, na medida do possível. Isso se aplica inclusive aos atos discricionários. Das soluções possíveis, o Poder Público deve fazer o melhor, da melhor forma e com a maior eficiência possível. A moralidade e eficiência passam a ser bandeiras que vão servir de norte para a atuação estatal.
Segundo Marçal Justen Filho[123], “o entendimento doutrinário e jurisprudencial manso e pacífico é o de que a atribuição legislativa da discricionariedade não infringe qualquer instituto constitucional nem se confunde com a arbitrariedade.”
Arremata o autor[124], dizendo que a decisão adotada na aplicação da lei não reflete avaliações livres e ilimitadas do administrador, mas traduz a solução mais satisfatória e adequada para o caso in concreto. Não se pode dizer que a discricionariedade deixa de existir.
George Lima[125] sustenta que a discricionariedade fica restrita ao plano normativo, abstrato. Dessa forma, o administrador tem, no plano abstrato, opção de adotar inúmeras soluções diante de uma situação fática. No entanto, do plano abstrato ao plano concreto, passa a ter o dever jurídico de praticar dentre os caminhos possíveis, a melhor solução e que atenda à finalidade da lei. Se no caso concreto for possível verificar que o administrador não agiu da melhor forma possível, o judiciário poderá intervir para controlar a validade do ato, inclusive no que se refere ao mérito.
Com essa nova feição assumida pela discricionariedade, o Poder Judiciário ganha poder e ascende de tal modo a poder, não só a adentrar no mérito, mas também podendo adotar decisões com força para substituir o conteúdo do ato por outro judicialmente determinado.
Desta forma, mesmo reconhecendo o campo vasto de liberdade do administrador, o Judiciário poderá questionar a ação do Poder Público visando em última análise a realização dos objetivos constitucionais.
No campo da concretização dos direitos sociais, o Poder Público não poderá deixar de cumprir sua missão. Se para realizar uma determinada política de caráter preventivo da saúde no campo do saneamento básico for necessário determinado padrão de gastos, poderá haver a possibilidade de análise da eficiência da obra no caso concreto. Também ao judiciário cabe a substituição no caso de omissão ilícita por parte do administrador público.
4.5.1.6 A natureza meramente programática dos direitos sociais
As normas constitucionais garantidoras de direitos sociais já foram consideradas, pelo constitucionalismo tradicional, como meras exortações morais, conselhos, desprovidas, portanto, de caráter normativo. Alegava-se que essas normas não apresentavam o atributo da imperatividade, tendo caráter meramente programático, destinado exclusivamente a observância por parte do Executivo, na elaboração das políticas públicas, e ao Legislativo, nas regulamentações que viabilizam a concretização desses direitos.
Essa tese não mais se sustenta. A uma, porque os direitos sociais constituem-se em verdadeiros direitos fundamentais, com todos os atributos que lhe pertencem, ou seja, aplicabilidade imediata e eficácia plena. A duas, porque, mesmo que os direitos sociais fossem considerados normas programáticas, não haveria diferenças práticas, já que hoje em dia às normas ditas programáticas é reconhecida força jurídica bastante para produzir os efeitos pretendidos pelo enunciado normativo, o que, em caso de violação, permite a atuação judicial por ação ou omissão do Poder Público.
Importante transcrever a lição de Bobbio[126], para quem
o campo dos direitos do homem – ou, mais precisamente, das normas que declaram, reconhecem, definem, atribuem direitos ao homem – aparece, certamente, como aquele onde é maior a defasagem entre a posição da norma e sua efetiva aplicação. E essa defasagem é ainda mais intensa precisamente no campo dos direitos sociais. Tanto é assim que, na Constituição italiana, as normas que se referem a direitos sociais foram chamadas pudicamente de “programáticas (grifo nosso).
Assim, um direito que é reconhecido como fundamental pode ter sua aplicabilidade e efetividade postergada pelo Poder Público, sob alegação de que se trata de norma desprovida de força jurídica? E deve esperar um futuro para ter seus efeitos devidos concretizados?
Ora, o Poder Judiciário não pode se furtar a garantir a efetividade dos direitos sociais por não haver legislação integradora. Ainda mais diante de direitos de máxima fundamentalidade, como é o direito à saúde e educação. Vale ressaltar que a norma constitucional, por si só, já é bastante para garantir o exercício dos direitos sociais, não necessitando de norma que permita esse exercício. Aliás, a norma integradora apenas uniformiza o modo de exercer os direitos, não sendo pressuposto para o seu pleno gozo.
Desse modo, deve o Judiciário procurar meios que garantam a efetividade plena dos direitos sociais na medida de sua densidade jurídica, sob pena de serem vistos como pseudo-direitos, desprovidos de caráter jurídico e sem o elemento de imperatividade que é inerente a toda a norma jurídica.
4.5.1.7 A impossibilidade do controle judicial das questões políticas
Um dos motivos mais invocados a respeito da impossibilidade de ingerência do Poder Judiciário na implementação dos direitos sociais diz respeito à argumentação de que a realização dos direitos sociais são questões políticas. Daí resulta que o Poder Judiciário não teria a legitimidade necessária para cumprir tal mister. Em nome da representatividade democrática lança-se esta argumentação, sob o fundamento de que compete aos órgãos políticos definir as prioridades de investimento.
Barroso[127] afirma que o Poder Judiciário hoje ascendeu a tal nível por conta dos poderes trazidos pela Constituição Federal.
Ademais, para reforçar tal entendimento, invoca-se o princípio da separação dos Poderes. Na visão tradicionalista esse princípio trazia a idéia de harmonia e independência entre os poderes, o que hoje numa visão atual se entende essa relação harmônica e de interdependência.
Assim, o Executivo e o Legislativo também devem obediência à Constituição Federal e a seus valores, e qualquer desvio ilícito enseja a correção por parte do Judiciário. Ademais, ao falar de legitimidade, o Poder Judiciário a possui concedida pela própria Constituição Federal. Não obstante, há de se ter limites à atuação judicial quando se tratar de ato discricionário onde não seja possível identificar a solução mais eficaz a ser adotada pelo administrador público.
Ressalta-se que, hodiernamente, já se aceita a análise do Judiciário do mérito do ato administrativo em determinadas situações.
4.5.2 O modus operandi para a concretização da efetividade do direito à saúde
Não cumprido o dever do Estado de prover os direitos sociais previstos constitucionalmente, nasce para o credor um direito subjetivo de buscar a concretização desses direitos. Tomando como exemplo o caso do direito à saúde, essa decisão judicial buscada pelo cidadão há de ter uma natureza de obrigação de fazer, que poderá seguir três linhas de satisfação:
a) determinação de construção de hospitais e aumento de leitos, bem como de fornecimento de determinados medicamentos e tratamentos;
b) condenação do Estado a custear tratamento em hospitais e clínicas particulares; e
c) condenação do Estado a indenizar o paciente pela omissão ilícita.
A primeira linha de atuação é a mais desejada pela Constituição. Conforme previsto no Código de Processo Civil, em seu artigo 461 e parágrafos, a tutela específica será sempre a mais almejada e somente deve se converter em perdas e danos se o autor requerer ou se o efeito da vida desejável não puder ser obtido. Ninguém duvida que um paciente que necessita de um determinado medicamento para sua sobrevivência desejará somente esse remédio bem mais que qualquer outro bem da vida. No atendimento da determinação judicial, poderá o Estado invocar a cláusula da reserva do possível, alegando óbices fáticos e jurídicos ao cumprimento da decisão. No entanto, é recorrente as decisões que condenam o Estado a incluir no orçamento do ano seguinte a previsão de despesa consistente na obrigação de construir hospitais, ampliar o número de leitos entre outras situações.
Vale ressaltar que existem decisões, como essa do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, a seguir colacionada:
A garantia da preservação da saúde dos cidadãos autoriza determinação judicial para que os recursos, inicialmente previstos para fins publicitários, sejam direcionados ao TFD – Tratamento fora do Domicílio, tudo em função do sopeso dos bens jurídicos a resguardar. (TRF5, Processo nº 2006.84.00.005522-4, Relator: Juiz Francisco Cavalcanti, j. 8 de novembro de 2007, por unanimidade).
Visando a garantir a vontade da Constituição, o Estado deve desfazer os compromissos menos prioritários a fim de garantir os imperativos constitucionais, bem como remanejar verbas orçamentárias para searas mais prioritárias, sempre vinculadas aos valores elencados ao status de fundamentais pela Constituição.
Dirley da Cunha Júnior[128], a respeito da questão econômica, diz que não se deve entrelaçar a efetividade dos direitos fundamentais a questões políticas ou econômicas, já que até a própria ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme artigo 170 da Constituição Federal. Portanto, as questões políticas e econômicas devem buscar sempre por finalidade a realização dos direitos fundamentais sociais, a exemplo da saúde, e não o contrário. A concretização dos direitos fundamentais deve servir de bandeira para a implementação de políticas públicas.
Quanto à segunda linha de atuação do Poder Judiciário, que trata da chamada relação horizontal, na medida em que vincula os particulares na realização plena do direito à saúde, é perfeitamente factível que o juiz determine ao particular a obrigação de ceder um leito de hospital ao doente na rede particular, bem como de fornecer a prestação de um serviço de socorro imediato, restando, após, a devida compensação dos gastos efetuados pelo particular seja por meio de compensações fiscais ou por transferências diretas de valores. Sobre essa vinculação, embora pairem dúvidas, haja vista a autonomia privada, o texto da Constituição em vários momentos traz a co-responsabilidade do particular em relação a garantia dos direitos sociais.
Daniel Sarmento[129] traz considerações a respeito das limitações da autonomia privada, bem como sustenta que o princípio da solidariedade implica o reconhecimento de que embora cada indivíduo tenha sua individualidade, todos estão de alguma forma juntos pelos mesmos ideais. Esse princípio, em que pese tenha raízes na teologia cristã, apresenta-se, hoje, composto de uma dimensão jurídica.
Sarlet[130] também traz considerações importantes a esse respeito, quando diz que todos os direitos fundamentais são vinculantes no âmbito das relações entre particulares e arremata chamando a atenção para o equívoco de se considerar o direito à saúde como direito público subjetivo apenas, já que pela chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais, há de se registrar a vinculação dos sujeitos privados.
Veja-se o artigo 194 da Constituição, que estabelece:
A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde (...).
Cita-se, ainda, o artigo 197 da Constituição Federal, que enuncia que as políticas púbicas de saúde podem ser executadas diretamente pelo Estado ou por meio de terceiros, além de poder ser executado por pessoa física ou jurídica.
Assim, parece claro que construir uma sociedade justa e igualitária constitui obrigação do Estado. Mas também, conforme argumenta Sarmento, é uma obrigação que pesa sobre toda a sociedade e sobre cada um de seus integrantes, na medida de suas respectivas possibilidades.
Por fim, há a possibilidade de o juiz determinar a condenação do Estado em perdas e danos. Essa constitui a menos satisfativa para o credor. O que um paciente que se encontra com uma doença grave almeja senão a amenização de seu sofrimento, a melhoria de sua condição de vida ou a cura que virá por meio do medicamento adequado? Acaso não consiga esse medicamento, de que vale a indenização pelas seqüelas advindas da omissão? Servirá apenas para o conforto de seus filhos após a sua morte. Logicamente, não estando o autor da demanda com risco de morte, poderá usufruir num momento ulterior a sua indenização em prol de sua saúde. Poderá, então, custear o tratamento necessário garantido pela Constituição em um estabelecimento particular com o montante recebido a título de indenização.
5 CONCLUSÃO
De tudo se conclui que as normas constitucionais possuem força imperativa, e como tal permite sanção pelo seu descumprimento. No entanto, a força que a Constituição detém vem daqueles que a invocam. É a sociedade que deve buscar realizar a vontade dessa Constituição. Essa realização se dá na dialética, nos confrontos entre pessoas que lutam pelos seus direitos, no argumento usado pelo advogado para fazer valer o direito de seu cliente, no convencimento do juiz, enfim, é simplesmente assim que se cria o direito. Os enunciados vinculantes, os julgados iterativos, as súmulas, os precedentes geram as mutações constitucionais, de modo que esse talvez seja o melhor e mais fácil modo de se fazer a vontade da constituição, que é a realização dos direitos fundamentais e de todos os seus outros dispositivos.
A concreção do direito à saúde apresenta peculiaridades que impedem o planejamento de gastos por meio da Lei Orçamentária Anual, diferentemente do direito à educação. É difícil definir qual seria a destinação necessária para cada ente manter seus gastos com seus cidadãos com vistas a cumprir a determinação constitucional. Giacomoni[131] bem informa que o caráter moderno do orçamento público é precipuamente cumprir a função de planejamento, sem descurar de sua função também de controle. No entanto, o que não se pode prever demanda a realização de provisão de reservas.
Ora, se o direito à saúde é peculiar, tendo em vista a impossibilidade de previsão dos gastos públicos para sua consecução, também é peculiar em sua essencialidade, já que apresenta, nos dizeres de Sarlet[132], “uma fundamentalidade reforçada”, daí exigir uma reserva orçamentária para garantir a satisfação das necessidades à medida que aparecem. Qual pai de família, diante de um caso de doença em um filho, não vai priorizar o gasto com a recuperação da saúde de seu ente querido, até mesmo abrindo mão de seu próprio sustento? A resposta é fácil. Qualquer pai o mãe, no padrão do homem médio, abrirá mão de usar seus recursos para usar em prol de um filho doente, até a exaustão de suas possibilidades. É o que se espera do Estado.
O melhor entendimento é lavrado por Krell[133], quando diz que na hora de escolher entre tratar milhares de doentes vítimas de doenças comuns à pobreza ou um pequeno número de doentes terminais de doenças raras ou de cura improvável, a resposta consentânea com os ditames constitucionais é “TRATAR TODOS”.
“O Estado não é um fim em si mesmo”[134]. O Estado é instrumento a serviço da promoção do desenvolvimento individual e coletivo de seus cidadãos, que assinaram o contrato social. Ademais, ao Estado compete implementar políticas de redistribuição, além de alocação e estabilização social.
Assim, “a famigerada reserva do possível”[135] não pode ser empecilho à realização constitucional do direito à saúde. Ademais, as fundamentalidades que a Constituição elege vinculam a todos.
Às vezes, parece que o operador do Direito, seja o magistrado, o procurador, o defensor, o advogado, entre outros, pregam no deserto. Aqueles que não lidam diretamente com a Constituição e as leis pátrias nem sempre têm a noção exata do que representam os preceitos constitucionais, em especial aqueles que trazem os valores mais fundamentais de uma sociedade. A carta política de um país foi tacitamente aceita por todos, quando da reunião da Assembléia Constituinte. Ela obriga ao administrador público de qualquer ente, de qualquer profissão, de qualquer credo, além de vincular também o particular, e não se pode alegar desconhecimento a isso.
Dessa forma, tudo tende a um lugar comum, que é a necessidade de priorizar os direitos fundamentais até a exaustão financeira do Estado. Ao fazer a leitura do artigo 196 da Constituição Federal, a exegese que extrai do enunciado: “o direito à saúde é garantido mediante políticas sociais e econômicas”, não quer dizer que o direito à saúde será garantido nos termos da lei ou nos termos das políticas públicas e sociais e sim que o direito à saúde será garantido e que compete à Administração pública instituir as políticas necessárias para que se cumpra satisfatoriamente esse mister. Assim, esse dispositivo é auto-aplicável, não dependendo de regulação de qualquer ordem, tampouco de condição prévia para seu exercício.
Como sugestão segue alguns parâmetros para concessão de tutela da saúde pela via judicial.
Considerando que a fundamentalidade do direito à saúde advém da sua intrínseca relação com o próprio direito à vida, que por sua vez se liga à dignidade humana, que deriva da idéia de humanidade e se constitui como fundamento de todos os direitos fundamentais, parece lógico que o melhor parâmetro para traçar alguns possíveis caminhos para as decisões voltadas à efetividade do direito à saúde passa pela avaliação do caso in concreto e seu grau de urgência.
Importante traçar uma premissa. Para aferir o que se constitui em caso urgente há de se ter critérios objetivos, condições em que seja possível, através de perícia, apontar qual o grau de risco de morte. Assim, independente da doença ou condição em que se encontre um paciente, somente um especialista pode definir o grau de gravidade de determinada doença. Até mesmo uma doença mental pode ser enquadrada nessa situação, bastando, por exemplo, que um psiquiatra observe que o paciente se encontre numa fase próxima de cometer um suicídio.
Fixada essa premissa, cumpre assinalar que, a despeito da complexidade das questões do mundo da vida, faz-se mister simplificar para fins didáticos. Portanto, será levada em conta a possibilidade de o juiz decidir pela aplicabilidade dos dispositivos constitucionais voltados à saúde de três formas:
a) Os casos mais urgentes devem ser prontamente exigidos e realizados pelo Estado, podendo inclusive o juiz adotar medidas assecuratórias de acordo com o Código de Processo Civil, artigo 461 e parágrafos. Assim, poderá determinar bloqueios de verbas públicas. Remanejamento de créditos orçamentários de rubricas menos prioritárias para as mais prioritárias. Enfim, determinar medidas que garantam a satisfação imediata e plena para o autor da demanda. Nesse caso nenhum óbice fático ou jurídico deve ser acatado pelo juiz, a exemplo da reserva do possível.
b) Os casos com urgência moderada devem gerar para o juiz a necessidade de condenar o Estado a fazer incluir no exercício seguinte o necessário crédito para satisfação do autor que pleiteia tratamento ou medicamentos para sua saúde e manutenção da vida. Assim, ainda que alegue a reserva do possível, o Estado deve ser compelido a adotar postura para incluir os gastos para cumprir a decisão, ainda que não imediata, mas pelo menos no exercício seguinte, fazendo a previsão do gasto para o próximo exercício.
c) Para os casos in concreto que não gerem risco de morte nem apresente urgência, ao Estado deve, em observância aos ditames constitucionais, provar a reserva do possível por todos os meios legais. No entanto, ao Ministério Público, considerando o interesse publico em todas as ações que tratam do direito à saúde, inclusive por sua indisponibilidade, deve propor o TAC – Termo de Ajuste de Conduta e deve analisar a situação e se for o caso propor melhorias e condições para atender, quando possível, determinadas demandas que não se apresentam com características de urgentes, mas que de alguma forma contribuem para a promoção, prevenção ou cura de doenças, sempre em busca do respeito à dignidade humana.
Assim, nenhuma demanda na área da saúde deve ser ignorada pelo Estado.
Quanto ao mínimo existencial, o que se pode constatar é que o direito à saúde e o direito à educação se constituem na base para a construção da cidadania e assim devem ser considerados de máxima importância. Isso porque enquanto a saúde é a energia vital para o exercício do direito à vida, a educação qualifica o exercício da vida, na medida em que possibilita a realização pessoal com qualidade, permite a escolha, enfim, permite ao menos almejar uma vida melhor.
[1] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, passim.
[2] Op cit, p. 7-8.
[3] Op cit, loc. cit.
[4] Op cit, p. 37.
[5] Op cit, loc. cit.
[6] Op cit, passim.
[7] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 2;75.
[8] Op cit, passim.
[9] Op cit, passim.
[10] Op cit, p. 16.
[11] Op cit, p. 17.
[12] Op cit, passim.
[13] SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.49.
[14] Idem, p.49.
[15] Op cit, p. 51.
[16] BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. Rio de Janeiro; São Paulo; Recife: Renovar, 2009, p. 59-64.
[17] Idem, passim.
[18] Op cit, p.53.
[19] Op cit, passim.
[20] Op cit, passim.
[21] Op cit, p. 2;75.
[22] Op. cit, passim.
[23] Op cit, passim.
[24] Op cit, p.60.
[25] Op cit, p. 2;75.
[26] Op cit, passim.
[27] Op cit, passim.
[28] Op cit, passim.
[29]KRELL. Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Fabris, 2002, p. 29.
[30] Op cit, p. 44 a 48.
[31] Op cit, loc. cit.
[32] Op cit, p. 89 e ss.
[33] DWORKIN, Ronald M.. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, passim.
[34] BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 2004, p. 63.
[35] Op cit, p. 90.
[36] Op cit, p.91.
[37] Op cit, p. 91-94.
[38] Op cit, p. 101.
[39] Op cit, p. 115.
[40] Op cit, loc. cit.
[41] Op cit, p. 73-102.
[42] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 76.
[43] Idem.
[44] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 245.
[45] Op cit, p. 246.
[46] Op cit, p. 249-250.
[47] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 90.
[48] Op cit, p. 116.
[49] Op cit, loc. cit.
[50] Op cit, p. 117.
[51] Op cit, loc. cit.
[52] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. A efetividade dos direitos fundamentais sociais e a reserva do possível. In: CAMARGO, Marcelo Novelinho (org.) Leituras complementares de direito constitucional: direitos fundamentais. 2. ed. Salvador: Juspodium, 2007, p. 423-424.
[53] Idem, p. 404.
[54] SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na constituição de 1988. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, nº 10, janeiro, 2002. p. 8. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 22 set. 2009.
[55] Idem, p. 9.
[56] Op cit. p. 395.
[57] Op cit, p. 396.
[58] Op cit, p. 397.
[59] Op cit, p. 398.
[60] Op cit, p. 400.
[61] Op cit, p. 403.
[62] Op cit, loc. cit.
[63] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 467.
[64] Idem.
[65] Idem.
[66] BARCELLOS. Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. 2. ed. Rio de Janeiro, São Paulo; Recife: Renovar, 2008, p.73.
[67] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 7. ed. São Paulo: Método, 2004, p. 71.
[68] Op. cit, p. 82-83.
[69] SOIBELMAN, Leib. Enciclopédia do advogado. 4. ed. Rio de Janeiro: Rio, 1983, p.142.
[70] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 3;68.
[71] Op cit, p.83.
[72] Op cit, p. 73.
[73] Op. cit, p. 83
[74] Op cit, p. 127.
[75] Op cit, p. 121.
[76] Op cit, p.126.
[77] Op cit, p. 41.
[78] Curso... p.105.
[79] Idem.
[80] Idem.
[81] Op cit, p.131.
[82] Op cit, p. 60.
[83] Op cit, p.78.
[84] Op cit, p. 60.
[85] SARLET, Ingo Wolfgang et al. (orgs.). Direitos fundamentais: orçamento e reserva do possível. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 19.
[86] Idem, p. 19.
[87] Op cit, passim.
[88] Op cit, p. 225.
[89] Op cit, loc. cit.
[90] Op cit, p. 226.
[91] Op cit, p. 353.
[92] Op cit, loc. cit.
[93] Op cit, p. 432.
[94] Op cit, p. 207.
[95] Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u481048.shtml>. Acesso em: 15 out. 2009.
[96]Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73312007000100003 &lng=pt>. Acesso em: 15 out. 2009.
[97] BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. [s.l.:s.n.,s.d.], p.14.
[98] Op cit, p. 7.
[99] Op cit, p. 411.
[100] SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na constituição de 1988. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, nº 10, janeiro, 2002. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 22 set. 2009, p. 2.
[101] Idem, p. 3.
[102] Op cit, p. 277-325.
[103] Op cit, p.88.
[104] Op cit, p. 90.
[105] Op. cit, p. 413.
[106] Op. cit, loc. cit.
[107] Dissertação de Mestrado de George Marmelstein Lima. Disponível em: <http://www.georgemlima.blogspot.com>. Acesso em: 12 out. 2009.
[108] Op cit, p. 54.
[109] MÂNICA. Fernando Borges. Teoria da reserva do possível: direitos fundamentais a prestações e a intervenção do poder judiciário na implementação de políticas públicas. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, ano 5, n. 18, p. 169-186, jul./set. 2007.
[110] Idem.
[111] Op cit, p. 54.
[112] Op cit, p. 423.
[113] Op cit, p. 148.
[114] Op. Cit.
[115] Op. Cit.
[116] BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das políticas públicas. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, nº 15, jan./fev./mar. 2007. Disponível em: <http://www. direitopublico.com.br>. Acesso em: 15 set. 2009.
[117] Op. Cit.
[118] Op. Cit.
[119] Op. cit.
[120] FILHO, Marçal Justen. Curso de direito administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva: 2008, p. 119-120.
[121] Idem.
[122] Idem.
[123] Op cit, p. 133.
[124] Op cit, loc. cit.
[125] Op. cit.
[126] Op cit, p. 67.
[127] Op. cit, p. 347.
[128] Op cit, p.428.
[129] Op cit, p. 288-305.
[130] Op. cit, p.5.
[131] GIACOMONI. James. Orçamento público. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2008, passim.
[132] Op. cit. p. 9.
[133] Op, cit, p. 52-53.
[134] Op cit, p. 124.
[135] Expressão utilizada por Dirley da Cunha Júnior, op. cit, p. 434.
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Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, lotado na Assessoria Jurídica. Assessor Jurídico da Presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região. Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Católica do Salvador/BA. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia - UFBA.<br>Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pelo Instituto Excelência (JUSPODIVM).<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Ronaldo Nunes. A efetividade das normas constitucionais na Constituição de 1988: O caso do direito à saúde Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jun 2014, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39720/a-efetividade-das-normas-constitucionais-na-constituicao-de-1988-o-caso-do-direito-a-saude. Acesso em: 23 dez 2024.
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