RESUMO: Trata-se de artigo jurídico que aborda sinteticamente as escolas processualistas paulista e mineira que se contrapõem quanto à compreensão da instrumentalidade do processo civil brasileiro.
PALAVRAS-CHAVE: Processo Civil. Neoinstitucionalismo. Instrumentalismo. Ativismo Judicial.
SUMÁRIO: Introdução. 1- Neoinstitucionalismo x Instrumentalismo. 2-Do Ativismo Judicial. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
De um lado, a escola paulista, capitaneada pelo professor Cândido Dinamarco, defende a teoria da instrumentalidade do processo, segundo a qual, a efetividade do processo é fundamental e para isso é mais importante a atuação do juiz do que a do legislador. Em outras palavras é dizer, para Dinamarco, o magistrado tem meios de garantir a efetividade do processo sem depender de mudança na legislação, ele entende que o juiz tem o poder suficiente sobre o processo para lhe conferir essa efetividade. De outra banda, contrapõe-se a escola mineira de processo civil, defendida pelo professor Rosemiro Pereira Leal, a teoria institucionalista que nega a liberdade dada aos juízes e propõe uma restrição aos parâmetros de decisão. Dentro desse contexto, faz-se uma breve análise sobre o ativismo judicial, fenômeno atual, em que se observa uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes[1].
1- Neoinstitucionalismo x Instrumentalismo
Está em voga no Brasil a discussão acerca da efetividade e da razoável duração do processo. O legislador e a doutrina brasileira muito tem se debruçado sobre o assunto, afinal, como garantir a efetividade processual compatibilizada com a duração razoável do processo sem ferir princípios constitucionais como o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório. Nesse contexto, o estudo comparativo das teorias processualistas neoinstitucionalista e instrumentalista é bem oportuno, pois vivemos num momento em que ao juiz é dado amplo poder de decidir, sob a desculpa de que é necessário garantir a efetividade do processo. Porém, essa perspectiva processual não pode ser aceita passivamente, merecendo um estudo crítico. Nesse contexto, pode-se dizer que o neoinstitucionalismo veio justamente para criticar a liberdade que vem sendo conferida irrestritamente aos juízes, sob a pecha de que o processo tem que garantir a todo custo a efetividade[2].
Ao se falar de instrumentalidade, pode-se dizer que, o processo é um instrumento a serviço da paz social. A sua função, antes de tudo, seria evitar ou eliminar conflitos de interesse. Neste ponto, destaca-se que é dever do Estado garantir a justiça, a paz social e para isso há o processo civil, que seria um instrumento de atuação estatal, com fins de garantir o bem estar social. A ideia de instrumentalidade abordada pelo professor Cândido Dinamarco, porém, é diversa.
Para Dinamarco, a teoria da instrumentalidade visa ressaltar a necessidade de se garantir a efetividade do processo. É dizer, para o paulista, o processo seria um instrumento para garantir a integralidade do direito. Nesse ponto, vale transcrever o seguinte trecho de sua obra “Teoria Geral do Processo”:
Fala-se da instrumentalidade do processo, ainda, pelo seu aspecto negativo. Tal é a tradicional postura (legítima também) consistente em alertar para o fato de que ele não é um fim em si mesmo e não deve, na prática cotidiana, ser guindado à condição de fonte geradora de direitos. Os sucessos do processo não devem ser tais que superem ou contrariem os desígnios do direito material, do qual ele é também um instrumento (à aplicação das regras processuais não deve ser dada tanta importância, a ponto de, para sua prevalência, ser condenado um inocente ou absolvido um culpado; ou a ponto de ser julgada procedente no juízo cível, quando a razão estiver com o demandado). Uma projeção desse aspecto negativo da instrumentalidade do processo é o princípio da instrumentalidade das formas, segundo o qual as exigências formais do processo só merecem ser cumpridas à risca sob pena de invalidade dos atos, na medida em que isso seja indispensável para a consecução dos objetivos desejados (v.g. não se anula o processo por vício de citação, se o réu compareceu e se defendeu).[3]
Dinamarco chega a afirmar que o processo deve hoje ser estudado e aplicado sob o prisma do consumidor, que seriam os cidadãos, para quem o serviço jurídico é prestado. O instrumentalismo está preocupado com o efeito prático do processo, em garantir uma resposta à sociedade.
Seguindo a linha da instrumentalidade, Dinamarco defende a existência de um processo de massa. Para ele se hoje vivemos em uma sociedade de massa, com a tendência a um direito de massa, seria preciso também um processo de massa, com a proliferação dos meios de proteção a direitos supra-individuais e relativa superação das posturas individuais dominantes. Essa ideia de processo de massa, podemos dizer que já existe, na realidade dos juizados especiais em que milhares de ações são julgadas de forma mais célere e seguindo um rito próprio que relativiza as normas processuais, para conferir celeridade.
Imperioso destacar mais um trecho da referida obra de Dinarmarco:
“Tudo que já se fez e se pretende fazer nesse sentido visa, como se compreende à efetividade do processo como meio de acesso à justiça. E a concretização desse desiderato é algo que depende menos das reformas legislativas (importantes embora), do que da postura mental dos operadores do sistema (juízes, advogados, promotores de justiça). É indispensável a consciência de que o processo não é mero instrumento técnico a serviço da ordem jurídica, mas acima disso, um poderoso instrumento ético destinado a servir à sociedade e ao Estado.” [4]
Dos trechos transcritos muito se pode inferir do pensamento do autor paulista, para ele a efetividade do processo é fundamental e para isso é mais importante a atuação do juiz do que do legislador. Em outras palavras é dizer, para Dinamarco, o magistrado tem meios de garantir a efetividade do processo sem depender de mudança na legislação, ele entende que o juiz tem o poder suficiente sobre o processo para lhe conferir essa efetividade.
A teoria da instrumentalidade de Dinamarco é a dominante hoje no Brasil e não representou uma ruptura com as teorias tradicionais[5]. A teoria de Dinamarco valoriza a jurisdição e o poder do juiz de conduzir o processo, conferindo-lhe o poder de, eventualmente, ignorar regras processuais em prol do que seria a efetividade do processo. Dinamarco defende que o processo não é um fim em si mesmo. Para os professores Henrique Araújo Costa e Alexandre Araújo Costa, no texto “Instrumentalismo x Neoinstitucionalismo: uma avaliação das críticas neoinstitucionais à Teoria da Instrumentalidade do Processo”, a teoria do autor paulista limita-se a afirmar a instrumentalidade do processo, no sentido de que a interpretação das normas processuais deve estar vinculada mais ao conteúdo finalístico dos dispositivos do que às formas estabelecidas. Os adeptos da teoria instrumentalista pretendem um processo que permita ao juiz atuar de acordo com a sua sensibilidade e senso de justiça, afastando pontualmente as regras do rito processual, em favor do que seria a garantia da efetividade processual. A teoria da instrumentalidade sofreu críticas de Calmon de Passos, que alertou para o fato de que ela reforça o ativismo judicial. A instrumentalidade não propôs uma nova teoria, mas apenas colaciona argumentos de viés finalísticos ao discurso jurídico processual.
Por sua vez, o neoinstitucionalismo do professor mineiro Rosemiro Pereira Leal combate diretamente o instrumentalismo de Dinamarco. O professor mineiro traz um viés hermenêutico ao estudo do processo e menos prático. Critica o fato de o instrumentalismo conferir ao juiz o poder de dizer qual seria a vontade concreta da lei. Rosemiro também critica o modelo constitucional do processo, por entender que o processo constitucional seria apenas uma continuação da tradição civilista. O neoinstitucionalismo nega a liberdade dada aos juízes e propõe uma restrição aos parâmetros de decisão. A escola mineira ainda tem o mérito de identificar que atualmente no Brasil os tribunais superiores tendem a julgar somente teses jurídicas, o que seria incompatível com a sua função constitucional.
O neoinstitucionalismo pretende superar o instrumentalismo do professor Dinamarco. A escola mineira consegue conjugar processo e hermenêutica trazendo uma abordagem diferenciada ao processo civil, menos prática e mais hermética. Nesse sentido, cumpre destacar o seguinte trecho do texto de Henrique Araújo Costa e Alexandre Araújo Costa:
“A escola neoinstitucionalista propõe uma saída interessante de superação, tanto do antigo modelo de liberalismo processual com o protagonismo das partes quanto do atual modelo de socialização processual com protagonismo judicial.”[6]
Nesse trecho pode-se se observar a clara intenção do neoinstitucionalismo de querer superar o instrumentalismo, que como dito alhures, confere o protagonismo do processo ao juiz. A doutrina mineira abomina a liberdade conferida aos juízes de atuar segundo a sua sensibilidade, em prol da efetividade do processo. A escola mineira propõe uma visão crítica a essa liberdade.
De fato, a imperar irrestritamente a corrente paulista, vivenciaremos cada vez mais o ativismo judicial, ou seja, juízes com super poderes, fazendo as vezes da Administração, do Legislativo sempre sob a desculpa de dever de garantia da efetividade do processo. Como bem colocado no texto dos professores Henrique e Alexandre Araújo Costa, o neoinstitucionalismo pode vir a ser útil, se direcionar seus estudos acerca das consequências da concentração decisória que estamos presenciando. Nesse sentido, pode-se afirmar que a escola mineira do processo civil pode nos proporcionar uma crítica valiosa de combate ao ativismo judicial.
2- Do Ativismo Judicial
Atualmente, tem-se discutido acerca do ativismo judicial e a ampliação do exercício jurisdicional. O texto “El derecho procesal entre el garantismo y la eficácia: Un debate mal planteado” do professor espanhol Joan Picó I Junoy aborda o fenômeno da publicização do processo civil e a constitucionalização das garantias processuais. No referido texto, demonstra-se que temos vivido um momento de incremento das faculdades do órgão jurisdicional, é dizer, a ampliação do poder do juiz e consequentemente da jurisdição. O modelo clássico do juiz inerte ou passivo passa a dar lugar a um juiz com posição mais ativa no processo. Uma vez reconhecida a função pública do processo, decorrente da evolução do conceito de ação, como direito público, passou-se a considerar que se deve atribuir ao juiz as iniciativas necessárias para lograr a máxima eficácia de sua função.
Esse movimento de buscar a maior eficácia do processo, aumentando os poderes jurisdicionais, de acordo com o professor Joan Picó I Junoy, culmina no que hoje chamamos de ativismo judicial. Nesse contexto, podemos afirmar que o conceito de jurisdição hoje se tornou mais relevante que o de ação.
A respeito do conceito de ativismo judicial, trazemos o ensinamento do Ministro Luís Roberto Barroso, exposto em seu artigo “Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática [7]”:
“A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes.”. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas.”
Partindo da premissa do ilustre professor, podemos concluir que por meio da jurisdição, o judiciário tem exercido o papel que caberia ao legislativo e ao executivo, em determinadas situações. Além disso, percebe-se que o juiz tem exercido uma função cada vez mais ativa no processo, com cada vez mais iniciativas processuais. Soma-se a isso o fato de que, a sociedade tem se socorrido mais ao judiciário, buscando as mais diversas e variadas soluções de conflito, o que, consequentemente amplia a atuação jurisdicional. Por tudo isso, podemos afirmar que hoje, o conceito de ação foi superado pelo de jurisdição e a discussão é relevante para se traçar e ponderar os limites de atuação jurisdicional e até que ponto essa realidade de ativismo traz benefícios sociais.
CONCLUSÃO
Pelo exposto nesse artigo, observa-se que as escolas paulista e mineira de processo civil possuem diferentes visões acerca da instrumentalidade do processo civil. Se por um lado, para escola paulista, ao juiz deve ser dada ampla liberdade em prol da eficiência processual- teoria instrumentalista, a escola mineira apresenta um contraponto, limitando os poderes do magistrado – teoria neoinstitucionalista. Nesse sentido, diante do atual momento de forte ativismo judicial, decorrente da lacuna deixada pelos poderes Legislativo e Executivo, a escola mineira coloca-se como um importante freio à ampliação dos poderes do magistrado.
De fato, a imperar irrestritamente a corrente paulista, vivenciaremos cada vez mais o ativismo judicial, ou seja, juízes com super poderes, fazendo as vezes da Administração, do Legislativo sempre sob a desculpa de dever de garantia da efetividade do processo. Como bem colocado no texto dos professores Henrique e Alexandre Araújo Costa, o neoinstitucionalismo pode vir a ser útil, se direcionar seus estudos acerca das consequências da concentração decisória que estamos presenciando. Nesse sentido, pode-se afirmar que a escola mineira do processo civil pode nos proporcionar uma crítica valiosa de combate ao ativismo judicial.
Referências
BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial E Legitimidade Democrática. Artigo jurídico disponível no sítio: http://www.plataformademocratica.org/Publicacoes/12685_Cached.pdf
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini;DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002
COSTA, Henrique Araújo e COSTA, Alexandre Araújo. Instrumentalismo x Neoinstitucionalismo: uma avaliação das críticas neoinstitucionais à Teoria da Instrumentalidade do Processo. Disponível em: http://moodle.cead.unb.br/agu/pluginfile.php/460/mod_resource/content/2/Texto-base_-_Unidade_3.pdf
DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 1. Ed. 12a.Salvador:Jus Podivm,2010, p.193, 194.
JUNOY, Joan Picó I. El derecho procesal entre el garantismo y la eficacia: Un debate mal planteado. Congreso Internacional de Derecho Procesal, Lima de 29 a 31 de outubro de 2003. Derecho Procesal Civil. Congreso Internacional, Lima, 2003, pp. 55-66.
[1] BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Artigo jurídico disponível no sítio: http://www.plataformademocratica.org/Publicacoes/12685_Cached.pdf
[2] COSTA, Henrique Araújo e COSTA, Alexandre Araújo. Instrumentalismo x Neoinstitucionalismo: uma avaliação das críticas neoinstitucionais à Teoria da Instrumentalidade do Processo. Disponível em: http://moodle.cead.unb.br/agu/pluginfile.php/460/mod_resource/content/2/Texto-base_-_Unidade_3.pdf
[3] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini;DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo.18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002. pp. 41-42.
[4] IDEM. pp.45.
[5] COSTA, Henrique Araújo e COSTA, Alexandre Araújo. Instrumentalismo x Neoinstitucionalismo: uma avaliação das críticas neoinstitucionais à Teoria da Instrumentalidade do Processo. Disponível em: http://moodle.cead.unb.br/agu/pluginfile.php/460/mod_resource/content/2/Texto-base_-_Unidade_3.pdf
[6] COSTA, Henrique Araújo e COSTA, Alexandre Araújo. Instrumentalismo x Neoinstitucionalismo: uma avaliação das críticas neoinstitucionais à Teoria da Instrumentalidade do Processo. Disponível em: http://moodle.cead.unb.br/agu/pluginfile.php/460/mod_resource/content/2/Texto-base_-_Unidade_3.pdf
[7] BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Artigo jurídico disponível no sítio: http://www.plataformademocratica.org/Publicacoes/12685_Cached.pdf
Procuradora Federal junto à Procuradoria Federal Especializada da Anatel. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direito Público pela Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARBOSA, Júlia de Carvalho. As Teorias Processualistas Neoinstitucionalista e Instrumentalista e o Ativismo Judicial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39731/as-teorias-processualistas-neoinstitucionalista-e-instrumentalista-e-o-ativismo-judicial. Acesso em: 23 dez 2024.
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