RESUMO: Busca o presente trabalho tratar sobre o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, destacando sua aplicação no Brasil.
Palavras-Chave: Proporcionalidade; Subprincípios; Adequação; Necessidade; Proporcionalidade em sentido estrito.
Sumário: Introdução. 1. A Razoabilidade no Direito Norte-Americano. 2. A proporcionalidade na Alemanha. 2.1. Adequação; 2.2. Necessidade; 2.3. Proporcionalidade em sentido estrito. 3. Breves Considerações sobre o princípio da proporcionalidade no Brasil. 4. Conclusões. Referências Bibliográficas.
Introdução.
Luís Roberto Barroso (2010, p. 255), quanto ao princípio da proporcionalidade (ou princípio da razoabilidade), preconiza que:
O princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade, no Brasil, tal como desenvolvido por parte da doutrina e, também, pela jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal, é o produto da conjugação de ideias vindas de dois sistemas diversos: (i) da doutrina do devido processo legal substantivo do direito norte-americano, onde a matéria foi primeiramente tratada; e (ii) do princípio da proporcionalidade do direito alemão.
No direito ianque, utiliza-se o nome razoabilidade, ao passo que, no direito alemão, fala-se em proporcionalidade. De todo modo, é possível afirmar, num primeiro momento, que tanto a ideia de proporcionalidade quanto a de racionalidade buscam avaliar a relação entre meios e fins, que devem ser harmônicos entre si.
Para parte da doutrina, o princípio da proporcionalidade caracterizar-se-ia mais como um critério de postulação de aplicação de outras normas do que um princípio propriamente dito. Aliás, poder-se-ia defender que a proporcionalidade constitui-se em máxima, até porque não haverá a relação de ponderação entre ele e outro princípio. Essa é a posição de Willis Santiago Filho (1996, p. 77), que fortalece tal afirmação ao afirmar que o princípio da proporcionalidade mostra-se como exigência cognitiva, sendo modo de elaboração racional do direito, incluindo-se no tema de interpretação constitucional quando a utilização dos métodos tradicionais de hermenêutica não oferecem resultados que sejam constitucionalmente satisfatórios.
Hoje, há forte entendimento no sentido de que a proporcionalidade deriva da cláusula do devido processo legal, conforme previsão do artigo 5º da CF/88. Inicialmente, a referida máxima vinculou-se mais fortemente ao Direito Administrativo, em particular ao poder político. Por sua importância, migrou para o Direito Constitucional como critério de aferição da legitimidade material de todos os atos dos poderes públicos e passou também a ser considerado como um dos princípios do processo, norteando todo o ordenamento jurídico[1].
A máxima da proporcionalidade encontra-se implicitamente consagrada na atual Constituição brasileira e costuma ser deduzido do sistema de direitos fundamentais e do Estado Democrático de Direito, bem como da cláusula do devido processo legal substantivo. Esta última posição já foi adotada pelo Supremo Tribunal Federal, consubstanciada em decisão proferida no RE 374.981-RS (Informativo n. 381 STF), de relatoria do Ministro Celso de Mello:
O princípio da proporcionalidade – que extrai a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente aquela que veicula a garantia do substantive due process of law – acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do poder público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. A norma estatal, que não veicula qualquer conteúdo de irrazoabilidade, presta obséquio ao postulado da proporcionalidade, ajustando-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of law , art. 5º, LIV). Essa cláusula tutelar, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repousar em juízo meramente político ou discricionário do legislador.
No Brasil, o princípio da proporcionalidade encontra-se implicitamente previsto na Constituição Federal de 1988, mas está expressamente posto no art. 2º da Lei nº 9.784/1999, a qual, em seu art. 2º, preceitua que a Administração Pública obedecerá, dentre outros, ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade.
Apesar de existir doutrina que diferencia razoabilidade de proporcionalidade, entende-se, para os fins do presente trabalho, que não há distinção ontológica entre eles, mas apenas de origem, razão pela qual utilizaremos as expressões como sinônimas.
1. A Razoabilidade no Direito Norte-Americano.
Barroso (2010, p. 256) nos ensina que o princípio da razoabilidade, num primeiro momento, teve caráter puramente procedimental, já que ligado à ideia de devido processo legal, associado, basicamente, aos direitos de contraditório e ampla defesa. Apenas num segundo momento é que se fala em um caráter mais material do princípio, “por via do qual o Judiciário passou a desempenhar determinados controles de mérito sobre o exercício de discricionariedade pelo legislador” (Barroso, 2010, p. 256).
Assim é que o princípio da razoabilidade, nos Estados Unidos, a partir de se incutir no legislador a ideia de harmonia entre meios e fins, acaba tendo a função de controlar a constitucionalidade das leis.
2. A proporcionalidade na Alemanha.
Na Alemanha, diversamente do que ocorreu nos Estados Unidos, o princípio da proporcionalidade vinculava-se à preocupação de controle dos atos administrativos. Barroso (2010, p. 256) explica essa divergência com relação ao direito norte-americano:
Como visto, a razoabilidade surge, nos Estados Unidos, como um princípio constitucional que servia de parâmetro para o judicial review (controle de constitucionalidade). Na Alemanha, ao revés, o princípio da proporcionalidade desenvolveu-se no âmbito do direito administrativo, funcionando como limitação à discricionariedade administrativa. É natural que lá não tenha surgido como um princípio constitucional de controle da legislação. É que até a segunda metade do século XX, como visto, vigorava na Europa continental a ideia de que a soberania popular se exercia por via da supremacia do Parlamento. Como consequência, não era possível conceber o princípio da proporcionalidade como fundamento de controle judicial da atuação do Parlamento, mas apenas dos atos administrativos. Somente após a Lei Fundamental de 1949 esse quadro se alterou.
A doutrina alemã divide o princípio da proporcionalidade em três máximas parciais ou subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
2.1. Adequação
A adequação traduz a relação entre meio adotado e o fim pretendido com a adoção da medida. Assim, o meio deve ser apto para o alcance da finalidade pretendida. O Judiciário apenas intervém nos casos em que a medida for inequivocamente desproporcional, pois não pode imiscuir-se em atividades dos poderes públicos para determinar qual seria a melhor medida.
Nessa linha de pensamento está a doutrina do processualista Fredie Didier Júnior (2007, p. 36), para quem o princípio da adequação busca verificar se a medida empregada representa o meio certo para levar a cabo um fim almejado, sendo esta verificação uma das mais importantes etapas de aplicação do princípio da proporcionalidade. Barroso (2010, p. 260) concorda com esse pensamento, afirmando que a adequação consiste na “idoneidade da medida para produzir o resultado visado”.
2.2. Necessidade
A necessidade é igualmente denominada de exigibilidade ou princípio da menor ingerência possível. Aqui, o meio utilizado deve ser o menos gravoso possível. Desta forma, a norma de solução apenas será legítima se o conflito for real, não havendo a possibilidade de estabelecer uma forma de convivência simultânea das normas em conflito.
Barroso (2010, p. 260) fala em necessidade ou exigibilidade da medida, “que impõe verificar a inexistência de meio menos gravoso para a consecução dos fins visados”.
2.3. Proporcionalidade em sentido estrito
Também denominado de ponderação de interesses, esta máxima parcial preconiza que o juiz, para solucionar o conflito existente entre as normas, deverá verificar qual delas deverá prevalecer no caso concreto. Assim, a aplicação de um juízo de ponderação de interesses volta-se precipuamente para a análise do caso concreto e constitui-se em eficiente mecanismo de legitimação das decisões judiciais.
Quanto a esse subprincípio, afirma Barroso (2010, p. 260):
Por fim, a razoabilidade deve embutir, ainda, a ideia de proporcionalidade em sentido estrito, consistente na ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido, para constatar se a medida é legítima. Se o Poder Público, por exemplo, eletrificar certo monumento de modo a que um adolescente sofra uma descarga elétrica que o incapacite ou mate quando for pichá-lo, a absoluta falta de proporcionalidade entre o bem jurídico protegido – o patrimônio público – e o bem jurídico sacrificado – a vida – torna inválida a providência.
3. Breves Considerações sobre o princípio da proporcionalidade no Brasil.
No Brasil, o princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade é utilizado tanto na seara do Direito Administrativo quanto no Direito Constitucional, verificando-se a constitucionalidade dos atos infraconstitucionais.
Assim, no Direito Administrativo, o administrador deve agir de forma razoável e proporcional. A discussão fica especialmente interessante quando se trata da possibilidade de controle de políticas públicas. Em suma, é aqui que se indaga se o mérito administrativo pode ser controlado e, se sim, qual seria o seu parâmetro.
Com efeito, referido princípio consiste em verdadeira limitação ao agir do administrador, proibindo excessos. Nesse sentido, não há dúvida de que os atos administrativos são passíveis de controle de legalidade e de constitucionalidade pelo Poder Judiciário. Tratando-se de um princípio previsto implicitamente pela Constituição de 1988, o princípio da proporcionalidade consiste em verdadeiro parâmetro para aferição da legitimidade dos atos administrativos. Assim, se a escolha administrativa viola o princípio da proporcionalidade (ou da razoabilidade), seria possível ao Judiciário declarar sua inconstitucionalidade.
Cumpre lembrar que o princípio da proporcionalidade veda os excessos. Aliás, com base nessa ideia que se discute a constitucionalidade do art. 273, §1º-B, inciso I do Código Penal:
Art. 273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais:
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.
§ 1º - Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado.
§ 1º-A - Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico.
§ 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:
I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente;
II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior;
III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização;
IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade;
V - de procedência ignorada;
VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente.
Isso porque equipara quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado com aquele que importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente. À primeira vista, parece que a primeira conduta ser bem mais grave do que a segunda.
No entanto, devemos atentar ainda para o fato de que, por meio dele, proíbe-se ainda a atuação insuficiente do Estado. É com base nessa ideia que se discute a constitucionalidade do art. 33, § 4º da Lei nº 11.343/2006, que inclui, entre nós, a figura do tráfico privilegiado:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;
II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;
III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.
§ 2º Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.
§ 3º Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Isso porque permite que um traficante de drogas seja apenado com reclusão de 1 ano e 9 meses. Discute-se se a eventual pena aplicada não seria insuficiente e, portanto, atentatória ao princípio da proporcionalidade.
4. Conclusões.
No Brasil, o princípio da proporcionalidade consiste em princípio implícito na Constituição de 1988. No entanto, no plano infraconstitucional, ele está expressamente homenageado, conforme se verifica do art. 2º da Lei nº 9.784/1999.
Para parte da doutrina, há distinção entre proporcionalidade e razoabilidade. Para os fins do presente trabalho, todavia, entendeu-se não haver diferença ontológica entre os termos, razão pela qual foram utilizados aqui como sinônimos.
Nos Estados Unidos, a cláusula da proporcionalidade nasceu com íntima ligação à ideia de controle de constitucionalidade, enquanto que, no direito alemão, referido princípio tem sua origem relacionada ao Direito Administrativo, limitando a discricionariedade administrativa. Aliás, foi no direito alemão que foram criados os três subprincípios da proporcionalidade: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
Entre nós, o princípio da proporcionalidade exerce função tanto de parâmetro para o controle de constitucionalidade quanto de limitação da discricionariedade administrativa. Interessante ainda lembrar que, além de vedar o excesso, o princípio da proporcionalidade ainda proíbe a atuação insuficiente. Nesse sentido, a doutrina discute a constitucionalidade do art. 273, §1º-B, inciso I do Código Penal e do art. 33, § 4º da Lei nº 11.343/2006.
Referências Bibliográficas
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 7ª Edição. Salvador: Editora JUSPODIVM, 2007.
Procuradora Federal em Brasília (DF).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NASCIMENTO, Marina Georgia de Oliveira e. O Princípio Constitucional da Proporcionalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39770/o-principio-constitucional-da-proporcionalidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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