Qual seria o maior problema hoje daqueles que precisam recorrer á justiça para resolver algum litígio, seja na justiça comum, seja na justiça especial? Se perguntares a uma parte que disponha de informações precisas e adequadas ou de recursos para o acesso a essas informações, a resposta será que não existe qualquer problema a máquina judiciária, que a justiça está à disposição de todos e que o que está em lei positivado, será na realidade efetivado.
Outrossim, se perguntares a uma parte que não disponha de tais informações e recursos, fatalmente perceberás a desigualdade no acesso e principalmente na qualidade dos serviços que a estes são disponibilizados. Nota-se, portanto, que a máquina judiciária funciona de forma efetiva e satisfatória quando se tem um serviço de acesso à mesma, feito de maneira comprometida pelos operadores do Direito. O art.5º da Constituição Federal, ao tratar dos Direitos e Garantias Fundamentais, em seu inciso XXXV dispõe “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” trata-se da garantia constitucional do direito de ação, nesse sentido, o grande desafio é sensibilizar aqueles que dispõem de conhecimento técnico acerca do que diz a lei para que não mais se permita acontecer injustiças principalmente por aqueles que têm o dever de promover a justiça.
O que se entende por dignidade humana? Seria um conjunto de fatores materiais e imateriais inerentes ao ser social no qual se primará pelo básico, desde o pão de cada dia até um tratamento com o devido respeito diante de uma autoridade? A todo tempo nos deparamos com acontecimentos em que questionamos a onipresença da justiça, sua imparcialidade e seu senso de igualdade.
Dentre os fatores e valores que caracterizam a dignidade humana, impreterivelmente se encontrará o pleno e efetivo acesso a justiça; uma vez que vivemos em coletividade em meio a opiniões e pensamentos diferentes, convivendo com educação e culturas diferentes; esse choque de pensamentos e condutas acaba gerando conflitos que por vezes a justiça mediará em prol de uma resolução pacífica.
Nesse sentido faz-se necessário que o Estado esteja preparado para garantir igualmente a todos o pleno e absoluto acesso a justiça, que nada mais é do que a efetivação de direitos previamente estabelecidos. Fica evidente, portanto, a importância do acesso á justiça como condição de não se violar o princípio da dignidade da pessoa humana; apontamento este corroborado a luz do art. 8º da Declaração Universal dos Direitos Humanos quando dispõe.
Art.8º “Toda pessoa tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes, remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei”.
Trata-se, portanto de uma igualdade que na prática não existe; basta apenas olharmos para o serviço prestado para aqueles que dispõem de recursos, muitas vezes rápido, eficaz e preciso, e o serviço de acesso direcionado á aqueles que não dispõem de recursos para exigirem um serviço de qualidade, e que por vezes se mostra aquém do esperado. Frise-se que Acesso á Justiça não se confunde com acesso ao judiciário, este nada mais é que um pressuposto daquele, uma ferramenta indispensável para se aproximar as classes sociais num dos principais direitos conferidos pelo ordenamento. Cappelletti e Bryant Ghart, com maestria corroboram tal esclarecimento.
O direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para a sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos. (CAPPELLETTI; 1988. p.9)
Não se pode falar em direitos fundamentais positivados em lei, sem antes falar em direitos naturais; o homem deve ser reconhecido como tal ao tempo que lhe é atribuído a condição de um ser social dotado de potenciais a serem despertados, para uma convivência harmônica e, sobretudo pacífica. Temos nesse sentido os ideais trazidos pela Revolução Francesa, Liberdade, Fraternidade, Igualdade e Justiça, esses últimos, citados por Bobbio como pilares da Declaração, que reafirma a necessidade de igualdade do homem perante o direito por ele positivado.
...com a Revolução, iniciara-se uma nova época da história, com uma explicita referência a Declaração, cuja finalidade era, a seu ver, a meta inteiramente política de firmar os direitos naturais, o principal dos quais é a liberdade, seguido pela igualdade diante da lei... (BOBBIO, 2004. p.81)
O que se ficou claro até aqui foi que o pobre tem acesso deficiente a justiça por conta de sua indisponibilidade de recursos a fim de custear bons serviços jurisdicionais, o que não acontece com os ricos. Nesse sentido, entende-se que determinada camada da sociedade tem pleno acesso á justiça, podendo suportar todas as fases do processo em busca da tutela jurisdicional; situação essa que não se harmoniza com a idéia de justiça. Dalmo de Abreu Dallari comenta a respeito.
Como síntese de organização justa, pode-se dizer que existe justiça quando todos os meios de que a sociedade dispõe são organizados e utilizados para a consecução do bem comum e não do bem particular de um indivíduo ou de um grupo. (DALLARI, 1998. p.19)
Além da dificuldade financeira de se constituir um bom advogado, os pobres precisam suportar o rótulo de pessoas que não conseguem perquirir seus direitos legalmente, de que são pessoas incapazes intelectualmente de interagir com os profissionais do Direito. É salutar que o operador do Direito fale a sua língua, que observe seu meio cultural e se adapte com seu cliente a fim de facilitar os trabalhos tendo em vista se tratar de um dos maiores valores fundamentais da democracia.
Nesse escopo, temos a dignidade da pessoa humana como um direito que consegue abranger todos os demais direitos, quer sejam os individuais clássicos quer sejam os de fundo econômico e social; uma vez que esse princípio seja plenamente respeitado, e em decorrência disso, seus direitos correlatos sejam efetivados, o indivíduo conseguirá viver em harmonia e paz social. Ana Paula de Barcellos discorda a cerca da abrangência da dignidade da pessoa humana em face dos demais princípios.
Após esse exame, concluímos que a Dignidade da Pessoa Humana não é um direito absoluto, trata-se, portanto, de um princípio que, identifica um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. (BARCELLOS, 2002. p.305)
Não se pode negar a universalidade do princípio da dignidade da pessoa humana; a efetividade desse princípio num Estado Democrático de Direito garantirá automaticamente a efetivação dos direitos fundamentais, principalmente o acesso a justiça. Muito se fala em morosidade da justiça e de deficiências do judiciário; que este não possui estrutura para atender a grande demanda que a todo dia só aumenta. Muito se fala também que um dos fatores que mais dificultam o acesso á justiça, é a inferioridade de recursos do próprio judiciário em face dos demais poderes.
Contudo, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça do ano de 2009, a falta de recursos financeiros está longe de ser o principal problema do judiciário; ainda segundo o CNJ em seis anos de governo Lula, o orçamento para o Poder Judiciário aumentou 168%. A Justiça consome R$ 32,5 bilhões por ano. Ainda segundo essa pesquisa, mais de cinco mil funcionários foram contratados sem concurso público, refletindo a má gestão do judiciário como um todo. Dentre os 09 (nove) maiores problemas citados na pesquisa, a corrupção, engavetamento e superfaturamento são os que mais se destacam, pois interferem diretamente no acesso a justiça. Verifica-se segundo essa pesquisa, a venda de sentenças por Magistrados e superfaturamento de obras como foi o caso do Fórum de Teresina, no Piauí, superfaturada em 365%, fraude essa combatida pelos órgãos de fiscalização. Some a isso que, ainda segundo a pesquisa vários juízes que não tomam providências para corrigir distorções e demoram para julgar sentenças. O CNJ fez um mutirão e libertou 2,5 milhões de presos economizando 30 milhões; sem contar os milhões de processos que ainda tramitam na justiça.
Diante desse quadro, verifica-se que os recursos destinados ao Poder Judiciário, se aplicados corretamente, livres de corrupção e do jogo de interesses, podem de forma significativa ajudar no andamento dos processos, que por conseqüência lógica promoverá o pleno acesso a justiça e a não menos importante incolumidade da dignidade humana do indivíduo que se socorre na justiça. Nesse sentido, José Roberto Santos Bedaque, citado por Paulo Halfeld Furtado de Mendonça, discorda do posicionamento supra, e em pensamento contrario dispõe.
Em primeiro lugar, enquanto não se destinar ao poder judiciário percentual razoável do orçamento estatal, afim de que ele possa fazer frente ás suas necessidades, qualquer outra medida corre sério risco de não alcançar os objetivos desejados. É preciso examinar dados estatísticos de países onde á justiça se mostre eficiente, para verificar as causas da morosidade do processo brasileiro. Sabe-se, por exemplo, que o número de juízes no Brasil é muito inferior aos padrões ideais. (BEDAQUE. 2002)
É evidente que um maior número de juízes e de funcionários nos tribunais tornaria célere a apreciação dos processos de uma forma geral; contudo se faz necessário que exista rigorosa fiscalização na destinação dos recursos e na conduta desses operadores do Direito, quanto à forma que utiliza os recursos públicos. Estes deverão ser destinados ao aperfeiçoamento da máquina judiciária, ferramenta importante na luta pelo acesso a justiça; haja vista se trate do poder constitucional que mais sofre críticas a qualidade de seus serviços e que mais carece no momento de uma especial atenção, para uma melhor qualidade de seus serviços e uma melhor satisfação de seu usuário. Devemos ter e mente que um país sem justiça é um país sem dignidade, e um país sem dignidade é um país morto.
Não se pode, porém, esquecer dos meios existentes no ordenamento que visam o atendimento da demanda de forma mais rápida e sem custas, como os juizados especiais instituídos pela lei nº9099/95 que de forma célere aprecia sem a necessidade de advogado os litígios de sua competência; sem esquecer-se da lei nº 10.60/50 que dispõe acerca da justiça gratuita. Estes são mecanismos de suma importância para que se tenha um efetivo acesso á justiça, haja vista a assistência jurídica compreenda serviços jurídicos a pessoas necessitadas no sentido de orientá-las, prestadas por defensor público ao tempo que justiça gratuita compreende a ampla gratuidade processual. Em sentido contrário, Daylan Gonçalves Notargiacomo rebate o posicionamento supra.
Também podemos destacar que apenas custear um advogado público não significa que todos os problemas foram sanados. Muitos não podem aguardar tanto tempo por determinada sentença, nem podem arcar com o possível resultado contrário. Ainda que venhamos a dar suporte advocatício e isenção das taxas judiciárias, as partes persistem desiguais durante o processo, no que tange ao aspecto das possibilidades dos participantes. (NOTARGIACOMO. 2010, p.02)
Vale ressaltar, que os citados institutos, reconhecidos constitucionalmente, carecem de uma utilização em sua totalidade, pra que sejam uma ferramenta ainda mais poderosa no acesso e promoção da justiça e na manutenção no princípio basilar do homem, que é a sua dignidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que se pode concluir de tudo isso? O que devemos esperar de nosso judiciário e dos braços e mentes que o movem? Qual o papel do Estado na real promoção da justiça? Tais questionamentos encontram suas respostas em um Estado que no momento nos aparece de maneira utópica, onde haverá bons incentivos aos advogados por parte do Estado para defenderem suas causas com vigor e responsabilidade, tanto em relação ao cliente que detentor de dignidade e de direitos efetivos merecerá um bom trabalho de acesso á justiça, como também a sua profissão que investida de importante função social será responsável pela plena confiança das pessoas nos profissionais do Direito e no Judiciário como um todo. Por fim, entendemos que o acesso a justiça é sim um dos principais pressupostos para se manter incólume a dignidade humana que tanto se percebe ferida quando da não efetivação desse direito salutar do indivíduo que se encontra em um Estado Democrático de Direito; entendemos que o acesso á justiça passa por um caminho composto de um judiciário altamente capacitado para recepcionar de maneira célere e efetiva toda demanda que a ele recorre; disseminando informações, promovendo de fato a justiça e atuando na cura de todas as mazelas que tanto dificultam seu acesso. Nesse caminho deve haver profissionais bem estimulados, tanto econômica quanto espiritualmente, seja ele constituído seja ele dativo, entendendo desde sempre que o acesso á justiça é um bem e um direito fundamental do ser social, primando por seu efetivo acesso contribuindo assim com a eliminação das barreiras econômicas e sociais que tanto assolam e tanto estigmatizam a importante figura do judiciário.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos: Tradução de Carlos Nelson Coutinho; Apresentação de Celso Lafer – 9º Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Fabris. 1988
BEDAQUE, Santos José Roberto – Disponível em: www.jus.uol.com.br
MENDONÇA, Paulo Halfeld Furtado de – Disponível em: www.jus.uol.com.br
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948.
DALLARI. Dalmo de Abreu, 1931- Direitos Humanos e Cidadania- São Paulo: Moderna, 1998 – (Coleção Polêmica)
BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: O princípio da dignidade da pessoa humana, 2002, p. 305
NOTARGIACOMO. Daylan Gonçalves. Acesso á Justiça: Conceito, Diferenças e Alternativas. UNIBRASIL. 2010
Bacharelanda em Direito pela Faculdade de ciências humanas e sociais - AGES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Ewânlly Suelly Lopes Freitas. Direitos fundamentais: o acesso a justiça é pressuposto necessário á dignidade da pessoa humana? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39774/direitos-fundamentais-o-acesso-a-justica-e-pressuposto-necessario-a-dignidade-da-pessoa-humana. Acesso em: 23 dez 2024.
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