RESUMO: O estudo objetiva analisar e apontar soluções que possibilitem a revogação dos benefícios da Justiça Gratuita, nos casos em que a benesse não se mostra cabível.
PALAVRAS-CHAVES: Justiça Gratuita – Revogação – Instrumentos - Ônus probatório.
SUMÁRIO:1. Introdução; 2. A Justiça Gratuita; 3. A possibilidade de revogação dos benefícios da Justiça Gratuita; 4. Instrumentos para obtenção da revogação: 4.1 Quebra do sigilo bancário; 4.2 Quebra do sigilo fiscal; 5. Conclusão; Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
Objetivando permitir o acesso à justiça às pessoas carentes, a Lei nº 1.060/50 instituiu o benefício da justiça gratuita, que é analisado pelo juiz competente para a causa. Caso o pedido seja acolhido, a parte beneficiada fica isenta do pagamento de despesas processuais e honorários periciais e advocatícios.
Mesmo tendo sido editada na vigência da Constituição de 1946, deve-se registrar que a Lei 1.060/50 é compatível com a ordem jurídica brasileira atual, eis que a Constituição Federal de 1988 expressamente determina que os necessitados terão assistência jurídica integral e gratuita, tratando-se, pois, de direito fundamental (artigo 5º, LXXIV, CF/88).
Quando o beneficiário da justiça gratuita sai vencedor da ação, o perdedor arca com todas as despesas e honorários, não havendo, a princípio, nenhum prejuízo para os credores titulares das verbas isentas (peritos, intérpretes, advogado vencedor, et coetera).
Contudo, nos casos em que o beneficiário é derrotado não está o mesmo obrigado ao reembolso das despesas processuais e honorários, surgindo, então efetivo prejuízo aqueles que atuaram no processo.
Nesse contexto, mostra-se relevante avaliar de que forma pode ser o benefício da justiça gratuita revogado, apontando alguns caminhos para que isso seja alcançado.
2. A JUSTIÇA GRATUITA
Como já referido, a assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados é direito fundamental (artigo 5º, LXXIV, CF/88). A amplitude do abrigo dos benefícios da justiça gratuita vem elencada no artigo 3º da Lei 1.060/50, verbis:
Art. 3º. A assistência judiciária compreende as seguintes isenções:
I - das taxas judiciárias e dos selos;
II - dos emolumentos e custas devidos aos Juízes, órgãos do Ministério Público e serventuários da justiça;
III - das despesas com as publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais;
IV - das indenizações devidas às testemunhas que, quando empregados, receberão do empregador salário integral, como se em serviço estivessem, ressalvado o direito regressivo contra o poder público federal, no Distrito Federal e nos Territórios; ou contra o poder público estadual, nos Estados;
V - dos honorários de advogado e peritos.
VI – das despesas com a realização do exame de código genético – DNA que for requisitado pela autoridade judiciária nas ações de investigação de paternidade ou maternidade.(Incluído pela Lei nº 10.317, de 2001)
VII – dos depósitos previstos em lei para interposição de recurso, ajuizamento de ação e demais atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório. (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).
Parágrafo único. A publicação de edital em jornal encarregado da divulgação de atos oficiais, na forma do inciso III, dispensa a publicação em outro jornal. (Incluído pela Lei nº 7.288, de 1984)
Como se vê, o dispositivo legal supra permite que uma pessoa, mesmo sem nenhum recurso, possa ingressar com ação judicial e produzir provas, sem a necessidade de arcar com as despesas respectivas.
Para que o benefício seja concedido, o requerente deve ser "necessitado", que nos termos do parágrafo único do artigo segundo da Lei 1.060/50 é "todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família".
A doutrina aponta ainda que, diante do conceito legal acima indicado, existe nítida diferença entre POBREZA COMUM e POBREZA NA ACEPÇÃO JURÍDICA. Thiago Meloso Soria (2011, página 34), em sua dissertação de mestrado, afirma o seguinte:
"O conhecimento do que significa pobreza comum é necessário para a compreensão da pobreza na acepção jurídica, mas os conceitos não se confundem e nem sempre coexistem no mesmo caso. As diversas normas que tratam do recolhimento de custas, preparo, depósito recursal, honorários evidenciam muitas vezes a necessidade de mobilização de grandes quantias, que podem expressar valores além das possibilidades da pessoa que está longe de ser considerada pobre em seu sentido usual."
Ou seja, uma pessoa que não é considerada pobre economicamente pode vir a ser considerada pobre na acepção jurídica (para os fins de concessão de justiça gratuita) desde que comprove ser necessitado, conforme a lei dispõe.
E mais, a lei apenas exige que o requerente preste "simples afirmação" dando conta de que não tem condições de arcar com as custas do processo e honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família (artigo 4º, Lei 1.060/50).
Somente se houver insurgência (sobretudo da outra parte) é que se prossegue na investigação se o pagamento das custas e honorários trariam prejuízo próprio ou à família.
Não há dúvida de que a concessão de justiça gratuita é algo extremamente positivo, pois prestigia o princípio da igualdade material, permitindo que cidadãos carentes tenham condições de buscar judicialmente a efetivação e entrega de seus direitos.
Contudo, há casos em que o benefício é concedido indevidamente. Nessa situação, não se mostra justa a manutenção da benesse, devendo a parte contrária e o magistrado averiguar se a situação de necessidade se mantém no curso do processo e, sobretudo, após o trânsito em julgado, na fase de cumprimento de sentença (artigo 475 do CPC).
3. A POSSIBILIDADE DE REVOGAÇÃO DOS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA
Do que foi exposto até aqui, percebe-se que é demasiadamente fácil a concessão dos benefícios da justiça gratuita, sendo comum o deferimento pelo Poder Judiciário, cabendo à parte contrária a demonstração de que não estão presentes os requisitos para sua concessão.
O artigo 7º da Lei 1.060/50 disciplina que a revogação pode ser requerida em qualquer fase da lide cabendo a ela o ônus de provar que os requisitos não existem ou deixaram de existir. Caso tenha sucesso, o juiz decretará a revogação dos benefícios da justiça gratuita, após ouvir o interessado no prazo de 48 (quarenta e oito) horas (artigo 8º).
Além da disciplina legal, outro excelente fundamento jurídico que permite a revogação dos benefícios da justiça gratuita é o princípio da igualdade em seu sentido material, pois permitir que uma parte demande judicialmente sem arcar com as custas e honorários mesmo tendo condições para tanto, coloca-a em posição de superioridade em relação à parte contrária.
O respeito ao (e o restabelecimento do) princípio da igualdade processual é, também, fundamento que permite a revogação do benefício a qualquer tempo. De fato, o artigo 125, inciso I, do Código de Processo Civil determina que o Juiz deve assegurar às partes igualdade de tratamento. No ponto, precisa a lição de CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO (2004, página 53):
"A igualdade perante a lei é premissa para a afirmação da igualdade perante o juiz: da norma inscrita no artigo 5º, caput, da Constituição, brota o princípio da igualdade processual. As partes e os procuradores devem merecer tratamento igualitário para que tenham as mesmas oportunidades de fazer valer em juízo as suas razões".
Portanto, seja do ponto de vista legal/normativo ou doutrinário, a revogação dos benefícios da justiça gratuita é perfeitamente cabível e até mesmo saudável para o equilíbrio na relação processual.
4. INSTRUMENTOS PARA OBTENÇÃO DA REVOGAÇÃO
Quando uma parte se depara com uma concessão indevida dos benefícios da justiça gratuita, mostra-se necessária a comprovação de que aquele que se declarou necessitado (pobre na acepção jurídica) não o é ou deixou de ostentar tal condição.
Para que tenha sucesso e o benefício seja revogado, várias estratégias processuais podem ser utilizadas.
Não será possível, nesse breve estudo, esgotar todos os instrumentos que possam ser utilizados. Contudo, indicar-se-á algumas formas que podem ajudar o operador do direito.
Os dois instrumentos apontados dependem de autorização judicial e são os seguintes: a) quebra do sigilo bancário; b) quebra do sigilo fiscal.
Segundo Sandra Rose de Mendes Freire e Franco (2010 – Âmbito Jurídico, XIII, n. 72), várias teorias tratam do fundamento do sigilo bancário, sendo que prevalece no ordenamento jurídico brasileiro o entendimento de que o sigilo bancário relaciona-se ao direito à intimidade. Nesse sentido:
"As teorias que tratam do fundamento do sigilo bancário visam definir os interesses por ele tutelados e, com isso, delimitar seu sentido e abrangência no direito brasileiro. São elas: a teoria contratual; a extracontratual; a legal; a que o relaciona com o direito à intimidade; a do segredo profissional e a mercantil.
(...)
Dentre as teorias mencionadas, o Direito Brasileiro adotou a teoria que relaciona o sigilo ao direito à intimidade, tal como se verifica na decisão do Supremo Tribunal Federal:
“Mandado de Segurança. Tribunal de Contas da União. Banco Central do Brasil. Operações financeiras. Sigilo. 1. A Lei Complementar nº 105, de 10/1/01, não conferiu ao Tribunal de Contas da União poderes para determinar a quebra do sigilo bancário de dados constantes do Banco Central do Brasil. O legislador conferiu esses poderes ao Poder Judiciário (art. 3º), ao Poder Legislativo Federal (art. 4º), bem como às Comissões Parlamentares de Inquérito, após prévia aprovação do pedido pelo Plenário da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do plenário de suas respectivas comissões parlamentares de inquérito (§§ 1º e 2º do art. 4º). 2. Embora as atividades do TCU, por sua natureza, verificação de contas e até mesmo o julgamento das contas das pessoas enumeradas no artigo 71, II, da Constituição Federal, justifiquem a eventual quebra de sigilo, não houve essa determinação na lei específica que tratou do tema, não cabendo a interpretação extensiva, mormente porque há princípio constitucional que protege a intimidade e a vida privada, art. 5º, X, da Constituição Federal, no qual está inserida a garantia ao sigilo bancário. 3. Ordem concedida para afastar as determinações do acórdão nº 72/96 - TCU - 2ª Câmara (fl. 31), bem como as penalidades impostas ao impetrante no Acórdão nº 54/97 - TCU – Plenário.” (grifo meu) (MS n. 22801/DF – Distrito Federal, Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, Rel. Min. Menezes Direito, j. 17/12/2007, votação unânime).""
destacou-se
Portanto, os sigilos bancário e também fiscal possuem proteção constitucional na medida em que pertencem à intimidade do indivíduo, constituindo-se em direito fundamental do cidadão (artigo 5º, inciso X, da CF/88).
Contudo, tais proteções não são absolutas.
4.1 - QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO
O sigilo bancário pode ser afastado pelo Poder Judiciário (artigo 38, §1º, da Lei 4.595/64), mas as informações prestadas ao juiz somente serão acessíveis pelas partes, devendo o processo tramitar em segredo de justiça.
O requerimento deve ser formulado ao Juízo no sentido de que consulte as aplicações financeiras em nome do beneficiário, através do convênio conhecido como BACENJUD, para que se verifique se, atualmente, persiste a situação de pobreza na acepção jurídica do termo.
Mediante utilização de senha, o juiz pode consultar os saldos de aplicações financeiras em bancos de todo o Brasil existentes na data da consulta. Caso se descubra numerário relevante, tem-se que a parte autora pode (ao menos a princípio) arcar com as custas e honorários do processo.
Interessante notar que quando a consulta ao BACENJUD retorna positiva e bloqueia valor significativo, caberá ao titular dos valores a demonstração de que aqueles valores são indispensáveis à sua manutenção e de sua família. Ou seja, o ônus probatório, nesse caso, é repassado ao beneficiado pela justiça gratuita, que deverá provar que ainda tem direito à benesse, mesmo existente os valores em aplicações bancárias.
Ora, havendo a existência de compatível condição financeira (que se comprova com o bloqueio de numerário em conta corrente), por uma questão de justiça, não é passível a manutenção do beneficio da justiça gratuita em favor do credor.
A jurisprudência tem entendido que a condição de hipossuficiente daquele que requer os benefícios da assistência judiciária gratuita trata-se de uma presunção juris tantum, a qual não goza de presunção absoluta, apenas relativa.
Neste caso, demonstrado ao magistrado que as condições de hipossuficiência alegadas pela parte não condizem com a realidade, pode este afastar o beneficio da justiça gratuita.
Neste sentido, é o entendimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA e do TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO, verbis:
PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR. EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL. PRESSUPOSTOS ESPECÍFICOS DA AÇÃO NÃO EVIDENCIADOS. DECLARAÇÃO DE POBREZA. PRESUNÇÃO RELATIVA. 1. Não configurados os pressupostos específicos da ação cautelar – fumus boni iuris e periculum in mora –, há de ser extinta a medida cautelar, sem resolução de mérito, por carecer o autor de interesse processual. 2. A declaração de pobreza, em que se funda o pedido de assistência judiciária gratuita, encerra presunção relativa, que pode ser afastada se o magistrado entender, com base nos elementos de que para tanto dispõe, que o requerente não se encontra no estado de miserabilidade declarado. 3. Agravo regimental desprovido.
(AGRMC 201000348880, JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:10/09/2010.)
O E. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO já
4.2 - QUEBRA DO SIGILO FISCAL
Outro instrumento interessante a ser utilizado é a quebra do sigilo fiscal do beneficiário, que também depende de autorização judicial.
Para que o pedido seja acolhido é necessário a demonstração de sua necessidade.
Nesse ponto, é necessário demonstrar ao juiz que outros meios já foram utilizados e não obtiveram êxito. Além disso, deve-se ressaltar que o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA tem entendimento consolidado no sentido de que "para a obtenção do benefício da justiça gratuita é utilizado o critério objetivo da faixa de isenção do imposto de renda" (AgRg no REsp 1282598/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 02/05/2012).
Diante disso, mostra-se absolutamente pertinente formular requerimento ao Juízo para que o sigilo fiscal do beneficiário seja afastado, solicitando-se à Receita Federal do Brasil (RFB) o envio das últimas declarações do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) ou informação sobre os rendimentos do beneficiário a fim de verificar se o mesmo é ou não isento do IRPF.
Com as informações da RFB nos autos, será possível averiguar se o beneficiário da justiça gratuita é ou não isento do pagamento do IRPF e, caso não o seja, não fará jus à benesse, que poderá ser então afastada, permitindo aos credores a busca de bens e o recebimento dos valores que deixaram de ser pagos no curso do processo (taxas, custas, honorários sucumbenciais, et coetera).
5. CONCLUSÃO
Portanto, conclui-se que a concessão dos benefícios da justiça gratuita é medida saudável e justa, permitindo que pessoas carentes tenham acesso ao Poder Judiciário.
Contudo, pode ser revista e até mesmo revogada em qualquer tempo, desde que se comprove não estarem mais presentes os requisitos para sua concessão.
Em tais situações, pode a parte contrária socorrer-se do pedido de quebra dos sigilos bancário e fiscal ao Poder Judiciário, a fim de que se verifique se a condição de necessitado (pobre na acepção jurídica) se mantém no curso do processo, sobretudo na fase executória, após o trânsito em julgado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Candido Rangel. Teoria geral do processo. 20ª Edição. São Paulo: Malheiros. 2004.
FRANCO, Sandra Rose de Mendes Freire e. Fundamentos constitucionais para o caráter sigiloso dos dados e informações bancárias. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 72, jan 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7098>. Acesso em jun 2014.
SÓRIA, Thiago Melosi. Assistência jurídica integral e justiça gratuita nos conflitos individuais do trabalho. 2011. Dissertação (Mestrado em Direito do Trabalho) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2138/tde-28052012-151827/>. Acesso em: 2014-06-05.
Procurador Federal atuante na cidade de Umuarama - PR. Aluno do curso de Especialização em Direito do Estado da Universidade Estadual de Londrina.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Menahem David Dansiger de. Considerações sobre a revogação dos benefícios da justiça gratuita Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39804/consideracoes-sobre-a-revogacao-dos-beneficios-da-justica-gratuita. Acesso em: 23 dez 2024.
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