RESUMO: Discute-se no presente trabalho acerca da concessão de alimentos fundados no estado de gravidez, os chamados “alimentos gravídicos”, para a preservação do feto e do próprio estado da mulher, nos termos da Lei 11.804/2008. Em casos tais, a gestante bate às portas do Poder Judiciário requerendo a fixação de alimentos fundada na existência de relacionamento amoroso com o suposto pai, do qual decorreu a gestação em que se encontra, motivada pela alegação de que este não se comprometeu a auxiliá-la materialmente. No tocante à fixação provisória de alimentos gravídicos, a Lei 11.804/2008 remete o intérprete do direito às condições impostas pela Lei 5.478/68, exigindo o “comprovado parentesco”, o que impede o tratamento análogo destes aos alimentos a que se refere a Lei 5.478/68, no que tange à possibilidade inconteste da fixação, in limine litis, dos alimentos provisórios. Neste contexto, há que se fazer uma interpretação sistemática da legislação, deferindo-se alimentos à gestante apenas quando houver indícios acerca da paternidade.
PALAVRAS-CHAVE: Alimentos fundados no estado de gravidez. Requisitos para fixação liminar. Indícios da paternidade. Preservação do feto e da gestante.
1. INTRODUÇÃO
De acordo com a lição de Leandro Soares Lomeu[1], “(...) Os alimentos gravídicos podem ser compreendidos como aqueles devidos ao nascituro e percebidos pela gestante, ao longo da gravidez. Sintetizando, tais alimentos abrangem os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.”
O artigo 6º da Lei 11.804/2008 reza que:
“Art. 6º Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré”.
Não obstante, embora o dispositivo mencione “indícios” de paternidade, não se pode olvidar que toda e qualquer concessão liminar (antecipatória) de tutela jurídica depende, evidentemente, de prova “inequívoca” do direito e do perigo de que a prestação da tutela, se não efetivada desde logo, possa trazer ao autor dano grave e de difícil reparação.
Os requisitos para a liminar, ou seja, para a antecipação da tutela de mérito, são aqueles previstos no artigo 273 do CPC, e são eles cumulativos, o que importa dizer que, não sendo satisfeito qualquer um deles, não poderá o autor obter, desde logo, os efeitos práticos da sua pretensão jurídica.
O perigo da demora (periculum in mora) se depreende, evidentemente, da própria situação médica da mulher, a qual deve ser comprovada através de prova documental que ateste a existência do estado gravídico.
Com relação ao fumus boni iuris ou mesmo à prova inequívoca do direito alegado, mister convir que, na fase de cognição sumária, não há como comprovar de forma irrefutável a paternidade. Não se exige, evidentemente, a apresentação de prova inarredável e definitiva acerca da pretensão deduzida, o que somente se dará com a cognição exauriente, mas a apresentação de conjunto probatório que leve a um juízo de probabilidade dos fatos alegados.
A gestante deve apresentar algum começo de prova da provável relação de filiação, juntando cartões, fotos, trocas de mensagens, e-mails e qualquer outra prova que reforce os indícios de que o pai indicado é o réu da ação, além de demonstrar eventuais necessidades especiais quando determinadas por orientação médica, como assistência médica e psicológica e exames complementares, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis.
A gestante deve comprovar, portanto, a forte probabilidade da paternidade sobre o feto, juntando prova documental que confira elementos para que se possa creditar veracidade aos fatos alegados.
2. DESENVOLVIMENTO
É certo que a Lei 11.804/2008 veio para garantir a prestação alimentícia às grávidas. Ocorre que se olvidou o legislador das regras processuais e da necessidade de se comprovar inequivocamente os fatos alegados para que possa o autor, logo no início da demanda, ser agraciado com a concessão antecipada de sua pretensão jurídica (artigo 273 do CPC).
O artigo 11 da mencionada legislação remete o procedimento do pedido de alimentos gravídicos à Lei 5.478/68.
Evidentemente, a Lei de Alimentos somente poderá ser aplicável na parte que couber, significando afirmar, por exemplo, que a fixação de alimentos desde logo, prevista no artigo 4º, é providência incabível quando se trata de alimentos gravídicos, já que se parte da premissa, na ação de alimentos fundada na Lei 5.478/68, de acordo com o seu artigo 2º, da EXISTÊNCIA DE COMPROVADO PARENTESCO entre o requerido e o autor da ação, o que por certo, não há, ainda, no caso da gestante. Com efeito:
“Art. 2º. O credor, pessoalmente ou por intermédio de advogado, dirigir-se-á ao juiz competente, qualificando-se, e exporá suas necessidades, provando apenas o parentesco ou a obrigação de alimentar do devedor, indicando seu nome e sobrenome, residência ou local de trabalho, profissão e naturalidade, quanto ganha aproximadamente ou os recursos de que dispõe”.
A ausência de parentesco impede o tratamento análogo dos alimentos gravídicos aos alimentos a que se refere a Lei 5.478/68, no que tange à possibilidade inconteste da fixação in limine litis, dos alimentos provisórios.
Portanto, sob pena de incorrer em irresponsabilidade, conclui-se que somente poder-se-á deferir alimentos à gestante quando houver indícios acerca da paternidade.
Lado outro, forçoso concluir que a hipótese se assemelha aos casos de requerimentos de alimentos provisórios, a título de antecipação de tutela, nas ações de investigação de paternidade cumulada com alimentos, em que a concessão da pretensão antecipada está diretamente condicionada à existência de provas minimamente seguras do parentesco, ou ao menos, da grande probabilidade do parentesco.
Neste sentido:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE FIXAÇÃO DE ALIMENTOS PROVISÓRIOS – PROVA SEGURA ACERCA DA PATERNIDADE – INEXISTÊNCIA – RECURSO PROVIDO – Somente é admitida a fixação de alimentos provisórios em sede de ação de investigação de paternidade, quando presentes provas seguras do parentesco alegado. Recurso a que se dá provimento”. (TJMG – AG 000.238.966-6/00 – 3ª C. Cív. – Rel. Des. Kildare Carvalho – J. 08.11.2001)
Neste norte, não se mostra razoável admitir a concessão de alimentos provisórios à gestante, na falta de provas do parentesco ou da probabilidade da paternidade, em virtude do que dispõe o artigo 1º da Lei 11.804/2008 e o negar aos investigantes, nas ações de investigação de paternidade, em razão da discutível redação da lei.
A interpretação da lei se dá, necessariamente, de forma sistemática, com a observância de todo o arcabouço jurídico aplicável, sob pena de perplexidade.
Carlos Maximiliano, discorrendo sobre a função do intérprete da norma jurídica, ensina que:
"O intérprete é o renovador inteligente e cauto, o sociólogo do direito. O seu trabalho rejuvenesce e fecunda a fórmula prematuramente decrépita, e atua como elemento integrador e complementar da própria lei escrita. Esta é a estática, e a função interpretativa, a dinâmica."[2]
A Lei 11.804/2008 trouxe a possibilidade de se fixar alimentos à gestante, para assegurar o desenvolvimento da gravidez e o feto em crescimento. Na verdade, o sujeito de direitos é o próprio feto, vez que tudo se faz em seu benefício e para que nasça com vida.
A inexistência de capacidade civil do nascituro em face do disposto no artigo 2º do Código Civil (nascimento com vida), ou da previsão legal de substituto processual para que alguém pudesse exercer, em seu nome, seus direitos civis, justificaram o advento da Lei 11.804/2008, conferindo à gestante a possibilidade de zelar pelo desenvolvimento do feto em seu ventre.
De toda sorte, o direito assegurado à gestante e ao feto não está à margem das técnicas processuais de concessão de prestação jurisdicional.
Para os fins da análise da verossimilhança da alegação e da prova inequívoca, para efeito de tutela antecipatória de mérito, a gestante deve produzir a necessária prova, initio litis, apta a garantir a prestação jurisdicional pretendida, antecipadamente.
A prova que se requer, então, para possibilitar a tutela pretendida é exatamente aquela relativa à probabilidade da paternidade sobre o feto, não sendo possível perquiri-la apenas com as declarações da gestante ou com o documento comprobatório da gravidez.
A antecipação da tutela, nos termos do artigo 273 do CPC, apesar de provisória, possui caráter satisfativo, por atribuir ao requerente os efeitos de uma sentença de mérito, e apoia-se em prova inequívoca da existência do direito.
Para Sérgio Bermudes, “(...) ao conceituar a tutela antecipada, observa tratar-se de ‘prestação jurisdicional cognitiva, consistente na outorga adiantada da proteção que se busca no processo de conhecimento, a qual, verificados os pressupostos da lei é anteposta ao momento procedimental próprio. Configurados os respectivos requisitos que se descobrem no ‘caput’ do artigo, nos seus dois incisos e no §2º, o juiz, por razões de economia, celeridade, efetividade, concede, desde logo, e provisoriamente a proteção jurídica, que só a sentença transitada em julgado assegura em termos definitivos”.[3]
Assim, havendo razões inequívocas e prova suficiente, poderá o magistrado adiantar os efeitos da tutela de mérito, quanto à percepção de valores que possuem caráter alimentar para satisfazer a subsistência de quem os pleiteia. Todavia, a inexistência de elementos que caracterizem os requisitos de admissibilidade previstos no artigo 273 do CPC, conduz à inevitável improcedência do pleito antecipatório. Se não, vejamos:
“ALIMENTOS – Provisórios – Concessão no curso de ação investigatória de paternidade, cumulada com pedido de alimentos – Admissibilidade – Caso de antecipação de tutela – Elementos sérios de probabilidade da existência do vínculo genético – Recurso não provido – Aplicação do artigo 273 do Código de Processo Civil. No curso de ação de investigação de paternidade, cumulada com pedido de alimentos, podem estes concedidos a título de antecipação de tutela, se há elementos sérios que indiquem probabilidade da existência do vínculo genético”. (TJSP – AI 087.212-4 – São Paulo – 2ª CDPriv. – Rel. Cezar Peluso – J. 15.12.1998 – v.u.)
A concessão da liminar requer, como mencionado, um juízo de probabilidade da paternidade, consoante expressa dicção do artigo 6º da Lei 11.804/2008, mencionado alhures.
Assim, não existindo elementos que reflitam a probabilidade do direito pretendido, relativo à paternidade, e, em consequência, a verossimilhança das alegações, o pedido alimentar provisório é incabível.
Nos termos do artigo 6º, parágrafo único, da Lei 11.804/2008, após o nascimento com vida, os alimentos serão convertidos em pensão alimentícia em favor da criança, registrando-se que serão válidos e exigíveis até que qualquer das partes solicite a revisão, o que deverá se dar, necessariamente, em ação autônoma.
Pode-se presumir, conforme autoriza o artigo 335 do CPC, que o genitor tem condições, no exercício de qualquer profissão, de garantir o sustento do menor, com valor não inferior a 30% (trinta por cento) do salário mínimo. O desconhecimento dos rendimentos precisos do genitor não obsta a fixação de alimentos, pois ele poderá auferir rendimentos que suportem o pagamento de alimentos inclusive mediante o trabalho informal, como corriqueiramente ocorre. O artigo 335 do CPC permite ao magistrado a aplicação de regras de experiência comum, de acordo com a observação do que ordinariamente acontece.
Tal argumento se reveste de superior importância porque não se pode olvidar que os alimentos fixados neste tipo ação, se fundam na probabilidade do parentesco, situação que deverá ser definida em ação própria, já que não se afigura possível postergar, indefinidamente, uma obrigação alimentar sem a prova categórica do parentesco.
3. CONCLUSÃO
É de se ressaltar o necessário cuidado e sensibilidade para se tratar de tal temática. Sem dúvida, a vida humana e as necessidades inerentes a ela são de grande relevo e consideradas como direito fundamental pelo nosso Estado.
A concessão provisória de alimentos gravídicos permite a concretização do direito à vida digna e ao desenvolvimento saudável da criança que nascerá e procura dirimir a irresponsabilidade paterna.
A prestação jurisdicional deve ser célere e respeitar a garantia do devido processo legal. O exame do pleito em cognição sumária pelo juiz devido a uma situação de urgência (o período de gestação materna) e perigo de dano irreparável ou de difícil reparação (não pagamento das despesas pelo suposto pai) é baseado num juízo de verossimilhança (probabilidade), cabendo à gestante fazer prova da relação alimentar, no caso em discussão, a prova da paternidade, que leve a um juízo de probabilidade dos fatos alegados.
REFERÊNCIAS
LOMEU, Leandro Soares, “Alimentos Gravídicos: Aspectos da Lei 11.804/08”. site: www.ibdfam.org.br
MAXIMILIANO, Carlos. “Hermenêutica e Aplicação do Direito.” p. 26.
BERMUDES, Sérgio. “A Reforma do Código de Processo Civil”, Ed. Saraiva, São Paulo, 2ª ed., 1996, p. 28.
[1] [2] LOMEU, Leandro Soares. Alimentos Gravídicos: Aspectos da Lei 11.804/08. site: www.ibdfam.org.br
[2] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. p. 26.
[3] BERMUDES, Sérgio. A Reforma do Código de Processo Civil, Ed. Saraiva, São Paulo, 2ª ed., 1996, p. 28).
Procuradora Federal em exercício na Procuradoria-Seccional Federal em Campinas/SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BITTENCOURT, Isabela Cristina Pedrosa. Alimentos gravídicos e os requisitos para sua fixação provisória Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39808/alimentos-gravidicos-e-os-requisitos-para-sua-fixacao-provisoria. Acesso em: 23 dez 2024.
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