Resumo: Este artigo analisa os efeitos nocivos advindos da demora excessiva na tramitação processual, constituindo-se em fonte de angústia, desconfiança e prejuízos às pessoas e ao país. Procurou-se demonstrar a necessidade de superação do modelo processual extremamente preocupado com o formalismo, em detrimento da materialização do direito. Mostra-se que o princípio da razoável duração do processo reclama a concretização de um sistema processual em que não haja dilações indevidas e com regras procedimentais adequadas ao direito material. Alerta-se, todavia, que a celeridade não pode ser buscada a qualquer custo, sob pena de sacrificar outros princípios e valores.
Palavras-chaves: Demora processual. Dano. Efetividade.
Abstract: This article discusses the harmful effects arising from excessive delay in the proceedings, constituting a source of anxiety, distrust and damage to people and the country. We sought to demonstrate the necessity of overcoming extremely concerned about the formalism at the expense of realization of the right procedural model. It is shown that the principle of reasonable duration of the process calls for the implementation of a procedural system in which there is no undue and appropriate substantive law to procedural delays rules. A warning is, however, that the speed can not be pursued at any cost, under penalty of sacrificing other principles and values
Keywords: Procedural delay. Damage. Effectiveness.
Sumário: Introdução. 1. O princípio da razoável duração do processo. 2. Demora processual e dano marginal. 3. A busca por métodos de trabalho voltados para um processo sem dilações indevidas. Considerações finais. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Busca-se demonstrar no presente artigo que a razoável duração do processo requer a um só tempo o respeito ao devido processo legal e à busca por critérios razoáveis para a solução da lide em tempo adequado, abrangendo a materialização do direito.
Durante muito tempo, sob o manto da supremacia da segurança jurídica e do devido processo legal, a efetividade da jurisdição foi relegada ao segundo plano. Diante do diagnóstico da crise de efetividade do sistema processual brasileiro, os estudiosos propuseram diversas reformas, acolhidas em larga escala pelo legislador, com o intuito de concretizar os princípios da utilidade, celeridade, economia processual e efetividade da jurisdição.
A despeito das reformas do sistema processual, a concretização do princípio da razoável duração do processo ainda se constitui em meta a ser perseguida. O processo com duração excessiva gera graves danos, de caráter individual e coletivo, sendo que a demora é muito mais maléfica para quem não dispõe de recursos para prolongar a lide, configurando dupla injustiça.
Embora o conceito de razoável duração do processo seja aberto e indefinido, partes, profissionais do direito e o legislador devem trabalhar para a construção de um sistema processual que sirva à pacificação social, e não palco de angústias, incertezas e desconfiança.
1. O PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO
O Direito é fruto da cultura, sendo que as leis são produzidas para a sociedade, razão pela qual têm sido constantes os debates e os projetos de reforma do sistema processual brasileiro, tendo em conta a sua reconhecida crise de efetividade. A busca por um sistema processual ideal é contínua, tendo em vista a incapacidade do direito posto acompanhar a velocidade das mudanças sociais.
No afã de empreender modificações no sistema judiciário brasileiro, de forma a torná-lo mais célere e mais efetivo, foi positivado no direito brasileiro o princípio da razoável duração do processo, mediante a inserção do inciso LXXVIII no art. 5º da Constituição Federal. A inovação se concretizou por meio da Emenda Constitucional nº 45/2004, gestada com o propósito de promover profunda reforma do Poder Judiciário, ante a constatação de ineficácia da prestação jurisdicional.
Vale registrar que o direito ao serviço judiciário efetivo já integrava implicitamente o inciso XXXV, do art. 5º da Constituição Federal. Na mesma linha, a razoável duração do processo podia ser extraída do princípio do devido processo legal. A prestação jurisdicional efetiva e em tempo razoável também já era prevista no art. 8º, 1, e 25, 1, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica, da qual o Brasil é signatário.
Todavia, parece-nos que a inserção do princípio da razoável do processo veio reforçar o que antes já estava normativamente previsto, um acréscimo ao direito de ação. Não se pode perder de vista os motivos que levaram o legislador a erigir a questão do tempo do processo ao nível de garantia fundamental decorre da insatisfação com a prestação da tutela jurisdicional. Além disso, deve-se ter em conta que a jurisdição não se resume ao direito de ação, mas a uma tutela jurisdicional efetiva, tempestiva e adequada, sendo atribuição do Estado alcançar este objetivo.
Vale salientar que a positivação de mais um direito fundamental, por si só, não será capaz de fazer com o Estado entregue a prestação jurisdicional ao seu tempo e modo. Também não se pode ignorar que a legislação não consegue caminhar no mesmo ritmo das mudanças sociais. Sobre o tema:
É preciso ter claro, porém, que a mera afirmação constitucional de que todos têm direito a um processo com duração razoável não resolve todos os problemas da morosidade processual, sendo necessário promover-se uma reforma estrutural no sistema judiciário brasileiro. Fique registrado nosso entendimento segundo o qual a crise do processo não é a crise das leis do processo. Não é reformando leis processuais que serão resolvidos os problemas da morosidade do Poder Judiciário. É preciso, isto sim, promover-se uma reforma estrutural, que dê ao Poder Judiciário meios efetivos para bem prestar tutela jurisdicional, o que exige vontade política para mudar o atual estado de coisa. (CÂMARA, 2006, p. 60).
Vale consignar que boas normas, bons códigos ou mesmo o sistema de direito, somente serão considerados bons se forem adequados à sociedade para a qual foram concebidos. Nessa direção, é bom ressaltar que a sociedade brasileira contemporânea é regulada por uma Constituição que instituiu o Estado Democrático de Direito, cuja marca é o pluralismo, a diversidade, consagração dos direitos fundamentais, valores que estão imbricados nas mais complexas relações humanas. Isso é bom ser salientado. Nossa sociedade apresenta problemas, notadamente pelos efeitos da democracia tardia e pela ausência de concretização de uma série de direitos fundamentais. Portanto, os procedimentos da jurisdição devem atender não só aos anseios pela celeridade e efetividade do processo, mas também estar à altura do novo modelo de sociedade, pautada pelo pluralismo e relativismo.
Deve ser digno de registro que não se pode admitir a busca desenfreada pela celeridade do processo, em detrimento de outros princípios e garantias como o do contraditório, ampla defesa e devido processo legal. Nessa linha de raciocínio é a constatação de Cabral (2013, p. 81-82):
[...] Cabe a indagação: os procedimentos estatais de solução de controvérsias devem ser decididos imediatamente? O processo é feito para ser rápido e não demorar? Algum procedimento de julgamento imediato consegue respeitar direitos fundamentais igualmente basilares, como a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal? Para todas as indagações pensamos ser negativa a resposta.
A afirmação que se segue não pretende chocar ou causar qualquer tipo de polêmica; é antes, uma constatação: o processo é feito para demorar! Isso porque, para julgar adequadamente, o julgador – seja ele juiz ou autoridade administrativa – deve se debruçar com cuidado sobre as questões postas para sua cognição. Além disso, o contato constante e reiterado com as partes é também essencial para o amadurecimento do processo decisório.
A preocupação com discursos autoritários e que pregam a celeridade a qualquer custo também foi levantada por Didier Jr. (2007, p. 41). Confira-se:
É preciso, porém, fazer uma reflexão como contraponto. Bem pensadas as coisas, conquistou-se, ao longo da história, um direito à demora na solução dos conflitos. A partir do momento em que se reconhece a existência de um direito fundamental ao processo, está-se reconhecendo, implicitamente, o direito de que a solução do conflito deve cumprir, necessariamente, uma série de atos obrigatórios, que compõem o conteúdo mínimo do devido processo legal. A exigência do contraditório, o direito à produção de provas e aos recursos, certamente, atravancam a celeridade, mas são garantias que não podem ser desconsideradas ou minimizadas. É preciso fazer o alerta, para evitar discursos autoritários, que pregam a celeridade como valor insuperável. Os processos da Inquisição poderiam ser rápidos. Não parece, porém, que se sente saudade deles. (DIDIER JR., 2007, p. 41).
O sistema processual deve buscar o equilíbrio, pois a celeridade sem a observância de garantias básicas do processo poderá trazer seqüelas. Nessa direção é a preocupação externada por Wambier (2003, p. 2), que assinala:
Outra verdadeira "neurose" que preside boa parte das preocupações de estudiosos e de operadores do sistema jurídico é a da celeridade processual. Já sustentamos em outro espaço que nem de longe desejamos incentivar mecanismos morosos de prestação jurisdicional, mas entendemos que a possibilidade de solução afobada das lides - assim como por muitos é apregoado - desmerece o sistema e o desacredita perante a sociedade. Assim como na vida biológica, também na "vida do Direito" tudo tem seu tempo de germinação e de maturação, sendo improvável que o açodamento produza bons frutos.
Realmente, um processo extremamente seguro, mas excessivamente lento é tão inadequado quanto outro bastante rápido, mas sem nenhuma segurança. Por isso a afirmação de Cabral (2013, p. 83) para quem “um processo apressado, que, a pretexto de servir à celeridade, termine por violar outros direitos fundamentais (ou reduzir a precisão e correção da sentença) será tão ou mais deletério que um processo moroso”.
Portanto, não se pode esperar que o processo sempre apresente respostas imediatas a quem postula tutela jurisdicional. O que deve ser assegurado com o princípio da razoável duração do processo é a construção de um sistema processual intolerante às dilações indevidas. Em observância à efetividade, referido sistema deverá contar com as tutelas de urgência e da evidência.
2. DEMORA PROCESSUAL E O DANO MARGINAL
Conforme ressaltado, a demora é algo inerente ao processo, todavia, partes e advogados precisam estar conscientes que o processo tem um momento em que precisa ser encerrado, até para que as pessoas envolvidas no litígio possam retomar o curso de suas vidas.
A verdade é que todo o processo tem um tempo para sua maturação, mas a vida das pessoas não se pode resumir a um processo. Ademais, o processo deve ser visto como um acidente de percurso, em que as partes não tiveram outro caminho do que a de submeter ao Estado a apreciação do seu caso concreto. Isso é importante ser ressaltado, visto que vem se construindo em nosso país a noção de que tudo deve ser levado ao crivo do Judiciário, o que pode ser constatado pelas estatísticas dos Tribunais, revelando verdadeira explosão de litigiosidade. É sinal de que a sociedade e seus canais extraprocessuais de resolução de conflitos não têm conseguido dar vazão aos litígios.
E demandas não resolvidas representam prejuízos, além de configurarem a não concretização de um direito fundamental, visto que as partes têm suas vidas marcadas pela incerteza. Sobre o tema, confira-se o seguinte excerto:
Assim, enquanto o processo não é decidido em termos definitivos, as partes continuam com suas vidas dominadas por um estado de incerteza pernicioso, que as impede de programarem suas atividades, projetando os efeitos que a derrota ou vitória na lide proporciona, algo que nem mesmo pela previsão das tutelas de urgência é solucionado.
[...]
Em verdade, a demora na solução do litígio impõe a todos os litigantes um prejuízo: autor e réu perdem simultaneamente em razão do prolongamento injustificado da lide. Trata-se de um dano que não decorre da derrota em relação à pretensão deduzida, mas um “dano marginal”, na feliz expressão que foi popularizada na doutrina italiana por Enrico Finzi. O dano marginal é aquele que sofrem os litigantes em razão de deficiência na tramitação dos processos, e esta demora afeta a ambos, autor e réu, vencedor e vencido. [...](CABRAL, 2013, p. 76-77).
Para o expoente da Escola Paulista de Processo “de todos os nossos fantasmas, o que mais assombra é o tempo – o tempo-inimigo, que corrói direitos e contra o qual o juiz deve travar uma guerra sem tréguas, mas que até agora não aprendemos como combater”. (DINAMARCO, 2013, p.12).
Discorrendo a respeito da demora processual, Marinoni (2007, 190-191) assevera:
A demora processual foi tratada, por parcela da doutrina, como algo meramente acidental ao processo, e por isso destituída de qualquer importância para um “discurso científico”.
É claro que, quando o direito processual é reduzido a uma esfera exclusivamente técnica, e assim é desligado de sua relação com a vida social, o tempo acaba não tendo importância. Acontece que não há como deixar de questionar a real capacidade de o processo atender às necessidades dos jurisdicionados e, para tanto, além de problemas como o do custo, importa o significado que o tempo aí assume, em especial como o tempo repercute sobre a efetiva proteção do direito material.
[...]
Nessa linha é fácil concluir que o autor com razão é prejudicado pelo tempo da justiça na mesma medida em que o réu sem razão é por ela beneficiado. Vistas as coisas através desse ângulo, fica muito claro o valor que o tempo possui diante desses conflitos. (grifos no original).
Importante registrar o ensinamento de Gajardoni (2013, p. 41-42) que, com apoio em Vincenzo Vigoriti, mostra que a circunstância temporal do processo pode ser analisada sob os aspectos estrutural e funcional:
No aspecto estrutural, salienta o renomado processualista italiano que há tempos de espera e técnicos; os tempos de espera (“tempo morto”), aqueles necessários para que a causa ritualmente introduzida seja tomada em consideração (juntada de documentos, subida à conclusão, trânsito dos autos, etc.); os tempos técnicos, aqueles necessários à instrução e decisão da demanda (prazo para alegações, audiências, etc). (GAJARDONI, 2013, p. 41-42).
Segundo Guerra[1] (on line), a demora do processo, por si só, é causa imediata de danos irreparáveis ou de difícil reparação. Confira-se:
De outra parte, a duração do processo pode ser, ela própria, causa imediata de danos ao autor, simplesmente por submeter o direito controvertido a um prolongado estado de insatisfação. Nessa hipótese a mera permanência no estado de insatisfação do direito, imposta pela duração do processo é a causa imediata de danos irreparáveis ou de difícil reparação, que tornam inviáveis a prestação efetiva da tutela jurisdicional pretendida. Esse risco de dano é aquele denominado por Calamandrei de perigo de tardança e por Andolina de dano marginal em sentido estrito ou por indução processual.
Registre-se, por derradeiro, que as dilações indevidas do processo prejudicam as partes duplamente. Primeiro, pela perpetuação do estado de incerteza, em razão do litígio não resolvido. Segundo, pelo prejuízo decorrente da perda da memória probatória, representada não só pelo esquecimento dos fatos pelas testemunhas, mas também pelos aspectos materiais, como lugares transformados pela intervenção humana e pela natural ação do tempo. Embora o sistema processual disponha do mecanismo da produção antecipada de prova pericial, a teor do art. 849 do CPC, referida medida processual é reservada para casos excepcionais.
3. A BUSCA POR MÉTODOS DE TRABALHO VOLTADOS PARA UM PROCESSO SEM DILAÇÕES INDEVIDAS
O princípio da razoável duração do processo tem por destinatário todos os profissionais do direito bem como as partes envolvidas no litígio. Destina-se, também, sobremodo, ao legislador, visto o seu papel na construção de arcabouço normativo que reflita o desejo da sociedade por um processo sem dilações indevidas.
O sistema processual civil passou por reformas pontuais, que tornaram o CPC vigente (1973) em verdadeira colcha de retalhos. Embora não seja uma idéia defendida por todos, estamos em pleno fervor das discussões, tendo em vista a tramitação do Projeto do Novo Código de Processo Civil (PL 8.046/2010).
Importante rememorar que com a promulgação do Código de Processo Civil de 1939, o Brasil saiu, embora não totalmente, do sistema processual herdado do Direito lusitano, libertando-se das arcaicas formas procedimentais do processo comum ou romano-canônico. Não obstante os esforços para a concepção do diploma processual civil, o código de 1939 se tornou obsoleto, mormente em razão da morosidade, conforme leciona Fux (2004, p.36):
A existência de inúmeras leis extravagantes regulando procedimentos especiais e a morosidade da prestação jurisdicional em razão dos instrumentos previstos no Código de 1939 foram as razões determinantes para a encomenda encetada, em 1963, ao jurista Alfredo Buzaid, no sentido de apresentar anteprojeto de Código de Processo Civil, o que foi feito em janeiro de 1964. Esse anteprojeto foi submetido ao crivo de comissão constituída em 1969 pelos insignes juristas processuais Machado Guimarães, José Frederico Marques e Luiz Antonio de Andrade.
Deve ser ressaltado, que tanto o Código de 1939, quanto o Código de 1973 representaram evolução sistêmica e metodológica no direito processual civil, porquanto foram concebidos a partir de critérios científicos. Nesse sentido, é a observação de Alexandre Freitas Câmara, que assim se manifesta:
Deve-se afirmar que a evolução legislativa do Direito Processual tem acompanhado a evolução científica. Assim é que, se nossos Códigos de Processo Civil foram elaborados à luz dos critérios e conceitos predominantes na fase científica (tanto o CPC de 1939, elaborado à luz das teorias de Chiovenda, como o de 1973, verdadeiro “monumento em homenagem a Liebman”, enquadram-se nesta fase da evolução do Direito Processual). O Código de Processo Civil vigente (o de 1973) foi, todavia, reformado por uma série de leis que alteraram diversos preceitos e princípios ali contidos e que geraram uma verdadeira revolução em nosso sistema processual, tendo sido tal reforma realizada já sob influência dos princípios norteadores da fase instrumentalista do processo (CÂMARA, 2006, p. 10).
Os códigos de 1939 e 1973 foram promulgados em tempos de ditadura, do Estado Novo e do regime militar, portanto, sem qualquer participação da sociedade. Por isso a expectativa da comunidade jurídica em torno do Projeto do novo CPC (PL 8.046/2010), uma vez que está sendo elaborado em um ambiente plenamente democrático.
Com efeito, a Constituição Federal de 1988 foi um importante vetor para o incremento das demandas, ao tempo em que surgiram leis especiais, com notáveis modificações de institutos consagrados no código de processo. Para atender às novas exigências do direito material, o direito processual é constantemente desafiado, com vistas à efetividade da tutela jurisdicional.
A doutrina tem apontado que o sistema processual brasileiro não apresenta técnicas e métodos de trabalho que impulsionem a entrega da prestação jurisdicional. Nesse sentido, a precisa constatação de Leonardo Greco:
Se o Estado e a Justiça estão em crise, conseqüentemente o Processo, como instrumento de solução de conflitos e de administração estatal de interesses privados, também está em crise, pois o sistema jurídico e os ordenamentos positivos, engendrados pela sua teoria geral em mais de cem
anos, tornaram-se incapazes de atender às exigências de rapidez e eficiência na entrega da prestação jurisdicional e de instaurar um verdadeiro diálogo humano capaz de satisfazer às aspirações democráticas infundidas na consciência jurídica dos cidadãos do nosso tempo. (GRECO, 1999, p.2)
Importante destacar que muito se tem dito a respeito das causas da morosidade processual, tendo sido apontado os “dias mortos” do processo e não os recursos ou mesmo a conduta das partes como obstáculos à celeridade. Nesse sentido, a lição de Athos Gusmão Carneiro:
Diga-se, aliás, que as maiores demoras no andamento dos processos judiciais, como bem sabem os operadores do Direito, não ocorrem em conseqüência da sucessão de recursos, ou de eventuais manobras protelatórias das partes, ou da necessidade de audiências com seus freqüentes adiamentos. As maiores demoras são as decorrentes dos “dias mortos”, em que os processos aguardam, em pilhas e pilhas, as providências cartorárias para a publicação das notas de expediente, para as juntadas de petições, para a expedição de mandados, para a efetiva “conclusão” dos autos aos juízes. (CARNEIRO, 2010, p. 5).
A respeito das reformas legislativas do sistema processual, vale trazer a lume a interessante observação de Eduardo José da Fonseca Costa:
A comunidade jurídica tem assistido perplexa às sucessivas reformas legislativas impingidas ao CPC de 1973. Por meio delas, a coerência sistêmica originária desenhada por Alfredo Buzaid tem se esvaído. Todavia, o legislador não tem atuado sem motivo: o apuro técnico do Código não foi bastante para protegê-lo dos baixos níveis de eficiência e efetividade aos quais estava fadado. O tempo a tudo corrói e o CPC tornou-se uma lei carcomida por seu próprio descompasso. Todo texto de lei envelhece e contra esse fado não há elixires. (COSTA, 2012, p. 47)
Para tempos de demanda de massa o sistema processual que prima apenas pelo valor segurança jurídica e o respeito ao contraditório pode estar superado. Com efeito, as garantias processuais, ainda no intuito de fazer valer a segurança jurídica, muitas vezes tornam infinita a lide, deixando, ao contrário, a sociedade sob eterna insegurança. De outra parte, o devido processo legal somente é legítimo quando estabelece critérios razoáveis para a solução da lide em tempo adequado. Ademais, não há princípios absolutos, devendo o ordenamento jurídico ser marcado pelo equilíbrio.
De acordo com Fux (2004, p.247) só se considera uma justiça efetiva aquela que confere o provimento contemporaneamente à lesão ou ameaça de lesão ao direito. Na verdade, dentre os inúmeros reclames da efetividade, destaca-se o que se refere à justiça da decisão, a exigir uma decisão o quanto possível aproximada da realidade.
Para Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, um novo paradigma de real efetividade do processo passa pelo rompimento com concepções privatísticas e atrasadas. Confira-se:
Se quisermos pensar o direito processual na perspectiva de um novo paradigma de real efetividade, é preciso romper de vez com concepções privatísticas e atrasadas, que não mais correspondem às exigências atuais e que deixaram de ser adequadas às elaborações doutrinárias e aos imperativos constitucionais que se foram desenvolvendo ao longo do século XX. Nesse panorama, um dado importante é o declínio do normativismo legalista, assumido pelo positivismo jurídico, e a posição predominante, na aplicação do direito, dos princípios, conceitos jurídicos indeterminados e juízos de equidade, com toda sua incerteza, porque correspondem a uma tomada de decisão não mais baseada em um prius anterior ao processo, mas dependente dos próprios elementos que nele serão colhidos. (apud ZANETI JR., 2012, p. 94, grifos no original).
Para a construção de um sistema processual efetivo há a necessidade de mudança de postura e mentalidade dos profissionais do direito. Urge superar dogmas, pois mesmo com mudanças normativas, ainda remanescem interpretações destoadas de um processo de resultados. A respeito das inovações, Calmon de Passos crítica a postura dos processualistas brasileiros vinculados às idéias de autores que foram brilhantes, mas ao seu tempo, não tendo enfretado as novas realidades. Vale conferir:
Nossa realidade sócio-política-econômica quase nada conserva de comum com a década de 50, sobre a qual trabalhou o talento de Mauro Capelletti. Ele continua atual, como atual ainda são os que souberam pensar o seu tempo, mas seus transplantadores, diversamente, e com a devida vênia, são ultrapassados ao pretenderem colocar o que ele pensou ontem sobre a realidade de hoje, como se o que foi pensado constituísse um decalque que se pudesse imprimir em qualquer superfície.
[...]
Não desmerecemos os gênios que souberam compreender seu tempo quando tentamos ir além daquilo que eles viram ou contestando muito do que disseram adequadamente para seu tempo mas que se tornou inviável nos tempos que vivemos.
[...]
Quando vejo invocarem Cappelletti, Denti, Proto Pisani, Vigoritti, Liebman e outros como se fossem ainda hoje os faróis que norteiam a navegação, lamento por esses gigantes do pensamento que, se estivessem hoje com a responsabilidade de pensar os tempos novos, jamais reproduziriam o que teorizaram para o seu tempo, porque foi justamente a lucidez de perceber a realidade nova que os fez pensadores novos. (PASSOS, 2012, p. 72-73)
Ao discorrer sobre as resistências às propostas inovadoras no sistema processual e os rumos incógnitos do processo, Cândido Rangel Dinamarco propõe o rompimento a dogmas e releituras de princípios:
O exagerado conceitualismo que dominou a ciência do processo a partir do século XIX e a intensa preocupação garantística que se avolumou na segunda metade do século XX haviam levado o processualista a uma profunda imersão em um mar de princípios, de garantias tutelares e de dogmas que, concebidos para serem fatores de consistência metodológica de uma ciência, chegaram ao ponto de se transmudar em grilhões de uma servidão perversa. Em nome dos elevados valores residentes nos princípios do contraditório e do due process of law, acirraram-se formalismos que entravam a máquina e abriram-se flancos para a malícia e a chicana. Para preservar as garantias do juiz natural e do duplo grau de jurisdição, levaram-se a extremos as regras técnicas sobre a competência. Nós, doutrinadores e operadores do processo, temos a mente povoada de um sem-número de preconceitos e dogmas supostamente irremovíveis que, em vez de iluminar o sistema, concorrem para uma Justiça morosa e, às vezes, insensível às realidades da vida e às angústias dos sujeitos em conflito (DINAMARCO, 2013, p. 20-21).
Com efeito, a efetividade e a razoável duração processo reclamam um sistema processual de resultados, no qual formalidades exacerbadas e inócuas vão aos poucos sendo eliminadas. Noutra frente, em um cenário permeado pelo direito fundamental à razoável duração do processo, devem os profissionais do direito, dentro das suas respectivas funções, conduzirem o processo de forma a evitar a procrastinação e as chicanas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo com duração excessiva gera efeitos nocivos às pessoas e à sociedade. A demora é ainda mais prejudicial para as pessoas que não dispõe de recursos, pois não podem suportar eternamente a solução da lide. Ao contrário, há aqueles que podem esperar e desprestigiam de forma reiterada o ordenamento jurídico.
Não é de hoje que os estudiosos do direito vêm mostrando que o direito fundamental à tutela jurisdicional ainda padece de concretização. Por longo tempo, o diagnóstico foi no sentido de que o acesso à justiça ainda se constituía em obstáculo, uma vez que as portas do Judiciário não estavam acessíveis a amplo segmento da sociedade.
Para concretizar o princípio da razoável duração do processo, o sistema processual deve prever instrumentos de tutela adequados, ajustando as situações concretas ao binômio tempo e processo.
Por derradeiro, alerta-se para a necessidade de busca de um ponto de equilíbrio, tendo em conta os riscos que a busca desenfreada pela celeridade pode causar, quando referida meta implicar o sacrifício de outros princípios e garantias, como o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal.
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[1] GUERRA, Marcelo Lima. Antecipação de tutela no processo executivo. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 12 de out. de 2013.
Procurador da Fazenda Nacional. Especialista em Direito Constitucional. Especialista em Direito Tributário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: EMILIANO, Eurípedes de Oliveira. O princípio da razoável duração do processo e o dano marginal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jun 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39839/o-principio-da-razoavel-duracao-do-processo-e-o-dano-marginal. Acesso em: 23 dez 2024.
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