Resumo: Este artigo tem por finalidade tecer breves considerações acerca da natureza jurídica da figura do amicus curiae.
Palavras-Chave: Amicus Curiae. Natureza jurídica.
Em nosso ordenamento jurídico, a previsão expressa da figura do “amigo da corte” pode ser encontrada, dentre outros dispositivos, no: A) art. 31, da Lei 6.385, de 1976, que dispõe sobre a Comissão de Valores Mobiliários[1]; B) art. 118 da Lei nº 12.529, de 2011, que dispõe sobre o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência[2]; C) §2º do art. 7º da Lei nº 9.868, de 1999, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal[3]; D) §1º do art. 6º da Lei nº 9.882, de 1999, que dispõe sobre o processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental[4]; E) §7º do art. 14 da Lei nº 10.259, de 2001, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal[5]; F) §3º do art. 482 do CPC, que trata do incidente de inconstitucionalidade[6]; G) §6º do art. 543-A do CPC, que trata da análise do recurso extraordinário submetido à repercussão geral[7]; H) §4º do art. 543-C do CPC, que trata da submissão do REsp ao procedimento dos recursos repetitivos[8]; I) §2º do art. 3º da Lei nº 11.417, de 2006, que trata do procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado da súmula vinculante[9]; e J) parágrafo único do art. 5º da Lei nº 9.469, de 1997, que dispõe sobre a intervenção da União nas causas em que figurarem, como autores ou réus, entes da administração indireta[10].
Observe-se que, apesar de a atuação do “amigo da corte” ser mais encontrada nas ações de controle de constitucionalidade (ADIN e ADCON), nada impede que a figura seja utilizada em qualquer processo judicial, em qualquer instância, desde que haja autorização do juiz. Neste sentido, Fredie Didier Jr. cita o julgamento do Habeas Corpus nº 82424, em que o Supremo Tribunal Federal admitiu a intervenção do amigo da corte, a despeito da inexistência de regra expressa no processo penal neste sentido, servindo de paradigma para que se permita a intervenção deste auxiliar sempre que a relevância da causa assim impuser[11].
Quanto à natureza jurídica do amicus curiae cumpre destacar a opinião de Cândido Rangel Dinamarco, segundo o qual ele é uma parte imparcial, como o custos legis, e suas manifestações devem pautar-se pela busca de uma decisão juridicamente correta e politicamente adequada, sem vinculação com o interesse de qualquer das partes em litígio[12].
O amicus curiae não atua em benefício do autor ou do réu. Sua atuação é institucional, objetivando auxiliar o Judiciário com informações privilegiadas das quais é titular para ajudar no julgamento do caso. Assim, eventual benefício do autor e do réu é apenas consequência de sua atuação, mas não seu fundamento[13].
Para Fredie Didier Jr., a manifestação do amicus curiae, é uma especialização procedimental, que não se confunde com qualquer espécie de fenômeno interventivo, sendo uma forma de aprimoramento da tutela jurisdicional. Não é parte e também não se enquadra na intervenção de terceiros[14].
O Supremo Tribunal Federal, com o voto do Relator, Ministro Celso de Mello, no julgamento do AGRADI 748/RS, já decidiu que o amicus curiae não intervém como um terceiro, mas atua como um colaborador informal da Corte, conforme se observa da ementa abaixo transcrita:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - INTERVENÇÃO ASSISTENCIAL - IMPOSSIBILIDADE - ATO JUDICIAL QUE DETERMINA A JUNTADA, POR LINHA, DE PECAS DOCUMENTAIS - DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE - IRRECORRIBILIDADE - AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO. - O processo de controle normativo abstrato instaurado perante o Supremo Tribunal Federal não admite a intervenção assistencial de terceiros. Precedentes. Simples juntada, por linha, de peças documentais apresentadas por órgão estatal que, sem integrar a relação processual, agiu, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, como colaborador informal da Corte (amicus curiae): situação que não configura, tecnicamente, hipótese de intervenção ad coadjuvandum. (...).
(STF, AGRADI 748-RS, Relator Min. Celso de Mello, DJ de 18.11.1994)
Cassio Scarpinella Bueno, ao tratar dos poderes processuais do “amigo da corte”, ensina que, para esclarecer questões de fato e de direito que justificam sua intervenção, ele pode juntar documentos ou apresentar memoriais. Não pode, contudo, apresentar contestações ou qualquer outro tipo de resposta ou defesa, isto é, não pode fazer nada além de fornecer ao magistrado dados concretos e úteis para maior elucidação da matéria controvertida. E, sobre a possibilidade deste interveniente recorrer, cumpre destacar os seguintes trechos de sua obra, intitulada “Amicus Curiae no Processo Civil Brasileiro: um terceiro enigmático” [15]:
“O parágrafo único do art. 5º da Lei nº 9.469/97 é expresso quanto à possibilidade de o interveniente, que chamamos de amicus curiae, recorrer. E, mais do que admitir essa possibilidade, passar o interveniente a ser considerado “parte” quando houver a interposição de recurso.
(...)
Como o interveniente, ao recorrer, passa a ser “parte”, para ele deixam de ser aplicadas as restrições indicadas no item anterior, facultando-se-lhe, por conseguinte, a prática de quaisquer atos relativos ao direito de recorrer que caracterizam a atuação de uma parte. (...)
Decorre da natureza de parte do interveniente que seu recurso não se limitará, apenas e tão-somente, a questões relativas à ou derivadas da sua intervenção, (...). Aqui, por expressa disposição legislativa, o objeto do recurso do “ex-interveniente” é tão amplo quanto o de qualquer parte sucumbente.
(...)
(...) Uma leitura literal do dispositivo revela, destarte, que, antes da interposição de qualquer recurso, o ente é “mero interveniente” (...). É, de acordo com a lei, somente após a interposição do recurso (qualquer recurso ...), que o interveniente passa a ser parte.
(...)
(...), não há qualquer inconveniente em entender que a partir da interposição do recurso, o interveniente passa a ser parte, detendo, a partir daí, os mesmos poderes, deveres, ônus, faculdades e obrigações das partes.
A figura, a bem da verdade, não é totalmente desconhecida do nosso ordenamento processual civil. O art. 499, §2º, do Código de Processo Civil, (...) previu expressamente que o Ministério Público que tenha oficiado na qualidade de custos legis detém legitimidade para recorrer independentemente de o terem feito as partes.” (grifo nosso)[16]
Portanto, a função do amicus curiae é a de levar, espontaneamente ou quando provocado pelo magistrado, elementos de fato e/ou de direito que de alguma forma relacionam-se com a matéria a ser julgada, e sua natureza jurídica não é a de litisconsórcio, de assistência ou de intervenção de terceiros, já que sua atuação deve ser desinteressada na decisão final do processo. Contudo, a partir do momento em que ele recorre passa a ter a natureza jurídica de parte, com os poderes a ela inerentes.
REFERÊNCIAS:
BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus Curiae no Processo Civil Brasileiro: um terceiro enigmático. São Paulo: Saraiva, 2006.
DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 12ª Edição. Salvador: Editora Jus Podivm, 2010.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. II. 5ª Edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.
SILVA, Larissa Clare Pochmann da. O amicus curiae no (novo) processo civil brasileiro. Disponível em: http://facha.edu.br/dmdocuments/direito1_ARTIGO1.pdf. Acesso em: 21.02.2014.
NOTAS:
[1] Art. 31. Nos processos judiciários que tenham por objetivo matéria incluída na competência da Comissão de Valores Mobiliários, será esta sempre intimada para, querendo, oferecer parecer ou prestar esclarecimentos, no prazo de quinze dias a contar da intimação.
[2] Art. 118. Nos processos judiciais em que se discuta a aplicação desta Lei, o Cade deverá ser intimado para, querendo, intervir no feito na qualidade de assistente.
[3] Art. 7º. (...)
§ 2o O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.
[4] Art. 6º. (...)
§ 1o Se entender necessário, poderá o relator ouvir as partes nos processos que ensejaram a argüição, requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou ainda, fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria.
[5] Art. 14. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei.
(...)
§ 7º Se necessário, o relator pedirá informações ao Presidente da Turma Recursal ou Coordenador da Turma de Uniformização e ouvirá o Ministério Público, no prazo de cinco dias. Eventuais interessados, ainda que não sejam partes no processo, poderão se manifestar, no prazo de trinta dias.
[6] Art. 482. (...)
§ 3o O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá admitir, por despacho irrecorrível, a manifestação de outros órgãos ou entidades.
[7] Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.
(...)
§ 6º O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
[8] Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo.
(...)
§ 4o O relator, conforme dispuser o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça e considerando a relevância da matéria, poderá admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia.
[9] Art. 3º. (...)
§ 2o No procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado da súmula vinculante, o relator poderá admitir, por decisão irrecorrível, a manifestação de terceiros na questão, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
[10] Art. 5º A União poderá intervir nas causas em que figurarem, como autoras ou rés, autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais.
Parágrafo único. As pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão consideradas partes.
[11] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 12ª Edição. Salvador: Editora Jus Podivm, 2010. 404-405p.
[12] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. II. 5ª Edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. 394p.
[13] SILVA, Larissa Clare Pochmann da. O amicus curiae no (novo) processo civil brasileiro. Disponível em: http://facha.edu.br/dmdocuments/direito1_ARTIGO1.pdf. Acesso em: 21.02.2014.
[14] Op. Cit. 405-406p.
[15] BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus Curiae no Processo Civil Brasileiro: um terceiro enigmático. São Paulo: Saraiva, 2006. 249-251p.
[16] O Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADIs 3615 ED/PB (Relatora Min. Cármen Lúcia, DJE de 25.05.2008), 2359 ED-AGR/ES (Relator Min. Eros Grau, DJE de 28.08.2009) e 4167 ED/DF (Relator Min. Joaquim Barbosa, DJe de 09.10.2013), entendeu pelo não cabimento de recursos (incluindo embargos de declaração) interpostos por terceiros estranhos à relação processual, mais precisamente por amicus curiae, nos processos objetivos de controle
Procuradora Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KELLY BENíCIO BAILãO, . Breves considerações acerca da natureza jurídica da figura do amicus curiae Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 jun 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39956/breves-consideracoes-acerca-da-natureza-juridica-da-figura-do-amicus-curiae. Acesso em: 27 dez 2024.
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