A pacificação social está no rol dos objetivos fundamentais da República (art. 3º, I da Constituição Federal de 1988).
E pode-se dizer que a instituição de uma política pública de utilização dos métodos alternativos de solução de conflitos tem como um dos seus objetivos a pacificação social.
Já vimos que o discurso que defende a utilização dos meios alternativos na verdade tem incentivado também uma verdadeira mudança cultural no tratamento dos conflitos.
Por autocomposição, entende-se como a solução do litígio por decisão consensual das partes envolvidas no conflito. Distingue-se da solução heterocompositiva, exercida mediante a imposição de um terceiro imparcial.
Os meios alternativos de solução de conflitos, também chamados de meios adequados de solução de conflitos, são mecanismos que visam à obtenção da autocomposição e aqui falaremos sobre: a conciliação, a mediação e a negociação.
Que fique claro que existem muitos trabalhos publicados sobre o assunto, mas não há uniformidade terminológica ou técnica na conceituação desses institutos.
Quando se fala em conciliação, uma parte da doutrina entende como o gênero, ou seja, engloba todos os métodos que buscam simplesmente alcançar um acordo entre as partes que estão em conflito.
Para outros, a conciliação e a mediação são espécies distintas, com diferenças essenciais, pois: enquanto a mediação é mais recomendada para situações de múltiplos vínculos ou conflitos subjetivos, a conciliação é adequada para relações circunstanciais e compostas de um único vinculo. Isso porque o foco da conciliação é o acordo e com ele a extinção do processo e na mediação busca-se também desvendar os interesses dos envolvidos, e possibilitar a manutenção dos vínculos anteriores após a discussão da causa independentemente do acordo.
Ademais, outra diferença entre a mediação e a conciliação é em relação ao papel desempenhado pelo terceiro facilitador da composição[1].
Na primeira, o mediador apenas auxilia as partes, as ajudam com sua escuta, interpretação e mecanismos de transferência, para que elas encontrem os caminhos de resolução. O mediador é um mero facilitador do diálogo, que não participa da solução ou influi diretamente em decisões ou mudanças de atitude[2]. Já na conciliação, o conciliador faz às vezes do mediador e ainda propõe alternativas para o deslinde do conflito[3].
Registre-se que há doutrinadores que não diferenciam esses dois institutos, como Ivan Machado Barbosa e Eduardo Medina[4].
Para Petrônio Calmon[5], a conciliação pode ser conceituada como a atividade desenvolvida para incentivar, facilitar e auxiliar a essas mesmas partes a chegarem num acordo, adotando, porém, metodologia que permite a apresentação de proposição por parte do conciliador, preferindo-se, ainda, utilizar este vocábulo exclusivamente quando esta atividade é praticada diretamente pelo juiz ou por pessoa que faça parte da estrutura judiciária, especificamente destinada a este fim.
O próprio autor reconhece que sua definição não é unanime. E com ela não concordamos na parte que restringe a atividade conciliatória ao sistema judicial, tendo em vista a conciliação ser ferramenta também utilizável no âmbito administrativo e nas relações privadas.
Já por mediação, podemos conceituá-la como a intervenção construtiva de um terceiro imparcial junto às partes nele envolvidas, com vistas à busca de uma solução pelas próprias partes[6].
A mediação tem várias escolas e falaremos de algumas delas. Percebam, no entanto, mais uma vez, que são conceitos doutrinários, não havendo uniformidade no tema.
Pois bem. Em primeiro lugar, temos a mediação voltada para a solução do problema, que se materializa no acordo. Esse modelo teve como paradigma a negociação, cujo grande marco teórico foi a obra dos professores de Harvard, Roger Fisher, William Ury e Bruce Patton, Getting to Yes, já traduzida para o português: Como chegar ao sim: a negociação de acordos sem concessões.
Esse modelo nada mais é do que uma negociação facilitada e possui 4 passos a serem seguidos: 1) (pessoa) separar as pessoas do problema; 2) (interesses) focalizar nos interesses em jogo, não na posição das partes; 3) (opções) apresentar propostas de soluções criativas para o problema e 4) estabelecer parâmetros justos e adequados para encontrar a solução final.
O segundo modelo de mediação é a facilitadora. Aqui o mediador tem o papel fundamental de separar as pessoas dos problemas. O objetivo desse modelo é facilitar o diálogo, para melhorar a comunicação entre os envolvidos e estimular que eles resolvam por si seus conflitos. O mediador se utiliza ainda da técnica baseada nos reais interesses das partes e não em suas posições, formulando questões. O mediador também orienta as partes quanto ao melhor caminho para o acordo, mas não quanto ao conteúdo do mesmo, já que não há julgamentos por parte do mediador.
No modelo avaliativo, o mediador usa técnicas para avaliar o que é importante na discussão. O mediador seleciona aspectos importantes do conflito e nessa escola ele se aproxima do papel desempenhado pelo conciliador cuja função proativa lhe permite orientar e sugerir alternativas de solução do conflito. Com cautela, o mediador pode fornecer uma previsão quanto ao provável teor de uma decisão judicial, com o objetivo de orientar as partes para um acordo. Essa avaliação, no entanto, não deve chegar a ser um aconselhamento jurídico, que deve ser buscado pelas partes junto aos seus advogados.
Temos ainda o modelo circular-narrativo, que destaca a conversa como ganho principal da mediação. Essa escola afirma que a mediação é concebida como um processo conversacional, que se promove por meio da comunicação analógica (não verbal) e digital (verbal). O processo de mediação narrativa inclui movimentos de desconstrução e construção, identificando-se o discurso dominante e o discurso alternativo como premissa para a criação de novas narrativas.
E por fim, o modelo transformativo, que tem como características principais a revalorização pessoal dos envolvidos, além do reconhecimento mútuo e o protagonismo na solução dos próprios problemas. Considera-se exitosa a mediação onde as partes tomaram consciência da sua participação. O foco dessa escola não reside no acordo em si, mas no estabelecimento de um padrão de relacionamento entre as partes no qual o próximo conflito surgido no relacionamento será resolvido por elas mesmas. Nesse método de mediação, o empoderamento gera a percepção, pelos indivíduos, do seu valor e da capacidade de tomar suas próprias decisões.
Trazendo os conceitos à prática, observa-se uma confusão entre a conciliação e a mediação, já que muitos programas que se intitulam de mediação praticam a conciliação – e vice versa.
Ademais, os métodos apresentados, na verdade, podem ser utilizados, como ferramenta, em conjunto ou separadamente, a depender do tipo de conflito em discussão.
Com efeito, entretanto, o foco há de ser sempre o acordo, e até se chegar a ele, além do debate sobre os interesses envolvidos no conflito, as partes devem tomar consciência da sua participação no surgimento e na solução da questão.
Voltando aos conceitos, por negociação, outro método autocompositivo, também utilizamos o conceito de Petrônio Calmon, que afirma que a negociação é o mecanismo de solução de conflitos com vistas à obtenção da autocomposição caracterizada pela conversa direta entre os envolvidos sem qualquer intervenção de terceiro como auxiliar ou facilitador.[7]
Atualmente, os conflitantes tem se valido de advogados ou negociadores profissionais contratados para representá-los na negociação. Permanece, porém, a ideia de que não há a participação de um terceiro imparcial conduzindo o processo.
O método de negociação mais conhecido atualmente é o cooperativo, desenvolvido em Harvard e que originou o primeiro método de mediação que explicamos acima.
Para negociar de forma cooperativa, é necessário: 1) separar as pessoas do problema; 2) concentrar-se nos interesses e não nas posições; 3) apresentar propostas satisfatórias para todos os envolvidos.
Por fim, a arbitragem, que não é um método autocompositvo, mas heterocompositivo, porque um terceiro, assim como no Judiciário, é quem decidirá o caso submetido a sua análise. Não obstante essa classificação, também é um meio alternativo de solução de conflitos.
A arbitragem caracteriza-se com uma decisão que soluciona a controvérsia e é imposta por um terceiro imparcial, escolhido pelas partes mediante compromisso e sem qualquer vinculação com o Poder Judiciário.
[1] BERTOLO, Patrícia Batista. A transação do Interesse Público e o dogma da sua indisponibilidade: Uma abordagem teórica a partir das experiências iniciais da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal. 2010. (Especialização em Direito Público) - Faculdade de Direito, Universidade de Brasília, Brasília, p. 10.
[2] MEDINA, Eduardo Borges de Mattos. Meios Alternativos de Solução de Conflitos: o cidadão na administração da justiça. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 2004, p. 57.
[3] CALMON, Petrônio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 142.
[4] BERTOLO, Patrícia Batista. A transação do Interesse Público e o dogma da sua indisponibilidade: Uma abordagem teórica a partir das experiências iniciais da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal. 2010. (Especialização em Direito Público) - Faculdade de Direito, Universidade de Brasília, Brasília, p. 11.
[5] CALMON, Petrônio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 133.
[6] SOUZA, Luciane Moessa de. Meios Consensuais de Solução de conflitos envolvendo entes públicos: negociação, mediação e conciliação na esfera administrativa e judicial. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 55.
[7] CALMON, Petrônio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 107.
Formada em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte; Especialista em Direito Público pela Universidade de Brasília - UNB e em Direito Processual Civil pelo Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP. Procuradora Federal desde 2004.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Helena Dias Leão. Distinções entre os meios autocompositivos: mediação, conciliação e negociação. Conceito de Arbitragem Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39959/distincoes-entre-os-meios-autocompositivos-mediacao-conciliacao-e-negociacao-conceito-de-arbitragem. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Precisa estar logado para fazer comentários.