RESUMO: Após a edição da Lei nº 11.187/2005 que alterou a redação do artigo 522, do Código de Processo Civil, das decisões interlocutórias proferidas no processo cabe o recurso de agravo retido. No entanto, ao mesmo tempo em que estabeleceu a regra (agora explícita) do agravo na forma retida, o caput do artigo 522 excepcionou os casos em que a parte poderá interpor o recurso de agravo de instrumento em face de decisões interlocutórias. No presente trabalho abordaremos as decisões interlocutórias “suscetíveis de causar à parte lesão grave e de difícil reparação”.
PALAVRAS-CHAVE: Decisão Interlocutória. Agravo Retido. Agravo de Instrumento. Exceção legal. Decisão suscetível de causar lesão grave e de difícil reparação.
1. INTRODUÇÃO:
O agravo retido (art. 523 CPC), em regra, era utilizado nos casos menos urgentes e com a finalidade de obstar a preclusão da matéria decidida no curso do processo, permitindo ao agravante renovar a discussão da matéria em sede de apelação. Processava-se em Juízo de primeiro grau de jurisdição nos próprios autos do processo e e era utilizado em poucos casos em que a lei vedava a utilização do agravo de instrumento. Já o agravo de instrumento (art. 524 CPC) era o mais utilizado contra a decisão que causasse dano de difícil reparação.
Se já antes da Lei n° 11.187/05 as previsões legislativas priorizavam o agravo retido em detrimento do agravo de instrumento, hoje a imposição é cogente: esta foi a grande mudança (...). A nova redação dada ao art. 522 do CPC estabelece como regra geral que as irresignações contra as decisões interlocutórias devem ser veiculadas através do agravo retido, cuja regulamentação vem mantida no art. 523.[1]
Assim, nos termos do artigo 522 do Código de Processo Civil, com a nova redação conferida pela Lei 11.187, de 19 de outubro de 2005, “das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação (...) quando será admitida a sua interposição por instrumento.”
O legislador, ao elaborar a Lei 11.187/2005, previa a celeridade processual, evitando que os pretórios do país ficassem abarrotados de recursos de agravo protelatórios e infundados, sem desrespeitar os princípios constitucionais do devido processo legal e do duplo grau de jurisdição.
Sobre o tema, aduz Humberto Theodoro Júnior[2]:
“O intuito da inovação legislativa é reduzir o volume de agravos de instrumento, que tem sido considerado excessivo e comprometedor do bom andamento dos processos em tramitação nos tribunais de segundo grau de jurisdição. Daí a reserva desse tipo de agravo apenas para as causas urgentes, ou para aquelas em que o agravo retido seja inadequado à levada da impugnação ao tribunal.”
2. DESENVOLVIMENTO:
Decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação é o que se exige para admitir o agravo de instrumento.
Agnelo Amorim Filho[3] aduz o seguinte: “É certo que há um princípio de hermenêutica segundo o qual as leis não contêm palavras ou dispositivos inúteis, mas é igualmente certo que existe um outro princípio, muito mais importante, segundo o qual a interpretação dos textos legais não deve conduzir a consequências absurdas. Se há conflito, é óbvio que deve prevalecer o princípio mais importante.”
Vejamos a definição do termo “suscetível”: “Passível de receber impressões, modificações ou adquirir qualidades; capaz.”[4]
A expressão lesão grave e de difícil reparação, consenso entre os doutrinadores, por sua conceituação vaga, não encontra precisão no abstrato, configurando questão de fato e não questão de direito. Dizendo de outra forma, o intérprete deve buscar o seu sentido no caso concreto, a exemplo das lições doutrinárias sobre sua previsão na concessão do efeito suspensivo ao agravo, conforme Tereza Arruda Alvim Wambier[5], ao chamar a atenção para a reduzida operatividade da técnica de enumeração casuística, considerando que a amplitude da riqueza real não se encaixa em taxativas e especificadas hipóteses onde o dano é presumido.[6]
Alguns doutrinadores entendem que a verificação da “suscetibilidade de causar lesão grave e de difícil reparação” faz parte do juízo de admissibilidade do recurso, outros entendem tratar-se de análise do mérito recursal.
Leciona o processualista Guilherme Rizzo Amaral[7]:
“A decisão agravada não precisa, de fato, comprovadamente, causar a lesão, mas, dada a sua natureza, o contexto processual em que a mesma está inserida, deve ser suscetível de causá-la. Colhe-se, portanto, para justificar a interposição do agravo de instrumento – ou seja, para o juízo de admissibilidade - as afirmações do agravante in status assertionis, concluindo-se pela suscetibilidade de vir a decisão causar dano. Indo-se além, estar-se-á invadindo o mérito recursal. O ilustre processualista Nelson Nery Jr., ao distinguir didaticamente acerca do juízo de admissibilidade e juízo de mérito dos recursos, aduz, comparando-os às condições da ação: Quanto ao recurso, ocorre fenômeno assemelhado. Existem algumas condições de admissibilidade que necessitam estar presentes para que o juízo ad quem possa proferir o julgamento do mérito do recurso. Chamamos o exame destes requisitos de juízo de admissibilidade. O exame do recurso pelo seu fundamento, isto é, saber se o recorrente tem ou não razão quanto ao objeto do recurso, denomina-se juízo de mérito. O juízo de admissibilidade dos recursos antecede lógica e cronologicamente o exame de mérito. É formado de questões prévias. Estas questões prévias são aquelas que devem ser examinadas necessariamente antes do mérito do recurso, pois que lhe são antecedentes. Deste gênero – questões prévias – fazem parte integrante as questões preliminares e as prejudiciais. Pois bem. No mais das vezes, os requisitos de admissibilidade dos recursos se situam no plano das preliminares, isto é, vão possibilitar ou não o exame do mérito do recurso. Faltando um dos requisitos, não poderá o tribunal ad quem julgá-lo. Estes requisitos não tem o condão de influir no julgamento do mérito do recurso, razão pela qual não se classificam como questões prejudiciais.” (grifamos)
Para o autor citado, resta claro que a suscetibilidade de causar lesão grave e de difícil reparação é requisito de admissibilidade recursal, não se confundido, absolutamente, com o juízo de mérito.
Teresa Arruda Alvim Wambier[8], embora com diversa análise sobre o termo “suscetível de causar” (tratar-se-ia, no entender da jurista, de análise de mérito), traz idênticos resultados aos defendidos pelo professor Guilherme Rizzo Amaral, verbis:
“Nos casos de decisão que defere ou indefere liminares, saber se a decisão é ‘suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação’ consiste no próprio mérito do recurso. Não haverá sentido, desse modo, em exigir-se que o agravante demonstre que se está diante de tal ‘decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação’, sob pena de se converter o agravo de instrumento em retido. Ora, em tal circunstância, notando o relator do agravo de instrumento que não há urgência, será o caso de se dar ou negar provimento ao recurso, e não de convertê-lo em agravo retido.” (p. 459). Acrescenta ainda a processualista: “Por outro lado, o requisito constante dos dois dispositivos citados (perigo de lesão grave e de difícil reparação) deve ser entendido em sentido amplo, para abarcar tanto os casos em que a lesão ou ameaça de lesão possa atingir direito material da parte, como também aqueles em que a imposição do regime de retenção contrarie o princípio da economia dos juízos, o que ocasionaria, assim, dano processual. É o que ocorre, por exemplo, com a decisão que rejeita exceção de incompetência relativa. Impor no caso o regime de retenção seria criar embaraço contraproducente, visto que, caso a incompetência venha a ser admitida somente quando do julgamento da apelação (cf. art. 523, caput), se ocasionará a decretação da nulidade de todos os atos decisórios realizados em primeiro grau. Neste caso, se está diante de situação em que a adoção do regime de retenção é indesejável, já que pode ocasionar maior demora que a tramitação do agravo de instrumento.”
Acerca do cabimento do recurso de Agravo de Instrumento em face das decisões que antecipam os efeitos da tutela, o i. professor Guilherme Rizzo Amaral cita em seu trabalho o entendimento de Athos Gusmão Carneiro[9], verbis:
As decisões de adiantamento dos efeitos da tutela, à toda evidência e dado seu caráter satisfativo, somente comportam agravo por instrumento; o propósito da tutela antecipada é, com efeito, superar de imediato os possíveis efeitos deletérios ao direito da parte, decorrentes do tempo em que o processo corre (ou lentamente marcha...) em juízo. (...) O adiantamento tardio equivalerá, frequentes vezes, ao não adiantamento.
De modo que embora não desprezível o conhecimento acumulado ao longo dos séculos, a noção de lesão grave, assim reconhecida como um dano qualificado, e de difícil reparação permanece presa à tipificação de cada situação concreta submetida à apreciação da instância recursal, configurando um pressuposto a mais na interposição do agravo de instrumento, ônus de demonstração do recorrente. E é exatamente nesse particular que a lei reformadora do agravo inova, transferindo a lesão grave e de difícil reparação para outro patamar hierárquico, sustentador de uma nova ótica recursal em sede de decisões interlocutórias.[10]
Neste contexto, cabe lembrar que a Constituição Federal, em seu art. 5°, inciso XXXV, garante a prestação jurisdicional efetiva. Afigura-se contrário à ordem constitucional tolher da parte interessada meio processual adequado para, de forma tempestiva, ver apreciada alegação de lesão ou ameaça a direito. Nessa linha, Luiz Guilherme Marinoni[11] afirma: “O jurisdicionado não é obrigado a se contentar com um procedimento inidôneo à tutela jurisdicional efetiva, pois o seu direito não se resume à possibilidade de acesso ao procedimento legalmente instituído. Com efeito, o direito à tutela jurisdicional não pode restar limitado ao direito de acesso à justiça.”
3. CONCLUSÃO:
Concordamos com o autor Guilherme Rizzo Amaral quando afirma que “a suscetibilidade de causar lesão grave e de difícil reparação” é requisito de admissibilidade recursal, não se confundido com o juízo de mérito. Assim, em homenagem ao disposto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988, a conversão do regime de instrumento em retido deve ser feita com grande cautela pelo relator. Isso porque há casos em que, embora não haja exatamente uma "lesão grave", mais recomendável é julgar a questão desde logo, sem esperar o julgamento do mérito pela sentença. É possível que a parte valha-se do agravo no regime de instrumento justificando a inexistência de interesse processual ou mesmo a inconveniência (inclusive para o interesse público) na adoção do agravo retido. Assim, interposto o agravo de instrumento fora dos casos indicados na lei, não será caso de não conhecimento do recurso, mas da sua conversão em agravo retido, conforme inciso II do art. 527, do CPC.
REFERÊNCIAS
MACEDO, Elaine Harzheim. O sistema recursal e a nova sistemática do agravo. https://www1.tjrs.jus.br/export/poder_judiciario/tribunal_de_justica/centro_de_estudos/doutrina/doc/sistema_recursal_agravo.pdf Acesso em 25/06/2014.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. As novas reformas do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
AMORIM FILHO, Agnelo. Critério Científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista de Direito Processual Civil. São Paulo, v. 3º, p. 95-132, jan./jun. 1961. p. 109).
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. RJ: Nova Fronteira, 1999. 3ª edição. p. 1909).
WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Efeito suspensivo do agravo e recorribilidade da decisão que o concede (ou
não o concede) e outros assuntos. In: Eduardo Pellegrini de Arruda Alvim e outros (Coord.). Aspectos polêmicos e
atuais dos recursos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 636.
AMARAL, Guilherme Rizzo. O agravo de Instrumento na lei nº 11.187/05 e as recentes decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul: um alerta necessário. Publicado em fevereiro de 2006: http://www.tex.pro.br/home/artigos/92-artigos-fev-2006/5110-o-agravo-de-instrumento-na-lei-nd-1118705-e-as-recentes-decisoes-do-tribunal-de-justica-do-estado-do-rio-grande-do-sul-um-alerta-necessario Acesso em 25/06/2014.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4ª edição. rev., atual. e ampl. de acordo com a nova Lei do Agravo (Lei 11.187/2005). SP: Revista dos Tribunais, 2006.
CARNEIRO, Athos Gusmão. Do Recurso de Agravo ante a Lei nº. 11.187/2005. Revista Dialética de Direito Processual nº. 35, p. 16.
[1] MACEDO, Elaine Harzheim. O sistema recursal e a nova sistemática do agravo. https://www1.tjrs.jus.br/export/poder_judiciario/tribunal_de_justica/centro_de_estudos/doutrina/doc/sistema_recursal_agravo.pdf Acesso em 25/06/2014.
[2] THEODORO JÚNIOR, Humberto. As novas reformas do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
[3] AMORIM FILHO, Agnelo. Critério Científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista de Direito Processual Civil. São Paulo, v. 3º, p. 95-132, jan./jun. 1961. p. 109).
[4] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. RJ: Nova Fronteira, 1999. 3ª edição. p. 1909).
[5] WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Efeito suspensivo do agravo e recorribilidade da decisão que o concede (ou
não o concede) e outros assuntos. In: Eduardo Pellegrini de Arruda Alvim e outros (Coord.). Aspectos polêmicos e
atuais dos recursos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 636.
[6] MACEDO, op. cit.
[7] AMARAL, Guilherme Rizzo. O agravo de Instrumento na lei nº 11.187/05 e as recentes decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul: um alerta necessário. Publicado em fevereiro de 2006: http://www.tex.pro.br/home/artigos/92-artigos-fev-2006/5110-o-agravo-de-instrumento-na-lei-nd-1118705-e-as-recentes-decisoes-do-tribunal-de-justica-do-estado-do-rio-grande-do-sul-um-alerta-necessario Acesso em 25/06/2014.
[8] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4ª edição. rev., atual. e ampl. de acordo com a nova Lei do Agravo (Lei 11.187/2005). SP: Revista dos Tribunais, 2006.
[9] CARNEIRO, Athos Gusmão. Do Recurso de Agravo ante a Lei nº. 11.187/2005. Revista Dialética de Direito Processual nº. 35, p. 16.
[10] MACEDO, op. cit.
[11] MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 188.
Procuradora Federal em exercício na Procuradoria-Seccional Federal em Campinas/SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BITTENCOURT, Isabela Cristina Pedrosa. Agravo de instrumento e as decisões suscetíveis de causar à parte lesão grave e de difícil reparação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jun 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39966/agravo-de-instrumento-e-as-decisoes-suscetiveis-de-causar-a-parte-lesao-grave-e-de-dificil-reparacao. Acesso em: 23 dez 2024.
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