Resumo: Através do presente estudo, pretende-se tecer uma breve análise sobre o mandado de injunção como meio de implementação de políticas públicas, no caso de omissão reconhecida do Poder Executivo, consoante a evolução jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal quanto aos efeitos da decisão na ação mandamental.
Palavras-chave: Mandado de Injunção – Políticas Públicas – Supremo Tribunal Federal
Abstract: In the present study, we intend to weave a brief analysis of the writ of injunction as a means of implementing public policies, in case of failure of the Executive Branch recognized, depending on the jurisprudential developments of the Supreme Court regarding the effects of the decision mandamental action.
Keywords: Writ of Injunction - Public Policy - Supreme Court
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo trata de uma breve análise sobre o papel do mandado de injunção como meio de viabilizar a implementação de políticas públicas, conforme análise da evolução jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal.
O mandado de injunção trata-se de um remédio constitucional que visa tornar viável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (art. 5º, LXXL, da Constituição Federal).
A omissão do Poder Executivo na regulamentação das normas constitucionais que disciplinam políticas públicas levou o Poder Judiciário a evoluir o seu entendimento jurisprudencial acerca dos efeitos da decisão no mandado de injunção, nos limites do seu papel de intérprete das normas jurídicas.
2. OBJETO DO MANDADO DE INJUNÇÃO: OMISSÃO
Acerca do objeto do citado remédio constitucional, Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino[1] (2007, p. 201) ensinam que:
Trata-se de um remédio constitucional colocado à disposição de qualquer pessoa que se sinta prejudicada pela falta de norma regulamentadora, sem a qual resulte inviabilizado o exercício dos direitos, liberdades e garantias constitucionais prescritas no transcrito inciso. A preocupação, portanto, é conferir efetiva aplicabilidade e eficácia no texto constitucional, para que não se torne ‘letra morta, em razão de omissão do legislador ordinário na sua regulamentação.”
Observa-se, portanto, que o mandado de injunção tem a função de garantir a efetividade dos direitos fundamentais.
Ao Judiciário cabe reconhecer a omissão do órgão responsável quanto ao seu dever de dar concreção ao preceito constitucional, bem como dar aplicabilidade ao exercício dos direitos fundamentais prejudicados.
Especificamente quanto ao mandado de injunção, leciona Paulo Bonavides[2] (2004, p. 551) que “o mandado de injunção serve, pois, para remover inconstitucionalidades por omissão em matéria de direitos subjetivos constitucionais exarados na Carta Magna, ocorrendo sempre em casos concretos ou incidentalmente numa lide.”
Para que a omissão da autoridade responsável pela elaboração da norma regulamentadora se configure é importante demonstrar a abusividade de tal inércia. A omissão tem que ser abusiva para justificar a impetração do mandamus. Sobre o assunto reproduz-se trecho do voto do Ministro Celso de Mello[3] no Mandado de Injunção no. 715/DF:
Presente esse contexto, cumpre reconhecer que o mandado de injunção – considerada a sua específica destinação constitucional – busca neutralizar as conseqüências lesivas decorrentes da ausência de regulamentação normativa de preceitos inscritos na Carta Política e que, revestidos de eficácia limitada, dependem da intervenção concretizadora do legislador, para permitir o exercício de determinado direitos diretamente fundados no próprio texto constitucional.
Assim, observa-se que, a intervenção do Poder Judiciário é supletiva, subordinando-se aos princípios da independência e harmonia dos Poderes, tratando-se apenas de um remédio para omissão do poder competente.
3. EFEITOS DA DECISÃO NO MANDADO DE INJUNÇÃO: POSIÇÕES
Acerca dos efeitos da decisão no mandado de injunção, formaram-se duas teses jurídicas: posição não concretista e a posição concretista.
Sobre os efeitos da decisão defendidos pela posição não concretista, ensina Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2007, p. 206) que:
[...] deverá o Poder Judiciário, apenas, reconhecer formalmente a inércia do Poder Público e dar ciência da sua decisão ao órgão competente, para que este edite a norma faltante. Estribada no princípio da separação dos Poderes, essa corrente entende que não deverão o Poder Judiciário suprir a lacuna, nem assegurar ao impetrante o exercício do direito carente da norma regulamentadora, tampouco obrigar o Poder Legislativo a legislar. O Poder Judiciário apenas reconhecerá formalmente a inconstitucionalidade da omissão e dará ciência da sua decisão ao órgão omisso, para que este edite a norma faltante.
Trata-se de uma posição que não cumpria a finalidade do mandado de injunção porque não possibilitava o efetivo exercício do direito fundamental, limitando apenas a reconhecer a omissão no reconhecimento da omissão legislativa, com ciência do órgão responsável. Apesar de total ineficácia da decisão, esta posição foi adotada pelo Supremo Tribunal Federal por 17 longos anos.
Pela posição concretista, o Judiciário não apenas reconhece a existência da omissão legislativa ou administrativa, mas também concretiza o exercício do direito fundamental até edição norma regulamentar pelo órgão responsável.
A posição concretista se divide em concretista geral e concretista individual. Sobre essa divisão leciona Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, a partir da didática síntese do professor Alexandre de Moraes[4] (2007, p. 207):
Pela posição concretista geral, a decisão do Poder Judiciário deverá ter efeito geral (eficácia erga omnes), possibilitando, mediante um provimento judicial revestido de normatividade, a concretização do exercício do direito, alcançando todos os titulares daquele direito, até que fosse expedida a norma regulamentadora pelo órgão competente.
Pela posição concretista individual, a decisão do Poder Judiciário deveria produzir efeitos somente para o autor do mandado de injunção (eficácia inter partes), isto é, a decisão deveria possibilitar a concretização do exercício do direito constitucional apenas para o autor da ação.
Por sua vez, essa posição concretista individual divide-se em das espécies (a) concretista individual direta; e (b) concretista individual intermediária.
Pela concretista individual direta, o Poder Judiciário, ao julgar procedente o mandado de injunção, concretiza direta e imediatamente a eficácia da norma constitucional para o autor da ação.
Pela posição concretista individual intermediária, após julgar procedente o mandado de injunção, o Poder Judiciário não concretiza imediatamente a eficácia da norma constitucional para o autor da ação. Em vez disso, o Poder Judiciário dá ciência ao órgão omisso, fixando-lhe um prazo para a expedição da norma regulamentadora (fala-se no prazo de 120 dias). Ao término desse prazo, se a omissão do órgão competente para expedir a norma regulamentadora permanecer o Poder Judiciário então fixará as condições necessárias ao exercício do direito por parte do autor do mandado de injunção.
A posição concretista geral por implicar em uma decisão com efeitos erga omnes jamais foi adotada pelo Supremo, conforme assinala Araken de Assis[5] (2007 apud Carlos Eduardo Antunes de Lima, 2012):
A posição concretista geral concretismo geral foi prontamente rechaçado pela doutrina, jamais tendo sido defendido nas sessões do Supremo Tribunal Federal. A argumentação que fundamenta a rejeição constrói-se a partir da constatação de que o Poder Judiciário, ao prolatar decisões com efeitos erga omnes em sede de mandado de injunção, está a usurpar competência constitucional que foi atribuída a poder diverso. Logo, estaria a ferir de morte o princípio da independência e harmonia entre os Poderes da República.
Em alguns julgados, verifica-se que a Suprema Corte brasileira adotou a posição concretista individual intermediária estabelecendo prazo para edição da norma regulamentadora, facultando que o impetrante ajuizasse ação por perdas e danos. Na realidade, a decisão continuava sem a eficácia necessária para a concreção do exercício dos direitos fundamentais previstos constitucionalmente.
Por volta de 2007, o Pretório Excelso começou a adotar a posição concretista individual direta, saindo do conforto de prolação de decisões apenas declaratórias, proferindo decisões mandamentais, que realmente possibilitem o exercício do direito fundamental protegido pelos autores da ação do direito fundamental dependente de norma regulamentar.
Trata-se de um entendimento coerente com a finalidade do mandado de injunção e que vem sendo adotado pelo Supremo, como pode-se verificar nos mandados de injunção impetrados para remover o obstáculo decorrente da omissão legislativa e, supletivamente, tornar viável o exercício do direito à greve (Mandado de Injunção no. 721/DF) e da aposentadoria especial aos servidores públicos (Mandado de Injunção no. 708/DF e 712/PA).
4. CONCLUSÃO
A adoção da posição concretista individual direta pelo Supremo Tribunal Federal possibilitou a prolação de decisões realmente eficazes, que permite o exercício dos direitos fundamentais previstos constitucionalmente e, assim, garantir a eficácia das normas constitucionais.
Cumpre ressaltar que a intervenção do Poder Judiciário é supletiva, subordinando-se aos princípios da independência e harmonia dos Poderes, tratando-se apenas de um remédio para omissão do poder competente.
Assim verifica-se que a intervenção excepcional na implementação de políticas públicas não se trata de uma atuação do Poder Judiciário como legislador positivo, na medida em que sua decisão concretiza direta e imediatamente a eficácia da norma constitucional para o autor da ação, até que o Poder Executivo cumpra as políticas públicas previamente estabelecidas na ordem constitucional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília-DF. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.
PAULO, Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 2007. Rio de Janeiro: Impetus.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 14ª Edição. São Paulo: Malheiros Editores.
LIMA, Carlos Eduardo Antunes de. Os efeitos da decisão em M andado de Injunção. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 102, jul 2012. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12056&revista_caderno=9. Acesso em dez 2013.
[1] Direito Constitucional Descomplicado. 2007. Rio de Janeiro: Impetus.
[2] Curso de Direito Constitucional. 14ª Edição. São Paulo: Malheiros Editores.
[3] Citado por Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino in Direito Constitucional Descomplicado. 2007. Rio de Janeiro: Impetus, página 203.
[4] Direito Constitucional Descomplicado. 2007. Rio de Janeiro: Impetus.
[5] LIMA, Carlos Eduardo Antunes de. Os efeitos da decisão em Mandado de Injunção. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 102, jul 2012.Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12056&revista_caderno=9. Acessado em 19.12.2013
Procuradora Federal junto ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, Chefe do Serviço de Gerenciamento Estratégico, pós graduada em Direito Processual pela AVM Faculdade Integrada e pós-graduanda em Direito Administrativo. Fui analista judiciária do Superior Tribunal de Justiça, com exercício nos Gabinetes dos Ministros Maria Thereza de Assis Moura e Nilson Naves. Fui também advogada da Embrapa, com exercício na Embrapa-Sede.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Agueda Cristina Galvão Paes de. O mandado de injunção na implementação de políticas públicas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jul 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40081/o-mandado-de-injuncao-na-implementacao-de-politicas-publicas. Acesso em: 23 dez 2024.
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