Introdução
Quando se envereda pelo campo do direito processual, surgem diversos conceitos que, muitas das vezes, principalmente para quem está iniciando os estudos da ciência do direito, geram confusões, tais como Ação, Processo e Procedimento. O que se abordará nestas breves linhas é o conceito, singularidade e principais diferenças entre um instituto e outro.
Da Ação
Primeiramente, antes de se discorrer sobre processo e procedimento e se existe diferenças entre um instituto e outro, faz-se necessário um breve registro acerca do direito de ação, uma vez que este antecede ao estudo do processo e de seus procedimentos.
Ainda na Grécia Antiga, o Direito de ação, umbilicalmente ligado ao Direito material, não tinha qualquer autonomia conquanto ramo do Direito e era visto sob a ótica puramente civilista, pois, como dito, era totalmente dependente do direito material eventualmente buscado, o que durou até meados do século XIX.
A partir deste século XIX o direito de ação começou a ser estudado de forma mais sistemática, surgindo a primeira teoria acerca deste instituto - Teoria Imanentista, de Savigny. Ainda no século XIX, dos debates travados entre Windscheid e Muther (a polêmica sobre a actio e a invenção da ideia de autonomia processual), começou-se a se distinguir o Direito de ação do Direito Material, aparecendo diversas terias, como a Teoria Concreta da Ação. Posteriormente, em 1877 na Alemanha, surgiu a Teoria Abstrata da Ação, criada por Degenkolb. Em seguida surgiu a Teoria Eclética da Ação que foi além e considerou o Direito de ação como um direito subjetivo e abstrato e que pode ser exercido por seu titular independentemente da existência do Direito Material.
Atualmente é consenso que o de direito de ação é direito público subjetivo que confere ao cidadão de exigir do Estado uma prestação jurisdicional a cargo do Poder Judiciário que seja capaz de albergar qualquer pretensão para o pronto restabelecimento da ordem eventualmente violada.
Uma vez fixadas essas premissas acerca do Direito de Ação, e exercido este Direito pelo cidadão, surge a possibilidade de instauração do que chamamos de processo.
Durante a fase imanenista ou civilista, o processo era visto como sendo um procedimento constituído por uma série de atos sequenciais e o seu estudo limitava-se à definição de seus atos ou formas que o compunha, era a fase denominada de fase do procedimento.
Nesta fase, portanto, o que se evidencia é que não existia, ainda, uma diferenciação entre processo e procedimento.
Como o próprio termo indica, processo significa ação de avanço, dar andamento, marchar, seguir em frente, ao passo que procedimento significa o modo como se desenvolve os atos e fatos necessários para que se produza algum efeito ou se atinja algum objetivo ou se chegue a algum resultado específico.
Por conta disso, o processo, por muito tempo, foi absorvido pelo direito material, considerado como simples meio de exercício dos direitos ou como mera sucessão de atos que compunham o rito da aplicação judicial dos mesmos.
Acerca do assunto, Alexandre Freitas Câmara assim se manifesta:
"O estudo do processo, durante muito tempo, foi o estudo de suas formas e dos atos que o compõem. Foi a época dos praxistas, juristas que em suas obras não tiveram grandes preocupações teóricas, tendo se dedicado ao estudo do que hoje se denomina ‘pratica forense’."
Essa fase foi superada e surgiu a teoria contratualista em que se considera o processo como sendo um contrato; posteriormente essa teoria deu lugar à teoria do processo como quase-contato, criada ainda no século XIX. Essa teoria foi criada por um jurista Francês do século XIX e se baseava na ideia de que o processo deveria ser enquadrado, a todo custo, entre as categorias de direito privado. (cf. Alexandre Freitas Câmara, op. cit, p. 136).
Por fim, da obra de Oskar Von Bülow, surgiu a teoria do processo como uma relação jurídica, sendo considerada como marco inicial para se considerar o estudo do processo como uma ciência. Tivemos ainda, entre outras: a teoria da relação processual, com a concepção do direito como uma relação entre dois ou mais sujeitos regulada pelas regras jurídicas; a teoria da situação jurídica, que se opõe à teoria da relação jurídica, pois, para essa última teoria, o processo não encerra uma relação jurídica entre sujeitos, uma vez que não existem deveres jurídicos entre eles.
Feitas estas breves considerações acerca das teorias do processo, bem como do que se viu até agora acerca do direito de ação, ou seja, que a Ação é Direito Público Subjetivo que tem o cidadão de provocar o Estado e exigir deste uma prestação jurisdicional, e que o processo, que se desenvolve por meio de procedimentos, vem a ser a forma de que dispõe o Estado para prestar a atuação jurisdicional, ou, melhor, é o meio que se vale o Estado para dar a resposta buscada pelo cidadão através do Direito de Ação.
Portanto, superada esta fase introdutória acerca do direito de ação e do processo, passa-se aos conceitos de processo e de procedimentos e bem como se discorre se existem diferenças entre um e outro, vez que é um dos objetivos posto em discussão.
Do processo
Inicialmente, tendo em vista doutrina corrente, e no sentido do que aqui estudado, ou seja, dentro do direito processual, pode-se afirmar que processo é o meio pelo o qual se vale o Estado para o exercício de sua função jurisdicional e dizer o direito no caso concreto, é meio de pacificação social para a solução de conflitos. É, portanto, instrumento de jurisdição, é forma de atuação do Estado para o cumprimento de uma missão constitucional.
O processo, por tanto, se desenvolve através do encadeamento de atos sequencialmente correlacionados, que vem a ser o que se denomina procedimentos, evidenciando-se que um instituto – processo e procedimento – com o passar do tempo, não mais podem ser confundidos um com o outro.
Ou seja, seguindo os ensinamentos do Ilustre processualista cearense José de Albuquerque Rocha, o processo é uma realidade material consistente numa cadeia de atos, em que se busca a produção de um efeito jurídico final[i].
Humberto Theodoro Júnior, citado por Alexandre Freitas Câmara[ii], classifica o processo como sendo “o método, isto é, o sistema de compor a lide em juízo através de uma relação jurídica vinculativa de direito público, enquanto que procedimento é a forma material com que o processo se realiza em cada caso concreto”.
Uma vez exercido o direito de ação, e formada a relação processual, surge o que usualmente se denomina de processo, e os seus integrantes se interlaçam numa relação em que cada integrante assumem direitos e obrigações, embora essas obrigações sejam diversas daqueles normalmente existentes em outras relações, como as obrigações originadas de um contrato civil.
Portanto, uma vez instaurada a relação processual, para o juiz surge o dever de pôr um ponto final no conflito, quer seja decidindo a lide, dando o direito a quem lhe é devido, ou, na impossibilidade de se decidir o mérito da causa, quer seja por falta condições da ação – que, a rigor, devem ser verificadas se estão preenchidas ainda na fase antecedente à instauração da relação processual – ou por falta dos chamados pressupostos processuais, extinguir o processo, mesmo sem o julgamento de mérito.
Apenas, com relação a “instrumento” citado linhas acima, deve-se fazer um breve registro de que estão superadas as teorias que consideravam o processo como sendo um contrato - teoria contratualista; ou a que considerava o processo como quase contrato; e, por fim, a teoria que inseria o processo entre as categorias de direito privado. Atualmente, conforme doutrina dominante, o processo não é um fim em si mesmo, serve ele de instrumento para se atingir um determinado fim, que é a efetiva prestação jurisdicional, que nada mais é do que o que se denomina de princípio da instrumentalidade e das formas, conforme dispõe o artigo 244 do CPC (LEI No 5.869, DE 11 DE JANEIRO DE 1973, que instituiu o Código de Processo Civil).
Por conta desse princípio, na relação processual, não se deve empregar um rigorosíssimo, um apego exagerado às formas, pois, como se evidencia, o processo é apenas um meio de se atingir um determinado objetivo, não custa repetir.
A propósito, confira o seguinte julgado.
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL, VISANDO AO RECONHECIMENTO DA INEXISTÊNCIA DA DÍVIDA. NATUREZA DE AÇÃO COGNITIVA, IDÊNTICA À DA AÇÃO ANULATÓRIA AUTÔNOMA. INTIMAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA PARA IMPUGNAÇÃO. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO. 1. Embargos à execução, visando ao reconhecimento da ilegitimidade do débito fiscal em execução, têm natureza de ação cognitiva, semelhante à da ação anulatória autônoma. Assim, a rigor, a sua intempestividade não acarreta necessariamente a extinção do processo. Interpretação sistemática e teleológica do art. 739, I, do CPC, permite o entendimento de que a rejeição dos embargos intempestivos não afasta a viabilidade de seu recebimento e processamento como ação autônoma, ainda que sem a eficácia de suspender a execução. Esse entendimento é compatível com o princípio da instrumentalidade das formas e da economia processual, já que evita a propositura de outra ação, com idênticas partes, causa de pedir e pedido da anterior, só mudando o nome (de embargos para anulatória). Recurso Especial nº 729149, disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?newsession=yes&tipo_visualizacao=RESUMO&b=ACOR&livre=+729149+
Quanto às partes, consoante mandamento estatuído no artigo 14 do Código de Processo Civil, devem elas exporem os fatos em juízo conforme a verdade; proceder com lealdade e boa-fé; não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento; não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito, e, por fim, devem cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, quer seja de natureza antecipatória ou de natureza final.
Do procedimento
Ao que se verifica das lições acima, o processo é o meio de atuação da jurisdição, ao passo que o procedimento, ou procedimentos, são os atos praticados no desenvolver do processo, ou seja, dentro do processo, para se chegar ao resultado final buscado no exercício do direito de ação.
Procedimento, portanto, é o mecanismo pelo qual se desenvolvem os processos de órgãos da jurisdição, é o modo de se mover e a forma de se proceder ao ato.
Acerca do conceito do que seja procedimento, valho-me, mais uma vez, da doutrina do eterno Professor da Universidade Federal do Ceará, já citado linhas acima autor,
“Procedimento é o conjunto de normas que estabelecem as condutas a serem observadas no desenvolvimento da atividade processual pelos sujeitos do processo: juiz, autor, e réu, e, bem assim, pelos auxiliares da justiça e os terceiros que, eventualmente, sejam chamados a participar da atividade processual”. Op. cit, P.222.
Nos termos definidos pela legislação de regência - CPC, o procedimento se divide em procedimento comum e procedimentos especiais.
O procedimento comum vem a ser aquele que é aplicado a todas as causas para as quais, pela a lei, não foi previsto um rito especial (art. 271, CPC) e divide-se em procedimento comum o procedimento sumário, conforme artigo 272, ou, ainda, procedimento sumaríssimo.
O procedimento sumário, em regra, é definido pelo valor da causa, compreendendo as causas cujo valor não ultrapasse a 60 (sessenta salários mínimos), inciso I do artigo do 271 do CPC, bem como nas causas em que forem discutidas determinadas matérias, conforme redação dos incisos seguintes do referido artigo 271 do CPC.
No procedimento sumário, vale apena acrescentar que, quando este for definido em relação ao valor da causa, limitado a 60 (sessenta salários mínimos), esse critério não impede a condenação a valores superiores. Também não custa registrar que a complexidade da prova, não da causa, pode impedir a aplicação desse rito.
Com a instituição dos juizados especiais - Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995 e Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001, temos ainda o chamado Procedimento sumaríssimo. Pelo rito dos juizados especiais, o CPC é aplicado subsidiariamente, após a aplicação da própria lei e dos princípios enumerados no art. 2º Lei nº 9.099/95 (oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação).
Já os procedimentos especiais, com deixa evidente o texto legal, são as exceções textualmente prevista em lei, mormente aquelas previstas Livro IV do referido código.
A lei disciplina exaustivamente somente o procedimento ordinário. Nos procedimentos especial e sumário serão aplicadas as regras que lhe são próprias. No entanto, naquilo que essas normas não dispuserem, incidirão subsidiariamente sobre os procedimentos especial e sumário as disposições gerais do procedimento ordinário (art. 273, CPC).
Conclusão
Neste contexto, ao que se verifica dessas afirmações, fica demonstrado que processo e procedimento são institutos distintos e que não se confundem, inclusive para a mais moderna doutrina, como nos ensina o Douto processualista Alexandre Freitas Câmara, verbis:
“Assim é que, diante das mais modernas tendências, deve ser outro o sistema empregado para distinguir processo de procedimento. Não se pode negar, porém, a distinção entre os dois fenômenos. Nestes termos, e levando-se em consideração o conceito de processo por mim adotado, posso dizer que o processo é uma entidade complexa, de que o procedimento é um dos elementos formadores. O procedimento, como visto, é o aspecto do processo. O processo não é o procedimento, mas o resultado da soma de diversos fatores, um dos quais é exatamente o procedimento (e os outros são o contraditório e a relação jurídica processual) ” Op. cit, P.136.
Do quanto registrado, portanto, não restam dúvidas de que processo e procedimentos não se confundem e suas diferenças são marcantes, diferenças estas que são encontradas na própria lei processual ao classificar os diferentes tipos de processo e de procedimentos, como por exemplo, o que dispõe acerca do processo de conhecimento e de execução, bem como as disposições sobre procedimento comum ou ordinário, procedimento sumário e assim por diante.
Referências
ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. Rio de Janeiro: Forense, 2.000.
ASSIS, Araken de. Doutrina e prática do processo civil contemporâneo. São Paulo: RT, 2001.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, Volume I. Rio de Janeiro: Lumen Juris. P. 135; 136 e 146
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. Teoria Geral do Processo. 24ª Ed. São Paulo: Malheiros,., 2008. p. 268; 269; e 270.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999. P.222.
Pos-graduado em direito público pela UnB. Bacharel em direito pela Universidade de Fortaleza/UNIFOR. Vasta experiência na advocacia privada. Foi Defensor Público no Estado do Ceará após aprovação em Concurso Público. Foi também aprovado em concurso público para o cargo de Defensor Público da Defensoria Pública do Estado de Sergipe, não tendo assumido o cargo devido a aprovação para o mesmo cargo na Defensoria Pública do Estado do Ceará. Aprovado no Concurso Público para a Advocacia Geral da União para o cargo de Procurador Federal. Atualmente é Procurador Federal responsável pela coordenação de Consultoria da Procuradoria Geral Federal Especializada do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes/DNIT, na Cidade de Brasília/DF.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, José Alves de. Ação, Processo e Procedimento, Breves Considerações Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 jul 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40104/acao-processo-e-procedimento-breves-consideracoes. Acesso em: 27 dez 2024.
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