Resumo: O presente artigo trata da questão referente à colisão de direitos fundamentais, e quais métodos hermenêuticos podem ser usados na sua resolução, uma vez que pela sua natureza os direitos fundamentais não podem ser afastados de plano quando em conflito, devendo haver no caso um juízo de ponderação.
Palavras – chaves: Direitos fundamentais. Colisão. Espécies de colisão. Princípios para resolução.
1. Introdução
Os direitos fundamentais não são ilimitados, uma vez que, muitas vezes, para sua realização no plano social, é necessária a imposição de balizas, assegurando dessa forma aos outros o gozo de seus direitos e a própria manutenção da paz social.
Essas limitações são originadas dentro da Constituição, albergando o próprio âmbito da proteção constitucional, de modo a impedir certas formas ou modos de seu exercício em sentido absoluto.
Para a resolução da situação fática, não havendo como excluir um direito em relação ao outro, resta ao julgador, através de um juízo de ponderação entre os direitos envolvidos, decidir qual dos dois direitos tem necessidade de ser sacrificado à proteção do outro e em que medida deve haver esse sacrifício.
Indubitavelmente, a esse papel servem os princípios que orientam a interpretação constitucional, sobretudo, o princípio da proporcionalidade, exercendo papel de destaque, tendo em vista os elementos que o compõe: da adequação, da necessidade e dos fins a serem alcançados pela medida, com as quais o julgador se valerá para decidir ou não sobre a violação dos direitos da personalidade em decorrência da atividade da imprensa no caso concreto.
2. Colisão de direitos fundamentais
Muitas vezes, o exercício de um direito fundamental por parte do titular acaba se chocando com o direito exercido por outro indivíduo, ou mesmo por bens jurídicos que digam respeito à comunidade, restando a necessidade de se encontrar um ponto de equilíbrio entre o exercício dos dois, com a imposição de limites para que ambos possam coexistir, trata-se da colisão de direitos fundamentais.
2.1 Espécies de colisão de direitos fundamentais
Pode-se classificar a colisão de direitos fundamentais em sentido amplo e em sentido estrito.
A primeira espécie de colisão ocorre quando se está diante do choque entre um direito fundamental e outros valores ou bens relacionados a interesses relevantes da comunidade, também protegidos constitucionalmente.
A segunda espécie de colisão ocorre quando se verifica o choque entre um direito fundamental de um titular e o direito fundamental de outro titular. Canotilho afirma que:
De um modo geral, considera-se existir uma colisão de direitos fundamentais quando o exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular. Aqui não estamos perante um cruzamento ou acumulação de direitos (como na concorrência de direitos), mas perante um ‘choque’, um autêntico conflito de direito.[1]
A colisão de direitos em sentido estrito pode se dividir em dois tipos: a colisão entre direitos fundamentais idênticos e a colisão entre direitos fundamentais diversos.
São quatro os tipo de colisão que se pode vislumbrar entre direitos fundamentais idênticos:
a) colisão entre direitos de defesa. Exemplo clássico é decisão de dois grupos, que tem idéias e valores opostos sobre determinado assunto, realizarem manifestação num mesmo local e data.[2]
b) colisão entre o aspecto fático e jurídico de um mesmo direito fundamental. “O direito geral de igualdade representa um excelente exemplo desse tipo de colisão. O direito de igualdade possui uma dupla face: direito à igualdade jurídica e direito à igualdade fática. Uma igualdade de direito geralmente implica uma desigualdade de fato, e uma igualdade de fato geralmente tem de ser produzida por uma desigualdade de direito. A colisão se produz nesse aspecto, internamente ao direito amplo de igualdade.”[3]
c) colisão de direito de defesa de caráter liberal e o direito de proteção. Aqui Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires e Paulo Gonet Branco citam como exemplo “a decisão de atirar no sequestrador para proteger a vida do refém ou da vítima.”[4].
d) colisão entre o aspecto positivo e negativo de um mesmo direito. Nessa situação, pode-se tomar como exemplo o caso das associações privadas, em tal caso se engloba o aspecto positivo de constituição ou participação em uma associação, e o aspecto negativo de não desejar se associar ou sair de determinada associação.[5]
Por fim, pode-se observar o conflito entre direitos fundamentais diversos. É o que se depreende, por exemplo, do caso da liberdade de imprensa e os direitos da personalidade, ambos são protegidos constitucionalmente, quando o titular do direito da personalidade se acha violado em seu direito pela divulgação de determinado fato pela imprensa, estar-se-á diante de uma verdadeira colisão de direitos fundamentais diversos.
2.2 Colisão de direitos fundamentais: regras e princípios
É certo que o ordenamento jurídico, apesar de não se criado pelas mãos de um único legislador, ser fruto de uma sociedade em constante movimento, deve manter coerência lógica entre suas normas, ou seja, o ordenamento jurídico não pode tolerar normas em contradição, posto que a sua aplicabilidade restaria sem efeito, pela possibilidade de uma situação concreta ser alcançada por normas em sentido completamente diversos, e até opostos.
No entanto, é inegável a existência de conflitos normativos, posto que não é dado ao legislador a capacidade de conhecer todas as normas que compõem o ordenamento jurídico, devendo esses serem resolvidos.
Dentro do ordenamento jurídico encontramos duas espécies de normas: as regras e os princípios. Firme na lição de Canotilho, pode-se diferenciar as duas espécies normativas:
Os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem ou proíbem) que é ou não cumprida (nos termos de DWORKIN: aplicable in-all-nothing fashion).[6][7]
Ainda a respeito do tema, Daniel Sarmento, baseado nas lições de Canaris, faz a seguinte ponderação acerca da relação entre princípios e regras:
Segundo Canaris, outra distinção fundamental entre princípios e regras jurídicas relaciona-se ao fato dos primeiros ao contrário das segundas, não permitirem, pela insuficiência de seu grau de concretização, a subsunção. Segundo tal autor, no plano da fluidez, os princípios situam-se entre os valores e as regras jurídicas. Excedem os valores, em termos de concretização, por já delinearem indicações sobre as suas conseqüências jurídicas, mas ainda não alcançam o grau de densidade normativo das regras, pois não têm delimitadas com a precisão necessária, as respectivas hipóteses de incidência e conseqüências jurídicas. [8]
Com base nas noções trazidas acima de regras e princípios, quando as regras se encontram em conflito entre si, apenas uma delas poderá ser considerada válida dentro do ordenamento jurídico, posto que é impossível a validade simultânea de regras contraditórias. Não resta dúvida de que as duas regras não podem coexistir dentro do ordenamento jurídico, uma delas deverá ser considerada inválida.
Para a resolução dos conflitos dessa natureza, o próprio ordenamento jurídico faz menção a critérios para sua solução. São eles: o critério hierárquico (lex superior), o cronológico (lex posterior), e o da especialidade (lex especialis), chegando-se à conclusão sobre a validade ou invalidade da regra, posta em questão.
O critério hierárquico é aquele pelo qual o conflito entre duas regras jurídicas é resolvido pela precedência daquela que é hierarquicamente superior à outra, ou seja, prevalecerá aquela que tiver grau hierárquico maior, lex superior derogat lex inferiori.
O critério cronológico é utilizado para solucionar o conflito entre duas regras de mesmo valor hierárquico, que sucedem uma a outra no tempo, prevalecendo aquela norma editada posteriormente, lex posterior derogat lex priori.
O critério da especialidade é invocado para resolver o conflito entre duas regras, quando uma é geral e outra especial, devendo prevalecer a regra especial sobre a geral, ainda que aquela seja anterior a esta, lex especialis derogat generali.
Não se pode deixar de observar que, tendo em vista sua própria natureza, e os bens que protegem, o seu conteúdo material, como sendo a própria personificação do princípio da dignidade da pessoa humana, a doutrina majoritária entende que as normas de direitos fundamentais se aproximam mais dos princípios do que das regras[9].
No entanto, tendo em vista a moderna interpretação que se dá ao estudo das normas de direitos fundamentais, não se pode olvidar que o melhor critério a se estabelecer com relação à estrutura das sobreditas normas diz respeito aos modelos conciliadores ou mistos, como acentua André Rufino do Vale, firme nos ensinamentos de Alexy:
Existem, ainda, modelos conciliadores ou “mistos”, que constroem um tipo de estrutura dupla- regras e princípios para as normas de direitos fundamentais. Esse modelo “combinado” compreende que as normas de direitos fundamentais muitas vezes contêm determinações em relação com os princípios que jogam em sentido contrário e que, por isso, afastam qualquer ponderação prévia; ao mesmo tempo, aceita que em outros casos essas determinações podem resultar incompletas, de forma que a ponderação é necessária. Assim, como bem pontua Alexy, o modelo regras/princípios leva a sério as determinações contidas nas normas de direitos fundamentais e, portanto, o texto da Constituição; ao mesmo tempo considera a necessidade da ponderação. Nesse sentido, reconhece que as normas de direitos fundamentais podem ter a estrutura de regras ou de princípios. Uma mesma disposição de direito fundamental contém esses dois tipos de normas e, dessa forma, possui caráter duplo.[10] [11]
Mas quando se está diante da colisão de normas de direitos fundamentais, como deve a mesma ser resolvida, com base na colisão entre regras ou entre princípios, visto que essas normas tem caráter duplo?
Para responder a tal questão, socorre-se ainda do magistério de André Rufino do Vale:
Conceituar uma norma de direito fundamental como regra ou como princípio dependerá também do tipo de utilidade teórica ou prática que se queira emprestar à norma. As normas de direitos fundamentais podem ser caracterizadas como princípios quando seja relevante acentuar sua fundamentalidade formal e material no ordenamento jurídico; ou quando se queira instaurar um tipo de argumentação jurídica mais sofisticado, introduzindo no discurso jurídico razões de ordem axiológica ou teleológica. Nos casos em que existem colisões de normas de direitos fundamentais estas serão interpretadas como princípios e, serão submetidas a uma ponderação que leve em conta os valores incorporados em cada norma. O forte conteúdo axiológico das normas de direitos fundamentais e sua elevada posição hierárquica no ordenamento jurídico fazem com que, na maioria das vezes, elas sejam interpretadas como princípios. [12]
Portanto no caso da colisão de direitos fundamentais, conforme acentuado acima, pode-se dizer que a mesma se dá no âmbito da colisão dos princípios. Basta observar que, quando se trata de colisão de direitos fundamentais nenhum dos critérios relacionados à resolução do conflito de regras pode ser adotado.
Ambos os direitos têm o mesmo valor hierárquico, pois são consubstanciados na mesma Constituição que deve ser entendida como um todo, unitário, baseado no princípio hierárquico-normativo[13]; têm, ainda, o mesmo valor cronológico, visto que ambas se encontram na Constituição, tendo sido promulgadas ao mesmo tempo; além do que, entre os direitos fundamentais não existe qualquer previsão especial que, por seu turno, derrogue o outro direito, ambos são normas gerais, não trazem nenhum dado especializante, nem subjetivo, nem tampouco objetivo[14]. Nesse sentido a lição de Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires e Paulo Gonet Branco:
(...) não ocorrem conflitos reais entre as normas da Constituição, mas apenas conflitos aparentes, seja porque elas foram promulgadas conjuntamente, seja porque não existe hierarquia nem ordem de precedência entre as suas disposições.[15]
Assim, diante de tudo o que foi exposto, pode-se observar que a tensão não se resolve com base nos critérios outorgados a solução do conflito de regras, não há o que se falar no caso de colisão de princípios, em princípios válidos ou inválidos, da mesma forma no que tange à colisão de direitos fundamentais, não se pode simplesmente excluir um direito em relação ao outro, há que se otimizar, ponderar os bens, conforme atesta Luis Roberto Barroso:
Princípios, por sua vez, expressam valores a serem preservados ou fins públicos a serem realizados. Designam, portanto, “estados ideais”, sem especificar a conduta a ser seguida. A atividade do intérprete aqui será mais complexa, pois a ele caberá definir a ação a tomar. E mais: em uma ordem democrática, princípios frequentemente entram em tensão dialética, apontando direções diversas. Por essa razão, sua aplicação deverá se dar mediante direções ponderação: o intérprete irá aferir o peso de cada um, à vista das circunstâncias, fazendo concessões recíprocas. Sua aplicação, portanto, não será no esquema do tudo ou nada, mas graduada à vista das circunstâncias representadas por outras normas ou por situações de fato.[16]
2.3. Resolução da colisão de direitos fundamentais
A colisão de direitos fundamentais, será solucionada em sede da averiguação do caso concreto, através do mínimo sacrifício dos dois direitos postos. Nesse sentido são as palavras de Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires e Paulo Gonet Branco: “É importante perceber que a prevalência de um direito sobre o outro se determina em função das peculiaridades do caso concreto. Não existe um critério de solução de conflitos válido em termos abstratos”.[17]
Para a resolução da colisão de direitos fundamentais, o julgador se vale do método da ponderação de bens, através de princípios constitucionais que servem como um apoio ao intérprete para se chegar a uma solução no caso concreto, um norte a ser seguido, são os princípios da unidade da constituição, da máxima efetividade, da concordância prática e da proporcionalidade.
2.3.1 Princípio da Unidade da Constituição
A Constituição, como norma fundamental do ordenamento jurídico, deve ser interpretada como totalidade ordenada, onde suas normas guardam coerência entre si.
O princípio da unidade da constituição requer a apreciação da Constituição pelo intérprete como um todo, em sua globalidade, evitando assim contradições entre suas normas, procurando harmonizar os espaços de conflito, conforme acentua Luis Roberto Barroso:
O papel do princípio da unidade é o de reconhecer as contradições e tensões – reais ou imaginárias – que existam entre normas constitucionais e delimitar a força vinculante e o alcance de cada uma delas. Cabe-lhe, portanto, o papel de harmonização ou ‘otimização’ das normas, na medida em que se tem de produzir um equilíbrio, sem jamais negar por completo a eficácia de qualquer delas.[18]
Se da observação do dito princípio, chegar-se a conclusão de que a manutenção daquele exercício de determinado direito compromete toda a estrutura unívoca da constituição, não se estará diante de uma colisão de direitos, mas sim de limites imanentes, posto que é intolerável o exercício do direito sob a vertente de prejudicar a unidade da constituição.
2.3.2. Princípio da Concordância Prática ou Harmonização
O princípio da concordância prática ou harmonização é corolário do princípio da unidade da constituição.
De acordo com esse princípio, os direitos fundamentais devem ser harmonizados no sentido de que se preserve ao máximo os direitos e bens constitucionais postos em conflito, de maneira que ocorra o mínimo de sacrifício entre eles, de tal forma que os limites só tenham que ser impostos no caso concreto como forma de solução final do conflito, conforme atesta José Carlos Vieira de Andrade:
(...) o princípio da concordância prática neste domínio não impõem necessariamente a realização óptima de cada um dos valores em jogo, uma harmonização em termos matemáticos. É apenas um método e um processo de legitimação das soluções que impõe a ponderação - ou, para utilizar uma terminologia anglo-saxónica, um weighing ou balancing ad hoc - de todos os valores constitucionais aplicáveis, de modo que se não ignore nenhum deles, para que a Constituição (essa, sim) seja optimizada ou preservada na maior medida do possível. Ora, a realização óptima das prescrições constitucionais depende da intensidade ou modo como os direitos são afcetados no caso concreto, atentos o seu conteúdo e a sua função especifica. Isto é, a medida em que se vai comprimir cada um dos direitos (ou valores) é diferente, consoante o modo como se apresentam e as alternativas possíveis de solução do conflito.[19]
A realização concreta do princípio da concordância prática é feita através de um critério de proporcionalidade, levando-se em conta a questão da medida em que cada direito será comprimido no caso concreto.
2.3.3 Princípio da máxima efetividade
Esse cânone hermenêutico parte do pressuposto de que a interpretação das normas constitucionais deve ser feita no sentido de obter a sua máxima eficácia ante as circunstâncias do caso em concreto, no entanto deve-se tentar preservar ao máximo seu conteúdo.
2.3.4 Princípio da Proporcionalidade
O princípio da proporcionalidade, que adquiriu relevo no direito administrativo, sobretudo, com relação ao estudo da discricionariedade dos atos administrativos, hoje vem se mostrando como um dos princípios fundamentais na interpretação constitucional, principalmente, acerca dos direitos e garantias fundamentais, conforme atestam Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires e Paulo Gonet Branco:
No âmbito do direito constitucional, que o acolheu e reforçou, a ponto de impô-lo à obediência não apenas das autoridades administrativas, mas também dos juízes e legisladores, esse princípio acabou se tornando consubstancial à própria idéia de Estado de Direito pela sua íntima ligação com os direitos fundamentais, que lhe dão suporte e, ao mesmo tempo, dele dependem para se realizar. [20]
Nos dias de hoje, é difundida a noção de que o princípio da proporcionalidade abarca três subprincípios: da adequação, da necessidade, e da proporcionalidade stricto sensu.
O subprincípio da adequação ou da idoneidade diz respeito à conformação da medida adotada para alcançar o fim proposto, “trata-se, em síntese, da aferição da idoneidade do ato para a consecução da finalidade perseguida pelo Estado. A análise cinge-se, assim, à existência de uma relação congruente entre meio e fim na medida examinada.”[21]
O subprincípio da necessidade ou da exigibilidade tem como pressuposto a averiguação de que a medida adotada é indispensável para a conservação dos direitos fundamentais, e que essa não pode ser substituída por outra menos gravosa, mas igualmente eficaz. “É a chamada proibição de excesso”[22].
Por fim, o subprincípio da proporcionalidade stricto sensu, que complementa os dois princípios anteriores, na medida em que indica se o meio utilizado se encontra em razoável proporção com o fim perseguido, ou seja, “é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido (...)”[23]. Nada mais do que a efetivação do princípio da concordância prática.
Nas precisas lições de Suzana de Barros Toledo, pode-se verificar o âmbito de abrangência desse subprincípio:
Muitas vezes, um juízo de adequação e necessidade não é suficiente para determinar a justiça da medida restritiva adotada em uma determinada situação, precisamente porque dela pode resultar uma sobrecarga ao atingido que não se compadece com a idéia de justa medida. Assim, o princípio da proporcionalidade strictu sensu, complementando os princípios da adequação e da necessidade, é de suma importância para indicar se o meio utilizado encontra-se em razoável proporção com o fim perseguido. A idéia entre valores e bens é exalçada.[24]
Portanto, a execução da solução do conflito no caso concreto ficará a cabo do princípio da proporcionalidade, com a utilização de seus três subprincípios: da adequação, da necessidade, e, por fim, o da proporcionalidade stricto sensu, como atesta José Carlos Vieira de Andrade:
Por um lado, exige-se que o sacrifício de cada um dos valores constitucionais seja necessário e adequado à salvaguarda dos outros. Se o não for, não se trata sequer de um verdadeiro conflito.
Por outro lado, e aqui estamos perante a idéia de proporcionalidade em sentido estrito, impõe-se que a escolha entre as diversas maneiras de resolver a questão concreta se faça em termos de comprimir o menos possível cada um dos valores em causa segundo o seu peso na situação (segundo a intensidade e a extensão com que a sua compreensão no caso afecta a proteção que lhes é constitucionalmente concedida).[25]
2.3.5. Necessidade de análise do caso concreto para resolução do conflito
A solução do conflito de direitos fundamentais deverá ter como base a harmonização dos direitos, e caso seja necessário, a prevalência de um direito sobre o outro. No caso concreto, será possível determinar a prevalência dos direitos, baseado num juízo de ponderação das circunstâncias fáticas, averiguando o peso de cada direito, como ensina José Carlos Vieira de Andrade:
A questão do conflito de direito ou de valores depende, pois, de um procedimento e de um juízo de ponderação, não dos valores em si, mas das formas ou modos de exercício específicos (especiais) dos direitos, nas circunstâncias do caso concreto, tentando encontrar e justificar a solução mais conforme ao conjunto dos valores constitucionais (à ordem constitucional).[26]
Com base no juízo de ponderação e no princípio da proporcionalidade, a doutrina se utiliza de um exemplo corrente para demonstrar a resolução da colisão de direitos fundamentais no caso concreto[27].
Tome-se dois direitos (D1 e D2), ambos são protegidos constitucionalmente, e em determinada situação entram em choque, analisando-se apenas D1, nessa situação diria ser proibida definida conduta, já D2, restaria que na mesma situação a dita conduta seria permitida. Assim, para a resolução da tensão, far-se-ia necessária a prevalência (P) de um direito sobre o outro (D1 P D2; D2 P D1); no entanto, é no caso concreto, analisando as condições do fato (C), que se poderá dizer qual dos dois direitos prevalecerá, a dizer (D1 P D2) C, ou (D2 P D1) C.
Essa é uma maneira simplificada de absorver como deve proceder o julgador no caso concreto, a fim de que tome medidas necessárias na resolução do conflito entre os direitos fundamentais postos.
3. Conclusão
No ordenamento jurídico, não raras vezes, ocorre o conflito entre normas. No entanto, entendido como sistema normativo ordenado, não se pode tolerar essa situação.
A princípio deve-se ter em mente que as normas jurídicas podem ser de duas espécies: regras ou princípios. O conflito entre regras se processa dento do aspecto de validade, as regras são válidas ou inválidas. Sob essa perspectiva a resolução do conflito entre regras se dá através dos critérios apresentados pelo próprio ordenamento jurídico: hierárquico, cronológico ou de especialidade.
Entretanto, em relação aos princípios, não há como se falar em validade, quando existe uma colisão entre princípios nenhum dos critérios pode ser utilizado na sua resolução. Ao solucionar o conflito de princípio, o julgador deve harmonizá-los, de maneira que no caso concreto um preceda o outro, no entanto, isso não importa na eliminação do ordenamento jurídico de algum dos princípios.
A colisão de direitos fundamentais ocorre no âmbito dos princípios, pois não se pode olvidar o caráter principiológico dos direitos postos quando se fala da colisão dos mesmos.
Para essa resolução, o julgador se valerá dos princípios da unidade da constituição, da concordância prática, da máxima efetividade, sobretudo, o da proporcionalidade.
A proporcionalidade, com os seus três subprincípios: da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, norteará o julgador no sentido de que a medida se conforme ao fim almejado, que se averigúe a necessidade da medida para a conservação do próprio direito ou de outro, e, principalmente, sobre a razoabilidade entre o meio utilizado e o fim perseguido, concordando os bens em conflito.
Referências:
ANDRADE, Manuel da Costa. Liberdade de imprensa e inviolabilidade pessoal. Uma perspectiva jurídico-criminal. Coimbra: Coimbra, 1996.
BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle da constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 2ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000.
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 1996.
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional. 6ªed. rev. Coimbra: Almedina, 1995.
FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. 2ª ed. atual. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2000.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2ª ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.
SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. 1ª ed. 3ª tiragem, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003.
VALE, André Rufino do. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. Porto Alegra: Sergio Antônio Fabris, 2004.
_____________________. Estrutura das normas de direitos fundamentais: repensando a distinção entre regras, princípios e valores. São Paulo: Saraiva, 2009.
[1] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional. 6ªed. rev. Coimbra: Almedina, 1995, p. 643.
[2] Nesse sentido MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2ª ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 342; VALE, André Rufino do. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. Porto Alegra: Sergio Antônio Fabris, 2004, p. 180.
[3] VALE, André Rufino do. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. Porto Alegra: Sergio Antônio Fabris, 2004, p. 180.
[4] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2ª ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 342.
[5] Nesse sentido VALE, André Rufino do. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. Porto Alegra: Sergio Antônio Fabris, 2004, p. 180-181.
[6] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional. 6ªed. rev. Coimbra: Almedina, 1995, p. 168-169.
[7] André Rufino do Vale, ao tratar da distinção de regras e princípios, faz críticas a esse método de distinção que traz em seu bojo a afirmação de que os conflitos de regras se dão nos termos de validade e de que a colisão de princípios se dá no âmbito do peso de cada principio, aduzindo que não se pode negar os fenômenos da principialização das regras e a regularização dos princípios. (Estrutura das normas de direitos fundamentais: repensando a distinção entre regras, princípios e valores. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 98-101). No entanto, como o trabalho em tema não tem como ponto central tal aspecto, não cabe aqui fazer maiores digressões sobre a crítica a distinção difundida majoritariamente na doutrina.
[8] SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. 1ª ed. 3ª tiragem, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p. 43.
[9] Daniel Sarmento, ao discorrer sobre o tema, faz a precisa observação de que para se verificar se determinada norma tem o caráter de principio ou regra não basta a análise de sua sintaxe, deve-se observar “a qualidade do bem jurídico protegido pela norma, bem como o domínio empírico sobre o qual ela se projeta”, citando como exemplo o disposto no art. 5º, IV da CF/88. (A ponderação de interesses na Constituição Federal. 1ª ed. 3ª tiragem, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p.48-49)
[10] VALE, André Rufino do. Estrutura das normas de direitos fundamentais: repensando a distinção entre regras, princípios e valores. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 126.
[11] André Rufino do Vale ao fazer a distinção entre norma de direito fundamental e disposição de direito fundamental, aduz que “as normas são o resultado da interpretação das disposições (textos)”, e por consequência “haverá tantas normas de direitos fundamentais quantas interpretações forem possiveis de uma mesma disposição jusfundamental.” (Estrutura das normas de direitos fundamentais: repensando a distinção entre regras, princípios e valores. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 14).
[12] VALE, André Rufino. Estrutura das normas de direitos fundamentais: repensando a distinção entre regras, princípios e valores. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 129.
[13]Segundo Canotilho: “o princípio hierárquico-normativo significa que todas as normas contidas numa constituição formal têm igual dignidade (não há normas só formais, nem hierarquia de supra-infra-ordenação dentro da lei constitucional”, in Direito constitucional. 6ªed. rev. Coimbra: Almedina, 1995 p. 191.
[14] Sobre a utilização do critério da especialidade nas normas constitucionais assim aduz Daniel Sarmento: “Não se pretende negar, com esta afirmação, o fato de que algumas normas são mais importantes do que outras no ordenamento constitucional, ocupando um lugar mais destacado no sistema. Nem tampouco que possa ser indeferida, da ordem constitucional, uma preocupação mais acentuada com a promoção de certos valores e interesses, em relação a outros também abrigados Lei Maior.”
Daí não decorre, porém, que, sem autorização expressa da Constituição, possa-se escalonar em diferentes graus hierárquicos as normas editadas pelo poder constituinte originário.” (A ponderação de interesses na Constituição Federal. 1ª ed. 3ª tiragem, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003 p. 33.)
[15]MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2ª ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 113.
[16]BARROSO, Luis Robreto Barroso. “Liberdade de expressão versus direitos da personalidade. Colisão de direitos fundamentais e critérios de ponderação” in Direitos Fundamentais, Informática e comunicação: algumas aproximações. Org. Ingo Wolfgang Sarlet, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007., p. 66.
[17]MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2ª ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p.286.
[18]BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 200.
[19] ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976. Coimbra: Livraria Almedina, 2004, p. 294.
[20]MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2ª ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 121.
[21] SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. 1ª ed. 3ª tiragem, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p. 87.
[22] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 228.
[23] Ibidem, ibidem, p. 229.
[24] BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle da constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 2ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 82-83.
[25] ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976. Coimbra: Livraria Almedina, 2004, p. 326.
[26] Ibidem, ibidem, p. 326
[27] Nesse sentido CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional. 6ªed. rev. Coimbra: Almedina, 1995, p. 646-647; BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle da constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 2ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 172-173; FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. 2ª ed. atual. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2000, p. 124-126.
Procuradora Federal. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas. Pós- graduada em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PRISCILA COELHO DE BARROS ALMEIDA SANT`ANA, . Breves reflexões sobre a colisão de direitos fundamentais e sua resolução Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jul 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40172/breves-reflexoes-sobre-a-colisao-de-direitos-fundamentais-e-sua-resolucao. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Precisa estar logado para fazer comentários.