A quebra de paradigmas do Estado Social para o Estado Democrático resultou numa estrutura indissociável do princípio da boa-fé-objetiva, da justiça contratual e dentre outros que fortaleceram o direito contratual.
Cabe destacar que os mencionados princípios influenciaram de certa forma, a autonomia privada. A partir daí, a empresa, obrigatoriamente, passou a respeitar o sistema norteador enquanto pressuposto de existência/validade.
No entanto, os objetivos da empresa devem buscar uma harmonia eficaz com à nova concepção do direito, isto porque a sociedade empresária, ao organizar o estabelecimento empresarial em prol da atividade econômica, organizada, geradora de produção ou circulação de bens ou serviços com finalidade lucrativa, deve não apenas lucrar, mas respeitar a função social da empresa.
Nos dizeres de Silva (2010, p.39): “A empresa é legítima no interesse da justiça social”, ou seja, a finalidade do empresário não prescinde da observância constitucional e econômica.
Neste aspecto, as necessidades dos fatores econômicos estruturam a empresa, com o escopo de direcioná-la à fornecer bens essenciais à todos.
Na onda fenomenológica constitucional a função social incide um caráter vinculativo em todo o ordenamento jurídico. Em razão disso, com o crescimento industrial acelerado nos últimos anos, a empresa deve exercer uma função imprescindível no desenvolvimento econômico do país.
Por sua vez, alguns doutrinadores consideram a empresa apenas como um objeto de direito, ou seja, se ela é a atividade, e só o empresário ou sociedade empresária (sujeitos de direito) podem exercer atividade empresarial.
O argumento acima não adequado, visto que o caput do artigo 966 do Código Civil prescreve o seguinte: empresário é quem exerce atividade econômica, nota-se que a atividade é o movimento econômico gerador de serviços ou bens com finalidade lucrativa e não apenas um objeto de direito, mas é a atividade que desenvolve o setor econômico e industrial de todo o Estado.
O princípio da autonomia privada insere segurança às partes envolvidas em um negócio jurídico. Assim, a atividade econômica passou a produzir renda, serviços de forma a atender toda a população. Nota-se que, no decorrer da historicidade e formação das sociedades, os setores que fazem contribuir com a renda do país, como, por exemplo, a economia, exportação, e a importação de produtos industrializados se inserem na atividade empresarial.
O disposto no artigo 5°, XXI da Constituição garante que a propriedade atenderá ao princípio da função social, como se vê, o legislador originário já assegura que toda a propriedade atenderá o princípio da função social. Ainda, diante da interpretação extensiva constitucional a propriedade estará regida em geral e abstrato.
A partir do contexto histórico do direito, percebe-se que ocorreu uma valorização da função da empresa a partir do capitalismo.
A atividade empresarial deverá atender as garantias e direitos fundamentais, isto porque a partir do neoconstitucionalismo não se fale em direito sem a efetividade dos direitos mínimos.
Desse modo, a empresa não será diferente, a atividade empresaria, cumulativamente, atenderá a fonte do direito, ou seja, a dignidade humana.
Pelo exposto, não é ajustado, conforme visto, definir a empresa a partir de sua finalidade, mas mediante a sua natureza jurídica. Neste sentido, por meio da fusão dos princípios com a atividade empresarial incumbe ao empresário manter, diuturnamente, o pleno exercício funcional da empresa amparado pela eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
Certamente, pelo exposto, a partir deste pensamento, a empresa atenderá os princípios constitucionais e a função social da empresa.
Agora, passa-se à análise da função social da propriedade. É amplo o conceito de função social, como também, o conceito de Direito. Não se pode definir a função social como mero exercício econômico da propriedade, mas, como a promoção dos direitos mínimos inerentes à pessoa. O texto constitucional, não estabelece o que é a função social, mas expressamente positiva que a propriedade atenderá a mesma. (art.5º. XXIII CF/88).
Nesse tocante, a função social, não limita a propriedade, devido ao fato de ser um direito do proprietário. Rosenvald e Farias (2010) lecionam que, a função social consiste em uma série de encargos e estímulos que formam um complexo de recursos que remetem o proprietário a direcionar os bens às finalidades comuns.
Com o brilhantismo que lhe é peculiar, os autores acima, apresentam uma síntese derivada da finalidade proprietária, ou seja, a função é mera atitude do proprietário de direcioná-la às finalidades comuns.
Nesse raciocínio, o que seria comum à propriedade? Desse modo, a própria promoção da dignidade, e dentre vários direitos fundamentais, possibilita, a compreensão da função comum da propriedade, em pleno desenvolvimento democrático brasileiro.
Enfim, pode-se afirmar que, a função social da propriedade é a promoção dos direitos comuns inerentes a dignidade humana. Este direito em comento, como já exposto, é conceituado conforme o caso concreto. Isto porque, num conflito de princípios constitucionais, prevalecerá o interesse social.
Nesse sentido, a literalidade do art.1228, § 1o, estabelece que: o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, com a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
O mencionado dispositivo adentra a função em vários aspectos, ou seja, o proprietário deve exercer seus poderes, em consonância com o respeito ao meio ambiente, ao patrimônio histórico cultural e todos os direitos mínimos articulados pela Constituição Federal.
Nesse sentido, a concepção histórica da propriedade, caracterizada pelo feudalismo, em que o senhor feudal utilizava a propriedade como fonte de poder e riqueza. De fato, o valor da propriedade era instrumental, não havia destinação coletivo-social o que se pretendia era apenas o enriquecimento da exploração cultivada na propriedade feudal.
Com o advento da Revolução Francesa, e com as ideias iluministas, a propriedade passou a ser utilizada no contexto social, em que toda propriedade deverá atender a função social e coletiva.
A função social da propriedade, no estatuto da cidade , é cumprida quando atende às exigências fundamentais de ordenações no mencionado diploma (art.182, § 2o, CF/88). Posto isto, a propriedade no âmbito municipal, atenderá a função social quando cumprir as exigências estampadas no estatuto da cidade. Sendo assim, esta função social exposta, é uma extensão generalizada que impõe ao cumprimento da função social em âmbito municipal.
Como dito, a propriedade é a fonte da personalidade, então, o próprio estatuto da cidade, no art.1o, parágrafo único, assim dispõe:
Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.
Como se vê, o mencionado diploma, regulamenta que o disposto no arts.182 e 183 da Constituição Federal, é condição obrigatória na redação do texto do estatuto da cidade. A partir daí, a propriedade urbana, atenderá os princípios constitucionais, como pressuposto fundamental da função social da propriedade.
Nesse sentido, salienta Rosenvald e Farias (2010,p.213-214):
A função social da cidade pode redirecionar os recursos e a riqueza de forma mais justa, combatendo situações de desigualdade econômica e social vivenciadas em nossas cidades, garantindo um desenvolvimento urbano sustentável no qual a proteção aos direitos humanos seja o foco, evitando-se a segregação de comunidades carentes. A prática da cidadania consiste assim em incorporar setores da sociedade aos mecanismos básicos de direitos habitacionais
Toda propriedade deverá respeitar a coletividade, ou seja, não se trata de socializar a propriedade, mas estabelecer a promoção mínima da função social. É a finalidade necessária, para promover a ideia do direito como marco da evolução democrática brasileira.
Desse modo, a propriedade é o direito fundamental de existência do entorno social, em que o homem constrói sua personalidade e sua história. Diante da democratização da propriedade, ainda frente à historicidade proprietária, o homem utiliza a propriedade como fonte de poder e riqueza.
De certo, a função social promove a sua utilidade. Veja bem, o proprietário deve exercer os poderes proprietários, conforme a mínima existência digna da pessoa. Justamente, desse modo, a propriedade é voltada para os direitos inerentes da sociedade.
Como se nota ser proprietário impregna indeclinável exercício e obrigação da função social da propriedade. Enfim, esta função promove e articula, como meio procedimental, a atividade proprietária.
Agora passa-se a analisar seu objeto na jurisprudência. Quanto ao precedente em comento, trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público de Minas Gerais. A matéria em pauta é relacionada ao Direito das Sucessões, revogação das cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade, impostas por testamento. Função social da propriedade. Dignidade da pessoa, situação excepcional de necessidade financeira. Flexibilização da vedação contida no art. 1676 do CC/16. Possibilidade.
A recorrida pleiteou uma ação, com a causa patendi, de pedido de supressão de cláusulas restritivas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade impostas em testamento.
A autora alegou que estava desempregada há dois anos, doente e sem nenhuma fonte de rendimentos. Por essas razões, requer o levantamento da mencionadas cláusulas restritivas, instituídas por sua avó, incidente de imóvel rural de sua propriedade. Também, a pretensão da autora, requer a alienação de uma parte das terras, para pagar as dívidas pendentes e comprar um imóvel para sua família.
No julgamento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais a decisão abrandou as cláusulas restritivas de alienação do imóvel gravado, sendo que a parte da venda de 1/3 seria destinada à saldar as dívidas da proprietária e os outros 2/3 seriam utilizados, obrigatoriamente, na aquisição de outro imóvel.
Nesse sentido, o STJ, entendeu que, os testadores desse modo, procuravam proteger o patrimônio familiar, assegurando aos descendentes uma única espécie de amparo financeiro, face às incertezas da vida econômica e social. Procurava proteger o patrimônio contra as cláusulas de alienação, penhora dos bens objeto do testamento, em benefício dos herdeiros.
Em recurso especial, frente ao quadro fático da apelante, o Tribunal considerou pertinente, a venda do imóvel rural nas condições impostas pelo acórdão do TJMG. Com isso, a 4º turma da Corte, salientou que: a supressão do direito de dispor dos bens, ainda que eficazmente instituída por meio de testamento válido, não pode ser considerada de modo absoluto, devendo ser delimitada por preceitos de ordem constitucional, como a função social da propriedade e a dignidade da pessoa humana.
A partir daí, o STJ de forma ponderável e razoável, manifestou no sentido que a pequena propriedade rural deve produzir e circular mercadoria, ou seja, atender a sua função social. Mas, a proprietária, não conseguia financiamento para o cultivo das terras, pois, se encontrava desempregada, doente e com uma filha para criar.
Assim, portanto, decidiu a quarta turma do STJ,
Os gravames, além do mais, devem sempre ter em vista a função social da propriedade sobre a qual foram impostos, pois não é possível admitir a manutenção de um bem que acabe por prejudicar seu proprietário, de modo a causa-lhe aflições e frustrações. Daí decorre, ainda, que o impedimento ao exercício dos direitos decorrentes da propriedade por um longo período de tempo e na presença de circunstâncias que justifiquem a disposição do bem constitui ofensa ao princípio da função social da propriedade, já que impede a livre circulação e exploração da riqueza. Na espécie em exame, portanto, a solução apresentada pelo TJ/MG, no sentido de atender parcialmente à pretensão da recorrida, exprimiu equilíbrio, razoabilidade e bom senso. A aplicação parcimoniosa dos dispositivos legais alegadamente violados obedeceu tanto à vontade do testador quanto aos interesses da recorrida, beneficiada pelo testamento. A turma por unanimidade, negou-lhe provimento ao recurso especial (Recurso especial n.1.158.679- MG (2009/0193060-5).
Enfim, o Superior Tribunal de Justiça, em sintonia com a função social, concedeu à pequena propriedade, a possibilidade do exercício da mesma. Por isto, que a Corte, manteve o acórdão do TJMG ao garantir a aquiescência do testador e o interesse da apelante. Por tudo, estabeleceu parcial provimento do cancelamento das cláusulas restritivas.
Pelo exposto, registra Rosenvald e Farias (2010, p.39):
O art. 5º, inciso XXX, da Constituição Federal preserva o direito fundamental à herança, como extensão da propriedade – droit de saisine. O art. 1784 do Código Civil determina a transmissão imediata da herança aos sucessores. Todavia, em verdadeira inovação com relação ao regime anterior, o art. 1848 exige a justificação de eventual cláusula restritiva à legítima no testamento, para que o magistrado possa aferir a legitimidade de cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade dos bens da legítima. Ora, a norma busca exatamente preservar a função social da propriedade, eis que a transmissão do patrimônio do morto para o herdeiro com a inserção de cláusula de inalienabilidade provoca a paralisação da circulação de riquezas. Assim, caberá ao magistrado ponderar se a motivação dada pelo testador é relevante a ponto de gerar restrição sobre a legítima. O Código Civil é tão rigoroso quanto a essa inovação que, no Livro Das Disposições Finais e Transitórias, inseriu o art.2042, determinando que os testamentos subscritos antes de 11/01/2002 deverão ser aditados para inclusão da justa causa, sob pena de causalidade da cláusula restritiva aos óbitos verificados a partir de 01 (um) ano após a vigência do Código.
Em suma, o contexto social é pressuposto do conceito e finalidade da nova função imposta a toda propriedade. Isto porque, pode-se afirmar que, não se fala em propriedade sem mencionar os direitos da personalidade, pois, o próprio desenvolvimento social demonstra que a propriedade se transformou de um objeto/instrumento para um direito fundamental do ser e dever ser humanitário.
REFERÊNCIAS
FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais, 6º ed. Lumen Juris, 2010.
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30°ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
Pós-graduado latu sensu em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC Minas (2015). Graduação em Direito pela Faculdade Presidente Antônio Carlos, FUPAC/ UNIPAC (2013). Graduação interrompida em Filosofia pela Universidade Federal de Ouro Preto, UFOP (2015). Tem experiência acadêmica enquanto Professor de Filosofia e Sociologia. Dedica-se ao estudo nas áreas de Direito Penal e Processual, com foco na Psicanálise na Cena do Crime, inclusive, em pesquisas voltadas ao Direito Constitucional Comparado, Ambiental e Minerário. Autor de artigos científicos de revistas nacionais e internacionais, bem como autoria citada em Faculdades renomadas, como na Tese no âmbito do Doutoramento em Direito, Ciências Jurídico-Processuais orientada pelo Professor Doutor João Paulo Fernandes Remédio Marques e apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARQUES, Fernando Cristian. Princípio da autonomia privada e a função social da propriedade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jul 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40175/principio-da-autonomia-privada-e-a-funcao-social-da-propriedade. Acesso em: 05 out 2024.
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