RESUMO: As recentes modificações no Código de Processo Civil promoveram o que se chamou de “sincretismo processual”, um novo modelo que busca dar mais efetividade ao processo de execução, inaugurando no ordenamento jurídico a fase de cumprimento de sentença, que tornou desnecessário um novo processo de execução para dar efetividade à decisão judicial transitada em julgado. A novel fase de cumprimento de sentença possui características próprias, o que a diferencia do processo de execução propriamente dito, que ainda subsiste para buscar a satisfação dos títulos executivos extrajudiciais. Os estudos realizados buscam apontar essas principais diferenças.
Palavras-chave: Direito Processual Civil. Processo de Execução. Cumprimento de Sentença. Sincretismo Processual.
1 INTRODUÇÃO
Após as recentes alterações promovidas no Código de Processo Civil, sobretudo as trazidas pela Lei 11.232/05, inaugurou-se um novo sistema de execução dos títulos judiciais, denominada fase de cumprimento de sentença. O processo, que antes era inteiramente dualista, ou seja, exigia o processo de conhecimento e de execução, agora, nos casos em que há sentença condenatória, tornou-se sincrético, com duas fases inseridas no mesmo contexto processual, a fase de conhecimento e a de cumprimento de sentença.
O presente trabalho traz as principais diferenças entre essa nova fase de cumprimento de sentença com o processo de execução autônomo, que se restringiu às hipóteses de execução de títulos extrajudiciais.
Conforme será visto nas próximas linhas, as principais diferenças dizem respeito à posição topológica das duas “espécies” de execução, a necessidade de se desenvolverem no mesmo processo, a extensão das defesas do devedor admitidas nos dois tipos de procedimento e a competência para o processamento.
2 POSIÇÃO TOPOLÓGICA
Inicialmente, a primeira diferença que podemos citar entre a fase de cumprimento de sentença e a execução de título executivo extrajudicial é a sua posição no Código de Processo Civil.
Enquanto que o cumprimento de sentença encontra-se disposto no Livro I, Título VIII, Capítulo X, do estatuto processual civil, a execução de título extrajudicial se desenvolve no Livro do Processo de Execução, cujo procedimento depende de qual tipo de execução a ser realizada, seja para entrega de coisa, para cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer e por quantia.
A decorrência mais importante dessa posição topológica é a de que a fase de cumprimento de sentença é consequência lógica do provimento judicial, ou seja, a partir da reforma do Código de Processo Civil promovida pela Lei 11.232/05, a sentença condenatória é dotada de força executiva e o seu cumprimento é uma fase do procedimento ordinário (ou sumário).
Antes, a execução da sentença necessitava de um novo pedido do autor, nova citação do réu e novo desenvolvimento processual visando a satisfação do crédito que surgiu da sentença. Atualmente, o cumprimento de sentença é instaurado pela vontade da própria lei, como atividade final do processo cognitivo, independentemente da ação do credor, e de citação do devedor, prevista, anteriormente, nos arts. 611 e 614, caput, do CPC.
Não obstante a posição que a fase de cumprimento de sentença guarda no Código, há quem sustente que ela é uma nova relação processual, como Sergio Bermudes[1], in verbis:
Conquanto o instituto cumprimento da sentença se localize no Livro I do Código de Processo Civil e, formalmente, constitua um incidente do processo cognitivo, ele, na substância, é uma nova relação processual: processo de execução, instaurado ex lege, para a satisfação do direito do credor, reconhecido na sentença condenatória. Repita-se que o processo civil contencioso se divide em três espécies: processo de conhecimento, processo de execução, processo cautelar. O cumprimento da sentença não cria uma quarta espécie. Foi colocado no Livro I (onde, aliás, não se encontram institutos somente do processo cognitivo) por uma questão de ordem prática. Mas não é a topologia que qualifica a figura jurídica.
Desse modo, afastando-se da discussão acerca da natureza jurídica da fase de cumprimento da sentença, posto não se tratar do intuito do presente trabalho, sobretudo pela profundidade da discussão, o fato é que a posição topológica é a primeira diferença entre o cumprimento da sentença e a execução de título extrajudicial.
3 NECESSIDADE DE SE DESENVOLVER NOS MESMOS AUTOS
Outra diferença que podemos destacar diz respeito à necessidade do surgimento de um novo processo. Nesse sentido, a execução de títulos executivos extrajudiciais se dá com o surgimento de um processo novo, até porque este título, como o próprio nome revela, não advém de processo judicial anterior, ao contrário do cumprimento de sentença, que se desenvolve nos mesmos autos em que proferida a decisão judicial que originou a obrigação.
A execução de título executivo extrajudicial demanda a citação do devedor para pagar aquilo que deve ou se defender, na forma de embargos. Os embargos possuem natureza jurídica de ação, mediante a qual o executado impugna a pretensão creditícia do exequente, podendo haver, inclusive, instrução probatória.
Nos títulos executivos judiciais a relação processual já está sedimentada, ou seja, não se torna necessária uma nova citação do réu para pagar ou se defender, pois esta já foi realizada no momento da propositura da ação de conhecimento. Obviamente que não se pode esquecer da ressalva do parágrafo único do art. 475-N[2], onde a citação será realizada.
Sidnei Amendoeira Júnior[3] comenta essa situação após as modificações legislativas, vejamos:
Note-se, então, que, no novo sistema, todas as obrigações (pagar quantia certa, fazer, não fazer e entrega de coisa) serão efetivadas ou cumpridas nos mesmos autos do processo de conhecimento, independentemente de processo de execução autônomo. Aliás, a bem da verdade, inexistirá execução propriamente dita nestes casos (no sentido de execução autônoma e nos moldes tradicionais), mas, nos termos da lei, cumprimento ou efetivação, seja da tutela final (em caráter definitivo se a sentença transitar em julgado, ou em caráter provisório se sujeita a recurso recebido apenas no efeito devolutivo), seja da tutela provisória antecipada.
(grifou-se)
Com relação ao título executivo extrajudicial, novo processo será formado e o procedimento dependerá de que tipo de obrigação decorrerá do título, conforme a lição de Marcus Vinicius Rios Gonçalves[4]:
A execução de título extrajudicial não é imediata, mas implica a formação de um processo autônomo, cujo procedimento varia conforme a obrigação imposta pelo título.
O CPC regula a execução de título extrajudicial para entrega de coisa, para cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer e por quantia.
(grifou-se)
Dessarte, a necessidade de formação de novo processo é outra diferença que surge entre a fase de cumprimento de sentença e a execução de título executivo extrajudicial.
4 EXTENSÃO DA DEFESA
Mais uma diferença que merece ser mencionada é a extensão da defesa nos dois tipos de execução. Na execução por título executivo judicial, ou seja, na fase de cumprimento da sentença, o réu só poderá apresentar impugnação que verse sobre as situações descritas, taxativamente, pelo art. 475-L do CPC.
Já na execução de título executivo extrajudicial, os embargos podem ser usados para se defender de uma forma bem mais ampla, como se fase de conhecimento fosse, pois o art. 745 do CPC autoriza esse tipo de manejo, sobretudo o que dispõe o seu inciso V, que autoriza, ao executado, alegar “qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento”.
A delimitação da matéria que o executado, na fase de cumprimento da sentença, pode arguir é conseqüência da cognição exauriente pela qual as partes já passaram, que foi todo o processo de conhecimento. Explica Misael Montenegro Filho[5] que:
A limitação das matérias que podem ser suscitadas pelo executado, garantida pela interpretação gramatical do art. 475-L, justifica-se pela constatação de que este não mais pode revisitar temas próprios da fase de conhecimento, encontrando-se superados por não terem sido oportunamente arguidos pela parte ou, tendo sido articulados, por terem sido repelidos através de sentença judicial transitada em julgado, gerando o fenômeno da imutabilidade do julgado, que só pode ser desconstituído através da ação rescisória ou da ação anulatória do art. 486.
Justamente por não haver limitação no assunto tratado nos embargos, que é a defesa da execução de títulos extrajudiciais, é que a doutrina entende que a natureza jurídica daqueles é de ação, conforme lição de Daniel Amorim Assumpção Neves[6], in verbis:
É tradicional a lição de que os embargos à execução têm natureza jurídica de ação, sendo que o ingresso dessa espécie de defesa faz com que no mesmo processo passem a tramitar duas ações: a execução e os embargos à execução. A natureza jurídica dos embargos pode ser inteiramente creditada à tradição da autonomia das ações, considerando-se que no processo de execução busca-se a satisfação do direito do exeqüente, não havendo espaço para a discussão a respeito da existência ou da dimensão do direito exeqüendo, o que deverá ser feito em processo cognitivo, chamado de embargos à execução.
Como dito em linhas anteriores, o próprio estatuto processual civil estabelece, expressamente, que pode ser alegada, nos embargos à execução, qualquer matéria que possa ser deduzida em processo de conhecimento. Misael Montenegro Filho[7] comenta essa previsão:
Ao contrário desse panorama restritivo (impugnação ao cumprimento da sentença), como não há fase de conhecimento em antecedência à ação de execução fundada em título extrajudicial, é incontroverso que o devedor pode impugnar o título de forma mais ampla, segundo previsto no art. 745, articulando todas as matérias de defesa que seriam admitidas na ação de conhecimento.
Pois bem, a extensão da defesa é mais uma característica que diferencia a fase de cumprimento de sentença com a execução de título executivo judicial, conforme exposto acima.
5 COMPETÊNCIA PARA PROCESSAMENTO
Por fim, temos que a competência para a execução é outra característica que diferencia a fase de cumprimento de sentença com a execução de título extrajudicial.
Na fase de cumprimento de sentença, o artigo 475-P do Código de Processo Civil esclarece os critérios de competência adotados:
Art. 475-P. O cumprimento da sentença efetuar-se-á perante:
I – os tribunais, nas causas de sua competência originária;
II – o juízo que processou a causa no primeiro grau de jurisdição;
III – o juízo cível competente, quando se tratar de sentença penal condenatória, de sentença arbitral ou de sentença estrangeira.
Parágrafo único. No caso do inciso II do caput deste artigo, o exeqüente poderá optar pelo juízo do local onde se encontram bens sujeitos à expropriação ou pelo do atual domicílio do executado, casos em que a remessa dos autos do processo será solicitada ao juízo de origem.
Note-se que a competência no caso dos dois primeiros incisos é funcional, tendo em vista que o cumprimento da sentença seguirá a sorte do processo principal, sendo funcional é, portanto, absoluta.
Porém, no caso do inciso II, o parágrafo único traz exceção, comentada por Marcus Vinicius Rios Gonçalves[8]:
Teria essa norma transformado a competência, na hipótese do inc. II, em relativa? Em caso afirmativo, as partes poderiam escolher qualquer foro para o processamento da ação. Aqui não. A ação só pode correr em um dos três juízos concorrentes previamente estabelecidos por lei, escolhidos não por contrato ou eleição, mas por opção do credor. Se for proposta em outro juízo, que não um dos três, ele de ofício dar-se-á por incompetente.
O credor que optar por um dos juízos concorrentes deverá requerer o cumprimento da sentença no juízo escolhido, que solicitará ao de origem a remessa dos autos. O juízo escolhido receberá a petição desacompanhada dos autos do processo, cumprindo-lhe verificar se é mesmo competente para o cumprimento da sentença. Em caso afirmativo, fará a solicitação ao juízo de origem, que os remeterá. Ao final, os autos serão arquivados no juízo onde correu a execução.
A competência para a execução de título executivo extrajudicial, por sua vez, é de natureza relativa e segue as regras gerais estabelecidas para o processo de conhecimento.
Basicamente, são três as situações, (i) se houver foro de eleição, nele será a execução, (ii) não havendo foro de eleição, competente será o local da praça de pagamento do título executivo. Por fim, (iii) não havendo praça de pagamento, será aplicada a regra geral de competência do domicílio do réu.
6 CONCLUSÃO
Ante o que fora discutido no presente trabalho, conclui-se que a nova fase de cumprimento de sentença possui diferenças razoáveis quando comparada a execução de título extrajudicial. O Código de Processo Civil trouxe a maior parte delas e as demais decorrem da própria lógica dos tipos de procedimento.
Desse modo, estando o operador do Direito diante de uma das duas situações, com os elementos já delineados linhas acima, tarefa fácil será distinguir a fase de cumprimento de sentença com a execução de título extrajudicial.
REFERÊNCIAS
AMENDOEIRA JR., Sidnei. Manual de direito processual civil, volume 2: teoria geral dos recursos; recursos em espécie; ações impugnativas autônomas; liquidação e cumprimento da sentença. - São Paulo: Saraiva, 2012.
BERMUDES, Sergio. A reforma do código de processo civil. - 3. ed. - São Paulo: Saraiva, 2010.
BRASIL. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869compilada.htm. Acesso em 15 jul.2014.
DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil, vol. 5: Execução. - 2. ed. - Salvador: Jus Podivm, 2010.
GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. - 3. ed. - São Paulo: Saraiva, 2013.
MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil, volume 2: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução. - 6. ed. - São Paulo: Atlas, 2010.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. - 2. Ed. - Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2010.
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Direito processual civil contemporâneo: introdução ao processo civil, volume II. - São Paulo: Saraiva, 2012.
[1] A Reforma do Código de Processo Civil. - 3. ed. - São Paulo: Saraiva, 2010. p. 119 (versão digital).
[2] Art. 475-N. São títulos executivos judiciais:
I – omissis;
II – a sentença penal condenatória transitada em julgado;
III – omissis;
IV – a sentença arbitral;
V – omissis;
VI – a sentença estrangeira, homologada pelo Superior Tribunal de Justiça;
VII – omissis.
Parágrafo único. Nos casos dos incisos II, IV e VI, o mandado inicial (art. 475-J) incluirá a ordem de citação do devedor, no juízo cível, para liquidação ou execução, conforme o caso.
[3] Manual de direito processual civil, volume 2: teoria geral dos recursos; recursos em espécie; ações impugnativas autônomas; liquidação e cumprimento da sentença. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 391 (versão digital).
[4] Direito processual civil esquematizado. - 3. ed. - São Paulo: Saraiva, 2013. p. 561 (versão digital).
[5] Curso de Direito Processual Civil, volume 2: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução. - 6. ed. - São Paulo: Atlas, 2010. p. 497.
[6] Manual de Direito Processual Civil. - 2. ed. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010. p. 1.015/1.016.
[7] Op. cit., p. 498.
[8] Op. cit., p. 516.
Assessor Jurídico do Ministério Público Estadual do Rio Grande do Norte. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Especialista em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário FACEX - UNIFACEX.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, Leopoldo Germano. Cumprimento de sentença x execução de título extrajudicial: principais diferenças Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jul 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40195/cumprimento-de-sentenca-x-execucao-de-titulo-extrajudicial-principais-diferencas. Acesso em: 23 dez 2024.
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