RESUMO: A Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes, que há algum tempo já ecoou fortemente nos julgados do Supremo Tribunal Federal, com o passar do tempo, veio perdendo espaço para a conclusão de que somente a parte dispositiva das decisões do Pretorio Excelso no controle abstrato de constitucionalidade possuem efeitos erga omnes, vinculando a Administração Pública e os demais Órgãos do Poder Judiciário. Os estudos realizados apontam a evolução histórica do controle de constitucionalidade brasileiro, definindo-o como é atualmente, conceitua a Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes para, ao final, revelar a evolução jurisprudencial e o atual entendimento da Suprema Corte acerca de sua aplicação.
Palavras-chave: Direito Constitucional. Controle de Constitucionalidade. Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes.
1 INTRODUÇÃO
A ideia de controle de constitucionalidade surge do aspecto rígido do texto constitucional, pois a partir da Carta Política, deve todo o ordenamento jurídico com ela se compatibilizar.
Em outras palavras, o que não se coaduna com a Constituição, não deve subsistir no ordenamento jurídico, e daí surge o controle das leis e dos atos infralegais sob o prisma do texto constitucional. No Brasil, duas são as espécies de controle de constitucionalidade, o difuso, que é exercido no caso concreto e incidentalmente, e o concentrado, exercido, em regra[1], pelo Supremo Tribunal Federal, analisando-se a lei abstratamente para verificar, em tese, a sua validade diante do ordenamento constitucional.
As decisões do Supremo Tribunal Federal no controle concentrado de constitucionalidade possuem efeitos erga omnes e vinculantes, servindo como paradigma tanto para a Administração Pública como para os demais Órgãos do Poder Judiciário. A não observância desse comando, inclusive, pode gerar o controle do ato por meio de Reclamação constitucional.
A discussão que se estabelece diz respeito aos limites dessa vinculação, se apenas o dispositivo da decisão ou se também os fundamentos que a embasaram. A Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes dispõe, em linhas gerais, que a força vinculante das decisões do STF no controle concentrado de constitucionalidade não se limitam apenas ao dispositivo da decisão, mas também aos fundamentos daquela.
Essa Teoria, que já encontrou bases sólidas no próprio Supremo Tribunal Federal, vem perdendo prestígio, sobretudo a partir do ano de 2010, no julgamento da Reclamação 10.604.
O presente trabalho tem por finalidade discorrer acerca dessa evolução jurisprudencial, contextualizando a Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes com o sistema de controle de constitucionalidade adotado no Brasil.
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Foi outorgada no Brasil, em 1824, a “Constituição Política do Império do Brasil”, esta não previa (ainda) um controle de constitucionalidade judicial, porém, havia um controle político atribuído ao Poder Legislativo, que tinha em seu rol de competências, dentre outras, velar pela guarda da Constituição, fazendo, interpretando e revogando as leis. Contudo, o Poder Moderador tinha a prerrogativa de intervir nos demais Poderes, sobretudo no Legislativo avocando para si a competência para controlar a constitucionalidade das leis.
Já em 20 de novembro de 1894, foi promulgada a Lei n.º 221, que previa no seu art. 13, § 10:
Os juízes e Tribunais apreciarão a validade das leis e regulamentos e deixarão de aplicar aos casos ocorrentes as leis manifestamente inconstitucionais e os regulamentos manifestamente incompatíveis com as leis ou a Constituição.
Esse foi o primeiro ordenamento que, efetivamente, proveu o Poder Judiciário de controlar a constitucionalidade dos atos normativos.
A partir da Constituição de 1934 algumas inovações foram introduzidas, primeiramente no que diz respeito a declaração de inconstitucionalidade das leis ou atos do Poder Público pelos Tribunais, exigindo que a referida declaração só fosse aprovada mediante o voto da maioria absoluta de seus membros. Essa disposição vem sendo aplicada pelas Constituições seguintes, inclusive a atual, conforme preceitua o art. 97[2].
A outra inovação, e talvez a mais importante, também foi seguida pelas demais Constituições (excetua-se a de 1937) e disciplinava a competência do Senado Federal para suspender, no todo ou em parte, leis ou atos normativos declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário.
A Constituição de 1937, talvez pelo seu caráter retrógrado, além de ter alterado o controle difuso de constitucionalidade, ainda aboliu a Justiça Federal de primeira instância.
A mudança mais significativa no objeto de nosso estudo trazida pela Constituição de 1946 só veio aparecer em 1965, com a edição da Emenda Constitucional nº 16, de 26 de novembro daquele ano. A referida emenda introduziu o controle concentrado de constitucionalidade no sistema jurídico pátrio, prevendo a competência exclusiva do STF para apreciar a constitucionalidade das leis federais.
Nenhuma mudança significativa nesse sistema foi trazida pela Carta Magna de 1967, a não ser pela Emenda Constitucional nº 1, de 1969, que criou o controle de constitucionalidade estadual para fim de intervenção nos municípios.
A Assembleia Constituinte, formada em 1987, discutiu bastante sobre a estrutura e funções do Poder Judiciário no Estado Democrático de Direito, tentando dotá-lo de mecanismos que pudesse fazer com que esse Poder controlasse e minimizasse os defeitos e pecados do sistema político brasileiro, porém, o Poder Judiciário, salvo poucas alterações, acabou ficando com o mesmo formato dos últimos tempos da ditadura militar, inclusive quanto às funções do Supremo Tribunal Federal.
Nos dias de hoje, a iniciativa das ações de controle concentrado de constitucionalidade é atribuída a um rol até extenso de legitimados, contrariando a Carta Magna derrogada que havia dado esse papel apenas o Procurador-Geral da República, conforme o seu art. 119, inciso I.
Esse rol extenso de legitimados levou à construção de alguns critérios de seleção, passando-se a exigir o que se denominou de pertinência subjetiva entre o legitimado constante dos incisos do art. 103 com o tema a ser discutido na ação direta de inconstitucionalidade.
Em decorrência disso, somente o Presidente da República, as Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e os partidos políticos possuem interesse processual para oferecer ação direta de inconstitucionalidade sobre qualquer tema, enquanto que os demais legitimados terão de comprovar, em cada oportunidade, tal interesse.
3 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE REALIZADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Como dito, o Brasil adota o sistema misto de controle da constitucionalidade, que se divide em difuso e concentrado. O controle difuso é realizado, de forma incidental (incidenter tantum), enquanto que o controle concentrado possui a prerrogativa de analisar a compatibilidade da norma com a regra constitucional como um todo, de forma abstrata e principal (principaliter tantum).
São elas: a Ação Direta de Inconstitucionalidade, que se desdobra em genérica, interventiva e por omissão; a Ação Declaratória de Constitucionalidade; e a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.
Todas analisam a lei em abstrato. Ou seja, não há caso concreto para se resolver, mas sim, a análise da compatibilidade de uma lei, ou parte dela, com o ordenamento constitucional brasileiro, de forma a retirá-la, caso inconstitucional, ou, declará-la constitucional.
A Constituição Federal enumera os legitimados a propor as referidas ações em seu art. 103, sendo que, alguns com legitimidade universal, e outros, com legitimidade limitada, caso em que necessitam comprovar pertinência temática entre situação de fato ou de direito e a lei objeto do controle.
Também segundo a Constituição Federal, e como já dito, é de competência do Supremo Tribunal Federal o julgamento dessas ações, conforme artigo 102, inciso I. A Ação Direta de Inconstitucionalidade é cabível em face de lei ou ato normativo federal ou estadual; a Ação Declaratória de Constitucionalidade, por sua vez, pode ser ajuizada em face de lei ou ato normativo do Poder Público Federal.
Uma lei pode ser materialmente ou formalmente inconstitucional. Ocorre o primeiro caso quando a matéria regulada pela lei não é compatível com os mandamentos constitucionais. Como exemplo, cita-se a sanção de uma lei que proíba a compra e venda de imóveis, ou, uma lei que autorize a entrada da polícia no domicílio de qualquer pessoa a qualquer momento. Já, no segundo caso, quando o devido processo legislativo não é observado, como, por exemplo, não se respeita o quorum mínimo de aprovação de determinada espécie normativa em uma das Casas Legislativas. Neste caso, a lei, em seu teor, não fere a constituição, mas sim, a forma como ela ingressou no ordenamento jurídico, desrespeitando a disciplina dos artigos 59 a 69 da Constituição Federal. Em ambos os casos, é cabível a Ação Direta de Inconstitucionalidade genérica, desde que a lei tenha sido editada no âmbito federal ou estadual.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão visa à concessão de aplicabilidade às normas constitucionais de eficácia limitada (de princípio institutivo ou de caráter programático, desde que vinculadas ao princípio da legalidade), que não possuem legislação complementar ou ordinária para regulamentá-las. Nota-se aqui, que o Poder Público se absteve de uma obrigação, que era editar uma lei para regulamentar mandamento constitucional. Nestes casos, o controle é feito por via de Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão, caso em que o STF dará ciência ao poder competente para edição da lei, tal comando recebe o nome de “Apelo ao Legislador”.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva, prevista nos artigos 34, inciso VII e 36, inciso III, ambos da Constituição Federal, é meio de defesa dos princípios sensíveis constitucionais, assim denominados, pois, caso não respeitados pelo poder público acarretará na maior das sanções do sistema federativo, que é a perda da autonomia política. São eles: a forma republicana, o sistema representativo e o regime democrático, os direitos da pessoa humana, a autonomia municipal, a prestação de contas da administração pública direta e indireta, bem como a aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de receitas de transferência, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. Nestes casos, apenas o Procurador-Geral da República tem legitimidade, não se aplicando o rol contido no art. 103 da Carta Magna. Possui efeito duplo. A declaração da inconstitucionalidade e a decretação da intervenção federal.
A Ação Declaratória de Constitucionalidade tem por finalidade o afastamento da insegurança jurídica acerca de lei ou ato normativo federal em face da Constituição Federal. É que, mesmo possuindo constitucionalidade presumida, uma lei ou ato normativo poderão ser afastados em face de controle difuso, ou até mesmo, deixar de ser cumprida pelo Chefe do Poder Executivo, se este a reputar inconstitucional. Uma vez declarada constitucional pelo STF, estarão afastadas tais hipóteses.
Acerca da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, podemos dizer que esta tem a finalidade de evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público, sendo cabível também, quando for relevante a controvérsia constitucional acerca da lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal. Possui aplicação subsidiária em relação às outras ações, não sendo cabível quando o caso for de ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade ou de Ação Declaratória de Constitucionalidade.
Portanto, possui o STF, em face do controle concentrado, ampla competência na defesa da Constituição, bem como dos princípios e normas por ela abarcados.
4 TEORIA DA TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES
A Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes encontra fundamento na doutrina alemã e leciona que não só o dispositivo do acórdão, mas, também, os fundamentos determinantes da decisão teriam efeitos vinculantes. Deste modo, a ratio decidendi, ou seja, a razão da decisão, aquilo que serviu de fundamento para o julgado, passaria a vincular a Administração Pública e os demais Órgãos do Poder Judiciário.
Luis Roberto Barroso[3], em festejada obra, conceitua a Teoria sob análise, in verbis:
Em sucessivas decisões, o Supremo Tribunal Federal estendeu os limites objetivos e subjetivos das decisões proferidas em sede de controle abstrato de constitucionalidade, com base em uma construção que vem denominando transcendência dos motivos determinantes. Por essa linha de entendimento, é reconhecida eficácia vinculante não apenas à parte dispositiva do julgado, mas também aos próprios fundamentos que embasaram a decisão. Em outras palavras: juízes e tribunais devem acatamento não apenas à conclusão do acórdão, mas igualmente às razões de decidir.
Como consequência, seria admissível reclamação contra qualquer ato, administrativo ou judicial, que contrarie a interpretação constitucional consagrada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado de constitucionalidade, ainda que a ofensa se dê de forma oblíqua.
Porém, como dito, apenas a ratio decidendi, para os que defendem esta Teoria, vincula. É importante atentar para esse fato tendo em vista que, na fundamentação da decisão, existem comentários laterais, que não influem na decisão, perfeitamente dispensáveis, são chamados de obter dictum, esses não vinculam.
Desse modo, nem toda a fundamentação da decisão do Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado de constitucionalidade vinculará a Administração Pública e os demais Órgãos do Poder Judiciário, mas apenas as razões principais da decisão (ratio decidendi), e não aquelas que, de forma oblíqua, servem como reforço de fundamentação (obter dictum).
É o que se extrai da lição de Bernardo Gonçalves Fernandes[4], litteris:
Mas aqui, mais uma questão: toda a parte de fundamentação vincula com base no efeito vinculante? Obviamente que não. O que obriga e vincula, e é o fator determinante da transcendência dos motivos determinantes, é a chamada ratio decidendi, a razão fundamental de decidir. Certo é que, na parte da fundamentação, também teremos obter dictum; coisas paralelas, ditas de passagem, que não irão vincular (não serão vinculantes).
Dessarte, conceituada a Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes, passemos a analisar a evolução jurisprudencial sobre o tema.
3 A EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL E O ATUAL ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Como dito em linhas anteriores, a adoção da Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes pelo Supremo Tribunal Federal vem sofrendo ponderações com o passar do tempo, talvez como forma de inibir o número de Reclamações que vêm sendo ajuizadas na Corte, porém, é certo que a vinculação dos fundamentos das decisões proferidas em sede de controle concentrado de constitucionalidade está perdendo prestígio.
Um julgado bastante paradigmático que exemplifica a adoção da Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes é o da Reclamação 1987-0, cujo relator foi o Ministro Maurício Corrêa, vejamos[5]:
EMENTA: RECLAMAÇÃO. CABIMENTO. AFRONTA À DECISÃO PROFERIDA NA ADI 1662-SP. SEQÜESTRO DE VERBAS PÚBLICAS. PRECATÓRIO. VENCIMENTO DO PRAZO PARA PAGAMENTO. EMENDA CONSTITUCIONAL 30/00. PARÁGRAFO 2º DO ARTIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. Preliminar. Cabimento. Admissibilidade da reclamação contra qualquer ato, administrativo ou judicial, que desafie a exegese constitucional consagrada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado de constitucionalidade, ainda que a ofensa se dê de forma oblíqua.
2. Ordem de seqüestro deferida em razão do vencimento do prazo para pagamento de precatório alimentar, com base nas modificações introduzidas pela Emenda Constitucional 30/2000. Decisão tida por violada - ADI 1662-SP, Maurício Corrêa, DJ de 19/09/2003: Prejudicialidade da ação rejeitada, tendo em vista que a superveniência da EC 30/00 não provocou alteração substancial na regra prevista no § 2º do artigo 100 da Constituição Federal.
3. Entendimento de que a única situação suficiente para motivar o seqüestro de verbas públicas destinadas à satisfação de dívidas judiciais alimentares é a relacionada à ocorrência de preterição da ordem de precedência, a essa não se equiparando o vencimento do prazo de pagamento ou a não-inclusão orçamentária.
4. Ausente a existência de preterição, que autorize o seqüestro, revela-se evidente a violação ao conteúdo essencial do acórdão proferido na mencionada ação direta, que possui eficácia erga omnes e efeito vinculante. A decisão do Tribunal, em substância, teve sua autoridade desrespeitada de forma a legitimar o uso do instituto da reclamação. Hipótese a justificar a transcendência sobre a parte dispositiva dos motivos que embasaram a decisão e dos princípios por ela consagrados, uma vez que os fundamentos resultantes da interpretação da Constituição devem ser observados por todos os tribunais e autoridades, contexto que contribui para a preservação e desenvolvimento da ordem constitucional.
5. Mérito. Vencimento do prazo para pagamento de precatório. Circunstância insuficiente para legitimar a determinação de seqüestro. Contrariedade à autoridade da decisão proferida na ADI 1662. Reclamação admitida e julgada procedente.
(STF - Tribunal Pleno, Rcl 1987/DF, rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, j. 01/10/2003)
Faz-se necessário tecer algumas considerações acerca do que originou a reclamação acima transcrita para, assim, entendermos claramente a aplicação da Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes.
No julgamento cautelar da ADI 1662, o STF entendeu inconstitucional e suspendeu a eficácia dos itens III e XII da IN 11/97, do Tribunal Superior do Trabalho, os quais versavam sobre a equiparação da hipótese de preterição do direito de precedência do artigo 100, § 2º, da Constituição Federal. Ademais, a Egrégia Corte adotou exegese sobre o tema.
Acontece que no decorrer do julgamento da ADI 1662 o Congresso Nacional promulgou a EC n° 30, a qual alterou algumas regras sobre pagamento de precatório, mas nada que interferisse na única forma de sequestro de verbas públicas para pagamento de precatórios, qual seja a preterição, admitida pela Carta Magna e pela exegese do STF. Entretanto a justiça do Trabalho utilizou-se da EC n° 30 para de forma oblíqua afastar-se da modalidade suspensa cautelarmente e fundamentou seu ato, embora a situação fática fosse exatamente a mesma antes rejeitada pelo Pretório Excelso.
Percebe-se, portanto, que aceitando a Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes, onde, nos dizeres do Ministro Gilmar Mendes “a eficácia da decisão transcende o caso singular, de forma que os princípios dimanados na parte dispositiva e dos fundamentos determinantes sobre a interpretação da Constituição devem ser observados por todos os Tribunais e autoridades nos casos futuros” a via eleita da Reclamação, acatada pelo Ministro Maurício Corrêa, é a correta para sanar o desrespeito à autoridade da decisão da Egrégia Corte.
Porém, mais recentemente, temos alguns julgados que afastam a aplicação dessa Teoria, a exemplo dos seguintes julgados:
AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO - CABIMENTO DA AÇÃO CONSTITUCIONAL - AUSÊNCIA DE IDENTIDADE DE TEMAS ENTRE O ATO RECLAMADO E O PARADIGMA DESTA CORTE - TRANSCENDÊNCIA DE MOTIVOS - TESE NÃO ADOTADA PELA CORTE - AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. É necessária a existência de aderência estrita do objeto do ato reclamado ao conteúdo das decisões paradigmáticas do STF para que seja admitido o manejo da reclamatória constitucional.
2. Embora haja similitude quanto à temática de fundo, o uso da reclamação, no caso dos autos, não se amolda ao mecanismo da transcendência dos motivos determinantes, de modo que não se promove a cassação de decisões eventualmente confrontantes com o entendimento do STF por esta via processual. Precedente.
3. Agravo regimental não provido.
(STF - Tribunal Pleno, Rcl 3.294 AgR/RN, rel. Min. DIAS TOFFOLI, j. 03/11/2011).
RECLAMAÇÃO. A reclamação pressupõe a usurpação da competência do Supremo ou o desrespeito a decisão proferida. Descabe emprestar-lhe contornos próprios ao incidente de uniformização, o que ocorreria caso admitida a teoria da transcendência dos motivos determinantes. Precedentes: Reclamação nº 3.014/SP, Pleno, relator ministro Ayres Britto, acórdão publicado no Diário da Justiça eletrônico de 21 de maio de 2010.
(STF - 1ª Turma, Rcl 11477 AgR/CE, rel. Min. MARCO AURÉLIO, j. 29/05/2012)
Nesse segundo julgado, chama a atenção os argumentos trazidos pela Ministra Cármen Lúcia, publicados no Informativo 668 do Supremo Tribunal Federal[6], senão vejamos:
A Min. Cármen Lúcia lembrou que, várias vezes, os componentes do Supremo, no Plenário, chegariam à idêntica conclusão com fundamentos distintos e apenas contar-se-iam os votos da parte dispositiva.
Ou seja, por vezes, como lembrou a citada Ministra, os membros da Suprema Corte chegam a conclusões idênticas sob fundamentos diferentes, sobretudo nos casos mais complexos, como os são os de controle concentrado de inconstitucionalidade, onde o julgamento transcorre por muitas vezes baseando-se em extensos votos floreados pelos mais diversos argumentos. Nesses casos, o que iria vincular? Apenas os fundamentos do voto do Relator ou daquele que abriu a divergência? Não nos parece o caminho que mais prestigia a segurança jurídica.
De toda forma, cabe observar como se comportará a jurisprudência pretoriana até o ponto de pacificar as premissas acerca aplicação da Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes.
6 CONCLUSÃO
Considerando a relevância da atuação do Supremo Tribunal Federal no que diz respeito às declarações de compatibilidade do ordenamento jurídico com o texto constitucional, é de fundamental importância o acompanhamento da jurisprudência acerca dos limites da vinculação das decisões tomadas em sede de controle concentrado de constitucionalidade.
Nesse diapasão, surgiu na Alemanha a Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes, que empresta força vinculante não apenas ao dispositivo das decisões tomadas no controle de constitucionalidade das normas pelo Supremo Tribunal Federal, mas sim aos seus fundamentos, às razões de decidir.
Após a adoção dessa teoria pelo próprio Pretorio Excelso, percebeu-se, hodiernamente, a sua perda de prestígio, como fora demonstrada, através de julgados mais recentes, devendo o aplicador do Direito, doravante, observar com bastante cautela os desdobramentos dessa evolução jurisprudencial.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 11 jul.2014.
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. - 3. ed. - Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. - 16 ed. - São Paulo: Saraiva, 2012.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. - 7. ed. - São Paulo: Saraiva, 2012.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2002.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
[1] Os Tribunais de Justiça dos Estados também podem exercer o controle concentrado de constitucionalidade, verificando a compatibilidade de normas de âmbito local frente à Constituição Estadual.
[2] Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
[3] O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. - 6. ed. - São Paulo: Saraiva, 2012. p. 238/239 (versão digital).
[4] Curso de direito constitucional. - 3. ed. - Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 978.
[5] Grifos acrescidos.
[6] Informativo 668 do STF, disponível em <http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo668.htm>, acesso em 11 de julho de 2014.
Assessor Jurídico do Ministério Público Estadual do Rio Grande do Norte. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Especialista em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário FACEX - UNIFACEX.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, Leopoldo Germano. A teoria da transcendência dos motivos determinantes e a sua aplicabilidade no controle abstrato de constitucionalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jul 2014, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40206/a-teoria-da-transcendencia-dos-motivos-determinantes-e-a-sua-aplicabilidade-no-controle-abstrato-de-constitucionalidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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