Resumo: A Constituição Federal e o Código de Processo Civil trazem uma série de garantias aos jurisdicionados, tais como o contraditório e a ampla defesa, visando resguardar a atuação da parte no procedimento judicial. É cediço que todas essas garantias, instrumentos e direitos, que deram origem ao direito processual constitucional, muitas vezes invadindo a seara da teoria geral do processo - configuram a inegável postura instrumentalista da ciência processual, preocupada com os resultados práticos do processo e sua efetividade. Assim, o processo não é um fim em si mesmo, mas um meio para se alcançar a efetivação da tutela.
Palavras Chave: processo, procedimento, instrumentalidade, efetividade.
1- Introdução
Um dos principais doutrinadores brasileiros, responsável pela defesa do instrumentalismo na escola processual paulista, Cândido Rangel Dinamarco trouxe, como colaboração processual, os pilares da Teoria Instrumentalista, cujos adeptos, ainda hoje, são maioria entre os doutrinadores e os aplicadores de direito.
Dita Teoria afirma que o processo não é um fim em si mesmo, sendo que a interpretação das normas processuais deve estar mais voltada ao conteúdo finalístico dos dispositivos do que ao respeito literal das formas estabelecidas. Para Dinamarco, o processo era um instrumento que servia ao direito material.
Assim, o processo, sendo considerado um meio e não um fim, deveria sempre tutelar interesses meta jurídicos, buscando escopos sociais, jurídicos, econômicos e políticos. Caberia ao magistrado, no caso concreto, analisar cada caso que a ele fosse apresentado e enquadrar o caso na lei. Como o objetivo é buscar uma solução satisfativa para uma demanda submetida, não é necessário, muitas vezes, excesso de apego a um formalismo exacerbado. Para os defensores dessa Teoria, em nome da economia processual, é plenamente possível que determinada norma seja afastada num processo, desde que o fim almejado tenha sido alcançado. Assim, aplica-se, a rigor, a máxima de que os fins justificam os meios.
Percebe-se, ainda, que se transferem, na prática, poderes extremos ao juiz, vez que caberá ao magistrado, em cada caso concreto, ponderar, através da utilização da proporcionalidade, qual a exigência formal que poderá ser afastada em nome da celeridade e da economia processual.
2- Desenvolvimento
Nesse contexto, para o Instrumentalismo, o juiz passa a ser o sujeito responsável pela condução processual, adotando um perfil pró-ativo na coleta de provas, podendo deferir medidas satisfativas de ofício, visando, sempre, atingir o interesse coletivo tutelado pelo processo (processo como meio, visto como instrumento para alcançar a paz social). Nota-se, assim, que são colocados os poderes jurisdicionais como elemento necessário e suficiente para garantir o devido processo legal. O juiz passa a ser visto muito além do que o responsável por um julgamento do feito: passa a ser um curador da lei e dos atos processuais.
Na contramão de tais dizeres, o doutrinador mineiro Rosemiro Pereira Leal trouxe a teoria Neo-Institucionalista, que exige do direito processual a preservação de direitos fundamentais de processualização da resolução de conflitos. Através dessa Corrente, será descartada a possibilidade de escolha, pelo magistrado, no caso concreto, de quais as exigências formalistas presentes na lei poderiam ser afastadas e quais seriam essenciais. (LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Processual da Decisão Jurídica. São Paulo: Landy, 2002) Caso o poderio do juiz seja mantido sem limites, para os defensores dessa corrente, estaria sendo praticado o poder tirano da ocultação dos problemas jurídicos e não sua resolução compartilhada.
Para essa corrente, como se pode notar, o processo deve respeitar os ditames legais, vez que a lei é fruto de um processo legislativo dirigido por membros eleitos pelo povo e que àqueles representam. A lei é resultado da vontade popular e deve ser observada e seguida. O processo passa a ser visualizado como uma instituição constitucionalizada, sendo, portanto, uma garantia, munido de princípios constitucionais.
Rosemiro critica a teoria de Dinamarco, entre outros motivos, afirmando que tal movimento de posicionamento da jurisdição no centro da Trilogia Processual daria origem a posturas extremamente autoritárias por parte do Poder Judiciário, que passaria a ser, dessa forma, o responsável por dizer e estabelecer os limites da jurisdição. Os que defensores do Neo-Institucionalismo aduzem que tal atividade é de responsabilidade do Poder Legislativo, vez que se trata de um poder que possui membros eleitos e que agem segundo a lógica da macro justiça, ao contrário do Poder Judiciário que, em regra, analisa cada caso concreto e resolve a lide nos limites do que lhe foi mostrado. Haveria, por conclusão, uma grave lesão ao princípio da separação de poderes, cláusula pétrea positivada na Carta Maior, em seu artigo 60, §4º. (AROCA, Juan Montero. Proceso y Garantia. El proceso como garantia de libertad y de responsabilidad. Valencia: Tirant lo blanch. 2006, p. 24.)
Afirmam, assim, os críticos, que segundo a escola Instrumentalista do processo, caberá ao juiz utilizar de esforços hercúleos para alcançar a pacificação social na construção solitária do provimento.
Quanto a este ponto, no que se refere à crescente liberdade dos juízes, mister se faz salientar que o próprio Dinamarco incluiu nas conclusões finais de sua obra “A instrumentalidade do processo”, nos pontos 40 e 53, a problemática que resulta do mau gerenciamento, pelos juízes, dessa nova formatação de sua participação no processo, diante do crescente fenômeno denominado de ativismo judicial, que temos vivenciado cada vez mais no Judiciário brasileiro, deixando registrado que: “A liberdade do juiz encontra limite nos ditames da lei e dizer que esta precisa ser interpretada teleologicamente para fazer justiça e que o juiz direciona sua interpretação pelos influxos da escala axiológica da sociedade não significa postular por algo que se aproxime da escola do direito livre. Não seria correto imputar esse exagero ao pensamento instrumenta. Ao longo deste estudo foram salientados diversos pontos em que se manifesta o repúdio às tiranias judiciais, ou imposição da vontade do juiz acima da vontade do direito do país. Eventuais exageros dos operadores do sistema processual sejam debitados a eles e não ao instrumentalismo.” (DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11ª Ed. – Malheiros, 2000)
O professor Marcelo Catoni, defensor da Teoria Neo-Institucionalista, defende que “nas sociedades modernas, o Direito só pode cumprir a função de estabilizar expectativas de comportamento se ele preservar uma conexão interna com a garantia de um processo democrático através do qual os cidadãos alcancem um entendimento acerca das normas de seu viver em conjunto". (OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Tutela Jurisdicional e Estado Democrático de Direito – Por uma compreensão constitucionalmente adequada do Mandado de Injunção. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p.47). Nota-se que exige um conhecer da lei por parte do povo, vez que o processo é fruto da lei que, em primeira e última análise, advém da vontade popular.
Nota-se que o Neo-Institucionalismo critica o Instrumentalismo na medida em que dá um alcance constitucional a interpretação do processo. Seria, em minha opinião, um corolário do princípio da Filtragem Constitucional sendo aplicada ao Direito Processual.
Para Rosemiro, a noção de jurisdição centrada na figura do magistrado, como ser responsável por dizer os limites legais de uma demanda, se tornando verdadeiro curador do processo, colide frontalmente com escopo jurídico de participação democrática dos cidadãos por meio da igualdade de argumentação para a formação das decisões judiciais, quando da aplicação do Direito. No atual grau democrático alcançado por nossa sociedade, o povo tem o dever de exercer de forma ampla e constante a fiscalidade na aplicação do ordenamento jurídico. Não se trata de uma atividade que pode ser entregue sem limites nas mãos do magistrado.
Para os Neo-Institucionalistas, de acordo com a estrutura principiológica do Estado Democrático de Direito, é o devido processo legal que irá estabelecer o espaço discursivo legitimador de construção do provimento com a participação de todos os integrantes da estrutura procedimental, e não somente por intermédio da íntima convicção do magistrado em provimentos isolados (atos solitários). Urge, dessa forma, a necessidade de reforçar a constitucionalização do processo, para além da mera formalidade, resultando na atuação participada dos afetados pela decisão.
Referências
AROCA, Juan Montero. Proceso y Garantia. El proceso como garantia de libertad y de responsabilidad. Valencia: Tirant lo blanch. 2006.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11ª Ed. – Malheiros, 2000.
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Processual da Decisão Jurídica. São Paulo: Landy, 2002.
OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Tutela Jurisdicional e Estado Democrático de Direito – Por uma compreensão constitucionalmente adequada do Mandado de Injunção. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.
Procuradora Federal, Graduada em Direito na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais- PUC-MG, e pós graduada em Direito Público pela Universidade de Brasília- UnB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Mariana Savaget. O instrumentalismo processual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 jul 2014, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40222/o-instrumentalismo-processual. Acesso em: 23 dez 2024.
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