RESUMO: Este artigo analisa a concretização dos direitos fundamentais. Para tanto, será compreendida a concepção jusnaturalista dos direitos fundamentais e, não obstante, analisado o papel desempenhado pelo direito positivo. Feitas estas considerações, passar-se-á ao estudo da Teoria da Linguagem como instrumento fundamental para a realização do direito, seja no plano das normas gerais e abstratas ou das normas individuais e concretas. O trabalho termina explorando a relevância da construção de uma linguagem competente e adequada para a concretização dos direitos fundamentais e que sem isso não é possível realizar o direito.
Palavras-chave: Direitos fundamentais. Jusnaturalismo. Direito Positivo. Teoria da Linguagem. Concretização.
Sumário: Introdução. 1. A normatização dos direitos fundamentais. 2. Os direitos fundamentais na teoria da linguagem. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Não se pode falar em concretização dos direitos fundamentais sem antes tentar compreender um pouco a filosofia que fundamenta a garantia de existência do ser humano, como também a parte histórica das lutas por condições melhores de sobrevivência. Impõe-se analisar o sentido e o alcance da expressão direito fundamental, para que efetivamente se consiga chegar a alguma conclusão plausível.
A palavra direito assim como várias outras do nosso vocabulário possui alto grau de incerteza, vaguidade e ambiguidade. Sendo assim, mister se faz realizar um corte metodológico para que haja coerência e segurança daquilo que se propõe a estudar. O signo direito pode representar a conduta de uma pessoa, quando se diz que fulano é direito, ou seja, é honesto, é escorreito. Mas também, pode fazer alusão às escolas difundidas ao longo dos séculos, como o jusnaturalismo e o positivismo jurídico.
Na concepção deste trabalho, o direito será tido como as regras que estabelecem a convivência entre as pessoas.
E fundamental, valendo-se das sábias palavras de Gilmar Ferreira Mendes:
Não obstante a inevitável subjetividade envolvida nas tentativas de discernir a nota de fundamentalidade em um direito, e embora haja direitos formalmente incluídos na classe dos direitos fundamentais que não apresentam ligação direta e imediata com o princípio da dignidade humana, é esse princípio que inspira os típicos direitos fundamentais, atendendo à exigência do respeito à vida, à liberdade, à integridade física e íntima de cada ser humano, ao postulado da igualdade em dignidade de todos os homens e à segurança.[1]
Portanto, o direito fundamental a que se alude no presente trabalho diz respeito às regras de convivência estabelecidas entre os indivíduos com a finalidade de garantir a vida, a liberdade, a integridade física e íntima e a dignidade.
1. A NORMATIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Não existe um momento histórico bem definido que possa ser mencionado como sendo o início da abordagem e definição dos direitos fundamentais do ser humano. Referidas prerrogativas foram soerguidas ao longo da história, não sem muita superação às diversas catástrofes que assolaram a humanidade, principalmente as guerras. Mas, como dito, não é do século passado, onde ocorreram dois grandes confrontos entre potências econômicas mundiais (I e II Guerra) que remonta o debate sobre os direitos e as garantias essenciais do homem.
Para Norberto Bobbio:
Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.[2]
As guerras serviram de reforço para o avanço dos direitos humanos, mas antes disso já se questionava de onde advinham referidos direitos, sendo que a doutrina do jusnaturalismo defendeu que os direitos fundamentais não decorriam de qualquer atuação humana.
Para este movimento, existem leis universais que não podem jamais ser derrogadas ou ab-rogadas pelo homem, como também, é a mesma lei em qualquer lugar do mundo. Na sua conotação mística, o jusnaturalismo busca na divindade uma explicação para a convivência harmoniosa dos indivíduos, defendendo que cada ser já nasce com direitos, independentemente do seu semelhante lhe reconhecer isto. Todos nós já nascemos com o direito de viver, ter liberdade, se expressar, e não precisa que isto seja dito ou reconhecido por outra pessoa. É um direito imanente à pessoa, naturalmente.
Cicerón explica a lei natural, in verbis:
La verdadera ley es una recta razón, congruente, perdurable, que impulsa con sus preceptos a cumplir el deber y aparta del mal con sus prohibiciones; per que, aunque no inútilmente condena o prohíbe algo a los buenos, no conmueve a los malos com sus preceptos o prohibiciones. Tal ley no es lícito suprimirla, ni derogarla parcialmente, ni abrogala por enterro, ni podemos quedar exentos de ella por voluntad del senado o del pueblo, no debe buscarse un Sexto Elio que la explique como intérprete, ni puede ser distinta em Roma o em Atenas, hoy y mañana, sino que habrá siempre una misma ley para todos los pueblos y momentos, perdurable e inmutable; y habrá um único dios como maestro y jefe común de todos, autor de tal ley, juez y legislador, al que, si alguien desobedece huirá de si mismo y sufrirá las máximas penas por el hecho mismo de haber menospreciado la naturaleza humana, por más que consiga escapar de los que consideran castigos.[3]
Mas a lei natural, mesmo aquela de vertente que não tem como escopo a vontade divina e que busca na racionalidade do ser humano o equilíbrio para as relações interpessoais, sempre apresentou uma forte carga de subjetividade, sendo que na época em que teve o seu auge as autoridades podiam lhe dar a conotação que bem entendiam. Esta circunstância gerava nos cidadãos alto teor de incerteza e insegurança com relação aos seus direitos.
Aurora Tomazini de Carvalho explica o jusnaturalismo:
“Segundo tal corrente, desde que o homem se vê em sociedade sabe comportar-se nela em razão da existência de um conjunto de ordens tidas como naturais, que regem suas relações intersubjetivas. Muito antes do Estado produzir as leis, os homens já eram sujeitos de relações regulada por esta ordem natural baseada no senso de justiça: plantavam, trocavam produtos, constituíam família, tinham escravos, transferiam seus bens de ascendentes para descendente.”[4]
Entretanto, com o avançar dos tempos as sociedades foram gradativamente optando pela regulamentação das condutas intersubjetivas dos seus cidadãos através de uma legislação criada pelo próprio homem, onde o direito pudesse ser reconhecido através de uma fonte segura, não de caráter metafísico, mas sim, encontradiço em textos e dotado de características suficientes para ser explicado por meio de uma ciência.
O nó górdio da lei natural é que ela não pode ser provada pela razão humana. Sua aceitação e compreensão depende da crença naquilo que não se pode ver, que apenas se sente. Com efeito, nasce dentro deste contexto o Direito Positivo, como um contraponto ao Direito Natural, onde o ser humano através da sua experiência cria enunciados prescritivos que passam a reger a vida dos indivíduos em sociedade.
No direito positivo foram, então, prescritas diversas condutas, entre elas os direitos e as garantias fundamentais. Inegavelmente hoje os direitos básicos do ser humano proveem do direito positivo, não havendo qualquer reconhecimento de algum direito que não esteja ordenado pelo Estado. Este avocou para si a soberania legislativa, de modo que ninguém lhe concorre, sendo o único detentor de competência legiferante para criar ou extinguir direitos, inclusive os fundamentais.
Leciona Paulo de Barros Carvalho:
Assim sendo, as normas jurídicas formam um sistema, na medida em que se relacionam de várias maneiras, segundo um princípio unificador. Trata-se do direito posto, que aparece no mundo integrado numa camada de linguagem prescritiva. Produto do homem para disciplinar a convivência social, o direito pertence à região ôntica dos objetos culturais, dirigindo-se, finalisticamente, ao campo material das condutas intersubjetivas.[5]
Tratando especificamente sobre a positivação dos direitos fundamentais Gilmar Ferreira Mendes expõe que:
O avanço que o direito constitucional apresenta hoje é resultado, em boa medida, da afirmação dos direitos fundamentais como núcleo da proteção da dignidade da pessoa e da visão de que a Constituição é o local adequado para positivar as normas asseguradoras dessas pretensões. Correm paralelos no tempo o reconhecimento da Constituição como norma suprema do ordenamento jurídico e a percepção de que os valores mais caros da existência humana merecem estar resguardados em documentos jurídico com força vinculativa máxima, indene às maiorias ocasionais formadas na efervescência de momentos adversos ao respeito devido ao homem.[6]
Sem adentrar no debate terminológico entre os direitos fundamentais e os direitos humanos, pois não é o propósito deste trabalho, vale a pena conferir a lição de Ricardo Hasson Sayeg acerca da sistematização jurídica dos direitos do homem:
Os direitos humanos servem como elemento essencial de sedimentação geral do sistema jurídico de direito positivo, consequentemente, os direitos humanos são a essência constitutiva de toda norma jurídica, como interesse implícito garantido juridicamente de dignidade da pessoa humana, de maneira que os direitos humanos devem ser aplicados a todo caso regulado pelo direito positivo, de acordo com o realismo jurídico. Significa dizer que todo caso regulado pelo direito exerce uma atração gravitacional sobre os direitos humanos para a respectiva subsunção.[7]
Renato Lopes Becho dá uma importante contribuição para a persecução dos estudos dos direitos do homem, conscientizando os operadores do direito que de nada adianta ter uma técnica apurada de elaboração do direito se o objetivo primordial que é a tutela dos interesses do ser humano não for atingida, verbis:
Já os direitos humanos trazem imbuídos em si os valores mais caros, surgindo em um altiplano jurídico o homem, muito antes da técnica. Explicamos: o positivismo jurídico é notadamente uma técnica de conhecimento, almejando ser uma ciência, sujeita apenas ao controle de verificação possível pela verdade e falsidade. A expressão ´dura lex, sed lex´ talvez possa ser colocada no cume de uma apresentação juspositivista. Os direitos humanos compõem uma doutrina que supera essa técnica, recolocando o homem no centro da discussão jurídica. não basta a técnica, se o bem primordial, o homem, não for por ela protegido.[8]
Também se vê em Norberto Bobbio grande contribuição para a compreensão da sistematização jurídica dos direitos fundamentais:
No momento em que essas teorias são acolhidas pela primeira vez por um legislador, o que ocorre com as Declarações de Direitos dos Estados Norte-americanos e da Revolução Francesa (um pouco depois), e postas na base de uma nova concepção do Estado – que não é mais absoluto e sim limitado, que não é mais fim em seu mesmo e sim meio para alcançar fins que são postos antes e fora de sua própria existência –, a afirmação dos direitos do homem não é mais expressão de uma nobre exigência, mas o ponto de partida para a instituição de um autêntico sistema de direitos no sentido estrito da palavra, isto é, enquanto direitos positivos ou efetivos.[9]
Como se pode notar, as sociedades, incluindo a nossa, optou ostensivamente pelo direito positivo, não escapando deste sistema a regulamentação dos direitos fundamentais. Assim, percebe-se com clareza solar, que o problema dos direitos fundamentais não pode ser resolvido na prática sem antes compreendermos a norma jurídica e a sua incidência. Para tanto, acredita-se que seja necessário explanar sobre a Teoria da Linguagem, como forma de se chegar a uma conclusão coerente e plausível para o propósito que foi colocado neste trabalho.
2. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA TEORIA DA LINGUAGEM
Durante muito tempo perdurou na filosofia o entendimento de que o ato de conhecer algo estava atrelado na relação entre o sujeito e o objeto. Desde o Crátilo de Platão, escrito presumivelmente no ano de 388 a.C., a filosofia baseava-se na ideia de que o ato de conhecer constituía-se da relação entre sujeito e objeto e que a linguagem servia como instrumento, cuja função era expressar a ordem objetiva das coisas[10]. Acreditava-se que por meio da linguagem o sujeito se conectava ao objeto, porque esta expressava sua essência.[11]
Todavia, em meados do século passado Wittgenstein, no seu Tractatus lógico-philosophicus, apresentou aquilo que ficou conhecido na filosofia como giro-linguistico. Isto é, ao contrário do que era propagado pela Teoria do Conhecimento, a linguagem não representa um item secundário, mas sim, possui papel fundamental na construção do saber. Somente se sabe das coisas, ou seja, se conhece as coisas, porque a linguagem é capaz de construir a realidade.
Colhe-se do escólio de Aurora Tomazini de Carvalho que:
Em meados do século passado, houve uma mudança na concepção filosófica do conhecimento, denominada de giro-linguistico, cujo termo inicial é marcado pela obra de LUDWIG WITTGENSTEIN (Tractatus lógico-philosophicus). Foi quando a então chamada ´filosofia da consciência´ deu lugar à ´filosofia da linguagem´.
De acordo com esta nova concepção filosófica, a linguagem deixa de ser apenas instrumento de comunicação de um conhecimento já realizado e passa a ser condição de possibilidade para constituição do próprio conhecimento enquanto tal. Este não é mais visto como uma relação entre sujeito e objeto, mas sim entre linguagens. Nos dizeres de DARDO SCARVINO, ´a linguagem deixa de ser um meio, algo que estaria entre o sujeito e a realidade, para se converter num léxico capaz de criar tanto o sujeito como a realidade.[12]
Vilém Flusser[13] afirmou que o universo, conhecimento, verdade e realidade são aspectos linguísticos, de tal modo que a língua é, forma, cria e propaga a realidade. Aquilo que nos chega pela via dos sentidos (intuição sensível) e que chamamos de “realidade”, é dado bruto, que se torna real apenas no contexto da língua, única responsável pelo seu aparecimento.[14]
O direito deve ser compreendido dentro da Teoria da Linguagem, pois se trata de um grande sistema comunicacional, onde toda a realidade precisa ser construída pela linguagem apropriada dos enunciados prescritivos. Não existe direito positivo sem linguagem. Assim, não se pode falar em direito fundamental sem que haja a devida previsão em normas jurídicas, sendo que estas são inseridas no mundo jurídico através da linguagem. Todavia, entre o plano das normas gerais e abstratas e a positivação do direito com a expedição de normas individuais e concretas existe um caminho a ser percorrido e que merece uma explicação melhor.
Quando se fala em linguagem não se pode deixar de lado a Teoria Geral dos Signos, também conhecida como Semiótica, que é a ciência que trata acerca das unidades representativas do discurso. Esta é inegavelmente uma das técnicas de investigação do direito positivo que traz enorme resultado para a compreensão deste sistema, porque analisa três distintos planos dos sistemas sígnicos: (i) sintático; (ii) semântico e; (iii) pragmático.
A lição de Aurora Tomazini de Carvalho é esclarecedora:
No plano sintático estudam-se as relações dos signos entre si, ou seja, os vínculos que se estabelecem entre eles quando estruturados num discurso. No plano semântico, são examinadas as relações do signo com a realidade que ele exprime (suporte físico e significado). E, no plano pragmático, a atenção se volta às relações dos signos com seu utentes de linguagem, isto é, ao modo como os emissores e os destinatários lidam com o signo no contexto comunicacional.[15]
A norma jurídica que trata dos direitos fundamentais primeiro deve passar pelo crivo do plano sintático, ou seja, as palavras utilizadas devem possuir relação dentro da frase, e a frase deve ter relação dentro do discurso normatizado. Este plano trata claramente da estrutura dos signos dentro de um discurso.
No segundo momento surge a semântica que se preocupa com o significado das palavras e das frases usadas para a construção do discurso. Pode-se ir notando que para a concretização dos direitos fundamentais existem etapas preliminares que devem ser cumpridas, sob pena de não se ter um resultado pretendido.
Outrossim, de nada adianta criar enunciados jurídicos onde as palavras e as frases não são tratadas corretamente. Se ficar difícil a compreensão da estrutura lógica do discurso, certamente os direitos fundamentais tornar-se-ão algo irrealizável. Também, o legislador deve ter muito cuidado com a aplicação precisa das palavras no texto legal, pois o significado do signo e das frase são de grande relevância para atingir o direito fundamental que se pretende ver tutelado pelo Estado.
Superado o plano sintático e o semântico do discurso comunicacional, ou seja, dos enunciados prescritivos, deve-se dar total atenção ao plano pragmático. Não basta a criação de enunciados prescritivos através do regular exercício do poder legiferante se o processo de positivação do direito estiver comprometido. Não adianta o legislador produzir inúmeras leis que protejam os direitos fundamentais do ser humano se não houver uma garantia de que estas normas jurídicas serão aplicadas e surtirão os efeitos desejados pela sociedade.
O direito, conforme visto, por se tratar de um sistema linguístico, requer não somente a produção de enunciados prescritivos (normas gerais e abstratas). Mais importante ainda é efetivar este direito, ou seja, é necessário que haja um instrumento capaz de produzir as chamadas normas individuais e concretas, as quais representam a concretização do direito. Observe-se, por corolário, que tanto as normas gerais e abstratas, quanto as normas individuais e concretas, dependem da criação de enunciados linguísticos para que se tornem realidades.
Num primeiro momento o legislador colhe dos acontecimentos sociais situações que julga importantes para serem juridicizadas e, após o regular processo legislativo, estas situações adentram ao sistema do direito através dos veículos introdutores apropriados (emenda constitucional, lei complementar, leis ordinária, etc.). Pronto, o fato que antes era somente de contexto social, agora passa a ser um fato jurídico lato.
Na medida em que estes fatos jurídicos latos forem ocorrendo as pessoas designadas pelo sistema jurídico como detentoras de competência precisam subsumir o fato à norma jurídica e, via de consequência, fazer a implicação das consequências desejadas pelo enunciado prescritivo. Feita esta subsunção, o fato torna-se estritamente jurídico, nascendo a relação jurídica que une duas ou mais pessoas, tornando-se existente a obrigação jurídica. Todavia, volta-se a repetir, se a pessoa designada pelo sistema jurídica como detentora da competência para concretizar o direito por meio da subsunção não estiver cumprindo o seu papel, o direito não atingirá o seu mister.
No seu A Era do Direito, Bobbio questiona o que deve ser feito para garantir os direitos fundamentais:
Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.[16]
Depreende-se da lição de Bobbio que naquele momento ele não estava mais preocupado em saber quantos eram os direitos fundamentais, mas sim, qual o mecanismo adequado para os mesmos fossem verdadeiramente efetivados.
Vejamos outra passagem:
Mas, quando digo que o problema mais urgente que temos de enfrentar não é o problema do fundamento, mas o das garantias, quero dizer que considerados o problema do fundamento não como inexistente, mas como – sem certo sentido – resolvido, ou seja, como problema com cuja solucao já o não devemos mais nos preocupar. Com efeito, pode-se dizer que o problema do fundamento dos direitos humanos teve sua solução atual na Declaração Universal dos Direitos do Homem aprovada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948.[17]
E finaliza Bobbio sustentando:
Afirmei, no início, que o importante não é fundamentar os direitos fundamentais do homem, mas protegê-los. Não preciso aduzir aqui que, para protege-los, não basta proclamá-los. Falei até agora somente das várias enunciações, mais ou menos articuladas. O problema real que temos de enfrentar, contudo, é o das medidas imaginadas e imagináveis para a efetiva proteção desses direitos. É inútil dizer que nos encontramos aqui numa estrada desconhecida; e além do mais, numa estrada pela qual trafegam, na maioria dos casos, dois tipos de caminhantes, os que enxergam com clareza mas têm os pés presos, e os que poderiam ter os pés livres mas têm os olhos vedados.[18]
De fato hoje temos inúmeros textos normativos voltados para a proteção dos direitos fundamentais, mas nem sempre nos deparamos com a concreta realização desses direitos. A finalidade deste trabalho é justamente demonstrar que o direito de um modo geral é dependente da linguagem e somente se efetivará mediante a correta e constante aplicação desta linguagem.
Não basta a criação de incontáveis diplomas jurídicos prevendo os mais diversos direitos fundamentais se não há observância ao plano sintático e semântico, e principalmente uma intensificação na positivação do direito, por meio da construção de normas individuais e concretas que se dá pela subsunção e implicação das consequências jurídicas (pragmática).
Paulo de Barros Carvalho sempre faz questão de lembrar a frase registrada por Lourival Vilanova que diz:
Altera-se o mundo físico mediante o trabalho e a tecnologia, que o potencia em resultados. E altera-se o mundo social mediante a linguagem das normas, uma classe da qual é a linguagem das normas do Direito.[19]
Portanto, somente será possível mudar a realidade dos direitos fundamentais através da linguagem apropriada, que é aquela do direito positivado. As estruturas normativas que regulamentam ditos direitos devem estar calcadas em formas consistentes de palavras e frases, as quais, por sua vez, devem ser significado claro, sob pena de comprometer a aplicação do direito.
Não obstante, a pragmática apresenta-se como fator elementar para a efetivação dos direitos fundamentais, pois de nada vale ter ótimas normas jurídicas que protegem os direitos fundamentais se este não é aplicado através do procedimento de subsunção do fato à norma jurídica.
Assim, os direitos fundamentais serão garantidos desde que observadas as técnicas da Semiótica e da Teoria da Linguagem, pois, não custa repetir, o direito é um grande sistema comunicacional, de tal sorte que somente haverá concretização dos direitos fundamentais na medida em que as pessoas eleitas pela legislação para aplicarem estes direitos estiverem cumprindo o seu papel, porque, do contrário, nada se efetivará, haja vista que o direito requer a transcrição dos fatos sociais em linguagem competente para que ganhe juridicidade e propague os efeitos pretendidos.
CONCLUSÃO
Ao final de tudo quanto foi deduzido nas linhas acima se constatou que atualmente os direitos fundamentais estão previstos através de diplomas normativos, não havendo mais qualquer reconhecimento à lei natural. Todo direito fundamental está prescrito em normas jurídicas que regulamentam a vida dos indivíduos.
Com efeito, passamos pela era em que se sobrepunha a filosofia do conhecimento e adentramos numa nova etapa do saber onde a linguagem assume papel principal para explicar a nossa realidade. O direito positivo adjudicou pela soberania do Estado todo o poder de legislar sobre os direitos fundamentais e tudo é retratado por meio do uso da linguagem, não havendo reconhecimento de qualquer direito que não tenha sido criado pelo homem.
Neste diapasão, para que os direitos fundamentais se concretizarem não basta a criação de enunciados prescritivos, no plano geral e abstrato. De normas jurídicas que protegem os direitos fundamentais o sistema jurídico está cheio. O grande problema é positivar de fato este direito fundamental. Isto é, devem ser expedidas normas individuais e concretas que disciplinem as reais condutas praticadas pelos indivíduos.
Enquanto não houver a subsunção do fato à norma jurídica, o direito fundamental permanecerá inerte, sem qualquer efetividade. Portanto, deve-se investir numa política de fiscalização e efetiva aplicação.
REFERÊNCIAS
BECHO, Renato Lopes. Filosofia do Direito Tributário. 2ª tir. São Paulo: Saraiva, 2010.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 14ª tiragem. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito: o constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2013.
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 2ª ed., São Paulo: Noeses, 2008.
CICERÓN. Sobre la república. Trad. Álvaro D´Ors. Madrid: Editorial Gredos, 1984.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
SAYEG, Ricardo Hanson. Texto de estudos: o capitalismo humanista. São Paulo: Edição do Núcleo do Capitalismo Humanista da PUC/SP, 2010.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus logico-philosophicus. São Paulo: Edusp, 1994.
[1]MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 237.
[2] BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 14ª tiragem. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 05.
[3] CICERÓN. Sobre la república. Trad. Álvaro D´Ors. Madrid: Editorial Gredos, 1984, p. 137.
[4] CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito: o constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2013 p. 76.
[5] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 2ª edição, São Paulo: Noeses, 2008, p. 214-5.
[6] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 231.
[7] SAYEG, Ricardo Hanson. Texto de estudos: o capitalismo humanista. São Paulo: Edição do Núcleo do Capitalismo Humanista da PUC/SP, 2010, p. 202.
[8] Op. cit., p. 234.
[9] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 14ª tiragem. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 29.
[10] OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea, p. 17-114.
[11] Ob. cit., p. 13.
[12] Op. cit. p. 14-5.
[13] FLUSSER, Vilém. Língua e Realidade. 2. ed. São Paulo: Annablume, 2004.
[14] CARVALHO. Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 2ª ed., São Paulo: Noeses, 2008, p. 170.
[15] CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria Geral do Direito: o constructivismo lógico-semântico. São Paulo: Noeses, 2013, p. 169.
[16] BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 14ª tiragem. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 17.
[17] Ob. cit., p. 17.
[18] Ob. cit., p. 22.
[19] As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, p. 34.
Advogado e Professor; Pós-graduado em Direito Tributário pelo IBET; Pós-graduado em Direito Constitucional pela PUC/SP; Mestrando em Direito Tributário pela PUC/SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASTRO, Guilherme Frederico de Figueiredo. A concretização dos direitos fundamentais na teoria da linguagem Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 jul 2014, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40255/a-concretizacao-dos-direitos-fundamentais-na-teoria-da-linguagem. Acesso em: 23 dez 2024.
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