RESUMO: As transformações decorrentes das novas formas de comunicação acarretaram o desenvolvimento do que tem sido denominado de sociedade da informação. Essa transformação cultural reflete-se no Direito e, em especial, no âmbito do Processo Civil. Nesse contexto, implanta-se o denominado “processo eletrônico”. Sendo assim, cabe avaliar a repercussão desse novo modo de tramitação processual na realidade jurídica e garantias processuais.
PALAVRAS-CHAVE: Sociedade da Informação. Processo Civil. Princípio da publicidade. Processo eletrônico.
INTRODUÇÃO
Uma das facetas mais evidentes da globalização pós-moderna[1] é a expansão dos meios de comunicação, que proporciona o relacionamento imediato entre pessoas que estão separadas por milhares de quilômetros. De efeito, as anteriormente denominadas novas formas de se comunicar – mensagens instantâneas por meio de telefones celulares, softwares de comunicação via internet, redes sociais, blogs, etc. – já se incorporaram ao cotidiano, consubstanciando verdadeira expressão da cultura hodierna.
Nesse contexto, tem-se buscado agregar aos processos judiciais as formas de comunicação instantânea presentes na sociedade atual. Exemplos disso são a consulta processual por meio eletrônico, a publicação das decisões judiciais via internet, a pesquisa jurisprudencial também via internet, e, entre outros, mais recentemente a adoção do processo eletrônico.
Cumpre destacar que o direito processual, que se trata de verdadeiro fenômeno cultural sendo, portanto, produto do homem não encontrado na natureza em estado puro, recebe influencias das mais variadas - interesses econômicos, sociais, instrumentos de poderes – e detém traços específicos de espaço e tempo[2]. Nessa esteira, podemos dizer que a adoção de um processo eletrônico representa quebra de paradigma, que decorre da evolução da sociedade, representando uma adequação a uma nova cultura. A partir disso, faz-se necessária a reflexão acerca de novos problemas que surgirão e desafiarão as próprias bases do direito processual.
Entretanto, em razão das vias estreitas do presente artigo, buscaremos abordar a temática do processo eletrônico como um instrumento de política jurisdicional que visa dar maior celeridade – efetivar o princípio da duração razoável do processo – à prestação jurisdicional e a forma que a adoção de tal procedimento – processo eletrônico – repercute em questões como acesso à justiça e publicidade dos atos jurisdicionais.
Entendemos pertinente tal enfoque, sobretudo, em razão das sucessivas reformas processuais intentadas nos últimos anos e que culminam com o projeto de Código de Processo Civil, tendo em consideração alguns dos princípios vetores de tais reformas como os são a intenção de imprimir uma maior celeridade à tramitação processual e o desafogo dos foros jurisdicionais, bem como a questão do princípio da publicidade nessa nova forma de materialização da relação processual.
Destarte, em análise da realidade, abordaremos a temática da sociedade da informação e a formação dos advogados para o uso das ferramentas da informática no cotidiano jurídico, ponto em que será verificado, ainda que de forma breve, as transformações sociais decorrentes da era da informação, com a utilização crescente de meios tecnológicos para o estabelecimento da comunicação e relações sociais. Após, trataremos acerca dos principais atos normativos que disciplinam o uso do processo eletrônico e a informatização judicial no âmbito do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Conselho Nacional de Justiça, a fim de que se possa vislumbrar um panorama geral do tratamento da matéria nessas importantes instituições jurídicas. Analisados tais pontos, será abordada a questão estrutural do processo eletrônico brasileiro, a partir do estudo do sistema de chaves públicas, ICP-Brasil e assinatura digital, que definem a gênese dos sistemas de tramitação processual eletrônica. Por fim, será estudado o problema do princípio da publicidade no processo eletrônico, por meio da análise do tratamento dado a tal princípio pela própria Lei do processo eletrônico (Lei 11.419/2006).
REALIDADE: SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E FORMAÇÃO DOS ADVOGADOS
Como é sabido, o uso do processo eletrônico tem sido difundido como mais um dos instrumentos utilizados para dar efetividade à celeridade processual, bem como um caminho para dar vazão aos inúmeros e crescentes feitos que tramitam nos tribunais pátrios. Porém, nem todos estão de acordo com a utilização de tal meio (digital) para a tramitação processual, razão pela qual algumas críticas têm sido levantadas à sua utilização, no sentido de que tal ferramenta pode significar um obstáculo ao acesso à justiça e em razão disso gerar uma exclusão jurídica, visto que os meios eletrônicos, internet, computadores não estariam ao alcance de todos. Além disso, tem se levantado a dificuldade de alguns profissionais do Direito em lidar com esta nova ferramenta, bem como que o processo eletrônico representa a assunção pelos seus usuários (no caso, jurisdicionados, advogados) de práticas eminentemente cartorárias, as quais corresponderiam às tarefas a serem desempenhadas pelos servidores e serventuários de justiça.
Com efeito, o processo eletrônico, por acabar com algumas fases inúteis do processo, como o aguardo para a juntada, bem como simplificar o cotidiano cartorário, em razão da desnecessidade de autuação, numeração de folhas, carimbos, entre outros, trata-se de uma importante ferramenta à celeridade processual, assim como, de certo modo, também representa a transferência de algumas tarefas anteriormente qualificadas como típicas de cartório aos seus usuários.
Entretanto, deve-se vislumbrar o processo eletrônico sob outro enfoque, que representa uma mudança na sociedade, verdadeira transformação cultural, representada pelo avanço tecnológico e, sobretudo, dos meios de informação, os quais têm permitido uma comunicação praticamente instantânea entre indivíduos em todas as partes do globo.
Com efeito, este processo de evolução tecnológica e comunicacional, conforme afirma o professor João Antônio Zuffo, longe de estabilizar-se, deverá intensificar-se, em razão do aumento da velocidade de propagação das informações e aumento do conhecimento, bem como pela densificação e interoperabilidade das redes de comunicações, as quais permitem a participação de cidadãos de qualquer parte do mundo em comunidades globais[3].
Em razão dessa interação mundial, tem-se dito que vivemos hoje a Era da Informação, ou Infoera.[4] Percebe-se na Infoera uma acentuação da ruptura dos sistemas de hierarquia presentes na Era Industrial, em decorrência da intensa permuta de informações e conhecimento. Desse modo, as estruturas das organizações vêm se tornando mais flexíveis e adaptáveis, estabelecendo redes cooperativas, que estão cada vez mais informatizadas e inseridas no mercado eletrônico[5].
De efeito, este processo de transformação cultural também pode ser observado no âmbito do processo civil, onde se verifica a simplificação dos procedimentos e a extinção dos ritos, sob o argumento de que o fim do processo judicial deve ser a realização dos direitos das partes, da forma mais célere possível. Exemplo disso são os Juizados Especiais, pautados pela oralidade e informalidade, podendo-se afirmar que, no âmbito dos Juizados Especiais Federais, de certo modo, o processo eletrônico tenha contribuído para acentuar essa informalidade. Não se ignora que o princípio da informalidade se trata de um daqueles que informam os Juizados Especiais, porém deve-se refletir acerca dessa informalidade exacerbada, que certas vezes tem dado azo à perpetração de atos abusivos que extrapolam os próprios preceitos da ampla defesa e contraditório. A adoção de ritos conforme a localidade em que tramita o processo, a permissão a emendas em peças exordiais após a contestação, a citação após a instrução, são práticas que, embora infelizmente se verifique no cotidiano processual, não podem ser incentivadas e adotadas na utilização do processo eletrônico em outras vias, como o rito ordinário.
Ainda acerca das transformações trazidas pela evolução tecnológica, segundo leciona o sociólogo espanhol Manuel Castells, o processo de transformação da sociedade em rede não se limita à revolução informacional ou à comunicabilidade instantânea por meios eletrônicos (virtual), possuindo facetas muito mais profundas[6]. Com efeito, a interdependência global, a integração dos mercados financeiros, são exemplos marcantes da profunda transformação social que tem flexibilizado o gerenciamento de empresas – sendo esta uma tônica desse processo de transformação -, alterado as relações de trabalho, com a sua individualização e diversificação, percebendo-se uma força cada vez menor dos movimentos de trabalhadores. Outro aspecto a ser destacado nessa realidade confusa é o isolamento dos sistemas políticos do resto da sociedade, em decorrência da sua crise estrutural de legitimidade.[7] Em razão disso, consoante bem percebe e destaca Manuel Castells, a mudança social profunda tem levado as pessoas a buscarem o seu agrupamento em identidades primárias, tais como as de origem étnica, religiosa, territorial, nacional.[8]
Nesse contexto, em que se verificam movimentos sociais cada vez mais fragmentados e efêmeros, a identidade tem servido como a principal fonte de significado, de modo que os indivíduos têm organizado o seu significado não pelo aquilo que fazem, mas sim com base naquilo que são ou acreditam ser. Destarte, formam-se redes globais que tem por escopo o intercâmbio de informação e comunicacional que conectam e desconectam indivíduos, comunidades, países, de acordo com a pertinência dos objetivos perseguidos, estabelecendo um fluxo contínuo de decisões estratégicas[9]. A partir disso, segue-se, nas palavras de Manuel Castells, uma divisão entre “instrumentalismo global abstrato e as identidades particularistas historicamente enraizadas”[10], ou seja, entre as ferramentas de comunicação virtual praticamente instantâneas e as realidades locais verificadas em cada comunidade (o global e o local se interpenetram), de modo que se pode afirmar que as sociedades estão “cada vez mais estruturadas na oposição bipolar entre a Rede e o Ser”.[11]
Nesse ponto, merece transcrição a conclusão do sociólogo espanhol, que assim refere:
Nessa condição de esquizofrenia estrutural entre a função e o significado, os padrões de comunicação social ficam sob tensão crescente. E quando a comunidade se rompe, quando já não existe comunicação nem mesmo de forma conflituosa (como seria o caso de lutas sociais ou oposição política), surge uma alienação entre os grupos sociais e indivíduos que passam a considerar o outro um estranho, finalmente uma ameaça. Nesse processo, a fragmentação social se propaga, à medida que as identidades se tornam mais específicas e cada vez mais difíceis de compartilhar.[12]
É neste cenário de transformação profunda que o processo judicial eletrônico está inserido, razão pela qual entendemos que a sua implementação decorre mais de uma necessidade de adaptação às novas realidades do que um instrumento pensado e criado para dar celeridade à tramitação processual, embora tal utilidade represente uma consequência natural da adoção da tramitação processual eletrônica. Sem dúvida, este processo de mudanças drásticas, pode gerar um choque cultural e social, de modo a fomentar críticas a respeito da preparação de profissionais do direito para utilização do processo eletrônico, bem como acerca da possibilidade de exclusão jurídica dos cidadãos. Entretanto, consoante já referido, o problema da inclusão digital e de adaptação às novas realidades se trata de uma questão social, que se coloca antes do problema de utilização pelos profissionais do Direito de novos meios para a tramitação processual, de modo que o aperfeiçoamento desses profissionais constitui, antes de tudo, verdadeiro dever. Isso porque a utilização de ferramentas eletrônicas no cotidiano jurídico, tais como o uso de computadores, editores de texto, pesquisas de informações judiciais, jurisprudência e doutrina por meio da internet, são cada vez mais imprescindíveis.
Por outro lado, não se está a afirmar o determinismo da tecnologia sobre a sociedade, porém não se pode olvidar que a evolução tecnológica tem trazido consequências sociais importantes. Com efeito, a criação da Internet, que se originou de um sistema militar desenvolvido pelos norte-americanos para impedir eventual destruição dos seus meios de comunicação por parte dos soviéticos, durante a Guerra Fria, revolucionou e vem revolucionando as relações sociais e a propagação das informações.
A História possui diversos exemplos (Japão, China, Repúblicas soviéticas) de como a habilidade e inabilidade do Estado em lidar com o avanço tecnológico pode produzir transformações culturais e sociais de relevo e modificar a economia, poder militar e o bem-estar social[13]. Assim, pode-se afirmar que a revolução tecnológica atual está imbricada com a reestruturação global do capitalismo ocorrida a partir da década de 1980, a qual trouxe à tona as transformações vivenciadas nos tempos atuais, com o aumento dos níveis de desemprego, a desvinculação dos sistemas produtivos e financeiros e o impressionante intercâmbio informacional.
Portanto, tendo em vista que a função jurisdicional reflete uma parcela da soberania estatal, sendo regida por diplomas legais que estabelecem procedimentos e ritos, e que sofre plena influência dos impactos econômicos, sociais e tecnológicos, resta evidente que a prestação jurisdicional também deve se adaptar a tais transformações, sendo o processo judicial eletrônico um exemplo de adequação à realidade de aplicação do direito.[14] E somente com esse processo de adequação é que se pode atingir o grau de eficiência desejado na prestação jurisdicional.
Destarte, entendemos que a adoção da tramitação processual, além de ser decorrência de uma adequação à realidade, constitui um importante instrumento de acesso à justiça e não um óbice à sua consecução. Tendo em vista a doutrina preconizada por Mauro Cappelletti e Bryan Garth[15], podemos considerar que a tramitação processual eletrônica representa uma ampliação ao acesso à justiça estando inserida naquilo que os renomados autores denominam de terceira onda (sendo que a primeira onda seria representada pela assistência judiciária aos pobres, a segunda pela tutela dos interesses difusos e a terceira exatamente a idéia de ampliação do acesso à representação em juízo). De acordo com o escólio de Cappelletti, a implementação da terceira onda de acesso à justiça dependeria de uma série de fatores, tais como a mudança da estrutura de tribunais ou a criação de novos, mudanças no direito material a fim de evitar ou facilitar a solução de litígios, a utilização de meios alternativos para a solução de conflitos, bem como a adequação do processo civil às espécies de litígios.[16] Desse modo, pode-se concluir que o processo eletrônico representa uma forma de adaptação do processo civil às novas espécies de litígios, estabelecendo uma ampliação do acesso à justiça, e uma adequação à realidade.
Destarte, merecem uma análise, ainda que breve, os principais atos normativos editados pelo Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Conselho Nacional de Justiça acerca da informatização e uso do processo eletrônico.
PRINCIPAIS ATOS NORMATIVOS ACERCA DO PROCESSO ELETRÔNICO NO ÂMBITO DO STF, DO STJ E DO CNJ E A LEI 11.419/2006
O Código de Processo Civil, em um Estado Democrático de Direito, deve consubstanciar a densificação do direito de ação como um processo justo e adequado, a fim de propiciar uma prestação jurisdicional efetiva e tempestiva.[17] Além disso, o Código de Processo Civil deve guardar observância aos princípios e valores que informam e fundamentam o próprio Estado Democrático de Direito[18] (formalismo valorativo). Em razão disso, podemos dizer que o projeto do Código de Processo Civil possui início promissor ao ressaltar os direitos fundamentais processuais civis em suas disposições iniciais (artigos 3º ao 7º e 9º ao 11º), o que não implica em redundância, mas sim em explicitação da necessidade das normas infraconstitucionais serem interpretadas de acordo com a Constituição[19].
Além disso, não se pode olvidar que o processo civil em um Estado democrático deve ser pautado pelos valores da participação e colaboração das partes na formação do juízo decisório, auxiliando na (re)construção dos textos normativos a serem aplicados no caso concreto.[20]
Desse modo, tendo em vista o escopo das reformas processuais empregadas nos últimos anos, que culminam com o projeto do Código de Processo Civil, qual seja atribuir maior celeridade à prestação jurisdicional, bem como a ampliação do acesso à justiça, estabeleceu-se a positivação do que veio a ser denominado de processo eletrônico, com o advento da Lei 11.419/2006.
Com efeito, o advento da Lei 11.419/2006 não representou a criação do denominado processo eletrônico[21], uma vez que algumas subseções judiciárias da Justiça Federal, no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a partir do permissivo legislativo introduzido pela Lei 10.259/2001 – Lei dos Juizados Especiais Federais – já vinham adotando o sistema do processo eletrônico desde julho de 2003[22]. Quanto à evolução legislativa da informatização judicial, vale destacar, ao menos de passagem, que se pode considerar como marco inicial a Lei 9.800/1999, que permitiu a utilização de sistema de transmissão de dados via fac-símile ou outro similar, tendo sido posteriormente editada a Lei 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Federais, admitindo o peticionamento eletrônico sem a necessidade de apresentação da petição em meio físico[23]. Contudo, no presente trabalho considera-se mais pertinente do que o estudo minucioso sobre a evolução legislativa da informatização judicial no ordenamento pátrio a análise dos principais atos normativos que regem o processo eletrônico no âmbito do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho Nacional de Justiça, além de algumas considerações sobre a própria Lei 11.419/2006.
No que tange ao Supremo Tribunal Federal, verifica-se que o primeiro ato normativo editado para disciplinar o uso de meios eletrônicos para a prática de atos normativos se trata da Resolução 287/2004, que instituiu o sistema e-STF, o qual, em sua versão inicial, permitia a utilização de correio eletrônico para a prática de atos judiciais, sem a necessidade de certificação. Tal norma foi revogada, sendo que atualmente o principal instrumento normativo que regula o processo eletrônico no âmbito do STF se trata da Resolução 427, de 20 de abril de 2010[24], alterada pela Resolução 442, de 05 de outubro de 2010, a qual revogou os artigos 22, 23 e 33 da Resolução 427/2010, sendo que estes dispositivos previam o manejo e recebimento do recurso de Agravo de Instrumento apenas por meio eletrônico a partir de 01/10/2010.
A respeito da Resolução 427, cabe destacar que tal norma exige o uso de certificação digital (que deve estar vinculada à cadeia hierárquica da ICP-Brasil, que será estudada a seguir) para garantia de autenticidade e integridade dos atos processuais. Além disso, o sistema e-STF exige a assinatura digital dos documentos, na forma como preconiza a Lei 11.419/2006, o que deve ocorrer ou no momento da digitalização ou da transmissão. Aspecto polêmico da Resolução 427/2010 diz respeito ao que preceitua o seu artigo 6º, o qual possui a seguinte redação: Art. 6º É de exclusiva responsabilidade do titular de certificação digital o sigilo da chave privada da sua identidade digital, não sendo oponível, em nenhuma hipótese, alegação de seu uso indevido. Tal dispositivo reflete a adoção do conceito de não repúdio, consoante destaca Augusto Tavares Rosa Marcacini, o que corresponderia a afirmar que a utilização de certificados e assinaturas digitais conferiria imunidade para impugnações posteriores. Em realidade, conforme expressa Marcacini, a presunção de inoponibilidade do uso indevido da certificação digital não encontra amparo no ordenamento jurídico, merecendo transcrição o escólio do mencionado autor:
O uso jurídico que se quer dar ao termo não repúdio esbarra no fato de que, para o bem ou para o mal, a verdade ainda não se transformou em uma operação matemática. Impedir alguém de impugnar a veracidade de uma assinatura em um documento é algo que não encontra guarida no nosso Direito atual, e duvidamos que possa existir em um Estado Democrático de Direito, no qual não se possa suprimir do Poder Judiciário a apreciação e solução dos conflitos. Pode-se até argumentar que a prova contra a assinatura digital, ou contra o certificado, seja uma prova difícil. Entretanto, isso não significa que o documento eletrônico possa estar imunizado de toda e qualquer impugnação, ou que o juiz não possa apreciar a sua veracidade de modo livre e racional. Evidentemente, a MP 2.200, cujas normas sequer atribuem presunção de autenticidade aos documentos gerados pela estrutura ali criada, não pode tornar irrepudiáveis os documentos eletrônicos.[25] (grifos nossos)
Acerca da operacionalidade do sistema e-STF, cabe referir que a Resolução 427/2010, que substitui a Resolução 417/2009, restringiu os formatos para envio da petição eletrônica admitindo apenas o formato .pdf (portable document format), uma vez que a Resolução 417 admitia outros formatos como por exemplo odf (open document), rtf (rich text format, jpg (joint photohraphic experts group) e txt (text), conforme dispunha o artigo 5º da mencionada Resolução.
Outrossim, exige o sistema e-STF o preenchimento de campos de formulário eletrônico referentes às classes processuais e aos tipos de ação, fornecimento de dados de CPF das partes, conforme exige a Lei 11.419/2006 em seu artigo 15, e qualificação dos advogados, e arquivos de tamanho não excedentes a 10 MB (megabytes), entre outros requisitos, conforme dispõe o artigo 9º da Resolução 427, considerando-se tempestiva a petição enviada até às vinte quatro horas do dia final do prazo (conforme a Lei do processo eletrônico).
Quanto às eventuais falhas do sistema como inacessibilidade e a indisponibilidade do envio das peças processuais, há previsão no sentido de que os prazos serão prorrogados ao primeiro dia útil subsequente à resolução do problema, embora não haja uma previsão expressa da forma como haverá a comunicação de tais falhas aos usuários, tampouco a disciplina acerca dos meios de comprovação da interrupção do sistema.[26] Nesse ponto, também há reprodução da Lei 11.419/2006 (artigo 10, parágrafo 2º).
Inova a Resolução 427 também acerca das classes processuais que tramitarão exclusivamente sobre a forma eletrônica, estabelecendo significativa ampliação nesse aspecto, na forma como dispõe o seu artigo 19, que são: Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, Ação Declaratória de Constitucionalidade; Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental; Reclamação; Proposta de Súmula Vinculante; Ação Rescisória; Ação Cautelar; Habeas Corpus; Mandado de Segurança; Mandado de Injunção; Suspensão de Liminar; Suspensão de Segurança; Suspensão de Tutela Antecipada. Acerca do Habeas Corpus não impetrado por advogado, defensor público ou procurador, o artigo 20 admite o seu recebimento em meio físico, sendo que a petição será necessariamente digitalizada anteriormente à autuação para que tramite por meio eletrônico.
Nesse contexto, observa-se que o ajuizamento e trâmite eletrônicos das ações de competência originária do Pretório Excelso constitui ampliação do acesso à justiça, na medida em que permite o peticionamento direto à Corte sem a necessidade de deslocamentos ou remessas das petições por meios físicos. A impetração de Habeas Corpus por meio eletrônico também permite a análise dos autos pelos Ministros de forma mais célere, não se podendo, excluir, no entanto, em razão da natureza de tal remédio processual, a sua impetração por meio físico. Com relação ao Recurso Extraordinário, a sua interposição exclusivamente por meio eletrônico ainda dependerá do aparelhamento dos demais órgãos judiciários e a adoção plena do sistema eletrônico para a tramitação processual.
Quanto ao Superior Tribunal de Justiça destaca-se que a Resolução n.º 2 introduziu a utilização, facultativa, do peticionamento por meio eletrônico para ações de competência originária do presidente da Corte, bem como em Habeas Corpus e nos seus recursos correlatos, tendo a Resolução n.º 9 ampliado a utilização do meio eletrônico, também de forma facultativa, para todas as espécies de ações. Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça tem buscado a digitalização dos processos que chegam à Corte em meio físico, a fim de implementar a virtualização de todos os processos que tramitam no Tribunal.
Para realizar o peticionamento eletrônico no âmbito do STJ, exige-se a aquisição de um certificado digital junto a uma das autoridades certificadoras que compõem a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileiras (ICP-Brasil)[27]. No portal do STJ consta um manual, com vídeos explicativos, acerca do uso do peticionamento eletrônico. Este documento também disciplina os requisitos para o peticionamento, tais como formato e tamanho dos arquivos, que devem ser exclusivamente o formato pdf, assim como ocorre no âmbito do STF, sendo que a soma dos arquivos anexados por petição, incluindo o arquivo desta, não podem ultrapassar 1,5 MB (megabyte). Contudo, a limitação do tamanho do total dos arquivos em 1,5 MB por petição representa uma restrição demasiada, a qual pode prejudicar o exercício da ampla defesa e do contraditório. Ainda, deve-se destacar que tal restrição sequer está prevista na Resolução que instituiu o peticionamento eletrônico no STJ, mas sim nos manuais constantes do portal do STJ. Portanto, faz-se necessária uma revisão de tal regulamentação, a fim de propiciar o uso do processo eletrônico de forma mais consentânea com a realidade processual. Conforme destaca Alexandre Atheniense, a ausência de previsão na resolução regulamentadora do processo eletrônico permite a fixação de parâmetros de formato e tamanho pela autoridade judiciária[28].
Da mesma forma como ocorre no âmbito do STF, o STJ adotou a regra do não repúdio, o que impede a oponibilidade de uso indevido da certificação digital, o que também não encontra previsão na Lei 11.419/2006.
Com relação ao Conselho Nacional de Justiça verifica-se que os autos tramitam totalmente de forma eletrônica[29], tendo sido editada em 11 de setembro de 2007 a Recomendação n. 12, destinada aos Tribunais Federais e Estaduais, para que estes adotassem, regulamentassem e efetivassem, dentro do menor prazo possível, o uso de formas eletrônicas de assinatura.
Em publicação recentíssima, o Conselho Nacional de Justiça editou a Portaria 222, de 03 de dezembro de 2010, na qual cria o Comitê Nacional de Gestão de Tecnologia da Informação e Comunicação do Poder Judiciário, que tem entre suas finalidades estabelecer a integração e uniformização dos sistemas informatizados de todo o Poder Judiciário, a fim de gerar uma unidade entre os procedimentos adotados. Além de incentivar a troca de informações mais precisas entre os órgãos que compõem o Poder Judiciário e seu banco de dados, tal Comitê tem por escopo incentivar o desenvolvimento e o aperfeiçoamento do processo eletrônico judicial e administrativo pelos órgãos do Poder Judiciário, conforme redação do artigo 3º, inciso VI, da Portaria 222/2010.
Entendemos salutar a postura adotada pelo CNJ ao tentar instituir certa padronização no uso dos sistemas de processo eletrônico. Como é sabido, atualmente, para cada Tribunal que adota o sistema do processo eletrônico exige-se um cadastro prévio, e na maioria das vezes, logins e senhas diversas, o que, sem dúvida, causa desconforto na utilização de tais sistemas. Por vezes, como ainda ocorre no âmbito do Tribunal Regional Federal, exige-se um login e uma senha para a utilização do processo eletrônico para os feitos que tramitam perante os Juizados Especiais e outro para aqueles que tramitam nas Varas Federais.
Urge, portanto, a uniformização dos sistemas, a fim de facilitar e gerar maior conforto e praticidade ao uso do processo eletrônico. Além disso, é recomendável a adoção do sistema de assinatura eletrônica, o qual gera maior segurança, em detrimento dos sistemas de logins e senhas. Como já referido, em regra, para cada Tribunal que adota o processo eletrônico faz-se necessário um cadastro diverso. Assim, sendo tal cadastro e acesso ao processo eletrônico disponibilizados pelo próprio Poder Judiciário, no mínimo um servidor de cada seção judiciária terá acesso aos dados dos usuários, o que facilita o vazamento de tais dados. Cabe registrar que o Conselho Nacional de Justiça, ao editar a Portaria 222/2010, já se antecipa ao cumprimento de tarefa que lhe será imposta caso aprovado o projeto do Código de Processo Civil, mais especificamente o artigo 151, parágrafo 4º, do projeto, que assim dispõe: “§ 4º O procedimento eletrônico deve ter sua sistemática unificada em todos os tribunais, cumprindo ao Conselho Nacional de Justiça a edição de ato que incorpore e regulamente os avanços tecnológicos”.
Feitas essas breves considerações acerca dos principais atos normativos editados pelo STF, STJ e CNJ, faz-se necessário o estudo um pouco mais detalhado acerca da estrutura do processo judicial eletrônico brasileiro, a partir da análise de questões como assinatura eletrônica e chaves públicas, além da própria Infraestrutura de Chaves Públicas do Brasil (ICP-Brasil).
CHAVES PÚBLICAS DO SISTEMA DO PROCESSO ELETRÔNICO, ICP-BRASIL E A ASSINATURA DIGITAL
Como é sabido o processo de avanço tecnológico não é acompanhado pela evolução legislativa, o qual possui um ritmo muito mais lento e intricado. Além disso, as mudanças perpetradas para adequação a uma nova realidade no âmbito jurídico, de regra, costuma ser alvo de críticas severas, não sendo diferente com o processo judicial eletrônico.[30] Assim, ainda que a Lei 11.419 tenha sido promulgada no ano de 2006, sendo que a experiência da adoção do processo eletrônico é ainda anterior a tal data, podemos dizer que a implementação do processo eletrônico ainda está em sua fase inicial, embora já possamos visualizar o avanço a uma segunda etapa deste caminho. Isso porque, conforme já verificado, os Tribunais Superiores e o CNJ têm incentivado o uso da tramitação processual eletrônica, bem como tendo em vista que já se verifica a aplicação de tal instrumento no âmbito do rito ordinário, superando-se a restrição aos Juizados Especiais.
Porém, a implementação do processo eletrônico no âmbito dos Tribunais Estaduais ainda é mais do que incipiente, sendo que a sua efetivação nessa esfera dependerá de muitos esforços e recursos.
Consoante bem destaca o professor Ovídio Baptista da Silva, a idéia de processo pressupõe a de movimento, que a partir de um ponto inicial tenda a um fim determinado.[31] Assim, com base na doutrina de Liebman, pode-se dizer, de acordo com a lição de Ovídio Baptista da Silva, que são atos processuais os atos jurídicos praticados por aqueles que participam da relação processual, quando pertencentes ao processo, capazes de produzir um efeito jurídico “direto e imediato sobre uma determinada relação processual, servindo para constituí-la, modifica-la ou extingui-la”[32].
Ao tratar acerca dos atos processuais, dispõe o Código de Processo Civil, no seu artigo 154, da seguinte forma:
Art. 154. Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, Ihe preencham a finalidade essencial.
Parágrafo único. Os tribunais, no âmbito da respectiva jurisdição, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP - Brasil. (Incluído pela Lei nº 11.280, de 2006)
§ 2o Todos os atos e termos do processo podem ser produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico, na forma da lei. (Incluído pela Lei nº 11.419, de 2006).
Portanto, cumpre referir que o uso do meio eletrônico pressupõe a tramitação processual por meio eletrônico, a transmissão de peças processuais e a comunicação de atos processuais.[33] Além disso, nos termos do parágrafo único do diploma legislativo supra destacado, estabelece-se a obrigatoriedade de que os atos processuais eletrônicos atendam aos requisitos de autenticidade, integridade, validade e interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP – Brasil).
A ICP – Brasil foi instituída pela Medida Provisória 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, e consiste em uma cadeia hierárquica que tem por finalidade a emissão de certificados digitais para identificação dos usuários em relações de transação virtual[34] e está vinculada à Casa Civil da Presidência da República. Além da ICP-Brasil, a Medida Provisória 2.200-2 estabeleceu o Comitê Gestor da ICP-Brasil, a Autoridade Certificadora Raiz, além de definir as entidades que compõem a sua estrutura. Assim, pode-se afirmar que o modelo de infraestrutura adotado no Brasil corresponde ao modelo de certificação de raiz única, cabendo ao Instituto Nacional de Tecnologia da Informação – ITI – o papel de Autoridade Certificadora Raiz. Desse modo, compete à AC-Raiz realizar a assinatura digital das Autoridades Certificadoras – AC – de primeiro nível, que, por sua vez, realizam a assinatura das Autoridades Certificadoras de segundo nível. As ACs são responsáveis pela emissão dos certificados das Autoridades de Registro – AR – que fazem o atendimento direto ao cidadão.[35] Exemplos de Autoridades Certificadoras são: Serpro, Caixa Econômica Federal, Receita Federal, Serasa, AC-JUS, sendo esta entidade a primeira AC do Poder Judiciário no mundo.[36]
Com efeito, o objetivo de submeter a emissão de certificados digitais por meio de uma AC-Raiz, necessariamente vinculada à ICP – Brasil, consiste na garantia de interoperabilidade entre os sistemas dos órgãos da Administração Pública, tribunais, que operem em sistemas eletrônicos, a fim de viabilizar o intercâmbio e gerenciamento de informações entre tais entidades.
Conforme dispõe o artigo 10 da Medida Provisória 2.200-2/2001, e seu parágrafo primeiro, consideram-se públicos ou particulares os documentos emitidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP – Brasil, havendo presunção de veracidade em relação aos seus signatários. Já no parágrafo segundo do dispositivo mencionado, consta a previsão de que não há óbice à utilização de outros meios de garantia de autoria e integridade, mesmo que não emitidos pela ICP – Brasil, desde que haja consenso entre as partes ou a aceitação a quem for oposto o documento eletrônico.
Cumpre referir que o sistema adotado pela MP 2.200-2/2001 corresponde ao modelo de criptografia assimétrica, em que são distribuídas duas chaves, sendo uma pública e outra privada. Segundo explicam Augusto Marcacini e Marcos da Costa, a criptografia se trata de uma técnica tão antiga quanto à escrita, constituindo um equívoco invocá-la como uma “tecnologia” que acompanha a informática.[37] Porém, se antes restrita ao âmbito militar, na atual sociedade da informação a Criptografia, além de constituir uma Ciência, tem sido utilizada para proteção da transmissão e armazenamento de informações e segurança de sistemas computadorizados.[38]
Acerca do modelo de criptografia adotado no sistema brasileiro (assimétrica), cabe fazer uma breve menção entre a distinção de tal modelo e a criptografia simétrica. A criptográfica simétrica corresponde à utilização de uma única chave para cifrar e decifrar uma mensagem. Por exemplo, na técnica denominada “cifrado de César” cada letra utilizada era substituída pela terceira letra subsequente para o fim de criptografar a mensagem. Por sua vez, para decifrar tal mensagem, recuavam-se três letras do alfabeto para cada letra utilizada. Sendo assim, verifica-se que havia apenas uma única chave para cifrar e decifrar, no caso “três’. No entanto, o sucesso de tal técnica dependia do conhecimento prévio da senha (método de cifragem) entre o remetente e o destinatário da mensagem.[39]
Desse modo, a fim de contornar o problema da necessidade de compartilhamento da chave entre os interlocutores, criou-se o modelo da criptografia assimétrica, em que há duas chaves, sendo uma para cifrar – chave pública - e outra para decifrar – chave privada, consubstanciando um sistema eficiente para a criação de assinaturas digitais. Assim, a assinatura digital é cifrada por aquele que detém a chave privada, a fim de que possa ser decifrada por aquele que possui a chave pública, permitindo, assim, a identificação de autoria daquele que enviou a mensagem cifrada.[40]
Consoante afirmam Augusto Marcacini e Marcos da Costa o modelo de criptografia assimétrica é o mais adequado para a garantia de autenticidade e autoria para a produção e transmissões de dados e documentos eletrônicos. Nesse sentido, merece transcrição a conclusão dos autores:
Por outro lado, argumentar que uma "nova tecnologia" possa produzir assinaturas digitais sem cifrar o documento eletrônico, mais parece um argumento falacioso. Registros eletrônicos são facilmente alteráveis, daí a dificuldade inicial em aceitá-los como prova documental. A única maneira de evitar que sejam adulterados é criptografá-los. Se o documento eletrônico não for de modo algum cifrado, poderá ser fraudado. Por sua vez, se utilizada a mesma chave para cifrar e decifrar - criptografia simétrica, portanto -, não se consegue demonstrar a autoria do documento eletrônico, porque ambos os interlocutores conhecem a chave secreta, podendo, tanto um como o outro, ter gerado aquele registro cifrado. O que sobra? A criptografia assimétrica![41]
Contudo, além do sistema de assinatura com certificação digital – em que há o uso da criptografia -, existe o modelo de assinatura digital sem a certificação digital. Em geral, o uso de tal espécie de assinatura digital se faz por meio de um login (identificação pessoal) e uma senha. Ocorre que essa espécie de assinatura digital não conta com a mesma credibilidade e segurança para a transmissão de dados e documentos, uma vez que a ausência de criptografia permite a sua interceptação e sua alteração sem deixar traços de adulteração.[42] Não obstante, o modelo de assinatura digital sem a certificação digital tem sido o modelo adotado pela maioria dos Tribunais brasileiros no estágio atual do processo eletrônico no Brasil.
Cumpre destacar que o Projeto do Código de Processo Civil insere novos dispositivos para tratar do uso de documentos eletrônicos (havendo uma seção específica aos documentos eletrônicos – arts. 418 a 420), bem como altera os dispositivos que atualmente regem os atos processuais eletrônicos, que no Código de Processo Civil estão insertos no Livro I, Capítulo V – art. 154 e seguintes. Assim, cabe a transcrição do artigo 151 do Projeto do Código de Processo Civil, que assim preceitua:
Art. 151. Os atos e os termos processuais não dependem de forma determinada,senão quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.
[...]
§ 2º Os tribunais, no âmbito de sua competência, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos,
atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade estabelecidos pelo órgão competente, nos termos da lei.
§ 3º Os processos podem ser, total ou parcialmente, eletrônicos, de modo que todos os atos e os termos do processo sejam produzidos, transmitidos,
armazenados e assinados por meio eletrônico, na forma da lei, cumprindo
aos interessados obter a tecnologia necessária para acessar os dados, sem
prejuízo da disponibilização nos foros judiciários e nos tribunais dos meios
necessários para o acesso às informações eletrônicas e da porta de entrada
para carregar o sistema com as informações.
§ 4º O procedimento eletrônico deve ter sua sistemática unificada em todos os tribunais, cumprindo ao Conselho Nacional de Justiça a edição de ato que incorpore e regulamente os avanços tecnológicos.[43]
Portanto, da leitura dos dispositivos supracitados, já se observa alguns avanços no que tange à utilização do procedimento eletrônico para a tramitação processual. Com efeito, já se verifica, no parágrafo 2º, que possui redação similar ao atual artigo 154, parágrafo único, a extinção da obrigatoriedade de atendimento aos requisitos estabelecidos pela ICP – Brasil para garantia de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade. Ademais, vislumbra-se uma preocupação do legislador com a uniformização do sistema de processo eletrônico, o que é salutar para o acesso à Justiça, bem como à segurança dos usuários e da transmissão de dados.
No que se refere à extinção da obrigatoriedade do uso da ICP – Brasil para a prática dos atos processuais, tem-se que essa medida permite que cada Tribunal elabore os requisitos que considerar necessários para estabelecer uma relação de confiança para utilização de certificados digitais, ainda que fora dos padrões da ICP – Brasil.[44] Além disso, conforme destaca Atheniense, ainda antes da edição da Lei 11.419/2006, o Tribunal Superior Eleitoral já dispunha de uma infraestrutura de chaves públicas própria para a emissão de certificados digitais, em padrão distinto da ICP – Brasil. Outrossim, o Tribunal de Rondônia admitiu a utilização de certificados digitais emitidos pela ICP – OAB, também fora dos padrões da ICP – Brasil, sem registro de irregularidades nos certificados emitidos.[45]
Por sua vez, o próprio Conselho Nacional de Justiça desenvolveu sistema – Projudi – que permite a utilização de certificados eletrônicos por autoridade certificadora não submissa à ICP – Brasil, que permitia o cadastro de advogados, no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis de diversos Tribunais Estaduais, sem a devida conferência ao Cadastro Nacional de Advogados, o que, em tese, permitiria o cadastramento de advogados suspensos ou excluídos.[46]
Apesar de tal irregularidade, a qual já foi solucionada entre a OAB e os Tribunais Estaduais, tem-se que a exclusão da obrigatoriedade de atendimento aos padrões da ICP – Brasil para a prática dos atos processuais pode representar um decréscimo aos custos, ou até torná-los praticamente inexistentes, para a implementação da assinatura eletrônica com certificação digital.
Com efeito, a utilização do sistema de assinatura eletrônica com certificação digital implica em maior segurança no uso processo eletrônico, uma vez que há maior credibilidade no que tange à autenticidade, à integridade e à autoria na transmissão de dados, excluindo a possibilidade de alteração dos atos sem qualquer vestígio, conforme já referido. Além disso, a obrigatoriedade da certificação digital serve para extirpar a necessidade de prévio cadastro de advogados, à margem de qualquer controle pela OAB, em cada Tribunal, mediante a utilização de logins e senha[47], o que também contribui, sobremaneira, à segurança no uso do processo eletrônico.
PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE NO PROCESSO ELETRÔNICO
Nesse processo intenso de transformação cultural verificamos que o processo judicial também vai agregando o uso das novas tecnologias e meios de comunicação em seu procedimento. Já é realidade a desnecessidade de redução a termo dos depoimentos colhidos em audiência, os quais podem ser armazenados e transmitidos por arquivos de áudio, com o registro em tempo real da prova oral. Desse modo, proporciona-se uma reapreciação da prova mais fidedigna aos Tribunais em grau de recurso. Além disso, pode-se afirmar que a utilização do procedimento eletrônico pode servir de instrumento à efetivação do princípio da imediatidade na colheita da prova, na medida em que proporciona a oitiva do depoimento de testemunhas à distância. Outrossim, a própria inspeção judicial poderá ser realizada mediante a utilização de recursos tecnológicos, com auxílio de câmeras e mídias de áudio e vídeo, permitindo-se a realização da inspeção sem a necessidade de deslocamento ao local inspecionado, mas mesmo assim com grande fidedignidade.[48]
Contudo, embora dê origem a uma série de facilidades, a adoção do processo judicial eletrônico também traz algumas resistências, consoante já referido, assim como impõe problemas novos que ainda buscam solução mais adequada. Exemplo disso é a questão do princípio da publicidade no âmbito do processo eletrônico.
O princípio da publicidade é inerente a um Estado Democrático de Direito, uma vez que proporciona a transparência e controle necessários perante a sociedade dos atos administrativos e processuais. Com efeito, é impensável um Estado Democrático em que os atos administrativos e também os processuais sejam praticados às escuras, impedindo o controle social, o que remonta aos tempos medievos. Assim, tem-se que o princípio da publicidade se trata de verdadeiro direito fundamental, e como tal, vem expresso no artigo 5º, inciso LX, da CRFB/88, artigo 37 da CRFB/88 (em relação aos atos administrativos), bem como nos incisos IX e X do artigo 93, também da Constituição, inseridos com a EC n.45/2004.
Entretanto, assim como ocorre com os demais princípios fundamentais, a publicidade não se trata de um direito absoluto, de modo que a própria Constituição da República prevê hipóteses de restrição à publicidade quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem (artigo 5º, inciso LX. CRFB/88). Do mesmo modo, o Código de Processo Civil, no artigo 155, parágrafo único, elenca hipóteses de restrição ao princípio da publicidade em casos em que o exigir o interesse público e que digam respeito ao casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores.
O projeto do Código de Processo Civil apresenta conteúdo semelhante ao vigente no que diz respeito à publicidade e ao regime de publicidade restrita, mas inova ao explicitar que tramitam com restrições à publicidade (empregando a expressão “segredo de justiça”) os autos em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade, bem como preceitua que o processo eletrônico deve assegurar sigilo às partes, nas hipóteses supra destacadas (artigo 152 do projeto de Código de Processo Civil).
Por sua vez, as disposições inseridas pela EC 45/2004 ao artigo 93 da Constituição da República também garantem a publicidade dos atos emanados pelo Poder Judiciário, sejam administrativos ou judiciais, prevendo ainda a necessidade de motivação de tais atos, garantindo o direito à intimidade, desde que não prejudique o interesse público à informação. Portanto, percebe-se que o princípio da publicidade guarda relação estreita com o direito à intimidade e o interesse público.
No que tange ao processo eletrônico, colocam-se algumas questões com relação ao princípio da publicidade. Em primeiro lugar, observa-se que o andamento da tramitação do processo eletrônico pode ser acompanhado pelas partes e sociedade, bastando informar o número do processo nos sistemas de pesquisa dos Tribunais, com disponibilização do conteúdo das manifestações de caráter decisório, naqueles órgãos que o disponibilizam. Porém, o acesso ao conteúdo das petições, atos ordinatórios e todos os atos de conteúdo não decisório, em tese, não estão disponíveis às partes que não possuem acesso ao processo eletrônico, mediante cadastro e senha perante os Tribunais que o disponibilizam. Assim, somente por consulta ao causídico atuante no feito se poderá ter acesso a tais informações. Contudo, a todos aqueles que detêm acesso ao sistema de processo eletrônico de um determinado Tribunal é possível a consulta às peças processuais. No âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, atualmente[49], os usuários do sistema e-proc podem consultar, no âmbito dos Juizados Especiais Federais, o conteúdo completo dos autos que tramitam por este rito (petições, atos ordinatórios, decisões). Já com relação aos processos que tramitam perante o rito ordinário, não há acesso às petições e demais atos de conteúdo não decisório pelos usuários, sendo necessário para tanto a informação da chave do processo que, em regra, só é disponível às partes e aos advogados atuantes no feito.
Constata-se, assim, importante mitigação do princípio da publicidade com relação aos autos que tramitam sob a forma eletrônica. Contudo, em se tratando de autos que tramitam sob o regime de publicidade restrita, tem-se que o uso do processo judicial eletrônico efetiva o sigilo almejado, uma vez que somente os advogados atuantes no feito e o Juízo, assim como o Ministério Público quando participante da demanda, terão acesso aos autos, estando este impossibilitado até mesmo às partes envolvidas na demanda. Verifica-se, portanto, um problema particular ao processo eletrônico, qual seja a dificuldade das partes litigantes e de terceiros para acompanhar a tramitação processual com acesso ao conteúdo dos autos.
Nesse vértice, cabe referir que a publicidade dos atos processuais não se confunde com um direito à divulgação de tais atos, conforme refere José Carlos Araújo Almeida Filho[50], embora seja tênue tal diferenciação. O referido autor defende a idéia de que a possibilidade de exasperação do princípio da publicidade pode ser tão perniciosa quanto à prática de atos processuais secretos. Sendo assim, preocupa-se Almeida Filho com o fato de que o processo judicial eletrônico, quando houver a divulgação de seu conteúdo pela internet, pode ferir o direito ao esquecimento, que seria um consectário do direito à intimidade e do direito à personalidade. Desse modo, defende o autor a idéia de relativização do princípio da publicidade, argumentando, ainda, que a própria posição topográfica dos princípios da intimidade (artigo 5º) e da publicidade (artigo 93, IX) na Carta Magna revelaria superioridade daquele princípio sobre este[51]. Ocorre que não se pode falar em relativização do princípio da publicidade, uma vez que não se trata de direito absoluto, sendo que o próprio Código de Processo Civil e até mesmo a Constituição já ressalvam hipóteses em que o princípio da publicidade deverá ser restringido (preservação da intimidade, quando interesse público o exigir).
Ainda acerca da tese defendida por Almeida Filho, valendo-se da casuística, discorre o autor sobre a “superioridade hierárquica” dos princípios da dignidade da pessoa humana e da personalidade quando econfrontados com o princípio da publicidade.[52] Destarte, sustenta Almeida Filho, especialmente no âmbito do processo eletrônico, mas também em autos físicos, que o acesso aos autos seja restringido às partes e seus procuradores.
Ora, nos parece demasiada a adoção de tal concepção, assim como se revela despicienda uma teoria de “relativização” do princípio da publicidade. Isso porque, o princípio da publicidade, de forma apriorística, contrapõe-se ao direito à informação. Desse modo, deve-se garantir, primeiramente, o direito à informação que decorre do direito de acesso aos autos. Porém, por não se tratar de direito absoluto, o princípio da publicidade pode deixar de ser aplicado quando a sua efetivação implicar em violação ao direito à intimidade ou a outros princípios constitucionais. Cumpre frisar que a ressalva com relação à aplicabilidade do princípio da publicidade já vem expressa na própria Carta Magna, razão pela qual revela-se desnecessária a construção de uma teoria da “relativização” do princípio da publicidade.
Além disso, Almeida Filho parece olvidar a necessidade de controle dos atos jurisdicionais pela sociedade, e não apenas pelas partes e seus advogados, sendo o princípio da publicidade um dos instrumentos imprescindíveis para tanto. Outrossim, deve-se destacar que o princípio da publicidade, conforme se extrai do inciso IX, do artigo 93, da CRFB/88, está imbricado com o princípio da motivação das decisões judiciais, visto que a efetivação da publicidade contribui para a transparência da prestação jurisdicional, bem como dos fundamentos decisórios. Consoante afirma José Rogério Cruz e Tucci, o princípio da publicidade, assim como o princípio da motivação das decisões judiciais – note-se que, a disciplina do princípio da publicidade no artigo 93, inciso IX, da CRFB/88, está imbricada com o princípio da motivação – constituem pressupostos do direito de defesa e de independência e imparcialidade da atuação judicial, estando consagrados como direitos fundamentais.[53] De efeito, ainda com base nas lições de Cruz e Tucci, deve-se considerar que o princípio da publicidade serve como instrumento de controle extraprocessual, exercido de forma difusa pela opinião pública, contribuindo, portanto, para a transparência das decisões judiciais e de sua fundamentação.[54]
Nesse prisma é o entendimento de Alexandre Atheniense ao afirmar que há um interesse público na resolução da lide maior do que o interesse privado.[55] Em razão de tais considerações, entendemos corretas as críticas endereçadas ao parágrafo 6º, do artigo 11, da Lei 11.419/2006, que assim preceitua:
Art. 11. Os documentos produzidos eletronicamente e juntados aos processos eletrônicos com garantia da origem e de seu signatário, na forma estabelecida nesta Lei, serão considerados originais para todos os efeitos legais.
[...]
§ 6o Os documentos digitalizados juntados em processo eletrônico somente estarão disponíveis para acesso por meio da rede externa para suas respectivas partes processuais e para o Ministério Público, respeitado o disposto em lei para as situações de sigilo e de segredo de justiça.
Conforme acertadamente refere Alexandre Atheniense, a norma supra transcrita carece de regulamentação, deixando de definir quais os documentos poderão ser acessados de forma pública no processo eletrônico.[56] Além disso, a redação vaga e imprecisa do dispositivo destacado deixa ao alvedrio de cada Tribunal a regulação de quais documentos estarão acessíveis de forma pública. Outrossim, a prescrição contida na norma mencionada estabelece importante restrição à publicidade dos autos que tramitam sob a forma eletrônica a qual não encontra equivalência nos autos que tramitam sob a forma física. Assim, consoante bem destaca Alexandre Atheniense, a Lei do processo eletrônico não poderia confrontar com as regras processuais vigente, mas sim adequar-se a elas.
Com efeito, a disposição do parágrafo 6º, do artigo 11, da Lei 11.419/2006, parece ir de encontro ao que dispõem os artigos 40 e 155 do Código de Processo Civil[57] e artigo 7º da Lei 8.906/1994[58], os quais garantem, em regra, acesso a todos, sobretudo aos advogados, aos autos judiciais, salvo casos em que a publicidade deve ser restrita. E é neste ponto que a Lei do processo eletrônico parece ter extrapolado o limite do razoável ao estabelecer como regra, e não exceção, a restrição de acesso aos autos judiciais apenas às partes e procuradores atuantes no feito, sendo que para os processos que podemos chamar de tradicionais (autos físicos) vige a regra da publicidade dos autos judiciais e como exceção a restrição de tal publicidade.
Nesse ponto, merecer ser destacado, consoante relembra Alexandre Atheniense, que na até então única oportunidade em que a questão do acesso e publicidade dos autos eletrônicos foi apreciada judicialmente o Conselho Nacional de Justiça decidiu por revogar o seu enunciado de n.º 11, que assim disciplinava: “Nos processos digitais findos ou em curso perante o Conselho Nacional de Justiça, o acesso à íntegra dos autos é limitado às partes e seus advogados constituídos e ao Ministério Público (Lei nº 11.419/2006, art. 11, § 6º)”.[59]
Nas razões para revogação do enunciado n.º 11 foi explicitado que o acesso a autos judiciais pelos advogados, mesmo sem procuração, constitui prerrogativa inerente ao próprio exercício da profissão. Isso porque, muitas vezes, os advogados necessitam consultar autos em que não estão atuando diretamente, seja para colheita de prova emprestada, seja apenas para obter um prévio conhecimento da causa antes de assumi-la.[60]
Portanto, entendemos que a Lei do processo eletrônico não pode restringir direitos e prerrogativas expressas em outros diplomas legais. Cabe referir, ainda, que a unificação do acesso ao processo eletrônico e a utilização da certificação judicial, contribuiriam, em muito, para solucionar o problema da publicidade ao eliminar a necessidade de prévio cadastramento em cada Tribunal para acesso aos autos, ao mesmo tempo em que permite a restrição de acesso nas hipóteses previstas em lei.
Por fim, acerca da relevância e envergadura do princípio da publicidade, essencial a um Estado Democrático de Direito, merece destaque o escólio de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, embasado na doutrina de Bentham, ao tratar acerca da evolução do princípio da publicidade a partir da Revolução Francesa, observe-se:
Para o correto encaminhamento da solução do problema contribuiu peremptoriamente a elaboração doutrinária de Bentham, a lançar o brado mais decisivo e talvez mais incisivo contra o segredo: “A publicidade é a mais eficaz salvaguarda do testemunho e das decisões que do mesmo derivarem: é a alma da justiça e deve se estender a todas as partes do procedimento e a todas as causas”, com poucas exceções. No que concerne às testemunhas, a publicidade da inquirição não só estimula todas suas faculdades do espírito que concorrem para produzir uma exposição fiel e em particular atenção como influi sobre a própria veracidade do testemunho, em virtude do controle público. Ademais, mostra-se notadamente necessária para a probidade dos juízes por constituir “freio no exercício de um poder do qual é tão fácil abusar”. Possibilita, outrossim, a formação do espírito cívico e o desenvolvimento da opinião pública, que de outro modo permaneceria “muda ou impotente sobre os abusos” dos juízes, fundando a confiança do povo.[61]
Destarte, entendemos que a restrição ao princípio da publicidade pela Lei do processo eletrônico é demasiada, contrariando preceitos legais e constitucionais que a asseguram ao processo judicial a publicidade de seus atos como regra e não exceção.
CONCLUSÃO
Por meio da construção do presente trabalho, procurou-se apreciar o processo de transformação social e cultural fomentado pelas novas formas de comunicação decorrentes dos avanços tecnológicos e o reflexo desse processo no âmbito judicial. Com efeito, a comunicação à distância e em rede entre cidadãos de todas as partes do mundo tem trazido mudanças profundas nos relacionamentos sociais em todas as esferas, sendo que as conseqüências dessa transformação só poderão ser definidas plenamente no futuro.
Ocorre que, conforme foi abordado, e como não poderia deixar de ser, esse processo de transformação social e cultural gera reflexos na esfera jurídica e, mais especificamente com relação ao objeto da presente pesquisa, no processo civil. Destarte, entendemos que a construção e desenvolvimento de um processo judicial eletrônico, antes de representar um instrumento para a celeridade processual, embora seja essa uma de suas conseqüências, decorre da necessidade de adaptação das formas jurídicas a um novo contexto cultural. Porém, conforme referido, a adaptação das formas processuais não pode representar uma derrogação dos princípios fundamentais do processo civil, tais como a observância à ampla defesa e ao contraditório e a um modelo cooperativo de processo.
A partir disso, definiram-se os aspectos formais do processo eletrônico no âmbito das instituições mais relevantes no contexto da Justiça comum, quais sejam Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Conselho Nacional de Justiça, abordando a forma como tais entidades têm disciplinado o uso do processo eletrônico. Restou claro durante a pesquisa que o modelo atual do processo eletrônico brasileiro exige o cadastramento prévio dos usuários em cada Tribunal, em detrimento de um cadastro e acesso únicos. Porém, verificou-se também que há uma tendência, ainda que incipiente, à unificação, a qual está expressa até mesmo no projeto do Código de Processo Civil.
No que tange aos aspectos estruturais do processo eletrônico brasileiro, verificou-se que ainda se adota, havendo disposição expressa no Código de Processo Civil, a obrigatoriedade de vinculação à ICP-Brasil, exigência que foi suprimida na redação do projeto do Código de Processo Civil. Entendemos que tal supressão é salutar ao desenvolvimento do processo eletrônico, uma vez que favorece a utilização em larga escala do sistema de assinatura digital com certificação digital, o que, além de proporcionar maior segurança e garantir autenticidade para transmissão dos dados por meio eletrônico, contribui para a adoção de sistema de acesso unificado ao processo eletrônico.
Por fim, em análise do princípio da publicidade no âmbito do processo eletrônico, observou-se uma demasiada restrição expressa na Lei 11.419/2006 (artigo 11, parágrafo 6º). Com efeito, o princípio da publicidade garante a transparência e controle dos atos processuais, sobretudo de suas fundamentações, assim como a verificação da observância ao contraditório e à ampla defesa na instrução processual. Cabe salientar que o controle dos atos processuais não compete apenas às partes e advogados envolvidos em cada demanda judicial, mais sim a toda sociedade. Por óbvio, o princípio da publicidade não constitui direito absoluto, havendo hipóteses à sua restrição expressas até mesmo na Constituição da República. Porém, afirmar a partir disso uma necessidade de restrição geral à publicidade, de modo que a publicidade dos atos processuais se torne uma exceção, constitui verdadeira demasia a qual não deve ser fomentada, pois não consentânea com o próprio Estado Democrático de Direito.
Em razão disso, não se justifica a elaboração de uma teoria de “relativização” da publicidade no âmbito do processo judicial eletrônico. Ora, não se pode relativizar o que não é absoluto e não se pode entender a tramitação de autos judiciais eletrônicos como uma disciplina apartada da necessidade de observância aos princípios e valores que informam o processo civil e o Estado Democrático de Direito.
Portanto, concluímos que a adoção da tramitação processual eletrônica constitui medida que colabora com a celeridade na prestação jurisdicional, além de ser essencial para a adequação do processo judicial a um novo contexto cultural. As facilidades decorrentes do processo judicial eletrônico, tais como a apresentação de petições e demais manifestações processuais fora do expediente de foro, a desnecessidade de se efetuar carga dos autos e em decorrência a possibilidade de se analisar os processos judiciais em qualquer lugar, bastando para isso a disponibilidade de um computador conectado à internet, constituem vantagens e comodidade não proporcionadas pela tramitação física dos autos. Entretanto, deve-se ainda desenvolver e aperfeiçoar os sistemas de acesso ao processo eletrônico, conforme já referido, sobretudo pela criação de um acesso único, ou ao menos regionalizado, a fim de evitar uma série de cadastros, logins e senhas com relação a cada Tribunal, efetivando-se, ainda, o acesso por meio de certificação digital. Por certo, um longo caminho deverá ser trilhado até que sejam alcançadas essas formas ideais, bem como para que seja garantida a estabilidade dos sistemas processuais eletrônicos evitando-se a indisponibilidade de acesso. Nesse ponto, faz-se necessária uma regulamentação mais transparente acerca de hipóteses como a necessidade de prorrogação de prazo, quando impossível o acesso ao sistema do processo eletrônico, evitando-se prejuízos às partes e desrespeito aos princípios basilares do processo civil.
Destarte, acreditamos que a utilização do processo eletrônico, ainda que carente de um modelo definitivo e de regulamentação em alguns aspectos, consubstancia relevante ferramenta para ampliação do acesso à justiça, celeridade processual e, sobretudo, de adequação à realidade de uma sociedade eletrônica, não se podendo descurar, contudo, da observância e atendimento aos princípios e valores que informam, justificam e orientam o processo civil e o Estado Democrático de Direito.
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ZUFFO, João Antônio. A sociedade e a economia no novo milênio: os empregos e as empresas no turbulento alvorecer do século XXI. Livro 2 - macroeconomia e empregos. Barueri: Manole, 2003
[1] Com efeito, pode-se afirmar que o processo de globalização não é novo, consoante se percebe desde a busca pela conquista de grandes Impérios na Idade Antiga, bem como nas grandes descobertas ocorridas nos séculos XV e XVI, resultantes do aperfeiçoamento das técnicas de navegação. Nesse sentido, vale o destaque às palavras de Boaventura de Souza Santos: Mesmo admitindo que existe uma economia-mundo desde o século XVI, é inegável que os processos de globalização se intensificaram enormemente nas últimas décadas. Isto é reconhecido mesmo por aqueles que pensam que a economia internacional ainda não é ainda uma economia global, em virtude da continuada importância dos mecanismos nacionais de gestão macro-económica e da formação dos blocos comerciais. Entre 1945 e 1973 a economia mundial teve uma enorme expansão: uma taxa de crescimento anual do produto industrial de cerca de 6%. A partir de 1973 esse crescimento abrandou significativamente [...] Mesmo assim, a economia mundial cresceu mais do pós guerra até hoje do que em toda a história mundial anterior [...] (SANTOS, Boaventura Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 289)
[2] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. A garantia do contraditório. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Vol. 15, 1998. Porto Alegre: Síntese, p. 7.
[3] ZUFFO, João Antônio. A sociedade e a economia no novo milênio: os empregos e as empresas no turbulento alvorecer do século XXI. Livro 2 - macroeconomia e empregos. Barueri: Manole, 2003, p. 223.
[4]BARROS, Marco Antônio. Arquitetura Preambular do Processo Judicial Eletrônico. RT 849/427. http://www.revistasrtonline.com.br/portalrt/template.htm?view=main. Acesso em: 24-01-2013.
[5] ZUFFO, op. cit., p. 231.
[6]CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. A era da informação: economia, sociedade e cultura. Trad. Roneide Venâncio Majer. 11ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2008, p. 39-42.
[7] Idem, ibidem.
[8] Idem, p. 41.
[9] Idem, Ibidem.
[10] Idem, ibidem.
[11] Idem, ibidem.
[12] Idem, ibidem.
[13] Idem, p. 43-50.
[14]BARROS, Marco Antônio. Arquitetura Preambular do Processo Judicial Eletrônico. RT 849/427. http://www.revistasrtonline.com.br/portalrt/template.htm?view=main. Acesso em: 24-01-2013.
[15]CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2002.
[16]CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2002, p. 71.
[17]MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. O Projeto do CPC: críticas e proposta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 15.
[18] Idem, ibidem. Marinoni e Mitidiero ressaltam, ainda, a idéia de que o Código de Processo Civil, em um Estado Democrático de Direito, possui três diretrizes fundamentais, quais sejam a (observância da) segurança jurídica, a igualdade de todos perante o direito e o direito à participação no processo.
[19] Idem, ibidem.
[20] Idem, p. 19.
[21]Cumpre destacar que, embora receba a denominação de processo eletrônico, a informatização judicial brasileira existente até então trata na verdade de procedimento eletrônico, conforme refere José Carlos de Araújo Almeida Filho, podendo-se falar também em autos eletrônicos. Isso porque não há, ao menos por enquanto, alteração do rito do Código de Processo Civil, mas sim mudança na forma de materialização do processo, sendo certo que este não se confunde com a forma pela qual se corporifica (autos), tampouco com a sequência de atos que dizem respeito ao aspecto formal do processo (procedimento). Nesse sentido: ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Processo eletrônico e Teoria Geral do Processo Eletrônico: a informatização judicial no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 122; DALL’ALBA, Felipe Camilo. Iudicium Eletrônico ou Processus Eletrônico. Revista Virtual da AGU. n.º 97. Fev/2010. Disponível em: https://redeagu.agu.gov.br/PaginasInternas.aspx?idConteudo=127306&idSite=1115. Acesso em: 14-02-2013.
[22] ATHENIENSE, Alexandre. Comentários à Lei 11.419/06 e as práticas processuais por meio eletrônico nos tribunais brasileiros. ed. atual. Curitiba: Juruá, 2010, p. 30.
[23] Além das Leis 9.800/1999 e da Lei 10.259/2001, anteriormente à Lei 11.419/2006, foi editada a Lei 10.358/2001, que inseriu o parágrafo único no artigo 154 do Código de Processo Civil, que apresentava a seguinte redação: Atendidos os parâmetros de segurança e autenticidade, poderão os tribunais disciplinar, no âmbito da sua jurisdição, a prática de atos processuais e sua comunicação às partes mediante a utilização de meios eletrônicos. Ocorre que tal dispositivo restou vetado pelo Presidente da República, em razão da edição da Medida Provisória 2.200/2001, a qual instituía a ICP-Brasil. (ATHENIENSE, op. cit., p. 50)
[24] O artigo 2ª da Resolução 427, de 20-04-2010, define o processo eletrônico da seguinte forma: [...] Art. 2º Processo eletrônico, para os fins desta Resolução, é o conjunto de arquivos eletrônicos correspondentes às peças, documentos e atos processuais que tramitam por meio eletrônico, nos termos da Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006. [...]
[25] MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. A certificação eletrônica na legislação brasileira atual. Disponível em: http://augustomarcacini.cjb.net/index.php/DireitoInformatica/CertificacaoEletronicaLegislacao. Acesso em: 06-01-2012.
[26] ATHENIENSE, op. cit., p. 157.
[27]Informação extraída do portal do STJ no link: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=644>. Acesso em 13-01-2013.
[28] ATHENIENSE, Alexandre. Comentários à Lei 11.419/06 e as práticas processuais por meio eletrônico nos tribunais brasileiros. ed. atual. Curitiba: Juruá, 2010, pp. 166-167.
[29] Idem, p. 167.
[30]BARROS, Marco Antônio. Arquitetura Preambular do Processo Judicial Eletrônico. RT 849/427. http://www.revistasrtonline.com.br/portalrt/template.htm?view=main. Acesso em: 24-01-2013.
[31] SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil, volume 1: processo de conhecimento. 7ª ed., rev. e atualizada de acordo com o Código Civil e 2002. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 181.
[32] Idem, ibidem.
[33] BARROS, op. cit. Segundo o modelo adotado pela Lei 11.419/2006, os tribunais poderão desenvolver sistemas eletrônicos para processamento dos atos processuais, permitindo a existência de autos parcial ou totalmente digitais. (art. 8º). Além disso, o legislador elegeu a Internet (ou rede mundial de computadores conhecida pela denominação world wide web – www) como meio preferencial para transmissão dos atos por meio eletrônico, bem como admitindo o acesso por meio de redes internas e externas.
[34] Obtido por meio eletrônico: http://www.iti.gov.br/twiki/bin/view/Certificacao/WebHome. Acesso em 12-02-2013.
[35] Idem.
[36] ATHENIENSE, Alexandre. Comentários à Lei 11.416/06 e as práticas processuais por meio eletrônico nos Tribunais brasileiros. Curitiba: Juruá, 2010, p. 115. Complementa o autor: “A AC-JUS foi criada em 19.01.2005, inicialmente como Autoridade Certificadora do Sistema Justiça Federal. Já em outubro de 2005 o STF, o CNJ, os Tribunais Superiores (TST, TST e STM) eo CSTJ passaram a participar da gestão da AC-JUS, possibilitando a adoção de políticas de certificação que abrangessem todo o Judiciário. Assim, em novembro de 2005 a AC-JUS, com a participação da mais alta cúpula do Judiciário brasileiro, tornou-se Autoridade Certificadora da Justiça, lançando nova base de aplicabilidade da certificação digital com abrangência a todas as esferas do Poder Judiciário nacional.” Idem.
[37] MARCACINI, Augusto Tavares Rosa; COSTA, Marcos da. Criptografia Assimétrica, Assinaturas Digitais e a falácia da “Neutralidade Tecnológica”. Maio/2001. http://augustomarcacini.cjb.net/index.php/DireitoInformatica/NeutralidadeTecnologica. Acesso em: 13-02-2013.
[38] Idem.
[39] Idem.
[40] Idem.
[41] Idem.
[42] ATHENIENSE, op. cit., p. 110-111.
[43] GUEDES, Jefferson Carús; DALL’ALBA, Felipe Camilo; NASSIF, Guilherme Beux; BATISTA, Liliane Maria Busato. Novo Código de Processo Civil: comparativo entre o projeto do novo CPC e o CPC de 1973. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 73.
[44] ATHENIENSE, op. cit., p. 44.
[45] Idem, ibidem.
[46] Idem, p. 55.
[47] Idem, p. 124.
[48] CALMON, Petrônio. O Modelo Oral de Processo no Século XXI. REPRO 178/47. Dez/2009. Disponível em: http://www.revistasrtonline.com.br/portalrt/template.htm?view=main. Acesso em: 14-02-2013.
[49] Março de 2011.
[50] ALMEIDA FILHO, op cit., p. 87.
[51] Idem, p. 91.
[52] Idem, p. 91-94
[53] CRUZ E TUCCI, José Rogério. Garantias Constitucionais da Publicidade dos Atos Processuais e da Motivação das Decisões no Projeto do CPC – Análise e Proposta. REPRO 190/257. Disponível em: http://www.revistasrtonline.com.br/portalrt/template.htm?view=main. Acesso em: 12-03-2013.
[54] Idem.
[55] ATHENIENSE, op. cit., p. 94.
[56] ATHENIENSE, op. cit., p. 220.
[57] Art. 40. O advogado tem direito de:
I - examinar, em cartório de justiça e secretaria de tribunal, autos de qualquer processo, salvo o disposto no art. 155; II - requerer, como procurador, vista dos autos de qualquer processo pelo prazo de 5 (cinco) dias; III - retirar os autos do cartório ou secretaria, pelo prazo legal, sempre que Ihe competir falar neles por determinação do juiz, nos casos previstos em lei. § 1o Ao receber os autos, o advogado assinará carga no livro competente.§ 2o Sendo comum às partes o prazo, só em conjunto ou mediante prévio ajuste por petição nos autos, poderão os seus procuradores retirar os autos, ressalvada a obtenção de cópias para a qual cada procurador poderá retirá-los pelo prazo de 1 (uma) hora independentemente de ajuste. (Redação dada pela Lei nº 11.969, de 2009)
Art. 155. Os atos processuais são públicos. Correm, todavia, em segredo de justiça os processos:
I - em que o exigir o interesse público; Il - que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores. (Redação dada pela Lei nº 6.515, de 26.12.1977) Parágrafo único. O direito de consultar os autos e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e a seus procuradores. O terceiro, que demonstrar interesse jurídico, pode requerer ao juiz certidão do dispositivo da sentença, bem como de inventário e partilha resultante do desquite.
[58] Art. 7º São direitos do advogado: [...] XIII - examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos;
[59] ATHENIENSE, op. cit., p. 223.
[60] Idem, ibidem.
[61] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil: proposta de um formalismo-valorativo. 4ª ed. rev., atual. e aumentada. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 123-124.
Bacharel em Direito pelo UNIRITTER/RS. Procurador Federal. Especialista em Direito Público pela UnB/CEAD.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DALMAS, Samir Bahlis. Processo eletrônico numa sociedade eletrônica: garantias constitucionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jul 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40300/processo-eletronico-numa-sociedade-eletronica-garantias-constitucionais. Acesso em: 23 dez 2024.
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