Introdução
O presente ensaio tem como finalidade abordar os principais aspectos referentes ao tema “nulidades no processo civil”. No primeiro momento são apontados os planos do mundo jurídico, e suas consequências para o direito.
Após será feita uma análise dos principais princípios referentes às nulidades, e em seguida as possíveis classificações que norteiam o tema.
Nulidades e sua importância no processo
Para se tratar do tema nulidades é de fundamental importância abordar os planos do mundo jurídico apontados por Pontes de Miranda.(1) São eles: o plano da existência, o plano da validade e o plano da eficácia.
Marcos Bernardes de Mello distingue de forma muita clara a diferença entre os três planos. No plano da existência um fato que recebe a incidência de uma norma jurídica passa a existir no mundo jurídico e não apenas no mundo fático, é o plano do ser, do existir, ou seja, um casamento realizado perante um delegado de polícia sequer existe. Importa aqui, apenas a realidade da existência. A existência do fato jurídico constitui, pois, premissa de que decorrem todas as demais situações que podem acontecer no mundo jurídico.
Já o plano da validade é aquele em que analisa apenas os atos jurídicos stricto sensu e os negócios jurídicos, ou seja, apenas aqueles fatos que dependem da vontade humana. Nesse plano será averiguado se o ato está perfeito ou sofre alguma irregularidade, devendo ou não ser anulado. Aqui não passam os fatos jurídicos em que a vontade não é elemento do suporte fático, tão pouco os decorrentes da natureza ou do animal, os atos-fatos e os fatos ilícitos lato sensu, pois tais fatos não podem ser invalidados, como um nascimento por exemplo. Também acabaria por beneficiar o autor do fato ilícito caso se declarasse o ato inválido.
O plano da eficácia é a parte do mundo jurídico onde os fatos jurídicos produzem os seus efeitos, criando as situações jurídicas. O plano da eficácia, assim como o plano da validade, pressupõe a passagem do fato jurídico pelo plano da existência, mas não necessariamente pelo plano da validade. Importante mencionar que ser, valer e ser eficaz são situações distintas, com consequências específicas e inconfundíveis cada uma, e assim precisam de ser tratadas.(2)
Lembra o autor que “na análise das vicissitudes por que podem passar os fatos jurídicos, no entanto, é possível encontrar situações em que o ato jurídico (negócio jurídico e ato jurídico stricto sensu) (a) existe, é válido e é eficaz (casamento de homem e mulher capazes, sem impedimentos dirimentes, realizado perante autoridade competente), (b) existe, é válido e é ineficaz (testamento de pessoa capaz, feito com observância das formalidades legais, antes da ocorrência da morte do testador), (c) existe, é inválido e é eficaz (casamento putativo, negócio jurídico anulável, antes da decretação da anulabilidade), (d) existe, é inválido e é ineficaz (doação feita, pessoalmente, por pessoas absolutamente incapazes), ou quando se trata de fato jurídico stricto sensu, ato-fato jurídico, ou fato ilícito lato sensu, (e) existe e é eficaz (nascimento com vida, a pintura de um quadro, o dano causado a bem alheio), ou, excepcionalmente, (f) existe e é ineficaz, porque a validade é questão que diz respeito apenas, aos atos jurídicos lícitos.” (3)
Humberto Theodoro Júnior sustenta que a nulidade é uma sansão que incide sobre a declaração de vontade contrária a algum preceito do direito positivo. (4) Nesse sentido José Maria Tesheiner aduz que a nulidade é a consequência do vício. A nulidade não é sanável, pois sanável é o vício, o defeito, a irregularidade, a nulidade é apenas uma sanção para o ato defeituoso e com ela não se confunde. A nulidade é decretada ou não pelo juiz. Nulidade é consequência jurídica prevista para o ato praticado em desconformidade com a lei e implica a supressão dos efeitos jurídicos que ela se destinava a produzir. Como consequência jurídica que é, enquadra-se a nulidade na categoria das sanções A situação das nulidades no quadro das sanções é suficiente para que se afaste o equívoco de se tratar a nulidade como se fosse o próprio defeito do ato. O ato processual nulo produz efeitos, se enquanto não desconstituído, a desconstituição opera ex tunc. A decretação de nulidade pode ou não depender de provocação do interessado, pode ou não sujeitar-se a prazo preclusivo conforme determina a lei.(5)
Importante mencionar dentro do tema nulidades, o princípio da instrumentalidade das formas como bem destacado na obra “Nulidades no processo moderno” de autoria de Antonio Cabral. É o princípio mais importante na teoria das nulidades segundo o qual os atos processuais não serão pronunciados nulos por atipicidade formal se, mesmo praticado de outra maneira, atingirem seus objetivos. Os atos irregulares por inobservância da forma somente serão pronunciados nulos se seu objetivo não tiver sido alcançado. Nem sempre um ato defeituoso será inválido. Processualmente o princípio justifica-se na ideia de que a forma não tem importância absoluta, não podendo sacrificar a marcha processual por irregularidade formal sem antes examinar as finalidades dos ato, ou seja, sua função no processo.(6) Segundo o brilhante jurista italiano Francesco Carnelutti (citado na obra de Antonio Cabral) o aspecto formal cede espaço para seu sentido teleológico. Até razões de economia processual podem ser invocadas para que não se invalidem atos que poderiam ser aproveitados, sob pena de termos que repetir toda a atividade processual até então realizada. (7) Por exemplo, se a citação não contém os elementos legais, ainda assim será sanado o ato se o réu comparecer espontaneamente, pois a finalidade do ato citatório era cientificá-lo das alegações do autor e lhe facultar a reação, o que foi alcançado com seu comparecimento.(8) Esse princípio se encontra previsto no Código de Processo Civil de 1973 em seu artigo 244. (9)
Outro princípio de suma relevância chama-se da causalidade tipificado no art. 248 do Código de Processo Civil de 1973 (10) onde a nulidade de um ato processual contamina todos os posteriores que sejam dele dependentes. Merecendo destaque também os princípios do interesse que segundo o qual a nulidade não pode ser alegada pela parte que deu causa ao vício, e do prejuízo, significando que o juiz deve relevar a nulidade quando não houver danos aos litigantes pela atipicidade de forma, ou ainda quando convicto em decidir o mérito a favor da parte a quem aproveitaria sua decretação (art. 249, § 2º CPC de 1973). (11)
Embora parte da doutrina não concorde com a classificação sugerida por Galeno Lacerda em sua célebre obra “Despacho saneador”, muitos doutrinadores costumam dividir as nulidades em absolutas, relativas e anulabilidades.
O autor primeiramente divide os vícios em sanáveis e insanáveis. Os insanáveis darão ensejo às nulidades absolutas, que devem ser decretadas de ofício a qualquer tempo, ou por provocação das partes, também em qualquer fase do procedimento. As nulidades relativas são oriundas de vício sanável. Nessa divisão há nulidade absoluta quando houver infração de norma imperativa que visa ao interesse público. Podem ser declaradas de ofício pelo juiz. Nas nulidades absolutas, a forma dos atos processuais protegeria interesses indisponíveis, o que justificaria pronuncia oficiosa da invalidade. Nas nulidades relativas, ao revés, o requerimento da parte teria que ser oportuno, ou seja, em um preciso momento processual sob pena de preclusão. Quanto à possibilidade de convalidação do vício e aproveitamento do ato processual, quando o defeito gera nulidade absoluta, não admitiria convalidação em razão do interesse público protegido, as nulidades absolutas decorreriam de vícios insanáveis. Por outro lado, ainda que fixadas em normas cogentes as nulidades relativas por tutelarem interesses privados, seriam passíveis de convalidação, relevando-se a nulidade e aproveitando o ato praticado. (12) No entanto, conforme o jurista Fredie Didier Jr., no Direito Processual, não há defeito que não possa ser sanado. Por mais grave que seja, mesmo que apto a gerar a invalidade do procedimento ou de um de seus atos, todo defeito é sanável, não havendo exceção a essa regra. (13)
Por fim no que tange a anulabilidade, a regra que estabelece o padrão formal normativo é uma norma dispositiva, amplamente sujeita a vontade das partes para sua aplicação. Ao contrário das nulidades previstas em normas cogentes, indisponíveis e que poderiam ser decretadas de oficio pelo juiz, as anulabilidades seriam disponíveis, só podendo ser decretadas por provocação da parte interessada. As anulabilidades admitem por óbvio, até mesmo pela falta de alegação, sanatória do vício. (14)
Outra classificação muito recorrente na doutrina é quanto ao critério de sua previsão legal expressa. Se a lei prevê a invalidade estamos diante de uma nulidade cominada, caso contrário a consequência reputa-se como não cominada. A classificação das nulidades em cominadas e não cominadas tem relevo para a discussão da necessidade ou dispensa de previsão normativa para decretação da invalidade. Alguns ordenamentos exigem previsão legal expressa para a pronúncia de nulidade, outros a permitem mesmo na ausência de norma específica.
Conforme José Maria Tesheiner existem vícios preclusivos, que correspondem a requisitos cuja falta não acarreta nulidade, ou que se sujeitam a preclusão; vícios rescisórios correspondentes aos requisitos cuja falta abre margem à desconstituição da sentença por ação rescisória; e vícios transrescisórios correspondentes aos requisitos cuja falta autoriza a declaração da ineficácia, nulidade ou inexistência da sentença independentemente de ação rescisória. Os vícios preclusivos são na maioria os pressupostos processuais cuja falta se sujeita à preclusão ou nem produz nulidade. No sistema do código apenas a sentença de mérito é rescindível. Ora, o exame dos pressupostos processuais e das condições da ação não envolve o mérito da causa, como deixa claro o art. 267, daí se extrai a regra da preclusividade dos vícios processuais. Há contudo, casos expressos de rescisória por vício processual. Outros casos porque dizem respeito ao pedido, afetam o mérito. O vício decorrente de impedimento do juiz sana-se com a remessa dos autos ao substituto legal. Não há preclusão, o impedimento pode ser declarado a qualquer tempo, no curso do processo e autoriza a rescisão da sentença. Em se tratando de vícios transrescisórios, grupo de vícios correspondentes a pressupostos cuja falta autoriza a declaração da ineficácia, nulidade ou inexistência da sentença independentemente de ação rescisória. Lembra o autor que seria um absurdo pretender que pela ausência de rescisória adquirisse força e validade jurídica um acórdão de Tribunal local que tomasse conhecimento de um recurso extraordinário, e o julgasse assumindo o lugar do STF. (15)
Teresa Wambier sintetiza as nulidades da seguinte maneira: parte da premissa que as nulidades se dividem nas de fundo nas nulidades de forma. As nulidades de forma são em regra relativas, porque só serão absolutas quando previstas em lei. A seu turno, as nulidades de fundo compõem os vícios relacionados às condições da ação, pressupostos processuais positivos de existência e de validade e os pressupostos processuais negativos, todas espécies de nulidades absolutas. Equipara sob o ponto de vista do processo, nessa oportunidade, as nulidades absolutas aos casos de inexistência, argumentando partilharem o mesmo regime jurídico. Uma vez estabelecida a premissa, passa a distinguir as nulidades absolutas das relativas. Afirma quanto à legitimidade para alegar, que em relação às absolutas, tanto as partes quanto o juiz poderia suscita-las enquanto em relação às relativas somente as partes seria atribuído tal poder jurídico. No que se refere ao tempo de alegação entende não precluir em hipótese alguma possibilidade de alegação da nulidade absoluta, mas a da nulidade relativa precluirá sempre que transcorrido o prazo legal ou, na falta desse, sempre que a parte não se manifestar na primeira oportunidade que lhe aparecer nos autos. (16)
Humberto Theodoro Júnior aduz que “a nulidade pode atingir toda a relação processual ou apenas um determinado ato do procedimento. Há nulidade no processo, quando se desatende aos pressupostos de constituição válida e desenvolvimento regular da relação processual, ou quando existe impedimento processual reconhecido, ou então pressuposto negativo concernente ao litígio. Como o ato processual não tem vida autônoma, pois forma um tecido ou uma cadeia com os diversos atos que integram o procedimento, incumbe ao juiz ao pronunciar a nulidade declarar que atos são atingidos, ordenando ainda, as providencias necessárias a fim de que sejam repetidos ou retificados.” (17)
Considerações Finais
Como pôde ser observado, os planos da existência, validade e eficácia, são fundamentais para a compreensão das nulidades. Fica evidente que são planos distintos, e inconfundíveis, ou seja, cada um tem seus aspectos relevantes, e suas consequências próprias.
O princípio da instrumentalidade de formas, deve prevalecer, pois a sua função é extremamente importante para o andamento do processo, e, se o objetivo foi alcançado pouco importa de que modo isso ocorreu.
No mais, as classificações apontadas pela doutrina são relevantes, pois demonstram os tipos de nulidades que podem ser absolutas ou relativas, cominadas e não cominadas, e ainda os vícios podem ser chamados de preclusivos, rescisórios e transrescisórios.
Referências
1. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de direito privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972. p. 77.
2. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 96 a 102.
3. idem, p. 95.
4. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense. p. 331.
5. TESHEINER, José Maria Rosa. Pressupostos processuais e nulidades no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2000, passim.
6. CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no processo moderno: contraditório, proteção da confiança e validade prima facie dos atos processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 44.
7. idem, p. 45.
8. idem, p. 45.
9. “Artigo 244. Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outra forma, lhe alcançar a finalidade.”
10. “Artigo 248. Anulado o ato, reputam-se de nenhum efeito todos os subsequentes, que dele dependam; todavia, a nulidade de uma parte do ato não prejudicará as outras, que dela sejam independentes.”
11. “Artigo 249. (...) § 2º. Quando puder decidir do mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato, ou suprir-lhe a falta.”
12. LACERDA, Galeno . Despacho saneador. Porto Alegre: La Salle, 1953. p. 70 e s.
13. DIDIER Jr., Fredie. A invalidação dos atos processuais no processo civil brasileiro. p. 13. Disponível em: http://www.academia.edu/1771102/A_invalidacao_dos_atos_processuais_no_processo_civil_brasileiro. Acesso em: 22, jul. 2014.
14. LACERDA, Galeno. Despacho saneador. Porto Alegre: La Salle, 1953. p. 70 e s.
15. TESHEINER, José Maria Rosa. Pressupostos processuais e nulidades no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 283.
16. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 5. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 197 e s.
17. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense. p. 332/333.
Advogado militante (OAB/RS 73.357), trabalha nas áreas cível e trabalhista. Formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS no ano de 2007. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo IDC-RS no ano de 2010. Mestre em Direito Processual Civil pela PUCRS no ano de 2014. Professor de Direito da Graduação e Pós-Graduação da Universidade de Santa Cruz do Sul -UNISC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KRIEGER, Mauricio Antonacci. Nulidades no Processo Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 ago 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40347/nulidades-no-processo-civil. Acesso em: 23 dez 2024.
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