RESUMO: O presente artigo tem o escopo de, em breves linhas, traçar panorama ideológico que delineou o caminho percorrido pelo poder constituinte derivado reformador brasileiro no tocante à redefinição constitucional do papel do Estado na economia. Trata-se, aqui, da exposição de conceitos e idéias relativas ao Estado intervencionista e regulador da economia, à luz da realidade brasileira.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Constitucional. Direito Administrativo. Direito Econômico.
I. Considerações iniciais
As relações estabelecidas entre o Estado e os membros da sociedade sempre constituíram objeto de embates na seara político-jurídica. Diversos estudos e teorias destinaram-se a afirmar o exato papel do Estado nas relações privadas, máxime no que tange à sua atuação na economia.
No Brasil, não foi diferente. O País vivenciou, a despeito de sua curta história, a alternância de ideologias políticas que alteraram substancialmente o contexto social, e que, obviamente, tiveram reflexos na órbita jurídica. As Constituições da história brasileira espelharam, inagavelmente, as concepções políticas dominantes da época em que vigeram.
A Constituição Federal de 1988, sobretudo com as alterações ocorridas em razão de sucessivas Emendas Constitucionais ocorridas na década de noventa, traçou um novo perfil no que tange à intervenção do Estado Brasileiro no domínio econômico.
II. O surgimento de uma nova Ordem Econômico-jurídica: reflexões acerca da intervenção do Estado no domínio econômico
A doutrina filosófica e política do liberalismo tem sua gênese no século XV, quando se pretendia o abrandamento dos poderes feudal e monárquico. Nesse ínterim, principalmente a partir da segunda metade do século XVIII, verificou-se a eclosão de diversas revoluções de cunho liberal, destacando-se a revolução francesa de 1789, que culminou com a formação dos primeiros Estados democráticos liberais.
Nas palavras de Celso Bastos:
Adam Smith, certamente a maior expressão do liberalismo econômico, expressava em 1776, a sua visão dos fins fundamentais da comunidade política: a) o dever de proteger a sociedade da violência e da invasão; b) o dever de proteger cada membro da sociedade da injustiça e da opressão de qualquer outro membro; e c) o dever de construir e manter certas obras públicas, e certas fundações públicas quando não fossem do interesse de qualquer indivíduo ou de um pequeno número deles.[1]
O modelo liberal clássico, que teve seu ápice no final do século XIX, pregava a total separação entre poder político e economia. Partia da premissa de que o mercado se auto-regulava e pugnava pela intervenção mínima do Estado no domínio econômico.[2] Tal modelo, que inadmitia a idéia de poder econômico, e no qual a iniciativa privada atuava debruçada nos princípios da livre iniciativa e livre mercado,[3] viu-se, ao final do século XIX, ameaçado pelo fenômeno das crises de mercado.
Com a difusão do pensamento socialista, em especial o Marxista, e a progressiva adoção de políticas intervencionistas por parte dos Estados, o liberalismo perdeu espaço. Nesse contexto, difundiu-se, nas primeiras décadas do século XX, a idéia de uma forte intervenção estatal, com o escopo de garantir o equilíbrio do mercado e assegurar o bem-estar social.[4] Passa-se, assim, especialmente a partir do pós-guerra e das crises de mercado que culminaram com a quebra da bolsa de Nova Iork,[5] em 1929, a verificar a forte atuação do ente estatal em diversos setores da atividade econômica, bem como na prestação de serviços públicos.
Movimentos político-sociais a favor da intervenção do Estado na economia ganham força nesse período, tendo como exemplo a Revolução Mexicana que, liderada por Emílio Zapata, resultou na promulgação da Constituição Mexicana de 1917. Tal diploma promoveu reformas de ordem socializante, garantindo, entre outros, direitos trabalhistas, previdenciários, além do ensino público e gratuito e da possibilidade de submissão do uso da propriedade privada ao interesse público. Outra Carta Constitucional que traduzia o espírito intervencionista da época foi a Constituição da República de Weimar, em 1920, instaurada após a queda da hegemonia feudal germânica.
Nasce nesta época a idéia do welfare state, ou estado do bem-estar social, sintetizada por Norberto Bobbio como sendo o Estado que garante tipos mínimos de renda, alimentação, saúde, habitação, educação, assegurados a todo cidadão, não como caridade, mas como direito político.[6]
Os movimentos político-ideológicos socialistas, movidos pelas idéias de Karl Marx e outros pensadores, manifestadas a partir de meados do século XIX, contribuíram sobremaneira para a cultura do intervencionismo verificada no início do século XX.[7] Tais movimentos, em síntese, pugnavam pela existência de uma autoridade centralizadora, unificante da economia, com o escopo de igualar as classes sociais. Entendiam ser, o livre mercado, a origem das desigualdades, postulando não apenas a intervenção do Estado sobre a economia, mas também o comando deste sobre toda a atividade econômica. Defendiam a idéia de uma economia planificada[8] e culminaram com a revolução russa e a criação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1918.
No Brasil, a maciça presença do estado no plano econômico passou a ser sentida após a república velha.[9] O texto constitucional de 1934, divorciado dos ideais liberais presentes nas constituições de 1824 e 1891, foi o primeiro a tratar da ordem econômica nacional.[10] Sob notória influência das constituições Mexicana e, especialmente, da alemã de Weimar,[11] o diploma reservou um título específico à ordem econômica e social.
Tércio Sampaio Ferraz Jr. tece considerações acerca da Constituição Brasileira de 1934 no que tange à repressão ao abuso do poder econômico, ao afirmar que:
[...] antes da segunda metade da década de 30, o próprio texto da Constituição Federal de 1934 fazia pensar em uma concorrência na qual os agentes econômicos gozassem de um certo equilíbrio, de tal modo que o poder público se restringisse a repreender formas desleais de concorrência assim mesmo de modo vago e atendendo antes a princípios éticos.[12]
A Carta de 1934 eleva, pela primeira vez, a liberdade econômica a nível constitucional, entretanto, estabeleceu parâmetros para que seja exercida. Os limites estabelecidos diziam-se necessários como forma de garantir a justiça e as necessidades da vida nacional.[13]
Nas palavras de Paula A. Forgioni:
[...] em 1934, a livre iniciativa não é vista (também em nível constitucional) em seu sentido tradicional e, por óbvio, a concorrência não deveria ser encarada como um direito ilimitado dos agentes econômicos. Como se sabe, entretanto, não houve, sob a égide desta Constituição a promulgação de qualquer lei que regulamentasse o processo competitivo, sob uma ótica antitruste.
Seguindo a mesma linha intervencionista da Constituição de 1934, a Carta de 1937, influenciada pela constituição da Polônia, teve sua vigência durante o “Estado Novo” de Getúlio Vargas.[14] Inserida no contexto totalitário da época, o diploma trouxe um vasto conteúdo de dirigismo e intervenção do Estado no domínio econômico, permitindo, a exemplo do texto de 1934, a exploração pelo Estado de atividades sob a forma de monopólio. A constituição de 1937, inspirada na Carta Del Lavoro do regime fascista[15] de Mussolini, deu status constitucional ao princípio da proteção à economia popular. Assim, com escopo de regulamentar tal dispositivo constitucional, nasce o primeiro diploma antitruste brasileiro: o Decreto-lei 869, de 1938.[16]
Produto da redemocratização do País, com o fim do governo de Getúlio Vargas, a constituição de 1946 preservou o espírito intervencionista, regulando os fatos econômicos em título próprio. Entretanto, mister se faz destacar que, não obstante ter mantido a permissão de monopólio estatal segundo o interesse público, o Texto determinou a repressão a toda e qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive a dominação de mercado.
Mesmo com o advento do golpe militar de 1964, a Constituição de 1946 ainda teve sobrevida de três anos, apesar de totalmente desfigurada pelos atos institucionais que se sucederam. Em 1967 foi outorgada nova Carta Política, tendo sido esta completamente alterada pela emenda constitucional n° 1, de 1969.[17] Tal Diploma, a despeito de seu caráter xenófobo e interventor, priorizou, em seu artigo 170, o exercício da atividade econômica para as empresas privadas, reservando ao Estado, a intervenção em caráter excepcional. Entretanto, verificou-se, no decorrer do regime militar[18] a participação direta do Estado no desenvolvimento de atividades econômicas, bem como na prestação de serviços públicos.
No Brasil, a industrialização se deu a partir do modelo de substituição de importações, ou seja, de fechamento econômico, materializado na repressão às importações. Isso tudo, com intuito de forçar o parque industrial brasileiro a produzir mais e se diversificar. Assim, notava-se na década de quarenta, que o Estado era o grande impulsionador de uma economia composta pela iniciativa privada frágil da época. Nesse contexto o país assiste ao surgimento das primeiras grandes empresas estatais, a Companhia Siderúrgica Nacional, a Companhia Hidroelétrica do Rio São Francisco e a Companhia Vale do Rio Doce.
Em virtude da Guerra Fria e da bipolarização das doutrinas econômicas, viveu-se, na década de cinqüenta, a discussão ideológica acerca do papel do Estado. Nesse período foram criadas somente duas empresas estatais, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Petróleo Brasileiro S.A. (PETROBRÀS). O efetivo crescimento do Estado Econômico brasileiro se deu a partir da década de sessenta, com implantação do regime militar. Essa época foi marcada, dentre outros fatores, pela criação de mais de trezentas empresas estatais, entre outras a Eletrobrás, Nuclebrás, Siderbrás, Embratel e todo o Sistema Telebrás.
Luís Roberto Barroso assevera que:
O Estado brasileiro chegou ao fim do século XX grande, troncho, ineficiente, com bolsões endêmicos de pobreza e corrupção. Esse foi o Estado que resultou de quase 25 anos de regime militar. Um Estado que tomava dinheiro emprestado lá fora para emprestar aqui dentro, a juros baixos, para a burguesia industrial e financeira brasileira.[19]
No princípio da década de oitenta, Estados Unidos e Grã-Bretanha reduziram drasticamente o papel desempenhado por seus Estados buscando enxugar suas contas sociais.[20] Nas palavras de Celso Ribeiro Bastos:
Ninguém, no início dos anos 80, ousaria dizer que o capitalismo venceria o comunismo sem o derramamento de sangue. Contudo, dois países provaram o contrário (Estados Unidos e Grã-Bretanha), pois conseguiram colocar fim às astronômicas contas sociais dos seus respectivos países, tudo acompanhado de uma menor tributação. Ambos sufocaram as respectivas economias, e levando-as à recessão. Esses dois países buscaram uma menor prestação do Estado no tocante ao serviço social; uma redução de tributos; e, por fim, uma maior produtividade. Essa trilogia aplicada a ambos os países fez com que houvesse um surto econômico o que, de resto, contrastava com o marasmo e a estagnação dos demais países. A União Soviética, consciente do fenômeno e não desejando se retardar no processo de desenvolvimento tecnológico, preferiu abandonar o regime comunista e ver-se definitivamente banida das potências mundias.[21]
Verifica-se, portanto, no decorrer da década de oitenta, a crise do modelo Keynesiano[22] e o ressurgimento das idéias liberais.[23] Tal fenômeno justifica-se pela inoperância observada em Estados com alto grau de burocratização e corrupção. A esse respeito, Norberto Bobbio destaca que:
O que excita o espírito agressivo dos novos liberais é o efeito, considerado desastroso, das políticas Keynesianas adotadas pelos estados economicamente e politicamente mais avançados, especialmente sob o impulso dos partidos social-democráticos ou trabalhistas. Os vícios que habitualmente eram atribuídos aos estados absolutos – burocratização, perda das liberdades pessoais, desperdício de recursos, má condução econômica – passaram a ser pontualmente atribuídos aos governos que adotaram de tipo social-democrático ou trabalhista.[24]
Nesse quadro, o neoliberalismo disseminou-se, nas vozes de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, não como uma alternativa ao modelo intervencionista, mas uma necessidade do mundo globalizado.[25]
O carro chefe da doutrina liberal, no que tange à economia, é o postulado da livre iniciativa, que consagra o direito individual de exercer atividade econômica livre de qualquer restrição, condicionamento ou imposição infundada[26] do Estado. Sob a égide liberal, percebeu-se recentemente, especialmente no México, Argentina e Brasil, inúmeros e sucessivos processos de desestatização, inclusive no tocante a setores até então considerados básicos, como a energia elétrica, telefonia e águas.
A reforma do Estado e a conseqüente revisão das concepções políticas em que se fundam, são temas constantemente presentes na pauta neoliberal. As palavras de Floriano Azevedo Marques Neto definem, em síntese, os caminhos trilhados na passagem ao novo paradigma, ao ressaltar que:
De há alguns anos, tanto no Brasil como em outros países da América latina e da Europa, temos assistido a uma significativa mudança neste panorama. Fruto de uma série de fatores históricos, que se iniciam com o esgotamento do padrão de financiamento do setor público, passam pelo esgarçamento do modelo de bem-estar social e atingem o ápice do novo perfil de organização da produção capitalista (cuja faceta internacionalizada da globalização é apenas o mais visível indicador), assistimos a uma crescente e até certo ponto irreversível retirada do Estado da produção direta de utilidades públicas. Foi e segue sendo sensível a tranferência, do Estado para atores privados, de atividades até então monopolizadas pelo Poder Público [...]. A diferença de pautas do debate político e jurídico americano e europeu decorre do fato de que todo o arcabouço jurídico administrativo dos EUA se estruturou, desde seu início em torno da atividade regulatória (intervencionismo indireto) baseada em agência, sendo esta a base de seu Direito Público. A tradição européia, muito mais próxima do nosso modelo de Direito público partia de pressupostos bastante distintos. Certo é, que tanto o nosso Direito quanto o Direito europeu caminham na direção da introdução de instrumentos próprios do Direito norte-americano. Não há, porém, que se embaralhar, como muita vez têm feito os críticos dos processos de privatização, a alienação do controle de empresas estatais ou o trespasse da prestação de serviços públicos a particulares com a abdicação da atividade regulatória estatal.[27]
Percebe-se, assim, a partir da análise do cenário político-econômico atual, que o intervencionismo estatal não resistiu aos postulados dos novos liberais. O atual momento histórico demonstra que o modelo de um Estado diretamente atuante, tanto na prestação de serviços públicos como no desenvolvimento de atividade econômica, vem cedendo lugar ao paradigma normativo-regulador, no qual esse Estado atua como agente normativo e regulador, nos termos do art. 174 da Constituição Federal, exercendo competências normativas primárias de cunho administrativo, e editando normas determinantes para o desempenho da atividade econômica.
III. Considerações finais
O Texto Constitucional brasileiro de 1988, como fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico pátrio, refletiu os anseios e os valores da sociedade da época. Instituiu um paradigma de Estado, o qual restou substancialmente modificado pelas Emendas Constitucionais que redefiniram o seu papel.
Demonstrado o caminho trilhado para que se chegasse à hodierna configuração de Estado – que envolveu ideologias e conseqüentes mudanças estruturais e de postura dos entes públicos – não há outro rumo senão o de otimizar a atuação dos órgãos públicos integrantes da atual conjuntura.
Fatores, como a superação do modelo liberal clássico e do baseado no acentuado grau dirigismo econômico, justificaram a opção brasileira por um mercado onde o Estado assume funções regulatórias e, concomitantemente, prima pela criação de um ambiente competitivo.
Notas:
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
_____. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro – pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo –. Revista Diálogo Jurídico, v. I, n.6, set. 2001. Disponível na Internet. URL: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 22 de abril de 2005.
BASTOS. Celso Ribeiro. Curso de Direito Econômico. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2004.
BOBBIO, Norberto. Diccionário de Política. 3. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1991.
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Da abusividade do poder econômico. Revista de Direito Econômico. n. 5, ano 2000.
_____. Agências reguladoras: legalidade e constitucionalidade. Revista Tributária e de Finanças Públicas, v. 35, ano V, 2002.
FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e Crítica). 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
JO, He Moon. Introdução ao Direito Internacional. São Paulo: LTr, 2000.
SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2002.
_____. Fundamentos de Direito Público. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Método, 2003.
[1] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Econômico. 2004, p. 80.
[2] André Tavares aduz que o Estado liberal corresponde à representação de um Estado de intervenção mínima, de uma intervenção econômica bastante simples, ressaltando que Todo e qualquer Estado é e terá sido interventor na economia. Portanto, o critério intervenção não será útil para apartar diversas tipologias de estados. Contudo, é possível falar de graus de intervenção. (Direito Constitucional Econômico. 2003, p. 48-49 ).
[3] Segundo Eros Grau era [...] evidente a inviabilidade do capitalismo liberal, o Estado, cuja penetração na esfera econômica já se manifestara na instituição do monopólio estatal da emissão de moeda – poder emissor -, na consagração do poder de polícia [...]. (A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 2002, p. 19).
[4] Neste sentido foram desenvolvidos, no princípio do século XX, os trabalhos de J. Maynard Keynes, com o escopo de justificar a ação do Estado como mola propulsora da economia.
[5] O crack de 1929 adveio no período entre as duas guerras mundiais, o qual constituiu-se em um dos mais conturbados da história contemporânea mundial. A desarticulação política, social e econômica que se abateu sobre a Europa após o fim da Primeira Guerra não foi resolvida com os acordos de paz travados pelos líderes das potências globais. Os EUA, então, passaram a ajudar financeiramente os alemães que, com essa ajuda, pagavam os ingleses e franceses que, por sua vez, repassavam o dinheiro aos credores americanos. A partir de 1922, quando França e Inglaterra saldaram suas dívidas com os americanos, estes atravessaram um período de espetacular expansão industrial. O capital excedente foi utilizado para incrementar os meios de produção, principalmente quanto aos bens de consumo. Esta falsa impressão de prosperidade e bem-estar, baseada unicamente no instinto consumista, ficou conhecida como american way of life, extremamente propagandeado pelas autoridades, que também se deixaram levar pela euforia. Logo, porém, a fragilidade de tudo isso veio à tona. No campo, os fazendeiros que haviam hipotecado suas terras junto aos bancos, na tentativa de aumentar suas propriedades e mecanizar o trabalho, já não mais podiam competir com os preços dos produtos europeus. Este fato explica-se, pois no período de guerras os grãos americanos eram a única fonte de alimento da Europa. O preços eram altos e foi baseado neles que os fazendeiros previram seu crescimento. Porém, para reerguer-se, a Europa adotou medidas protecionistas e os preços baixaram. A superprodução americana não tinha mercado, a não ser que baixasse ainda mais o preço. Com preços tão baratos, os fazendeiros não tinham mais como saldar suas dívidas e faliram. Os bancos, sem receber, passaram também a se ver em dificuldades, e alguns começaram a fechar as portas. Nas cidades, as novas técnicas industriais fizeram com que a presença da classe operária se tornasse secundária. Com a mecanização, muitos trabalhadores passaram a ser dispensados, criando-se um grande exército de reserva. Os salários não aumentavam, pelo contrário, pois a oferta de emprego era muito menor que a demanda. Assim, o proletariado curvava-se a salários cada vez mais baixos. Esses desempregados e os citados trabalhadores do campo deixaram de consumir, pois não tinham mais como. Com o comércio exterior também retraído (a Europa ainda estava enfraquecida e, mesmo assim, adotara medidas que priorizavam o consumo de produtos internos), as vendas e, conseqüentemente, o lucro, despencaram. Diante dessa situação, os grandes empresários passaram a especular na Bolsa de Valores, outorgando às suas ações valores fictícios, muito mais altos do que os reais. Os investidores passaram a desconfiar e, a partir de setembro de 1929, colocaram seus títulos à venda e a Bolsa entrou em declínio. No dia vinte e quatro de outubro, na conhecida quinta-feira negra, ela quebrou. Milhões de ações não encontraram compradores e as cotações baixaram vertiginosamente, causando a falência de bancos, empresas privadas, indústrias e particulares. Os preços dos produtos caíram, forçando cortes enérgicos nos custos de produção. Tudo isso resultou na demissão de milhares de empregados e na retração profunda do mercado.
[6] BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. 1986, p. 416.
[7] Note-se, também, a preocupação da Igreja em relação ao Estado liberal. Em 1891, com a Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, a igreja posicionou-se acerca do problema operário, deixando claro que o estado liberal não era capaz de assegurar a todos uma vida digna.
[8] Na opinião de Norberto Bobbio, [...] embora existam variantes do socialismo, é possível identificar uma base comum. Nesse sentido pretende-se que: a) o direito de propriedade seja fortemente limitado; b) os principais recursos econômicos estejam sob o controle das classes trabalhadoras; c)sua gestão tenha por objetivo promover a igualdade social (e não somente jurídica e política), através da intervenção dos poderes públicos. (Dicionário de Política. 1991, p. 1.197).
[9] As constituições brasileiras de 1824 e 1891 cuidaram, principalmente, dos direitos do cidadão e de temas garantidores das liberdades públicas e individuais. Entretanto, em face do contexto histórico em que estavam inseridas e pela influência dos ideais revolucionários iluministas, não trataram de ordenar a atividade econômica.
[10] Cabe ressaltar que existem autores, como Paula A. Forgioni, que afirmam sempre ter havido intervenção do Estado Brasileiro na economia. O que se pode observar são diversos graus de intervenção, caracterizadores de vários momentos historico-políticos. Aduz que desde os tempos coloniais, a coroa portuguesa regulamentava a atividade econômica no Brasil ainda que não para fomentá-la), implementando uma política fiscalista. (Os fundamentos do Antitruste. 2005, p. 95).
[11] A concepção de intervenção do Estado na economia veio a substituir a antiga idéia liberal do laisser-faire, com a implantação da política do new deal nos Estados Unidos da América e o planejamento nos países socialistas.
[12] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Da abusividade do poder econômico. Revista de Direito Econômico. N. 5, ano 2000, p.21-23.
[13] Paula A. Forgioni aduz não haver contradição em resguardar constitucionalmente a liberdade econômica e permitir, no mesmo diploma, a intervenção do Estado no domínio econômico. Para a autora [...] o liberalismo não trouxe consigo um Estado apenas provedor do direito e da segurança, e a liberdade econômica não surge como um direito ilimitado. (Os fundamentos do Antitruste. 2005, p. 108).
[14] Sob influência do modelo fascista de organização política, o chamado “Estado Novo” nada mais era do que uma ditadura, pois o Presidente Vargas legislava por decretos-leis e aplicava-os como poder executivo. O art. 186 da Constituição de 1937 declarava o País em estado de emergência, com a suspensão dos direitos individuais.
[15] Nas palavras de Galgano, comentando o texto italiano, [...] la dottrina ecocomica del fascismo faceva propri, in tal modo, i postulati della dottrina economica liberale: essa riconosceva il primato dell’ iniziativa econômica privata; attribuiva all’intervento pubblico nell’economia carattere subalterno rispetto all’iniziativa privata. (Apud FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste 2005, p. 113).
[16] Paula A. Forgioni ressalta que coerente com a ideologia fascista espelhada na constituição de 1937, o Decreto-lei 869, de 1938, autorizava a atuação do Estado sobre o domínio econômico apenas para neutralizar os efeitos auto-destrutíveis decorrentes da própria estrutura do mercado. O Estado, como se vê no referido diploma, não tem maiores funções de condução do sistema, mas apenas de correção das disfunções que se verificavam. (Idem, Ibidem, p. 116).
[17] Há entendimento no sentido de que a Emenda Constitucional n° 1 de 1969 seria uma nova Constituição, muito embora não ter sido convocada Assembléia Nacional Constituinte.
[18] Período compreendido entre os anos de 1964 e 1985.
[19] BARROSO, Luís Roberto. Apontamentos sobre as Agências Reguladoras. In: MORAES, Alexandre de. Agências Reguladoras. 2002, p 110.
[20] Registre-se que, após a segunda guerra mundial, países como EUA e o Reino Unido desenharam a ordem internacional econômica baseada no sistema internacional de livre comércio. O sistema, que funciona até hoje, foi baseado na Conferência Bretton-Woods, de julho de 1944. O acordo resultou na criação do FMI (Fundo Monetário Internacional), do BIRD (Banco Mundial), e, posteriormente, na criação do GATT (Acordo geral sobre Tarifas e Comércio). O sistema do GATT foi substituído pelo da OMC (Organização Mundial do comércio) em 1994, que rege a atual ordem do comércio internacional. Nas palavras de Hee Moon Jo [...]Bretton-Woods visou a liberalização do acesso ao mercado, a redução de barreiras ao comércio exterior às transações monetárias. (Introdução ao Direito Internacional. 2000, p. 444).
[21] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Econômico. 2004, p 88.
[22] Gilberto Dupas assevera que [...] De fato, o Keynesianismo manteve, desde o pós-guerra, a expectativa de que o estado poderia harmonizar a propriedade privada dos meios de produção com a gestão democrática da economia. Acabou fornecendo as bases para um compromisso de classe, ao oferecer aos partidos políticos representantes dos trabalhadores uma justificativa para exercer o governo em sociedades capitalistas, abraçando as metas de pleno emprego e de distribuição de renda a favor do consumo popular.O Estado provedor de serviços sociais e regulador do mercado tornava-se mediador das relações – e dos conflitos – sociais. (Apud. TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2003, p. 65).
[23] Não obstante falar-se em ressurgimento das idéias liberais, estas já não espelham os ideários que prevaleceram até o final do século XIX. Sobretudo no que tange à defesa da concorrência, o moderno pensamento liberal não ignora a questão do poder de mercado. Ao contrário da visão de outrora, o Estado neoliberal propugna pela efetiva atuação dos órgãos responsáveis pela política antitruste.
[24] Apud TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2003, p. 65-66.
[25] Em sentido contrário ao proclamado pelos líderes dos EUA e Ingraterra, Eros Grau assevera que a globalização decorre da terceira revolução industrial – informática, microeletrônica e telecomunicações -, realizando-se como glabalização financeira. Quero dizer, com, isso, (i) que não há uma relação necessária entre globalização e neoliberalismo e (ii) que, outras fossem as condições político-sociais, a globalização poderia conviver com outras ideologias que se tornassem hegemônicas. (A ordem econômica na Constituição de 1988. 2002, p.45). Ressalte-se, ainda, que o Consenso de Washington, em 1991, desempenhou papel de destaque nesta empreitada.
[26] Dentro da perspectiva de intervenção supletiva do Estado.
[27] MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A Nova Regulação Estatal e as Agências Independentes. In: SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Econômico. 2002, p. 73.
Procurador Federal. Pós-graduado em Direito Público. Especialista em Direito Tributário. Bacharel em Direito pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande, RS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CONSTANTINO, Giuseppe Luigi Pantoja. A ordem econômica constitucional de 1988 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 ago 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40371/a-ordem-economica-constitucional-de-1988. Acesso em: 23 dez 2024.
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