RESUMO: Busca-se, neste pequeno arrazoado, analisar a limitação ao direito de liberdade, no tocante à admissibilidade ou não da liberdade provisória no crime de tráfico de drogas prevista no art. 44 da Lei nº 11.343/2006, analisando a constitucionalidade do referido dispositivo, bem como sua vigência frente à modificação, trazida pela a Lei 11.464, de 28 de março de 2007, ao artigo 2º da Lei 8.072/90. Através de do estudo conceitual acerca da prisão e liberdade provisória, assim como abordando aspectos da doutrina, da jurisprudência recente sobre o tema e, principalmente sob a égide de alguns princípios da Carta Magna.
Palavras-chave: Liberdade provisória, tráfico de drogas, prisão cautelar.
Prisão é a privação da liberdade de locomoção em virtude do recolhimento da pessoa humana ao cárcere, deve ser tida como último meio, a fim de se resguardar o direito à liberdade consagrado na Constituição da República.
Guilherme de Souza Nucci, define prisão como sendo a privação da liberdade, tolhendo-se o direito de ir e vir, através do recolhimento da pessoa humana ao cárcere. (Código de Processo Penal Comentado, 2º ed. 2003, p. 477).
Hidejalma Muccio, por sua vez, define o instituto da Prisão como sendo a privação da liberdade pessoal, de regra, mediante clausura. (Prisão e Liberdade Provisória – Teoria e Prática, 2003, p.19).
Desta forma, sinônimo de privação de liberdade, o processo penal subdivide o instituto da prisão em Prisão Processual, Cautelar ou Provisória e Prisão Penal ou Definitiva.
A Prisão Processual, Cautelar ou Provisória é aquela prisão decretada antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória e tem como objetivo assegurar a eficácia das investigações ou do processo criminal. Todavia, deve ser vista com muita cautela e, por isso trata-se de uma medida de caráter excepcional.
Já a Prisão Penal ou Definitiva é exatamente aquela que decorre do trânsito em julgado da condenação penal, quando não mais subsistem recursos cabíveis que a reformem ou invalidem.
Ainda na linha prisional, tem-se a prisão civil (decorrente tão somente da falta de pagamento de pensão alimentícia, uma vez que o Pacto de San José da Costa Rica não tratou da prisão decorrente do descumprimento das responsabilidades conferidas ao depositário fiel), prisão administrativa (prevista no art. 319 do Código de Processo Penal) e a prisão militar (que advém dos dispositivos regimentares da carreira).
No entanto, voltados ao tema central do presente estudo, passaremos a abordar, objetivamente, tão somente a prisão incidente na fase processual.
Como já salientado na prisão A Prisão Processual, Cautelar ou Provisória recebe tais denominações por se decretada sem que haja o trânsito em julgado do processo. Filiamos do entendimento de que a prisão cautelar, sempre que necessária e se devidamente fundamentada em dados concretos do processo, não viola o princípio da presunção de inocência. Seria inconstitucional apenas a prisão que, por ventura, tenha cunho de antecipação de pena, já que todos são presumidamente inocentes, até que haja processo transitado em julgado em desfavor do acusado. Assim, a liberdade é a regra, devendo ser mantido o status libertatis intacto, salvo razões processuais que justifiquem o encarceramento.
Fernando da Costa Tourinho Filho assim dispõe:
“Na hipótese de prisão preventiva, a razão é óbvia: se há um processo contra o cidadão e se este está perturbando a ordem pública, a ordem econômica, ou está embaraçando a instrução criminal, criando, com seus atos, dificuldade ao Juiz para a colheita do material probatório, ou, finalmente, está pretendendo subtrair-se à eventual aplicação da lei penal, a prisão provisória é necessária, para os fins do processo (Manual de Processo Penal, 2001, p. 457).
Previsto no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal, no rol dos direitos e garantias fundamentais, o princípio da presunção de inocência, também chamado de princípio do estado de inocência ou da não-culpabilidade, constitui cláusula pétrea, postulado basilar de um verdadeiro Estado Democrático de Direito.
Com origem na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, por força da Revolução Francesa, referido princípio foi reafirmado na Declaração Universal dos Direitos do Homem, em meados do século XX. Firmado em 1969, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), firmada em 1969, do qual o Brasil é signatário, tratou de perpetrar tal princípio em seu artigo 8º, º, item 2, que prevê:
“2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:”
Contudo, no que se refere à legislação nacional, apenas a Constituição de 1988 em seu artigo 5º, inciso LVII, o positivou, no seguintes termos: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Expressamente consagrado na Magna Carta, o Princípio da Presunção de Inocência, ou da não culpa é uma das mais importantes garantias constitucionais, pois é em decorrência deste que o cidadão, quando acusado em um processo crime, possui a garantia de que exercerá posição de sujeito de direito na relação processual, assegurando-se o amplo direito de defesa, a fim de evitar erros e arbitrariedades.
O princípio da presunção de inocência, como estabelece (Curso de processo penal. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 39), constitui princípio informador de todo o processo penal, concebido como instrumento de aplicação de sanções punitivas em um sistema jurídico no qual sejam respeitados; fundamentalmente, os valores inerentes à dignidade da pessoa humana; como tal as atividades estatais concernentes à repressão criminal.
A Lei Maior, em seu artigo 5º, inciso LVII, ao dispor sobre o princípio da presunção de inocência vem buscar um equilíbrio entre a prerrogativa da pretensão punitiva do Estado e o direito a liberdade assegurada ao cidadão que, só poderá ser considerado definitivamente culpado, quando pesar contra si decisão judicial condenatória transitada em julgado.
O Estado, detentor do jus puniendi, prevê punição para todos aqueles que violem as normas de condutas socialmente impostas. Assim, aquele que agir em desacordo com as normas impostas no estatuto repressivo brasileiro, terá o seu direito a liberdade mitigado, como forma de ressocializar-se e ser reintegrado a sociedade.
É nesse contexto, que o direito-dever do Estado de punir os transgressores das normas Estatais deve estar em consonância com os preceitos fundamentais que tutelam o direito à liberdade. O Estado deve sempre agir observando, além dos ditames legais os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, a fim de assegurar que a liberdade dos indivíduos não seja cerceada de forma arbitrária, sendo-lhe garantido, ao fazer uso do duplo grau de jurisdição, ostentar o seu estado de inocência.
Para Fernando Capez:
O princípio da presunção de inocência desdobra-se em três aspectos: a) no momento da instrução processual, como presunção legal relativa de não culpabilidade, invertendo-se o ônus da prova; b) no momento da avaliação da prova, valorando-a em favor do acusado quando houver dúvida; c) no curso do processo penal, como paradigma do tratamento do imputado, especialmente no que concerne à análise da necessidade da prisão processual. (2006, p. 44)
Dentre as conseqüências processuais decorrentes do Princípio da Presunção de Inocência, podemos citar: o direito à ampla defesa, à prova, ao silêncio, ao duplo grau de jurisdição, direito de apelar em liberdade, à dignidade, à inviolabilidade da intimidade, do domicílio, da honra e da imagem.
Verifica-se, portanto, que, deve-se considerar a inocência de todos até que haja condenação transitada em julgado, sendo certo que todo o processo deve observância ao due process of law (devido processo legal) e, mesmo após trânsito em julgado, o condenado somente será apenado dentro dos ditames legais.
A presunção de inocência, portanto, é imprescindível para se garantir a democracia que, por princípio, prevê que todos são iguais perante a lei. Assim, há de se concluir que o Princípio da Presunção de Inocência objetiva preservar o segundo maior direito fundamental garantido pela constituição federal, qual seja, a liberdade, sem o qual o maior deles, que é a vida, não teria nenhum sentido.
Diante das regras que cercam o princípio da presunção de inocência, cabe a pergunta: a prisão cautelar viola esse princípio? A resposta mais acertada é de que não. A prisão cautelar é compatível, sim, com o princípio da presunção de inocência, mas desde que não perca seu caráter de excepcionalidade, sua qualidade de instrumento para a eficácia do processo e se mostre necessária à luz do caso concreto.
Aliás, veja que a própria CR excepciona o princípio da presunção de inocência, aquele inciso LXI do art. 5º, o que demonstra que esse princípio não é absoluto:
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
É, inclusive, em decorrência do Princípio da Presunção de Inocência que o Código de Processo Penal prevê que a prisão do acusado antes da sentença definitiva, só deve existir se preenchidos os requisitos e pressupostos que autorizam a prisão preventiva, insertos em seu artigo 312.
A Súmula nº 9 do Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, que dispunha sobre a exigência da prisão provisória para o réu apelar, e que tal prisão não fere o princípio objeto desse estudo, ainda permanece em vigor, mas desde que para a sua aplicação sejam observados os preceitos inseridos nos artigos 310, Parágrafo único e 312 do Código de Processo Penal. Entendimento este atualmente solidificado, desde que fundamentada e concretamente sejam demonstrados pelo juiz, os motivos fáticos e jurídicos, dentro do caso concreto, que revelem a necessidade da prisão.
O Princípio da Presunção de Inocência, portanto, não afasta a constitucionalidade da prisão cautelar, tais como: prisão preventiva, prisão temporária, em flagrante, decorrente de sentença penal condenatória sem trânsito em julgado e em razão da pronúncia.
Como já salientado, a prisão de natureza cautelar, consistente na privação da liberdade do indivíduo antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, é medida de caráter excepcional, cuja aplicação é possível apenas em casos de extrema necessidade.
Toda espécie de prisão cautelar está submetida à apreciação do Poder Judiciário, seja previamente (prisão preventiva e temporária), seja pela necessidade de convalidação da prisão em flagrante.
A adoção da referida prisão, contudo, pode ser invocada apenas quando sua estrita necessidade for demonstrada, o que requer não apenas a simples demonstração dos pressupostos e fundamentos que a autorizam, mas sim a efetiva motivação do decreto prisional.
Diante da realidade retratada pela doutrina e pela jurisprudência, verifica-se que constantemente decisões são prolatas e nelas, a título de motivação, fazem mera referência às hipóteses autorizadoras da prisão preventiva, previstas no citado artigo 312 do Código de Processo Penal. Ficam tais decisões limitadas à simples transcrição dos dizeres da lei, fato que ocasiona a expressiva interposição de habeas corpus baseados em constrangimento ilegal.
Ora, se a prisão cautelar é prisão decretada pelo Judiciário, é preciso que o Juiz fundamente essa prisão. É exatamente por isso que o Juiz precisa ser comunicado da prisão em flagrante, para que ele possa fundamentar sua manutenção.
O decreto de prisão preventiva, portanto, deve ser fundamento, com dados concretos, em alguma das hipóteses do art.312 do Código de Processo Penal, dentre as quais não podem servir como fundamento expressões vagas tais como a certeza da impunidade, incentivo à prática criminosa, clamor público e insatisfação da comunidade local.
Assim, a prisão cautelar apenas se justifica ante a demonstração clara por parte do Magistrado de razões de cautela fundadas em elementos concretos de convicção.
Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
“RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. PLEITO PELA REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA.
CIRCUNSTÂNCIAS. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA.
PRECEDENTES.
1. A gravidade do crime com supedâneo em circunstâncias que integram o próprio tipo penal, não constitui, de per si, fundamentação idônea a autorizar a prisão cautelar.
2. Recurso em habeas corpus provido, para confirmar a liminar concedida e revogar a prisão preventiva do recorrente, sem embargo de novo decreto prisional, desde que devidamente fundamentado, ou de imposição das medidas cautelares previstas no art. 319, do CPP”.
(STJ, RHC 39.476/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, QUINTA TURMA, julgado em 05/09/2013, DJe 10/09/2013)
“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. IMPOSSIBILIDADE. NÃO CONHECIMENTO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA.
ART. 312 DO CPP. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO.
1. À luz do disposto no art. 105 da Constituição Federal, esta Corte de Justiça não vem mais admitindo a utilização do habeas corpus como substituto de recurso ordinário, recurso especial, ou revisão criminal, sob pena de se frustrar a celeridade e desvirtuar a essência desse instrumento constitucional.
2. Impende ressaltar que uma vez constatada a existência de ilegalidade flagrante, nada obsta que esta Corte defira ordem, de ofício, como forma de coarctar o constrangimento ilegal.
3. A liberdade, antes de sentença penal condenatória definitiva, é a regra, e o enclausuramento provisório, a exceção, como têm insistido esta Corte e o Supremo Tribunal Federal em inúmeros julgados, por força do princípio da presunção de inocência, ou da não culpabilidade.
4. O Tribunal de origem não elencou fundamentos idôneos que justificassem a imposição da segregação cautelar do acusado, sendo certo que a quantidade de droga apreendida em seu poder não é significativa e, conforme ressaltado pelo Juízo de primeira instância, ele é réu primário e de bons antecedentes.
5. A gravidade abstrata do crime ou a menção de que a ordem pública estaria abalada por infrações dessa natureza consubstanciam a ideia de prisão cautelar obrigatória, não mais aceitável no Estado Democrático de Direito.
6. Impetração não conhecida. Ordem de habeas corpus concedida, de ofício, a fim de restabelecer a decisão que assegurou ao paciente a liberdade provisória, com imposição de outras medidas cautelares”.
(STJ, HC 263.904/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 20/08/2013, DJe 06/09/2013)
Fica claro, portanto, que, via de regra, o decreto de prisão preventiva expedido pela autoridade coatora, se destituído de qualquer fundamentação válida, reputar-se-á ilegal e arbitrário.
O Código Penal dispõe, no seu artigo 23, parágrafo único, que o agente responderá pelo excesso doloso ou culposo nos estados de necessidades, legítima defesa, estrito cumprimento de dever e exercício regular de direito. Torna-se imperioso que, em todas essas justificativas, o agente não exceda os limites prescritos pela lei.
O princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso se dá para que a lei estruture os limites de respeito entre a liberdade e o direito de punir do Estado.
O exercício do poder é limitado, somente sendo justificadas restrições a direitos individuais por razões de necessidade, adequação, e supremacia do valor a ser protegido. Subdivide-se em três princípios: adequação, necessidade e proporcionalidade.
O princípio da adequação é aquele que prevê que a medida adotada deve ser idônea para atingir o fim proposto, ou seja, deve haver uma relação de meio e fim.
O princípio da necessidade, por sua vez, define que, dentre as medidas idôneas a atingir o fim proposto, deve-se optar pela menos gravosa, a ultima ratio. A prisão é uma medida extrema, tendo em vista a realidade do sistema carcerário brasileiro. Cabe ao magistrado verificar se há outra medida menos gravosa, mas ao mesmo tempo idônea e suficiente, para atingir finalidade almejada.
Por fim, pelo princípio da proporcionalidade em sentido estrito, havendo valores em conflito, deve preponderar o de maior relevância.
Assim, a realização de uma conduta punível cria para o Estado o poder e o dever concreto de punir, de impor a sanção penal, que, todavia, deve sempre ser proporcional ao delito. O Estado tem a obrigação de punir apenas dentro dos limites determinados pela sanctio juris, ao passo que o criminoso tem o direito de não ser punido além daqueles limites.
Prisão ex lege é uma prisão cautelar imposta por força de lei, que resulta da negativa do legislador em conceder liberdade provisória, com ou sem fiança, àquele que foi preso em flagrante. Ou seja, o individuo, preso em flagrante por determinado crime, ficará preso durante o processo, por força de lei, sem possibilidade de liberdade conferida pelo Juiz segundo os elementos do caso concreto.
Hoje, o melhor exemplo de prisão ex lege, objeto deste estudo, é o art. 44 da Lei de Drogas, que proíbe a concessão de fiança ou de liberdade provisória para traficantes. O artigo 44 da Lei 11.343/06 prevê:
Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e §1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.
Veja que o traficante, preso em flagrante, ficará preso durante todo o processo. Trata-se de uma prisão obrigatória, ele fica preso em todo o processo, sem possibilidade de liberdade provisória.
Contudo, a crítica que recai sobre essa prisão ex lege é que ela retiraria do Poder Judiciário a possibilidade de análise da necessidade da prisão cautelar no caso concreto. Eugênio Pacceli, autor do anteprojeto de Código de Processo Penal, defende que cabe ao juiz dizer quem deve ficar preso e não o legislador. Por isso, essa modalidade seria incompatível com a Constituição Federal de 1988, pois retira do Poder Judiciário a possibilidade de análise da prisão cautelar no caso concreto (Curso de processo penal. 10. ed., 2008, p.449).
Para decretação da prisão cautelar, é necessário que estejam presentes os chamados fumus comissi delicti e periculum libertatis.
Pelo fumus comissi delicti deve haver uma probabilidade de o réu, ou indiciado, ser condenado ao final do processo, que se consubstancia no fato de estar devidamente provada a materialidade do fato e de haver indícios suficientes da autoria. É a plausibilidade do direito de punir.
O segundo pressuposto, o periculum libertatis, consiste no perigo concreto que a permanência do suspeito em liberdade poderá acarretar para a investigação, para o processo penal, para a efetividade do direito penal e para a segurança social. Estará presente quando ocorre uma das hipóteses previstas pelo art. 312 do Código de Processo Penal: para garantia da ordem pública; para conveniência da instrução criminal; ou para asseguramento da aplicação da lei penal. Tais hipóteses podem ser resumidas na necessidade da aplicação da medida, averiguada em cada caso pelo juiz. Assim, somente se decreta a prisão provisória se, além de ser provável o direito pleiteado, ela for necessária, nos exatos termos do citado art. 312.
Veja o art. 312 do CPP:
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
Os manuais traziam como espécies de prisão cautelar a prisão em Flagrante, a prisão Preventiva, a prisão temporária, a prisão decorrente de Pronúncia e a Prisão decorrente de Sentença Condenatória Recorrível.
No entanto, essas duas últimas espécies, já muito questionadas desde a Constituição Federal de 1988, em face do princípio da não culpabilidade, pois eram uma hipótese de prisão automática, pelo simples fato de haver a pronúncia ou a sentença condenatória recorrível, com a reforma do Código de Processo Penal (Leis 11.689/08 e 11.719/08), foram revogadas. Assim, não se pode mais decretar a prisão cautelar como efeito automático da pronúncia ou da sentença condenatória. Pode o Magistrado decretar a prisão no momento da pronúncia ou da condenação recorrível, mas desde que demonstre, no caso concreto, estarem presentes os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal.
Portanto, hoje dentre as hipóteses de prisão cautelar estão apenas a prisão em flagrante, a prisão preventiva e a prisão temporária.
A prisão em flagrante é uma medida de auto defesa social, caracterizada pela privação da liberdade de locomoção independentemente de prévia autorização judicial. Tem como justificativa para a dispensa de autorização judicial o fato de que o Estado não é onipresente. Assim, a sociedade pode se defender por si mesma contra crimes, efetuando prisão em flagrante.
O Professor Nestor Távora, assim define:
Flagrante é o delito que ainda “queima”, ou seja, é aquele que est[a sendo cometido ou acabou de sê-lo. A prisão em flagrante é a que resulta no momento e no local do crime. É uma medida restritiva de liberdade de natureza cautelar e caráter eminentemente administrativo, que não exige ordem escrita do juiz, porque o fato ocorre de inopino (art. 5º, inciso LXI da CF). Permite-se que se faça cessar imediatamente a infração com a prisão do transgressor, em razão da aparente convicção quanto à materialidade e a autoria permitida pelo domínio visual dos fatos. É uma forma de autopreservação e defesa da sociedade, facultando-se a qualquer do povo a sua realização, sendo que os posteriores atos de documentação ocorrerão normalmente na Delegacia de Polícia. (Curso de Direito Processual penal. Salvador: JusPODIVM, 2008, p. 481).
O código de Processo Penal prevê três formas de flagrante: o flagrante próprio ou perfeito; o impróprio ou imperfeito; e o presumido ou ficto.
Constituem-se em flagrante próprio os casos previstos nos incisos I e II do art. 302, CPP, ou seja, quando o agente está cometendo a infração penal ou quando acaba de cometê-la.
O flagrante impróprio ou imperfeito enquadra-se na situação prevista no inciso III, do mesmo artigo, ou seja, quando o agente é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração. Discute-se muito sobre a extensão do termo " logo após". A lei não o definiu e a doutrina vem entendendo-o como sendo a expressão do que se possa entender por ato contínuo ao cometimento da infração. Comenta-se ainda que o flagrante se limitaria aos casos em que a prisão ocorresse dentro de vinte e quatro horas da ação delituosa. Quanto a esta polêmica a lei também não se pronunciou e a doutrina majoritária entende que a perseguição pode durar horas ou dias, desde que, iniciada logo após a ação criminosa, seja contínua e ininterrupta até o desfecho final.
Por fim, o flagrante presumido ou ficto é aquele que ocorre na hipótese prevista no inciso IV do artigo em comento. Diz-se, pois, que há flagrante presumido quando o agente é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.
Com inúmeras alterações trazidas pela Lei 12.403/11, a prisão preventiva a medida cautelar cabível durante toda a persecução penal e até antes desta estar regulamente iniciada, determinada pelo juiz de ofício, a requerimento do Ministério Público, do querelante, ou, ainda, por representação da autoridade policial, desde que presentes os requisitos dos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal.
Para sua decretação, com já ressaltado anteriormente, é fundamental que se demonstre a prova da existência do crime, revelando a veemência da materialidade e indícios suficientes de autoria ou de participação na infração.
Dispõem os artigo 312 e 313 do Código de Processo Penal:
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4º)
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:
I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;
II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;
III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;
IV - (revogado).
Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.
Referida prisão tem por finalidade impedir que o infrator, se posto em liberdade, continue a delinqüir. Visa também proteger o meio social, garantindo a credibilidade da justiça, no caso de crimes que provoquem grande indignação popular.
Para garantir e proteger a ordem pública é indispensável que haja um eminente perigo social decorrente da demora em se aguardo o provimento definitivo, uma vez que, até o trânsito fatal do julgado da condenação, o réu ou o indiciado poderá ter cometido inúmeros outros delitos ou simplesmente se evadido.
Guilherme de Souza Nucci defende que alguns crimes com repercussão social, se o criminoso ficar solto, acarretará em verdadeiro descrédito para a sociedade com o Judiciário. Cabendo, portanto a preventiva para manter o respeito com o Judiciário (Manual de processo penal e execução pena, 2007, p.547).
Um crime publicamente cruel já demonstra por si só, a necessidade de maiores cautelas e, neste sentido tem sido os acórdãos da jurisprudência criminal brasileira (vide RT 656/374).
Contudo, outra corrente não vislumbra o periculum in mora, visto que a medida seria decretada não por necessidade do processo e, sim, compelida pela gravidade do delito, caracterizando-se uma afronta ao princípio da presunção de inocência (RT 594/417).
Verifica-se, portanto, ser indispensável para a decretação da preventiva a presença dos requisitos da tutelar cautelar. Contudo, ambas as correntes evidenciam o periculum in mora que já é eficiente para autorizar a custódia preventiva.
A conveniência da instrução criminal visa impedir que o réu ou indiciado prejudique a produção de provas no curso do processo, intimidando testemunhas, apagando vestígios e indícios do crime.
A prisão para garantia de aplicação da lei penal se dá no caso de iminente fuga do réu ou indiciado, que tornará inviável e ineficaz a execução da pena.
No que se refere à garantia da ordem econômica (Lei 8.884/94), é na verdade, uma reedição da garantia da ordem pública que não deixa de ser uma espécie desta, a qual é mais ampla.
A prisão decretada pelo descumprimento das medidas cautelares é nova hipótese de decretação da prisão preventiva trazida pela citada lei 12.403/11, quando houver o descumprimento das medidas descritas no artigo 319 do Código de Processo Penal. São elas:
Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:
I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;
II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;
III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;
IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;
V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;
VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;
VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violênciaou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;
VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;
IX - monitoração eletrônica.
Prisão temporária é a medida cautelar cabível exclusivamente na fase de inquérito, determinada pelo juiz a requerimento do Ministério Público ou por representação da autoridade policial pelo prazo pré-estabelecido em lei uma vez presente os requisitos do art.1º da L796089, que dispõe:
Art. 1° Caberá prisão temporária:
I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;
II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;
III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:
a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°);
b) seqüestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°);
c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);
d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°);
e) extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);
f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);
g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);
h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único);
i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°);
j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285);
l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;
m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas;
n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976);
o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986).
Verifica-se, portanto, que a intenção precípua do legislador foi garantir a punição na pratica de delitos que provocam enorme repulsa social.
Mirabete ensina que "justificam a prisão temporária, sem que haja necessidade de ser ela imprescindível para a investigações ou que o agente não tenha residência fixa ou não forneça elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade" (Processo Penal, 2001, São Paulo, ed. Atlas, pág. 394).
Alguns doutrinadores, incluindo Mirabete, defendem que, basta, tão somente, o inciso III, para que se decrete a prisão temporária, sem que haja necessidade de conjugá-la com os incisos I ou II, haja vista que
(...)ao contrário dos demais incisos, que embasam a prisão temporária, nessa ultima hipótese, não é necessário demostrar a necessidade da prisão, bastando para ela a existência de indícios suficientes da autoria. Diante da enumeração legal do inciso III, pode-se concluir que tal medida é destinada a aplacar o clamor público e a indignação social diante dos crimes graves mencionados, mas a Lei não exige que tais situações estejam presentes no caso particular (2001, p. 395.).
Contudo, constitui melhor entendimento aquele em que defende que se deve combinar os incisos I e III ou os incisos II e III, sem os quais não haverá pressupostos de toda e qualquer medida cautelar: fumus comissi delicti e periculum libertatis.
Neste sentido segue lição de Vicente Greco Filho:
As hipóteses, portanto, de prisão temporária devem ser interpretadas como de situações de cabimento e de presunções de necessidade da privação da liberdade, as quais, contudo, jamais serão de presunções absolutas. Cabe, pois, sempre, a visão das hipóteses legais, tendo em vista a necessidade de garantia da ordem pública, a necessidade para a instrução criminal ou a garantia de execução da pena. Dentro das hipóteses legais, essas hipóteses são presumidas, mas a prisão não se decretará nem se manterá se demonstrado que não existem. A nova figura de prisão provisória teve por finalidade reduzir os requisitos da preventiva, facilitando a prisão em determinadas situações, mas não pode, dentro de um sistema de garantias constitucionais do direito de liberdade, desvincular-se da necessidade de sua decretação.(Manual de Processo Penal, 1999, p. 272)
Liberdade provisória é uma medida de contra cautela que substitui a prisão em flagrante, desde que o acusado preencha certos requisitos, ficando o mesmo sujeito ou não ao cumprimento de certas condições.
Nestor Távora define a liberdade provisória como sendo um estado de liberdade, circunscrito em condições e reservas, que impede ou substitui a prisão cautelar, atual ou iminente, ou seja, uma forma de resistência, uma contracautela, para garantir a liberdade ou a manutenção da mesma, ilidindo o estabelecimento de algumas prisões cautelares (2008, p. 553).
Em decorrência das alterações trazidas pela Lei 12.403/11, depreende-se a intenção do legislador de construir um cenário legislativo ligado à prisão e à liberdade, mais justo célere e eficaz, além de reafirmar a ideia de que a segregação celular não é a regra, nem o paradigma do estado democrático de direito, só devendo ser aplicada, em última hipótese, quando outras medidas não surtirem efeito.
Neste novo regramento legal, as medidas cautelares diversas da prisão previstas no artigo 319 do Código de Processo penal, se bem utilizadas, representam instrumentos de grande valia para o Direito Penal brasileiro.
Conforme inovações da citada lei, ao tomar conhecimento da prisão em flagrante, o juiz deverá convertê-la em preventiva, ou aplicar mediadas cautelares, ou conceder a liberdade provisória, além da hipótese de, se considerá-la ilegal, relaxar a prisão.
De todo modo, deve o Magistrado, de forma fundamentada, se valer de critérios para decidir se concede ou não a liberdade provisória ao réu ou indiciado, dentre eles, o critério de necessidade, idoneidade e adequação da medida, em cada caso concreto, valendo-se sempre dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, que trata sobre a ponderação dos bens em conflito.
Reza o artigo 44 da Lei n° 11.343/06: “Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1°, e 34 a 37 desta lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direito”.
Verifica-se que a proibição da liberdade provisória, prevista na nova Lei de drogas, estava conformada como texto do inciso II do artigo 2º da Lei de Crimes Hediondos (Lei n° 8.072/90), muito embora tal dispositivo encontrasse resistência de parte da doutrina e da jurisprudência, que afirmava a absoluta contrariedade da regra da Lei de Crimes Hediondos com os princípios constitucionais do devido processo legal e da presunção de inocência.
Contudo, como já relatado, a vigência da Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) trouxe nova discussão sobre o tema. O artigo 21 do referido Estatuto passou a considerar insuscetíveis de liberdade provisória os crimes previstos em seus artigos 16 (posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito), 17 (comércio ilegal de arma de fogo) e 18 (tráfico internacional de arma de fogo).
O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3.112/DF), versando sobre tal vedação, declarou a inconstitucionalidade do art. 21 da Lei nº 10.826/2003, (Estatuto do Desarmamento).
Sobreveio a Lei n.º 11.464/07 que, além de modificar o dispositivo do artigo 2.º, § 1.º, da Lei de Crimes Hediondos, também deu nova redação ao artigo 2.º, inciso II, que pela lei anterior vedava a concessão de fiança e liberdade provisória.
Ocorre que a nova Lei de Tóxicos veda expressamente no artigo 44, caput, tanto da liberdade provisória com, quanto sem fiança para os crimes previstos nos artigos 33, caput, § 1.º, e 34 a 37.
Assim, em relação a esses delitos, a nova Lei de Drogas, de caráter especial, proíbe a liberdade provisória, ao passo que a Lei de Crimes Hediondos, com redação posterior àquela, estaria autorizando a liberdade provisória sem fiança.
Instaurado assim, verdadeiro conflito normativo, em que a Lei de Crimes Hediondos, protegida pelo princípio de que a lei nova derroga ou revoga a anterior, estaria a autorizar a liberdade provisória sem fiança para os crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, enquanto a nova Lei de Drogas, acobertada pelo princípio da especialidade, expressamente veda este benefício.
De acordo com o princípio da especialidade, tendo a Lei de Drogas proibido a concessão de liberdade provisória com e sem fiança, em tese este benefício não seria possível. Contudo, pelo princípio de que se aplica a lei nova, ainda quando tacitamente tenha disposto o contrário da norma anterior, esta benesse estaria autorizada.
Face esta situação, os Tribunais vinham procurando encontrar um norte para resolver esta contradição normativa, havendo decisões nos dois sentidos.
Contudo, nota-se que Supremo Tribunal Federal iniciou a caminhar no sentido de rever tal posicionamento, de maneira que estaria reconhecendo a inconstitucionalidade da vedação, em caráter abstrato, à liberdade provisória.
Em dezembro de 2008, o Ministro Celso de Mello decidiu que a “vedação apriorística de concessão de liberdade provisória, reiterada no artigo 44 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), tem sido repelida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que a considera incompatível, independentemente da gravidade objetiva do delito, com a presunção de inocência e a garantia do ‘due process’, dentre outros princípios consagrados pela Constituição da República” (STF, Med. Cautelar em HC 96.715-9/SP, rel. Ministro Celso de Mello, DJ 19/12/2008).
Tais argumentos foram ainda reafirmados, dentre outros, através dos seguintes julgados:
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL, PROCESSUAL PENAL E CONSTITUCIONAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. SEGREGAÇÃO CAUTELAR. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE SITUAÇÃO FÁTICA. LIBERDADE PROVISÓRIA INDEFERIDA COM FUNDAMENTO NO ART. 44 DA LEI N. 11.343. INCONSTITUCIONALIDADE: NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO DESSE PRECEITO AOS ARTIGOS 1º, INCISO III, E 5º, INCISOS LIV E LVII DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. EXCEÇÃO À SÚMULA N. 691/STF. 1. Liberdade provisória indeferida com fundamento na vedação contida no art. 44 da Lei n. 11.343/06, sem indicação de situação fática vinculada a qualquer das hipóteses do artigo 312 do Código de Processo Penal 2. Entendimento respaldado na inafiançabilidade do crime de tráfico de entorpecentes, estabelecida no artigo 5º, inciso XLIII da Constituição do Brasil. Afronta escancarada aos princípios da presunção de inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana. 3. Inexistência de antinomias na Constituição. Necessidade de adequação, a esses princípios, da norma infraconstitucional e da veiculada no artigo 5º, inciso XLIII da Constituição do Brasil. A regra estabelecida na Constituição, bem assim na legislação infraconstitucional, é a liberdade. A prisão faz exceção a essa regra, de modo que, a admitir-se que o artigo 5º, inciso XLIII estabelece, além das restrições nele contidas, vedação à liberdade provisória, o conflito entre normas estaria instalado. 4. A inafiançabilidade não pode e não deve --- considerados os princípios da presunção de inocência, da dignidade da pessoa humana, da ampla defesa e do devido processo legal --- constituir causa impeditiva da liberdade provisória. 5. Não se nega a acentuada nocividade da conduta do traficante de entorpecentes. Nocividade aferível pelos malefícios provocados no que concerne à saúde pública, exposta a sociedade a danos concretos e a riscos iminentes. Não obstante, a regra consagrada no ordenamento jurídico brasileiro é a liberdade; a prisão, a exceção. A regra cede a ela em situações marcadas pela demonstração cabal da necessidade da segregação ante tempus. Impõe-se porém ao Juiz o dever de explicitar as razões pelas quais alguém deva ser preso ou mantido preso cautelarmente. 6. Situação de flagrante constrangimento ilegal a ensejar exceção à Súmula n. 691/STF. Ordem concedida a fim de que o paciente seja posto em liberdade, se por al não estiver preso.
(HC 100745, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 09/03/2010, DJe-067 DIVULG 15-04-2010 PUBLIC 16-04-2010 EMENT VOL-02397-04 PP-01121)
EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. PRISÃO EM FLAGRANTE. GRAVIDADE DO CRIME. REFERÊNCIA HIPOTÉTICA À POSSIBILIDADE DE REITERAÇÃO DE INFRAÇÕES PENAIS. FUNDAMENTOS INIDÔNIOS PARA A CUSTÓDIA CAUTELAR. VEDAÇÃO DA CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA AO PRESO EM FLAGRANTE POR TRÁFICO DE ENTORPECENTES [ART. 44 DA LEI N. 11.343/06]. INCONSTITUCIONALIDADE. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA, DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ARTS. 1º, III, E 5º, LIV E LVII, DA CB/88. 1. A jurisprudência desta Corte está sedimentada no sentido de que a gravidade do crime não justifica, por si só, a necessidade da prisão preventiva. Precedentes. 2. A referência hipotética à mera possibilidade de reiteração de infrações penais, sem nenhum dado concreto que lhe dê amparo, não pode servir de supedâneo à prisão preventiva. Precedente. 3. A vedação da concessão de liberdade provisória ao preso em flagrante por tráfico de entorpecentes, veiculada pelo artigo 44 da lei n. 11.343/06, consubstancia afronta escancarada aos princípios da presunção da inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana [arts. 1º, III, e 5º, LIV e LVII, da CB/88]. Daí a necessidade de adequação desses princípios à norma veiculada no artigo 5º, inciso XLII, da CB/88. 4. A inafiançabilidade, por si só, não pode e não deve constituir-se em causa impeditiva da liberdade provisória. 5. Não há antinomia na Constituição do Brasil. Se a regra nela estabelecida, bem assim na legislação infraconstitucional, é a liberdade, sendo a prisão a exceção, existiria conflito de normas se o artigo 5º, inciso XLII estabelecesse expressamente, além das restrições nele contidas, vedação à liberdade provisória. Nessa hipótese, o conflito dar-se-ia, sem dúvida, com os princípios da dignidade da pessoa humana, da presunção de inocência, da ampla e do devido processo legal. 6. É inadmissível, ante tais garantias constitucionais, possa alguém ser compelido a cumprir pena sem decisão transitada em julgado, além do mais impossibilitado de usufruir benefícios da execução penal. A inconstitucionalidade do preceito legal é inquestionável. Ordem concedida a fim de que a paciente aguarde em liberdade o trânsito em julgado da sentença condenatória.
(HC 100872, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 09/03/2010, DJe-076 DIVULG 29-04-2010 PUBLIC 30-04-2010 EMENT VOL-02399-05 PP-01097)
A corrente doutrinária que defendia a constitucionalidade da proibição de liberdade provisória no art. 44, da Lei n° 11.343/06, argumentava que, em face da gravidade dos crimes de que trata a Lei n° 11.343/06 seria inaceitável que fosse permitida a liberdade provisória sem fiança, uma vez que a referida lei proíbe a concessão da liberdade provisória com fiança.
Argumentava que, o fato de a Lei n. 11.464/07, que conferiu nova redação ao art. 2º da Lei n.º 8.072/90, prever a possibilidade de concessão de liberdade provisória aos crimes hediondos não repercute na prisão cautelar, pois se trata de norma geral e posterior. Considerando-se a regra de hermenêutica segundo a qual a lei posterior geral não revoga lei anterior especial, infere-se que a Lei nº 11.343/06.
Posicionava-se, ainda, no sentido de que a Carta Magna sujeita a concessão da liberdade provisória à previsão da lei (art. 5°, LXVI). Logo, a lei pode não admitir a liberdade provisória com ou sem fiança em determinados casos.
Nesse sentido, o Ministro Ricardo Lewandowski no HC 100.831/MG, posicionou nos seguintes termos:
“Em que pese o tráfico ilícito de drogas ser tratado como equiparado a hediondo, a Lei 11.343/2006 é especial e posterior àquela – Lei 8.072/90. Por essa razão, a liberdade provisória viabilizada aos crimes hediondos e equiparados pela Lei 11.464/2007 não abarca, em princípio, a hipótese de tráfico ilícitos de drogas” (STF, HC 100.831/MG, rel. Ministro Ricardo Lewandowski, j. 30-9-2009).
Enfim, em 10 de maio de 2012, por sete votos a três, o plenário do Supremo Tribunal Federal declarou ser possível a liberdade provisória aos crimes de tráfico de entorpecente, afirmou-se, assim, a inconstitucionalidade do artigo 44 da Lei 11.343/06. As razões da decisão foram resumidas no informativo nº 665, de onde se extrai:
Tráfico de drogas e liberdade provisória – 1
O Plenário, por maioria, deferiu parcialmente habeas corpus — afetado pela 2ª Turma — impetrado em favor de condenado pela prática do crime descrito no art. 33, caput, c/c o art. 40, III, ambos da Lei 11.343/2006, e determinou que sejam apreciados os requisitos previstos no art. 312 do CPP para que, se for o caso, seja mantida a segregação cautelar do paciente. Incidentalmente, também por votação majoritária, declarou a inconstitucionalidade da expressão “e liberdade provisória”, constante do art. 44, caput, da Lei 11.343/2006 (“Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos”). A defesa sustentava, além da inconstitucionalidade da vedação abstrata da concessão de liberdade provisória, o excesso de prazo para o encerramento da instrução criminal no juízo de origem.
HC 104339/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 10.5.2012. (HC-104339)
Tráfico de drogas e liberdade provisória – 2
Discorreu-se que ambas as Turmas do STF teriam consolidado, inicialmente, entendimento no sentido de que não seria cabível liberdade provisória aos crimes de tráfico de entorpecentes, em face da expressa previsão legal. Entretanto, ressaltou-se que a 2ª Turma viria afastando a incidência da proibição em abstrato. Reconheceu-se a inafiançabilidade destes crimes, derivada da Constituição (art. 5º, XLIII). Asseverou-se, porém, que essa vedação conflitaria com outros princípios também revestidos de dignidade constitucional, como a presunção de inocência e o devido processo legal. Demonstrou-se que esse empecilho apriorístico de concessão de liberdade provisória seria incompatível com estes postulados. Ocorre que a disposição do art. 44 da Lei 11.343/2006 retiraria do juiz competente a oportunidade de, no caso concreto, analisar os pressupostos de necessidade da custódia cautelar, a incorrer em antecipação de pena. Frisou-se que a inafiançabilidade do delito de tráfico de entorpecentes, estabelecida constitucionalmente, não significaria óbice à liberdade provisória, considerado o conflito do inciso XLIII com o LXVI (“ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”), ambos do art. 5º da CF. Concluiu-se que a segregação cautelar — mesmo no tráfico ilícito de entorpecentes — deveria ser analisada assim como ocorreria nas demais constrições cautelares, relativas a outros delitos dispostos no ordenamento. Impenderia, portanto, a apreciação dos motivos da decisão que denegara a liberdade provisória ao paciente do presente writ, no intuito de se verificar a presença dos requisitos do art. 312 do CPP. Salientou-se que a idoneidade de decreto de prisão processual exigiria a especificação, de modo fundamentado, dos elementos autorizadores da medida (CF, art. 93, IX). Verificou-se que, na espécie, o juízo de origem, ao indeferir o pedido de liberdade provisória formulado pela defesa, não indicara elementos concretos e individualizados, aptos a justificar a necessidade da constrição do paciente, mas somente aludira à indiscriminada vedação legal. Entretanto, no que concerne ao alegado excesso de prazo na formação da culpa, reputou-se que a tese estaria prejudicada, pois prolatada sentença condenatória confirmada em sede de apelação, na qual se determinara a continuidade da medida acauteladora, para a garantia da ordem pública.
HC 104339/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 10.5.2012. (HC-104339)
Tráfico de drogas e liberdade provisória – 3
O Min. Dias Toffoli acresceu que a inafiançabilidade não constituiria causa impeditiva da liberdade provisória. Afirmou que a fiança, conforme estabelecido no art. 322 do CPP, em certas hipóteses, poderia ser fixada pela autoridade policial, em razão de requisitos objetivos fixados em lei. Quanto à liberdade provisória, caberia ao magistrado aferir sua pertinência, sob o ângulo da subjetividade do agente, nos termos do art. 310 do CPP e do art. 5º, LXVI, da CF. Sublinhou que a vedação constante do art. 5º, XLIII, da CF diria respeito apenas à fiança, e não à liberdade provisória. O Min. Ricardo Lewandowski lembrou que, no julgamento da ADI 3112/DF (DJe de 26.10.2007), a Corte assinalara a vedação constitucional da prisão ex lege, bem assim que os princípios da presunção de inocência e da obrigatoriedade de fundamentação de ordem prisional por parte da autoridade competente mereceriam ponderação maior se comparados à regra da inafiançabilidade. O Min. Ayres Britto, Presidente, consignou que, em direito penal, deveria ser observada a personalização. Evidenciou a existência de regime constitucional da prisão (art. 5º, LXII, LXV e LXVI) e registrou que a privação da liberdade seria excepcional.
HC 104339/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 10.5.2012. (HC-104339)
Tráfico de drogas e liberdade provisória – 4
Vencidos os Ministros Luiz Fux, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que entendiam constitucional, em sua integralidade, o disposto no art. 44 da Lei 11.343/2006. O Min. Luiz Fux denegava a ordem. Explicitava que a Constituição, ao declarar inafiançável o tráfico, não dera margem de conformação para o legislador. O Min. Joaquim Barbosa, a seu turno, concedia o writ por entender deficiente a motivação da mantença da prisão processual. Por sua vez, o Min. Marco Aurélio também concedia a ordem, mas por verificar excesso de prazo na formação da culpa, visto que o paciente estaria preso desde agosto de 2009. Alfim, o Plenário, por maioria, autorizou os Ministros a decidirem, monocraticamente, os habeas corpus quando o único fundamento da impetração for o art. 44 da Lei 11.343/2006. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio.
HC 104339/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 10.5.2012. (HC-104339)
Como se vê, seguindo a trilha do que já havia decidido na ADI 3112, quando declarou a inconstitucionalidade do art. 21 da Lei nº 10.826/2003, o STF entendeu ser impossível a proibição ex lege de liberdade provisória a determinados crimes, independentemente de preenchimento de outros requisitos. Ou seja: o legislador pode estabelecer pressupostos e requisitos para a decretação da prisão preventiva ou para a concessão da liberdade provisória, mas não pode, de forma genérica, vedar o benefício apenas em razão da natureza do crime cometido.
Pautou-se o Supremo Tribunal Federal no argumento de que a inafiançabilidade, disposta no art. 5º, inciso XLIII, visa evitar o arbitramento de fiança pelo delegado, sem exame mais minucioso do caso pelo juiz, o que não implica dizer que o magistrado, analisando o caso, não possa conceder a liberdade provisória sem fiança.
Ressaltou entendimento no sentido de que o legislador pode estabelecer pressupostos e requisitos para a decretação da prisão preventiva ou para a concessão da liberdade provisória, mas não pode, de forma genérica, vedar o benefício apenas em razão da natureza do crime cometido.
No entendimento exposto pelo Tribunal Pleno, a regra prevista no artigo 44 da Lei de Drogas é incompatível com princípios os constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal e, portanto, referido dispositivo ao proibir a liberdade provisória, representa uma antecipação de pena, o que é vedado pela Constituição Federal.
Referida proibição estabeleceria um tipo de regime de prisão preventiva obrigatória, na medida em que torna a prisão a regra e a liberdade a exceção. A Carda Magna, ao contrário, prevê que a liberdade é a regra e a necessidade da prisão precisa ser devidamente fundamentada.
Há quem entenda que a decisão sob comento foi tomada apenas incidentalmente, nos autos do habeas corpus nº 104.339, e, portanto, estaria desprovida de efeito erga omnes e, portanto, restrito entre às partes, não havendo repercussão dos efeitos dessa declaração poder vinculativo.
Contudo, ao que nos parece, a questão foi plenamente definida com o histórico julgamento do habeas corpus nº 104.339.
Outro não tem sido o posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. IMPOSSIBILIDADE. NÃO CONHECIMENTO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA.
ART. 312 DO CPP. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO.
1. À luz do disposto no art. 105 da Constituição Federal, esta Corte de Justiça não vem mais admitindo a utilização do habeas corpus como substituto de recurso ordinário, recurso especial, ou revisão criminal, sob pena de se frustrar a celeridade e desvirtuar a essência desse instrumento constitucional.
2. Impende ressaltar que uma vez constatada a existência de ilegalidade flagrante, nada obsta que esta Corte defira ordem, de ofício, como forma de coarctar o constrangimento ilegal.
3. A liberdade, antes de sentença penal condenatória definitiva, é a regra, e o enclausuramento provisório, a exceção, como têm insistido esta Corte e o Supremo Tribunal Federal em inúmeros julgados, por força do princípio da presunção de inocência, ou da não culpabilidade.
4. O Tribunal de origem não elencou fundamentos idôneos que justificassem a imposição da segregação cautelar do acusado, sendo certo que a quantidade de droga apreendida em seu poder não é significativa e, conforme ressaltado pelo Juízo de primeira instância, ele é réu primário e de bons antecedentes.
5. A gravidade abstrata do crime ou a menção de que a ordem pública estaria abalada por infrações dessa natureza consubstanciam a ideia de prisão cautelar obrigatória, não mais aceitável no Estado Democrático de Direito.
6. Impetração não conhecida. Ordem de habeas corpus concedida, de ofício, a fim de restabelecer a decisão que assegurou ao paciente a liberdade provisória, com imposição de outras medidas cautelares.
(HC 263.904/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 20/08/2013, DJe 06/09/2013)
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. DESCABIMENTO.
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO DO STJ, EM CONSONÂNCIA COM O DO STF. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL.
TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA FUNDAMENTADA EXCLUSIVAMENTE NA VEDAÇÃO LEGAL PREVISTA NO ART. 44 DA LEI N.º 11.343/2006 E NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO.
INCONSTITUCIONALIDADE DECRETADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO HC N.º 104.339. AUSÊNCIA DE EXAME DOS REQUISITOS ELENCADOS NO ART. 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO.
1. O Excelso Supremo Tribunal Federal, em recente alteração jurisprudencial, retomou o curso regular do processo penal, ao não mais admitir o habeas corpus substitutivo do recurso ordinário.
Precedentes: HC 109.956/PR, 1.ª Turma, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 07/08/2012, DJe de 10/09/2012; HC 104.045/RJ, 1.ª Turma, Rel. Min. ROSA WEBER, julgado em 28/08/2012, DJe de 05/09/2012.
Decisões monocráticas dos ministros LUIZ FUX e DIAS TOFFOLI, respectivamente, nos autos do HC 114.550/AC (DJe de 27/08/2012) e HC 114.924/RJ (DJe de 27/08/2012).
2. Sem embargo, mostra-se precisa a ponderação lançada pelo Ministro MARCO AURÉLIO, no sentido de que, "no tocante a habeas já formalizado sob a óptica da substituição do recurso constitucional, não ocorrerá prejuízo para o paciente, ante a possibilidade de vir-se a conceder, se for o caso, a ordem de ofício".
3. Em 10/05/2012, nos autos do HC n.º 104.339/SP (Rel. Min. Gilmar Mendes), por maioria, declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade de parte do art. 44 da Lei 11.343/2006, que proibia a concessão de liberdade provisória nos casos de tráfico ilícito de entorpecentes, posicionamento que passou a ser reiteradamente seguido por esta Corte Superior.
4. No caso, a prisão cautelar da Paciente foi fundamentada pelo Tribunal de origem exclusivamente com base na vedação constante do art. 44 da Lei n.º 11.343/06 e na gravidade abstrata do delito, sem nenhuma menção aos requisitos legais previstos no art. 312 do Código de Processo Penal, tampouco a fatos concretos que justificassem a medida.
5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para confirmar a revogação da prisão preventiva da Paciente deferida liminarmente, caso por outro motivo não esteja presa, facultando, ainda, ao Juízo processante, a decretação de nova prisão cautelar, tão-somente se existirem fatos concretos que justifiquem a medida excepcional, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.
(HC 272.685/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 06/08/2013, DJe 13/08/2013)
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTE. (1) PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PROVISÓRIA. LIBERDADE PROVISÓRIA.
INDEFERIMENTO. GRAVIDADE ABSTRATA DO CRIME. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA.
OCORRÊNCIA. FALTA DE INDICAÇÃO DE ELEMENTOS CONCRETOS A JUSTIFICAR A MEDIDA. (2 e 3) ART. 44 DA LEI Nº 11.343/06. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ÓBICE AFASTADO. (4) ORDEM CONCEDIDA. CONFIRMADA A LIMINAR.
1. A prisão processual é medida odiosa, cabível apenas quando imprescindível para a escorreita prestação jurisdicional, ou seja, quando presente alguma das hipóteses do art. 312 do Código de Processo Penal. Por força do parágrafo único do art. 310 do mesmo diploma legal, tal disposição estende-se - evidentemente - à prisão em flagrante. In casu, prisão provisória que não se justifica ante a fundamentação inidônea para o indeferimento da liberdade provisória.
(...Como se verifica dos autos, o crime aqui apreciado foi praticado, em tese, dolosamente e sua pena máxima é superior a 04 anos. Também há prova de materialidade e indícios de autoria, como se percebe dos depoimentos das testemunhas. Os fundamentos da prisão preventiva também estão presentes. O crime de tráfico de entorpecentes é grave e vem trazendo transtornos à sociedade, na medida em que influi negativamente nas famílias, desestrutura lares e acarreta a intranqüilidade social. Por outro lado, se condenada, a ré possivelmente irá iniciar o cumprimento da pena em regime fechado...) 2. O Supremo Tribunal Federal, por seu órgão Plenário, em julgamento ocorrido em 10.05.12, nos autos do HC n.º 104.339/SP, Relator o Ministro Gilmar Mendes, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade da aludida expressão "e liberdade provisória", reconhecendo a impossibilidade de prisão ex lege. Devolveu os autos ao Juiz de primeiro grau para analisar a presença dos requisitos que autorizam a custódia cautelar.
3. Mostra-se evidenciado o constrangimento ilegal se o Tribunal a quo negou a liberdade provisória à paciente amparado na vedação legal disposta no art. 44, caput, da Lei n.º 11.343/06. Prisão baseada em pressupostos distantes do que preconizam o art. 312 do Código de Processo Penal.
4. Ordem concedida a fim de que a paciente possa aguardar em liberdade o trânsito em julgado da ação penal, se por outro motivo não estiver presa, sem prejuízo de que o Juízo a quo, de maneira fundamentada, examine se é caso de aplicar uma das medidas cautelares implementadas pela Lei n.º 12.403/11, ressalvada, inclusive, a possibilidade de decretação de nova prisão, caso demonstrada sua necessidade. Confirmada a liminar deferida.
(HC 267.616/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 11/06/2013, DJe 18/06/2013)
No mesmo sentido, tem se posicionado o Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - TRÁFICO DE ENTORPECENTES - LIBERDADE PROVISÓRIA CONCEDIDA - POSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DOS REQUISITOS ELENCADOS NO ARTIGO 312 DO CPP - IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL - RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Estando a decisão do MM. Juiz de Direito devidamente fundamentada, em atendimento aos preceitos legais, entendo que não merece reforma. 2. Exige-se concreta motivação do decreto de prisão preventiva, com base em fatos que efetivamente justifiquem a excepcionalidade da medida, atendendo-se aos termos do art. 312 do CPP e da jurisprudência dominante. 3. Em 10 de maio de 2012, por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal concedeu parcialmente habeas corpus declarando incidentalmente a inconstitucionalidade de parte do art. 44 da Lei 11.343/06 que proibia a liberdade provisória nos casos de tráfico de entorpecentes. (Rec em Sentido Estrito 1.0056.11.022674-5/001, Relator(a): Des.(a) Walter Luiz , 1ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 24/09/2013, publicação da súmula em 04/10/2013)
EMENTA:"HABEAS CORPUS" - TRÁFICO DE DROGAS - PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA - PREVALÊNCIA DO JUS LIBERTATIS SOBRE A VEDAÇÃO LEGAL À LIBERDADE PROVISÓRIA AOS CRIMES HEDIONDOS E EQUIPARADOS - PACIENTE PRIMÁRIO E POSSUIDOR DE BONS ANTECEDENTES - IMPOSIÇÃO DE MEDIDA CAUTELAR DIVERSA DA PRISÃO - ORDEM CONCEDIDA, COM RECOMENDAÇÃO. (Habeas Corpus 1.0000.13.071958-6/000, Relator(a): Des.(a) Antônio Carlos Cruvinel , 3ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 29/10/2013, publicação da súmula em 05/11/2013)
EMENTA: "HABEAS CORPUS" - TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO - DECRETO DA PRISÃO PREVENTIVA - LIBERDADE PROVISÓRIA - POSSIBILIDADE - ART. 44 DA LEI 11.343/06 - INCONSTITUCIONALIDADE JÁ DECLARADA PELO COL. STF - FUNDAMENTAÇÃO ABSTRATA - GRAVIDADE DO DELITO - ILEGALIDADE - APLICAÇÃO DE MEDIDA CAUTELAR DIVERSA DA PRISÃO PREVENTIVA - ORDEM CONCEDIDA. A doutrina e jurisprudência dominantes asseveram que a prisão preventiva não pode ser decretada com fundamento na gravidade abstrata do delito de tráfico de drogas, tampouco baseada simplesmente na vedação legal à concessão da liberdade provisória (art. 44, Lei 11.343/06), devendo o magistrado analisar, concretamente e de forma fundamentada, a possibilidade de se conceder tal benesse. Ordem concedida. (Habeas Corpus 1.0000.13.071511-3/000, Relator(a): Des.(a) Sálvio Chaves , 7ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 17/10/2013, publicação da súmula em 24/10/2013)
Não resta dúvida de que o juiz poderá negar ou conceder ao réu liberdade provisória, mas sua decisão deve ser sempre devidamente fundamentada no caso concreto.
Não vemos como se possa interpretar que não se aplica aos crimes de tráfico de drogas a possibilidade de concessão de liberdade provisória, devendo ser analisado em tais casos apenas às hipóteses da presença dos requisitos para decretação da prisão preventiva prevista no artigo 312, do Código de Processo Penal.
Ora, entender o contrário seria uma afronta ao Estado Democrático e princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa, da liberdade provisória e da presunção de inocência.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
CUNHA, Rogério Sanches. Da Repressão à Produção Não Autorizada e ao Tráfico Ilícito de Drogas, in LUIZ FLÁVIO GOMES (Coord.), Lei de Drogas Comentada, 2ª ed., 2007, RT.
FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991.
GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: Parte Geral – Introdução. São Paulo: Revista dos Tribunais 2003.
GOMES, Luiz Flávio; SANCHES, Rogério Cunha. Cabe liberdade provisória no tráfico de drogas? . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1703, 29 fev. 2008. Disponível em: . Acesso em: 02 jan. 2010.
MARCÃO, Renato. Tóxicos, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2009, p. 328.
MENDONÇA, Andrey Borges de, Paulo Roberto Galvão de Carvalho. Lei de drogas: Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006 – Comentada artigo por artigo. – São Paulo: Método, 2008.
MIRABETTI, Júlio Fabrini. Processo Penal. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2001.
MUCCIO, Hidejalma. Prisão e liberdade provisória: teoria e prática. Jaú- SP: HM Editora, 2003
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal, 3.ed. São Paulo: RT, 2007.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2008.
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 15 ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
SANGUINÉ, Odone. Inconstitucionalidade da proibição da liberdade provisória. Fascículos de Ciências Penais, Porto Alegre, 1990, v.4.
TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. e atual. Salvador: Juspodivm, 2008.
PEREIRA, Ricardo Souza. A prisão e a liberdade sob a ótica da Lei 12.403 de 04 de maio de 2011. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 out. 2011. Disponivel em: . Acesso em: 02 ago. 2013.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PURISCO, Virgínia Miranda. Liberdade provisória no tráfico de drogas frente às novas diretrizes do Supremo Tribunal Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 ago 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40373/liberdade-provisoria-no-trafico-de-drogas-frente-as-novas-diretrizes-do-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Precisa estar logado para fazer comentários.