RESUMO: Este artigo discute a prática da eutanásia animal como uma violação ao direito à Vida, o qual deve ser respeito acima dos interesses e fatores que têm sido utilizados para determinar se o animal deve (ou não) ser sacrificado. Serão abordadas as hipóteses de eutanásia como forma de controle de zoonoses e ainda os outros motivos, por vezes egoístas, que determinam quando a vida dos animais será ceifada. Essas situações são contrárias ao direito à vida animal, que é defendido junto a uma série de outros direitos dos quais os animais são sujeitos, de acordo com o paradigma emergente considerado.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Ambiental. Direito à vida animal. Controle de zoonoses. Sofrimento. Interpretação constitucional.
THE "HUMANE EUTHANASIA" SEEN AS UNFASHIONABLE CONTROL ZOONOSES AND A REQUIRED CONSTITUTIONAL INTERPRETATION
ABSTRACT: This article discusses the practice of animal euthanasia as a violation of the right to life, which must be respected above the interests and factors that have been used to determine whether the animal should be euthanized. We will address the chance of euthanasia as a form of control of zoonoses and still other reasons, sometimes selfish life that determine when the animal is harvested. These situations are contrary to the animal life that is advocated along with a range of other subjects of which are in line with the emerging paradigm considered.
KEYWORDS: Environmental Law. Right to animal life. Zoonosis control. Suffering. Constitutional interpretation.
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por finalidade tratar da “eutanásia-humanitária” como uma forma de desrespeito à Vida do animal, não devendo por isso ser praticada, salvo em casos extremos que devem ser precedidos de uma série de cuidados e restrições.
Inicialmente, deve-se ter em mente o respeito à toda e qualquer forma de vida, pelo que se inicia a introdução com a seguinte frase de Olympia Salete: "A vida é valor absoluto. Não existe vida menor ou maior, inferior ou superior. Engana-se quem mata ou subjuga um animal por julgá-lo um ser inferior. Diante da consciência que abriga a essência da vida, o crime é o mesmo."
Como forma de findar a vida de maneira artificial destaca-se no âmbito bioético a eutanásia. Este modelo se apresenta como uma forma de pôr termo aos pacientes terminais ou que padecem de sofrimento incurável. Trata-se de um tema bastante ventilado por uma série de ramos das ciências e que perpassa questões polêmicas, como, por exemplo, a religião.
A “eutanásia-humanitária”, por sua vez, é o termo que se refere a uma forma de sacrifício indolor dos animais quando estes se apresentam como riscos à saúde pública e/ou estiverem condenados a uma existência fadada ao sofrimento. Serão analisadas no presente trabalho quais as causas que de fato vêm provocando o sacrifício dos animais e se este instituto tem sido adotado, de fato, como medida aplicada exclusivamente nos casos em que é devidamente prescrita.
Posteriormente, demonstrar-se-á a falácia do “tratamento” como forme de controlar as zoonoses, não sendo um meio efetivo, e tampouco “humanitário” (ao contrário do que sugere a sua nomenclatura) de tutelar os bens ambientais, assegurando um suposto controle das doenças.
Finalmente, será defendido que o animal deve ser sujeito de direitos, e que esta será uma mudança de paradigma que inclui a implementação de normas jurídicas e a evolução da interpretação constitucional ambiental em busca da sua real efetividade e, acima disso, a conscientização do respeito aos direitos animais, notadamente o direito à vida, diretamente atingido pela prática da eutanásia.
O PANORAMA DA EUTANÁSIA REALIZADA EM SERES HUMANOS
O medo da morte há muito tempo acompanha o homem e o desejo pela imortalidade, pode-se dizer, ajudou a impulsionar os avanços tecnológicos na área médica. Isto porque o aumento dos recursos tecnológicos também eleva as possibilidades de tratamento nas mais variadas enfermidades, majorando a expectativa de vida das pessoas[1].
Ocorre que, se de um lado o avanço tecnológico elevou as possibilidades de cura dos pacientes, de outro gerou a possibilidade de utilização de recursos tecnológicos para pôr fim à vida a partir do entendimento de que muitas vezes apenas se prolonga o sofrimento do paciente, sem qualquer interferência positiva em seu estado de saúde.
A Eutanásia é um procedimento através do qual a vida de um indivíduo é abreviada por um especialista, de forma aparententemente indolor. Esta prática afeta pricipalmente os enfermos incuráveis e os pacientes em estado terminal.
“O conceito clássico de eutanásia é tirar a vida do ser humano por considerações ‘humanitárias’ para a pessoa ou para a sociedade... Distingue-se entre eutanásia ativa (positiva ou direta), de um lado, e passiva, de outro. No primeiro caso, trata-se de uma ação médica pela qual se põe fim à vida de uma pessoa enferma, por um pedido do peciente ou a sua revelia. O exemplo típico seria a administração de uma superdose de morfina com a intencionalidade de pôr fim à vida do enfermo. É também chamada de morte piedosa ou suicídio assistido. A eutanásia passiva ou negativa não consistiria numa ação médica, mas na omissão, isto é, na não-aplicação de uma terapia médica com a qual poderia se prolongar a vida da pessoa enferma. Por exemplo, a não aplicação ou desconexão do respirador num paciente terminal sem esperanças de vida”[2].
Não há uma resposta unânime da Medicina acerca da prática de provocar a morte de um paciente em estado grave cuja reabilitação é descartada, mesmo com o consentimento do paciente em questão. Embora existam locais em que os médicos podem, amparados pela lei, praticar certos tipos de eutanásia dentro de determinados parâmetros, a maior parte dos países e legislações condena este tipo de prática.
É um tema, portanto, que apresenta correntes e opiniões controversas, sendo uma complicada questão de bioética e biodireito que ainda não apresenta resposta que atenda de forma pacificada aos interesses morais, religiosos e terapeuticos.
“Até muito pouco tempo, o médico constatava a morte, diagnosticava uma ocorrência indiscutível da natureza. Era testemunha, não ator. Agora, o médico já não constata a morte, provoca-a. É senhor da morte. Não mais registra a hora final de uma vida, pode fixá-la segundo sua escolha. De observaodr imparcial e inacatável das coisas da natureza, passa a ser controlador e modificador desisteressado dos ciclos biológicos”[3].
O texto supracitado, de Leo Pessani, demonstra a constatação deste autor de que os médicos tem, a cada dia, papel mais ativo na determinação da morte dos indivíduos por entenderem necessário estabelecer uma limitação à realização de tratamentos considerados ineficazes e desnecessários.
Porém, existem entre os médicos aqueles que acreditam que a qualquer momento os pacientes podem se reanimar, e que, portanto a eutanásia seria uma forma de tolher uma possível recuperação do paciente, indo de encontro àquilo que esses médicos considerariam ético. Isto porque existem inúmeros pacientes que superam as expectativas e acordam de comas profundo ou que demonstram melhoras mesmo após os médicos estarem completamente descrentes desta possibilidade.
Estes se sobrepõem àqueles que colocam o sofrimento como um elemento decisivo para que a eutanásia seja autorizada acreditando que muitos sobrevivem devido a tratamentos que ampliam a sua vida causando-lhes uma dor desnecessária, uma vez que o problema não é passível de melhora ou cura. Acreditam que tratar em detrimento de “eutanasiar”, a partir de determinado limite, seria manter os pacientes reféns do próprio corpo por não poderem, mesmo com sua autorização, se livrar de aparelhos e das drogas que apenas prolongam as suas dores.
O problema no pensamento dos que militam em favor da eutanásia é que a dor e a tolerância ao tratamento são questões extremamente subjetivas, não sendo possível afirmar com precisão até que ponto os pacientes poderiam ou desejariam se manter. Além disso questiona-se até que ponto o compromisso da Medicina com a Vida aceitaria este tipo de conduta?
“No que pertine a matéria, o artigo 66 do Código de Ética Médica do Brasil veda ao médico a utilização, em qualquer caso, de meios detinados a abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou do seu responsável legal. Este dispositivo não veda a supressão de meios artificiais mantedores da vida. Em caso de morte encefálica, entendemos que não há que se falar em eutanásia, haja vista que a pessoa já está morta”[4].
Um entrave que se estabelece categoricamente como obstáculo à legalização da eutanásia é a crença religiosa. Dentre as religiões mais comuns no Brasil, notadamente a religião católica, não se admite tal instituto em nenhuma hipótese. Tal posicionamento tem por fundamentação a idéia de que a vida de cada indivíduo é uma crição divina e assim, não cabe aos seres humanos decidirem sobre ele, sendo este um desígnio de Deus.
“A religião concorda com as leis vigentes, pois acha que quem deu a vida foi Deus, só quem pode tirá-la é Ele, e não mais ninguém. Foi assim que ocorreu com o nosso querido Frei Damião. Quem escolhe morrer pelas suas próprias mãos, não deixa de cometer pecado grave. É passível de não ter perdão, até a eternidade”[5].
A Igreja manifesta por vezes opiniões contrárias ao consenso da medicina e das pessoas em geral, como por exemplo as questões das células tronco (amplamente defendida como forma de cura de inúmeras doenças) e do uso de preservativos. Porém não se pode negar a importância do contraponto exercido pela moral cristã em decisões que são relevantes à vida humana. Isto porque, a mudança de pensamento da Igreja acerca de um tema polêmico, como o aborto por exemplo, geraria um completo caos social e moral nos países predominantemente dominados pelas noções religiosas.
No Brasil, tal como nos outros países que sofrem influência direta da Igreja, existe uma campanha dos religiosos para que essa prática seja proibida. Inclusive, outras religiões, tais como o Espiritismo, também manifestam repulsa à idéia de qualquer tipo de intervenção nesse sentido.
A Vida seria o bem mais preciso a ser protegido pelo Direito, por isso existe expressa determinação legal de impossibilidade de que o paciente possa dispor de sua própria vida e/ou os médicos venham a não mais alimentarem os aparelhos que lhes prolonguem a vida, ou até mesmo a aplicação de medicação que lhes faça vir a óbito. No entanto, alguns países toleram e autorizam legalmente esta medida. Podemos citar, entre eles, a Holanda, a Bélgica, Luxemburgo, alguns estados aos EUA, etc. Cada qual com suas particularidades, todos reconhecem de alguma maneira a possibilidade de pôr fim à vida de um doente.
A EUTANÁSIA COMO MÉTODO ULTRAPASSADO DE PROFILAXIA CONTRA ZOONOSES
Existem doenças que, devido ao risco de contágio em seres humanos, fazem com que os animais sejam sacrificados em detrimento à saúde pública. As principais zoonoses que são controladas a partir o método de eutanásia são a raiva e a leishmaniose, conhecida popularmente como “calazar”. Essas merecem destaque num leque que inclui ainda a dengue, a doença de chagas e outras patologias, no entanto, talvez por essas últimas se apresentarem menos sintomáticas ensejam um número reduzido de procedimentos de eutanásias.
A raiva é uma doença provocada por vírus, caracterizada por sintomatologia nervosa que acomete animais e seres humanos. Transmitida por cão, gato, rato, bovino, eqüino, suíno, macaco, morcego e animais silvestres, através da mordedura ou lambedura da mucosa ou pele lesionada por animais raivosos.
Os animais silvestres são reservatório primário para a raiva na maior parte do mundo, mas os animais domésticos de estimação são as principais fontes de transmissão para os seres humanos. O homem é contaminado pelo vírus da raiva através do contato com a saliva do animal enfermo. Isto quer dizer que, para ser inoculado, não precisa necessariamente ser mordido - basta que um corte, ferida, arranhão profundo ou queimadura em sua pele entrem em contato com a saliva do raivoso. A partir daí, o vírus se dirige sempre para o sistema nervoso central. O tempo de incubação, porém, varia com a natureza do vírus, o local da inoculação e a quantidade inoculada. Se o ponto de contágio tiver sido a cabeça, o pescoço ou os membros superiores, o período de incubação será mais breve, porque o vírus atingirá a região predileta com maior rapidez. Posteriormente, o vírus migra para os tecidos, mas, sobretudo para as glândulas salivares, de onde é excretado juntamente com a saliva.
Existem três tipos de raiva: a furiosa, a muda e a intestinal. A cura, no Brasil, se apresenta como hipótese dada como nula, uma vez que instalada a doença, não há o que se possa fazer para que o quadro seja revertido, tanto em animais como em seres humanos.
“Existe um tratamento anti-rábico imunoterápico e não tem nenhum valor quando há a doença; esse tratamento destina-se à animais de grande estima ou de valor econômico sendo que o procedimento de escolha é aplicar 0,5ml/kg de soro hiperimune e no dia seguinte iniciar uma série de três doses simples da vacina Fuenzalida, intercaladas de um a dois dias. Este tipo de tratamento não é realizado no Brasil”[6].
A leishmaniose, por sua vez, é uma doença crônica, de manifestação cutânea ou visceral, causada por protozoários flagelados do gênero Leishmania, da família dos Trypanosomatidae. É uma zoonose comum ao cão e ao homem. É transmitida ao homem pela picada de mosquitos flebotomíneos, que compreendem o gênero Lutzomyia (chamados de "mosquito palha" ou birigui) e Phlebotomus.
Há dois tipos mais comuns de leishmaniose que são: leishmaniose tegumentar ou cutânea e a leishmaniose visceral ou calazar. A leishmaniose tegumentar caracteriza-se por feridas na pele que se localizam com maior freqüência nas partes descobertas do corpo. Já a leishmaniose visceral é uma doença sistêmica, pois, acomete vários órgãos internos, principalmente o fígado, o baço e a medula óssea. Esse tipo tem lomgo período de evolução, podendo durar alguns meses ou até ultrapassar o período de um ano.
Para assegurar o controle da saúde pública existem órgãos espalhados pelo Brasil chamados Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) que têm como atribuição controlar as zoonoses, desenvolvendo sistemas de vigilância sanitária e epidemiológica. Estes institutos realizam trabalhos educativos, capturam animais errantes (serviço conhecido vulgarmente como “carrocinha”) e, estão autorizados a praticar a eutanásia em animais, desde que realizada com métodos humanitários.
“A política de controle de zoonoses adotada por estes órgãos, além da captura, consiste no confinamento e extermínio dos animais, sendo que este é feito de diferentes maneiras em cada local, já tendo sido constatadas câmaras de gás, de descompressão, pauladas, ingestão de substâncias tóxicas, estrangulamento com o cambão no momento da captura, a chamada eutanásia humanitária”[7].
Não se pretende aqui exaurir os métodos possíveis e recorrentes que se apresentam como alternativas de sacrifício aos animais (notadamente os cães e gatos, que são os principais alvos das ações dos CCZ), no entanto, importante registar e discutir o conceito de “eutanásia humanitária”:
“A Associação Americana de Medicina Veterinária - American Veterinary Medical Association (2001),considera que a morte humanitária de animais deve ser aquela que ocorre com o mínimo de dor e estresse possíveis. Desta forma,as técnicas de eutanásia devem resultar na rápida perda de consciência,seguida de parada cardíaca e/ou respiratória,e por fim da perda da função cerebral.Paralelamente a isto,o médico veterinário deverá optar por procedimentos que minimizem o estresse e a ansiedade que ocorrem anteriormente à perda de consciência do animal. Já os métodos químicos são mais aceitáveis, e dentre os mesmos,o uso de substâncias anestésicas injetáveis (não inalantes) tem sido indicado como o procedimento mais seguro e humanitário existente, desde que sejam obedecidas as especificações dos produtos utilizados, quanto à dose, via de administração e intervalo de tempo entre uma droga e outra, no caso de associações. Uma vez que o procedimento ideal de indução da morte dos animais foi compreendido, sempre que forem respeitadas as etapas de sedação,inconsciência, parada respiratória e/ou cardíaca e perda da função cerebral,o profissional poderá estar seguro da utilização de um método confiável”[8].
As praticas de eutanásia nos CCZ’s são realizadas de forma ativa, dependendo de uma ação direta que provoca a morte do animal. A decisão de praticá-la, na grande maioria das vezes, independe de qualquer tipo de autorização, sendo sacrificados uma série de animais que vivem nas ruas, independente de comprovada a doença em prol da chamada “higienização urbana”.
As zoonoses já citadas podem ser auferidas por diagnóstico clínico, o problema reside no fato de que não necessariamente os sintomas apresentados pelo animal podem referir-se a outra patologia; e como por vezes a eutanásia é uma medida vinculada ao diagnóstico, são sacrificados animais sem que sejam feitos exames apurados para detectar se, de fato, o animal está enfermo, e caso esteja, qual o grau de comprometimento e de risco à saúde pública.
O Ministério da Saúde manifesta sua concordância ao procedimento, de acordo com os seguintes termos:
“Eutanásia de cães
A prática da eutanásia canina é recomendada a todos os animais com sorologia positiva e/ou parasitológico positivo.
Para a realização da eutanásia, deve-se ter como base a Resolução nº 714, de 20 de junho de 2002, do Conselho Federal de Medicina Veterinária, que dispõe sobre os procedimentos e métodos de eutanásia em animais e dá outras providências, dentre as quais merecem destaque:
a) Os procedimentos de eutanásiasão de exclusiva responsabilidade do médico veterinário, que dependendo da da necessidade pode delegar esta prática a terceiros, que a realizará sob sua supervisão. Na localidade ou mjunicípio onde não existir médico veterinário, a responsabilidade será da autoridade sanitária local;
b) Os animais deverão ser submetidos a eutanásia em ambiente tranquilo e adequado, longe de outros animais e do alojamento dos mesmos;
c) A eutanásia deverá ser realizada segundo a legislação municipal, estadual e federal no que se refere a compra e armazenamento de drogas, saúde ocupacional e eliminação de cadáveres e carcaças;
d) Para a realização da eutanásia são recomendados os barbitúricos, anestésicos inaláveis, dióxido de carbono – CO2, monóxido de carbono – CO e cloreto de potássio _ KCl; para este último será necessária a anestesia geral prévia;
e) Os procedimentos de eutanásia, se mal empregados, estão sujeitos a legislação federal de crimes ambientais”[9].
A Organização Mundial de Saúde também se manifesta sobre como deve ser feita a triagem e o controle sistemático dos cães, enxergando também a eutanásia como medida profilática:
“A detecção passiva de casos de leishmaniose canina depende das notificações dos médicos veteninários, que deveriam ser obrigados a notificar os casos à autoridade central. Na detecção ativa de casos os membros da comunidade devem saber, antecipadamente, quando e onde devem levar seus cães para exame gratuito. Assim, é possível examinar mais cães do que em visitas porta-a-porta. Além disso, a detecção ativa de casos de LV canina pode ser integrada aos programas de vacinação anti-rábica. São registrados o nome e o endereço dos donos dos cães. O exame dos cães inclui a detecção dos sinais clínicos da LV canina, bem como coleta de sangue para diagnóstico sorológico e de amostra para diagnóstico patológico. Os resultados dos exames sorológicos e parasitológicos devem ser comunicados aos proprietários dos cães, por intermédio das autoridades civis, junto com a recomendação de que todo cão com resultado sorológico positivo deve ser eliminado, uma vez que certamente é portador ativo da infecção e contribuirá à disseminação da doença humana”[10].
Muitos dos casos de leishmaniose canina poderiam e deveriam ser tratados, não sendo adotado este procedimento devido ao alto custo, ao elevado tempo de duração do tratamento e a falta de interesse dos responsáveis pelo animal em tratá-lo, dispendendo com isso tempo do qual não querem dispor.
Há tratamentos para a leishmaniose sendo feitos de forma alternativa e pioneira em diversos estados do Brasil, inclusive na Universidade Federal da Bahia, onde alcança uma série de resultados positivos, que embora algumas vezes não se manifeste numa cura de forma irretrita, é útil na preservação à saúde pública, visto que uma vez tratado o animal para de atuar como transmissor, não oferecendo mais riscos a população local.
Os tratamentos para calazar são pesquisados e adotados em diversos países do mundo a bastante tempo, tendo sido tentado especialmente na França, não somente com a finalidade de profilaxia da moléstia, bem como por ser uma prática veterinária corrente para recuperação de cães de luxo ou estimação. Tem sido tentado também em países onde há criação de cães para a caça ou desportes diversos tais como corridas, com ou sem obstáculo, cães de salvamento ou cães de vigilância. Em consequência disso foram aplicados aos cães os esquemas de tratamento utilizadospara calazar humano.
Fica claro então que existem outros tratamentos alternativos para que não seja necessário sacrificar o animal, mostrando assim que a eutanásia é uma forma desumana de controle já ultrapassada pelo avanço da tecnologia e da medicina veterinária.
A EUTANÁSIA COMO ALTERNATIVA DE PÔR TERMO AO SOFRIMENTO DO ANIMAL
Em muitos casos a eutanásia não é utilizada como forma de controle as zoonoses que podem colocar em risco a saúde pública mas sim como forma de dirimir o sofrimento do animal, quando este já se encontra debilitado ou senil. Se configura, infelizmente, também como uma forma discricionária, egoísta e perversa escolhida pelos responsáveis pelos animais de não mais zelarem pelo seu tutelado.
Existe por parte de alguns responsáveis a preocupação com a qualidade de vida e o sofrimento do seu animal. A partir disso esses criadores se dirigem a um veterinário quando os seus animais de estimação atingem idade avançada e tem problemas decorrentes disso, como: perda da visão, problemas de locomoção, perda do discernimento mental, dentre outras atrofias resultantes da idade.
Outros casos que fazem com que as pessoas se dirijam ao veterinário optando por praticar a “eutanásia humanitária” são as doenças e acidentes que acometem os animais, tornando-os por vezes incapazes. Ao enxergarem os seus animais sangrando, sofrendo, paralisados, verdadeiros doentes em fase terminal, aqueles que se dizem incapacitados para verem os seus “companheiros” sofrerem, tomam a decisão difícil de pedirem, ou apenas aceitarem a sugestão do veterinário, de por fim ao sofrimento do animal que não pode mais ser curado ou tratado pela medicina.
O problema está no fato de que em uma parcela considerável de animais sacrificados muitos decorrem verdadeiramente do egoísmo dos seus responsáveis, que não querem dedicar cuidados, tempo e dinheiro para saciar as necessidades daqueles que um dia optaram por cuidar.
Não cabe aos seres humanos decidirem quando deve ou não terminar a vida dos animais que criam, essa é uma escolha que não lhe pertence uma vez que o animal é detentor deve ser visto como detentor de direito a vida. Deve, pois, sobreviver sendo tratado de todas as formas que estão ao alcance dos seus curadores dentre a série de opções que já existem para amenizar as dificuldades e lesões em suas mais diversas manifestações, incluindo-se aqui hipóteses como: transfusão de sangue, cadeira de rodas, aparelhos respiratórios, ultrassonografias, dentre outras.
O discurso falacioso daqueles que afirmam não ter a capacidade de tolerar o sofrimento do animal verdadeiramente é uma preocupação com o bem-estar dos indivíduos que não querem conviver com um animal doente, que tem está com um cheiro desagradável, um aspecto feio, uma pele acometida por feridas purulentas, que expele secreções, ou quaisquer outras anomalias que fariam com que os indivíduos tivessem de suportar um ônus que se apresenta como “desnecessário” em face da hipótese de sacrificá-los e não trem de conviver com o fardo de tratá-los.
Os veterinários, por sua vez, aconselham a eutanásia nas seguintes hipóteses: porque consideram o animal incurável, porque as escassas possibilidades de cura não justificam os esforços de todo tipo que deveriam ser realizados e para poupar seu paciente de sofrimentos "supostamente inúteis".
Muitas vezes o diagnóstico de incurabilidade é também uma atitude egoísta do médico, uma vez que o libera da responsabilidade de enfrentar um tratamento com probabilidades de fracassar. Os fracassos, ainda que em casos gravíssimos, sempre provocam certa perda de prestígio. Alivia o esforço de trabalho e dedicação que significa um enfermo grave. No caso da eutanásia ser aceita pelo proprietário (coisa muito provável), acaba-se prontamente com um "caso problema", dispondo-se de mais tempo para as vacinações e casos sem gravidade, que são a fonte mais importante de renda das clínicas.
Assim como ocorre com a vida humana, a ninguém cabe tomar a atitude de ceifar uma vida com base na possibilidade de que uma enfermidade não seja curável, uma vez que a qualquer momento aquele animal pode vir a se recuperar mesmo contrariando a expectativa do veterinário.
“Embora sejam empíricas as conclusões sobre o sofrimento animal, a observação sugere que ele pode decorrer do desconforto, medo, estresse, frustração, tédio, tormento, pesar ou dor. Há uma barreira de comunicação direta entre humanos e animais, então, para vencê-la, o BEA (Bem-Estar Animal) observa o comportamento destes (expressão, olhar triste, mudança de temperamento) e os sinais clínicos (peso, respiração, batimentos cardíacos, p. ex.), e os confronta com o que se sabe sobre a raça. Um outro método é a generalização que parte do sentimento humano para determinar o sofrimento animal, mas, devido as grandes diferenças biológicas entre estas espécies, o método é criticado por cientistas”[11].
A eutanásia em animais, notadamente os domésticos, se manifesta como uma crueldade principalmente pela impossibilidade de que este expresse quão grande é o seu sofrimento, ou se apesar das dificuldades e da idade ele deseja continuar vivo... A partir disso se faz as seguintes indagações: Se ele pudesse falar e lhe perguntássemos sua opinião, o que diria? Será que, de alguma forma, ele pode? Como é possível que proprietário e veterinário decidam, às vezes tão superficialmente, o destino de uma vida? Não somos capazes de dedicar-lhes alguns dias, horas ou semanas, enquanto eles foram capazes de dedicar-nos toda sua vida? Então, este animalzinho que estamos planejando matar, não se sentiria feliz, apesar das dores de uma enfermidade que o está derrotando, em saber que estamos ao seu lado, lutando pela sua vida até o último momento?
Os veterinários não podem sempre ser acusados de negligência ou de egoísmo ao tomar esta decisão uma vez que ela, por vezes, reflete aquilo que aprenderam na faculdade como sendo a opção correta a se fazer ou por ser o resultado da vontade do dono do animal.
Inclusive há uma série de especialistas que não se sentem a vontade para abreviar a vida destes seres, existindo para comprovar este dado uma série de estudos que revelam o impacto psicológico causado aos veterinários e as suas conseqüências.
A depender das crenças morais e religiosas[12] do indivíduo esta escolha torna-se ainda mais difícil por ser contrária aquilo que ele acredita, fazendo com que este profissional de saúde se veja diante de uma situação limítrofe em que tenha de optar pelo tratamento mais adequado ao caso e a culpa por ter tomado esta decisão.
“O hinduísmo sustenta que os animais têm almas que transmigram e uma consciência como a nossa, e que, embora não tenham linguagem humana, podem se comunicar conosco de outras maneiras, que revelam a presença de uma mente e de uma alma. Isso não quer dizer, evidentemente, que eles pensem e/ou sintam precisamente como nós; mas simplesmente que eles também pensam e sentem”[13].
Os profissionais envolvidos com a prática de eutanásia animal costumam ser afetados por problemas psicológicos, como alcoolismo e dependência química, por exemplo, com uma freqüência maior do que a que é observada na maioria das pessoas.
No livro abaixo citado, de Nick Trout, o autor, veterinário com muitos anos de profissão, narra aquilo que sente ao praticar a eutanásia, mostrando que a dúvida e a tristeza são uma realidade ainda depois de tanto tempo:
“Sozinho, permito-me um momento de fraqueza, ouço a dúvida sussurrada em meus pensamentos. Ele poderia ter vivido mais um dia em casa, outra semana? Jamais saberemos, e, para lidar com a realidade da eutanásia, aprendi a me sentir confortável com a ambigüidade e a magnitude de quando termino uma vida. Alguns veterinários choram com os proprietários do animal sacrificado, e não há nada de mal nisso, mas eu nunca choro. E, acreditem, em alguns momentos, não por falta de vontade”[14].
Isso tudo apenas comprova que esta alternativa, a eutanásia animal, embora se apresente como medida corriqueira e considerada eficaz se revela um ato que traz mazelas àquele que decide ou àquele que executa. Este abalo psicológico experimentado por aqueles que são obrigados a integrar essa realidade decorre do fato de que a ideia de sacrificar um animal é complicada inclusive para os médicos veterinários, que de alguma forma aprenderam, seja durante a formação acadêmica ou durante os anos de prática clínica, a lidar com ela.
O respeito à vida animal deve ser implementado, tendo apenas como exceção os casos em que não realizar a eutanásia implica em complicações e/ou sofrimentos desnecessários ao animal. Com isso se quer dizer que este instituto, da forma como vem sendo aplicado, condena à morte animais por vezes sadios, permitindo o sacrifício por motivos que são mesquinhos. Os casos em que a eutanásia animal pode ser permitida deve se ater às hipóteses em que mantê-lo vivo ira ofender o direito a ter uma vida digna. Para isso, deve haver uma preocupação muito grande com o diagnóstico e com a impossibilidade real de cura (independente do método e do custo que isso represente), sendo observado ainda os indícios que demonstram que o sofrimento está além daquilo que o animal pode suportar.
Esta questão deve ser ponderada, de acordo com Princípio da Proporcionalidade[15], na análise de cada caso concreto. Para que seja feito este sopesamento deve se ter como pilares o respeito à vida digna (aplicado aos animais) e o direito à vida na esfera animal.
OS ANIMAIS COMO DETENTORES DO DIREITO À VIDA
“É cediço que a vida humana precede ao direito, de maneira que desde os primórdios da humanidade, o direito a vida tem sido preservado de forma prioritária, pois constituiu e ainda constitui, o direito tutelado mais importante existente, e dessa forma é tratado no ordenamento jurídico pátrio”[16].
Trata-se de elemento necessário para que se possa falar em outros direitos. Por isso é elemento inviolável do indivíduo, que dá suporte a todas as necessidades e direitos lhe são atribuídos, restando estes garantidos no nosso ordenamento. A Vida é protegida pela Constituição, em seu art. 5°, bem como pelo Código Penal na medida em que este tutela os crimes contra em vida em capítulo destacado.
A tendência atual é de condenar os animais a um patamar de vida inferior ao que é ocupado pela espécie humana. Para sustentar este argumento essas pessoas se utilizam de uma valoração equivocada de que a vida humana teria maior relevância do que a vida animal porque estes últimos não têm as mesmas capacidades que os humanos de estabelecerem comunicação com o mesmo grau de determinação, não se comportarem de forma ponderada, por não se apresentarem, enfim, como seres racionais.
Em filosofia, define-se o homem como um "animal racional". Não se afirma que o homem é racional da mesma maneira que um quadrado tem quatro lados. A racionalidade é característica de seus pensamentos, de seus atos e de todos os seus modos de atuar. Esta racionalidade é que dá força ao livre-arbítrio, no sentido de ele agir como lhe convier e responder por seus atos. Por essa racionalidade o homem se realiza e, realizando-se, escolhe o sentido de sua vida e de suas ações, escolhe ser o que é.
Nas palavras desconstrutivistas de Jacques Derrida, esta racionalidade ganha um traçado poético quando este filósofo tenta distinguir homens e animais: “(...) o próprio dos animais, e aquilo que os distingue em última instância do homem, é estarem nus sem o saber. Logo, o fato de não estarem nus, de não terem o saber de sua nudez, a consciência do bem e do mal em suma”[17]. Ora, isto não lhes retira a capacidade de sofrerem e de serem respeitados como seres detentores de vida e (porque não dizer?) sentimento.
“Contudo, uma nova tendência metodológica vem se firmando nessa disciplina. Em clara ruptura com a visão dominante da etologia cognitiva, que ainda conserva traços do antigo behaviorismo, essa nova tendência, também presente no pensamento filosófico, introduz uma abordagem revolucionária que vai conferir ao animal o estatuto de sujeito. Não mais o animal-objeto, considerado nas suas singularidades e nos seus agenciamentos”[18].
A partir do entendimento do animal como detentor de direitos este deve ser amparado pela legislação vigente e acima de tudo as duas vidas devem ser efetivamente respeitadas. A ideia de tutela jurídica efetiva ao meio ambiente, notadamente aos animais é alvo de estranheza, quando não atrai críticas depreciativas, infundadas e preconceituosas.
“O problema da abordagem moderna da questão animal, é que a legitimidade científica exige a eliminação de todo sentimento na produção do conhecimento teórico objetivo. Ora, é a ciência moderna, produto histórico da razão instrumental, que faz do conhecimento uma exigência de objetividade, eliminando definitivamente o phatos do seu universo. Cada vez que um pesquisador se vê confrontado nas suas observações com uma qualidade (cognitiva ou afetiva) superior no animal, a sua objetividade científica remete imediatamente o fenômeno a uma suposta projeção antropomórfica do observador. Apenas as qualidade inferiores do animal costumam ser levadas a sério”[19].
O novo saber científico exige a mudança do paradigma vigente que supõe uma dualidade radical entre o observador e seu objeto[20], assim é preciso que se “horizontalize” a relação entre homens e animais para que estes sejam respeitados como seres detentores de direitos. E essa revolução apenas ocorrerá a partir de uma constante conscientização sobre a necessidade de um respeito a toda e qualquer forma de vida, independente de sua posição na cadeia evolutiva.
Assim, vale a pena firmar aqui o entendimento que vem se tornado corrente em uma série de medidas de Soft Law e de Hard Law[21] e da atividade interpretativa dos juristas que, pouco a pouco, vem se consolidando como alicerce jurídico para a efetividade do respeito animal.
A Declaração sobre ética experimental, resultado do Congresso Internacional realizado em Geneva, de 12 a 20 de junho de 1981 afirma em seu artigo primevo que:
1. Perante a vida, todos os seres vivos nascem iguais e tem os mesmos direitos à existência.
2. A desigualdade entre as espécies ou espécimes e a desigualdade entre as raças ou racismo, constituem crimes contra a vida.
3. O homem de ciência deve se dedicar ao respeito pela vida humana ou não humana.
A Constituição Federal de 1988 por sua vez normatiza em seu Art. 225, § 1° que: “Incumbe ao Poder Público:VII – Proteger a Fauna e a Flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco suas funções ecológicas, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.”
Aqui, entende-se evidenciado a proteção do direito à vida e ao sofrimento animal à luz da interpretação constitucional. Isto exige do intérprete um olhar atento acerca das implicações ambientais provocadas pela banalização da entanásia (supostamente) humanitária.
“O processo de redemocratização brasileiro trouxe consigo uma nova Carta Política aberta para os problemas de seu tempo. Com o advento da Constituição de 1988 foi possível repensar a forma de tratamento dos não-humanos(...)”[22].
As constituições estaduais se inspiram na Carta Magna para dispor sobre o tema. Os animais encontram proteção constitucional em diversos estados[23], inclusive na Constituição da Bahia: “Art. 214, VII: Proteger a fauna e a flora, em especial as espécies ameaçadas de extinção, fiscalizando a extração, captura, produção, transporte, comercialização e consumo de seus espécimes e subprodutos, vedadas na forma da lei as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem sua extinção ou submetam os animais a crueldade.”
Até pouco tempo atrás a maior preocupação do Direito era tutelar qual o local ocupado pelo animal na esfera jurídica, sendo que este nunca ultrapassou a idéia de que os animais seriam meros objetos, não sendo por isso suscetíveis a figurarem como sujeitos de ações e tutelas jurídicas.
A História do Direito se modificou com relação a quem pertenceria o domínio e a propriedade dos animais, mas nunca tangenciou a idéia de que eles não pertencessem a ninguém, não no sentido de res nullius[24], e sim como sujeitos de direitos que não podem ser apropriados, tolhidos e desrespeitados da forma como são.
Atualmente está pacificado na doutrina e na Jurisprudência que os animais silvestres são domínio do Estado, sendo bem de uso comum do povo, isto porque O STJ decidiu que os animais seriam bens de uso comum do povo, sendo competente para julgar os crimes contra os animas a Justiça Comum, salvo se for praticado em local que deva ser julgado pela Justiça Federal.
O atual Código Civil, assim como o Código Civil de 1916, classifica os bens quanto à titularidade em bens públicos e bens privados, preceituando em seu artigo 98, que bens públicos são os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno e bens particulares todos os outros, seja qual for a pessoa a que pertencerem
Por seu vez, os animais domésticos e aqueles criados para o abate são bens particulares. Públicos ou particulares, objetos ou sujeito, domésticos ou selvagens: independente da denominação e classificação que recebam isto em nada altera a realidade de desrespeito às leis de proteção vigentes, tornando-as ineficazes[25].
O ideal seria que estes fossem sujeitos de direitos, e que assim, a maioria dos direitos fundamentais aos homens fossem implementados também aos animais, com a ressalva daqueles que exigem uma capacidade da qual estes não dispõe, como o Direito à liberdade religiosa. Consequentemente, deveriam ser estes detentores de direito a vida, a dignidade, a honra (na medida em que não deveriam ser expostos a exposições depreciativas), a liberdade de locomoção, dentre outros.
“Para evitarmos o especismo, temos que admitir que seres semelhantes, em todos os aspectos relevantes, tenham direito semelhante à vida. O mero fato de um ser pertencer à nossa própria espécie biológica não se pode constituir em critério moralmente relevante para que se tenha esse direito”[26].
Um passo importante nesta caminhada de reconhecimento do Direito Animal foi dado pela Declaração Universal de Direitos dos Animais[27], que embora atue apenas no plano da Soft Law traz grandes avanços no sentido de preservá-los das mais diversas formas de abuso, restando também claro a imposição do respeito à Vida animal.
“Art. 1º - Todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência.
Art. 2º - 1. Todo o animal tem o direito a ser respeitado.
2. O homem, como espécie animal, não pode exterminar os outros animais ou explorá-los violando esse direito; tem o dever de pôr os seus conhecimentos ao serviço dos animais.
3. Todo o animal tem o direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem.
Art. 3º - 1. Nenhum animal será submetido nem a maus tratos nem a atos cruéis.
2. Se for necessário matar um animal, ele deve de ser morto instantaneamente, sem dor e de modo a não provocar-lhe angústia.
Art. 6º - 1. Todo o animal que o homem escolheu para seu companheiro tem direito a uma duração de vida conforme a sua longevidade natural.
2. O abandono de um animal é um ato cruel e degradante.
Art. 11º - Todo o ato que implique a morte de um animal sem necessidade é um biocídio, isto é um crime contra a vida.”
Estas determinações trazem à tona a importância de que a eutanásia seja medida instituída em última instância, quando for esta medida aquela mais conveniente ao animal, e apenas a este. O sacrifício, por sua vez, não pode ser feito de forma dolorosa uma vez que esta prática deve ser regida pelo bom senso de todos os profissionais que atuam desde o diagnóstico até àqueles que são responsáveis por ceifar-lhes o direito fundamental e constitucional de viver.
CONCLUSÃO
Ficou comprovado que o direito à vida do animal deve ser preservado em detrimento de outros interesses que não sejam relacionados ao animal. Assim a eutanásia foi abordada como prática que desrespeita os animais como sujeitos de direitos.
Isto porque outras formas que auxiliariam no combate e profilaxia de zoonoses transmitidas por animais foram colocadas como alternativas ao sacrifício. Devem ser, pois, descartados os motivos egoístas que fazem com que os médicos e proprietários dos animais optem por esta medida, sendo ressalvadas as circunstâncias em que devido a incurabilidade da enfermidade e/ou sofrimento causado ao animal a eutanásia humanitária deve ser praticada, uma vez que o direito à dignidade deve ser utilizado também como pilar no momento em que se considera retirar a vida do animal.
Finalmente foi abordada a idéia de que os animais devem ser detentores de direitos, sendo ressaltado o direito à vida, uma vez que com a eutanásia sendo realizada nos moldes atuais este é constantemente desrespeitado, condenando uma série de animais à morte violando frontalmente o direito constitucional e as normas infraconstitucionais vigentes.
Cabe, portanto, a cada ser humano tecer rigorosa consideração sobre o dever de fazer ou não fazer, que importa numa tomada de decisão onde haja correlata inferência dos interesses dos animais ponderando que tudo aquilo que reputamos não dever ser feito contra seres humanos deve corresponder idêntica abstenção em relação aos animais.
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[1] PESSINI, Léo. Distanásia: até quando prolongar a vida? 2.ed.São Paulo: Loyola. 2001, p. 147.
[2] BARCHIFONTAINE, Cristian de Paul; PESSANI, Leo, Bioética – Alguns desafios 2 ed. São Paulo: Editora do Centro Universitário de São Paulo,.2002, p. 288.
[3] PESSINI, Leo. Eutanásia: porque abreviar a vida?. São Paulo: Edições Loyola, 2004, p. 48-49.
[4] PEREIRA, Tânia da Silva; MENEZES, Rachel Aisengart; BARBOZA; Heloísa Helena (coordenadoras) .Vida, morte e dignidade humana. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2010, p. 22.
[5] TORRES, Blancard Santos. Doença, fé e esperança. Recife: Editora Universitária da UFPE, 2007, p. 76.
[6] CORRÊA, W. M; CORRÊA, C. N. M; Outras rickettsioses. Enfermidades Infecciosas dos Mamíferos Domésticos, 2ª ed, Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p. 48.
[7] SANTANA, Luciano Rocha; SANTANA, Heron José. Revista Brasileira de Direito Animal, ano 1, número 1, jan/dez 2006, p. 126.
[8] Texto retirado do site: http://analgesi.co.cc/html/t20136.html, em 22/06/2011, às 20:47.
[9] Guia de Vigilância epidemológica/Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde – 6ª edição, Brasília, Ministério da Saúde, 2005.
[10] Manual de controle da leishmaniose viceral – Brasília: Organização Pan-America de Saúde/Organização Mundial de Saúde, 1997.
[11] RAMINHANI, Marcia Graça, O bem-estar dos cães domiciliados em apartamento in Revista Brasileira de Direito Animal, SANTANA, Luciano Rocha e SANTANA, Heron José (coord), Salvador, Instituto de Abolicionismo Animal, jan/dez 2006, p. 136.
[12] Existem religiões que pregam que os animais são sagrados como o Budismo, Hinduísmo e o Xamanismo. Nestas religiões até os seres humanos podem reencarnar como um animal. E por fazermos parte da mesma natureza, devem ser respeitados e reverenciados, não se admitindo a eutanásia por motivos algum. Por outro lado, o sacrifício de animais é visto com naturalidade pela Doutrina Espírita, pois geralmente é para livrar o animal de um grande sofrimento. O animal não tem vida moral e por isso suas dores são apenas físicas. Portanto, o sacrifício dos animais em fase terminal de doença não constitui uma infração à lei. Mas se esse ato trouxer dor e remorso para quem o faz ou o autoriza, melhor não praticar e esperar a morte naturalmente.
[13] COETZEE. J. M. A vida dos animais. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 121.
[14] TROUT, Nick, tradução Débora Isidoro. Diga Trinta e Três. São Paulo: Ediouro, 2008, p. 109.
[15] O princípio da proporcionalidade surge exatamente como o equacionador da colisão dos princípios fundamentais, a ser utilizado pelo operador do direito na ponderação dos valores que deverão prevalecer no caso concreto, inclusive quando da necessidade de mitigação da coisa julgada material. A proporcionalidade, como uma das facetas da razoabilidade revela que nem todos os meios justificam os fins. Os meios conducentes à consecução das finalidades, quando exorbitantes, superam a proporcionalidade, porquanto medidas imoderadas em confronto com o resultado almejado.
[16] SANTOS, Fernando de Almeida; SIQUEIRA, Tayla Cristina. O Direito de morrer. In: Revista Virtual O Patriarca, texto retirado do site: http://unipacaraguari.edu.br/oPatriarca/v4/arquivos/trabalhos/ARTIGO04FERNANDO.pdf, em 08/05/2014, às 22:45 hrs.
[17] DERRIDA, Jacques. O animal que logo sou. São Paulo: Editora UNESP, 2002, p. 17.
[18] DOWELL, Beatriz Mac, Pensar o animal in Revista Brasileira de Direito Animal, SANTANA, Luciano Rocha e SANTANA, Heron José (coord), Salvador, Instituto de Abolicionismo Animal, jan/dez 2008. p. 32.
[19] Idem. p. 36.
[20] LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo: Editora Brasiliense, 1998. p. 14.
[21] Soft law, expressão sinônima de droit doux, direito flexível ou soft norm, designa, no âmbito do direito internacional público, o texto internacional que é desprovido de caráter jurídico em relação a seus signatários. Refere-se, portanto, a normas facultativas, em oposição às normas cogentes, ou hard law. A soft law pode influenciar a criação de tratados internacionais ou as ações de um país e, portanto, ser considerada muitas vezes um dos primeiros passos na direção da elaboração da hard law.
[22] SILVA, Tagore Trajano de Almeida. O ensino de Direito Animal: um panorama global. In: Revista de Direito Brasileira. Ano 3, vol. 6, set/dez 2013. Florianópolis: Publicação Oficial CONPEDI, 2014, p. 254.
[23] DIAS, Edna Cardozo. A tutela jurídica dos animais. Belo Horizonte: Editora Mandamentos, 2000. p, 95.
[24] Res nullius é uma expressão latina, composta de res + nullius, significando literalmente "coisa sem dono" ou "coisa de ninguém".No direito romano, a apropriação da res nullius era permitida, enquanto coisa extra-patrimonial, isto é, que não se situava no patrimônio de ninguém.
[25] GORDILHO, Heron José de Santana. Direito ambiental pós moderno. Curitiba: Juruá, 2009. p, 141.
[26] SINGER, Peter. Libertação Animal. São Paulo: Editora Lugano, 2004, p. 236.
[27] A Declaração Universal dos Direitos dos Animais foi proclamada pela UNESCO em sessão realizada em Bruxelas - Bélgica, em 27 de Janeiro de 1978.
Mestranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia, Assessora Jurídica do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Jessica Hind Ribeiro. A "eutanásia humanitária" vista como forma ultrapassada do controle de zoonoses à luz da interpretação constitucional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 ago 2014, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/40453/a-quot-eutanasia-humanitaria-quot-vista-como-forma-ultrapassada-do-controle-de-zoonoses-a-luz-da-interpretacao-constitucional. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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